"Existe uma lenda que diz que a milhares de anos atrás em um reino já esquecido, uma camponesa deu à luz a três meninas. Nesse mesmo dia, uma bola de fogo cruzou os céus fazendo a noite virar dia.
Muitos adivinhos da época, ligados ao imperador, alegaram que aquele acontecimento indicava boa sorte, para outros, mau presságio. Sem saber em quais informações acreditar, o imperador ordenou que fossem investigados acontecimentos anormais por todo seu território.
Dias mais tarde, a notícia do nascimento das três meninas veio a seu conhecimento. Intrigado com tais coincidências, o Imperador convocou a família das crianças ao palácio. Lá, a sorte delas foi lida.
A primeira menina, foi dito, que viveria até os 12 anos.
A segunda, que se casaria com um grande homem, mas não teria filhos.
A terceira, que teria um bom casamento e teria um filho, mas que esse filho poderia ser a salvação do império, como a destruição dele.
Diante de tais revelações, o imperador, intrigado com o destino das gêmeas, resolveu acolher a família. Deu-lhes casa, trabalho e comida.
Como previsto, aos 12 anos a primeira faleceu devido a uma doença séria. A segunda se casou assim que completou seus 16 anos, ela era muito feliz em seu casamento, mas após um aborto espontâneo, foi constatado que ela não poderia mais ter filhos. A terceira, acabou se casando com o próprio Imperador após completar seus 20 anos e teve um filho com ele, um menino.
Mas nem todos viram essa criança com bons olhos, ou carisma. Por ser filho de uma concubina de baixo nível, o Rapaz cresceu tendo que suportar muitos momentos ruins, humilhação e fofocas. Porém, o Imperador e Sua mãe, sempre estiveram presentes em sua vida, lhe dando amor e carinho.
Conforme o rapaz cresceu, mostrou ser digno de continuar o legado do pai por várias vitórias no campo de batalha e sabedoria em situações de raciocínio. E, com isso, acabou assumindo ao trono.
Mas, nas sombras, algo maligno se escondia, apenas esperando o momento de aparecer.
Com forças sobrenaturais, exércitos desconhecidos começaram a ameaçar o império, pondo à prova todo o conhecimento do jovem imperador. Foram anos de batalhas intensas ao que os humanos chamavam de demônios devido suas forças sobrenaturais e suas aparências horripilantes.
A lenda diz que o Imperador (o filho da terceira menina) naquela época, recorreu a métodos sobrenaturais a uma grande bruxa da floresta pela liberdade e vida de seu povo, trazendo vitória ao reino.
Mas o combinado não sai caro. Certa noite, vagando pelo jardim do palácio, o jovem se deparou com uma forte luz, e com isso ele caiu sem vida.
A lenda termina dizendo que, mesmo o Imperador tendo dado a vida para salvar seu império, ele também a destruiu, já que morreu sem deixar herdeiros. Permitindo aos inimigos do império, grandes invasões em escala, levando assim, a distribuição do que ele morreu para proteger. E que por isso, a alma de todos que se sacrificaram em batalha não dormem, vagando eternamente pelas florestas onde as grandes batalhas foram forjadas."
Mas para Mirha, as lendas eram meras invenções, boatos sem pé nem cabeça que o tempo insistia em perpetuar. "Se um ser assim realmente existisse, alguém já teria tropeçado nele pelas estradas ou nas matas", ela comentou, sua voz carregada de um cansaço resignado antes de depositar um beijo rápido na testa de sua avó e se erguer da mesa de jantar na cozinha. "Isso é só uma história para assustar as crianças e mantê-las longe da floresta, só isso." E com um último aceno, ela se dirigiu à pia, pronta para enfrentar a louça.
Mirha, aos dezoito anos, não ostentava uma beleza convencional. Seus cabelos eram um emaranhado de cachos cheios e indomáveis, suas bochechas marcadas por sardas joviais, e sua compleição era magra, quase esguia. Atualmente, ela dividia seu tempo entre o hospital da cidade, onde trabalhava como residente, e o pequeno lar que compartilhava com sua avó. Uma senhora idosa, dotada de uma memória prodigiosa para histórias antigas, cujos contos, no entanto, eram temperados por um espírito teimoso e uma inclinação para implicâncias que Mirha bem conhecia.
"Talvez você tenha razão, querida", a avó respondeu, a voz soando mais como um murmúrio rouco, enquanto recolhia os pratos e talheres sujos da refeição que acabara de terminar. "Mas não acha que mesmo as histórias mais fantasiosas precisam ter um ponto de partida? Algo que as fez nascer?"
"Não, vovó. Acho que não.", disparou Mirha, a água morna da torneira lavando os resquícios de comida dos pratos. "Forças sobrenaturais? Homens que desafiam a natureza? Uma luz branca que extingue a vida?" Ela fez uma pausa em meio à tarefa, buscando um escorredor entre os potes e panelas no armário da cozinha, um sorriso maroto brincando nos lábios. "Convenhamos, é um pouco ridículo para se levar a sério", ela concluiu, o sorriso se alargando.
A idosa, que observava a neta com um olhar que misturava afeto e uma pacífica discordância, soltou um suspiro discreto. Levantou-se da mesa, escutando o tilintar suave da louça sendo acomodada na pequena pia de mármore, deixando a tarefa final para Mirha. Ela não insistiu no assunto. Sabia que a resistência da neta era mais uma demonstração de sua praticidade do que uma falta de respeito. Mirha, por sua vez, também não trouxe o assunto de volta, mergulhando de volta na rotina da limpeza, sua postura reafirmando o ceticismo que a definia naquele momento.
A noite já havia se instalado completamente sobre a 'pequena' cidade, um aglomerado de casas e ruas tranquilas que Mirha chamava de lar. Para ela, fora mais um dia sem plantão no hospital, um dos raros momentos de calmaria em sua agenda corrida. Mirha era uma jovem de natureza simples, que encontrava contentamento nas pequenas alegrias e não almejava riquezas materiais. Sua escolha pela medicina não fora um acaso; fora motivada por dois pilares principais: honrar o sonho de sua mãe, já falecida, e adquirir o conhecimento e a sabedoria necessários para cuidar de sua avó com toda a atenção e carinho até que chegasse o inevitável momento da partida da idosa.
Ouvir as histórias de sua avó era, de certa forma, como embarcar em uma máquina do tempo, uma viagem que a transportava de volta à infância. Era um momento precioso, apesar das constantes tentativas da avó em convencê-la da veracidade literal de cada conto, algo que Mirha sempre recebia com um misto de diversão e ceticismo.
Com a cozinha finalmente arrumada e reluzente, Mirha subiu as escadas, o piso de madeira rangendo suavemente sob seus pés descalços. Entrou em seu quarto e se jogou na cama, o corpo exausto cedendo ao colchão macio. Sua mente, porém, continuava agitada, um turbilhão entre as preocupações com os pacientes que acompanhava no hospital e as ansiedades rotineiras sobre o bem-estar de sua avó. Foi nesse estado de semi-transe que seu celular emitiu um bipe vibrante, anunciando uma chamada recebida.
"E aí, magrela? Fazendo o quê de bom?", a voz familiar e jovial de Laumá ecoou do outro lado da linha, quebrando o silêncio do quarto.
Laumá, uma ex-colega de quarto da faculdade, era o oposto de Mirha em muitos aspectos. Loira, com longos cabelos que caíam em cascata sobre os ombros, pele clara e um voluptuoso busto, ela personificava uma energia vibrante que contrastava com a serenidade mais contida de Mirha.
Mirha revirou os olhos, um sorriso involuntário curvando seus lábios. "Oi, Laumá. Acabei de me deitar e você?", respondeu, a exaustão evidente em seu tom de voz, um tom que parecia arrastado e pesado.
"Nossa, que voz é essa? Parece que você passou o dia arrecadando materiais de construção!", brincou a amiga, surpresa com a intensidade do cansaço na voz de Mirha.
"Estou exausta, só isso. Vovó me fez limpar a casa inteira hoje, de cima a baixo, como se fôssemos abrir uma nova estância turística. Começo a acreditar que trabalhar em plantão no hospital seria menos torturante.", desabafou Mirha, cobrindo os olhos com um braço na tentativa inútil de bloquear a luz fraca que entrava pela janela.
Laumá riu do outro lado da linha. "Sua casa é tão pequena, Mira! Como pode se cansar tanto só limpando? Você exagerada!", implicou a amiga, a voz tingida de divertimento.
"Ah, você não sabe o que é ter uma avó acumuladora igual à minha! Com ela, cada canto se transforma em um acervo de quinquilharias a serem polidas e organizadas. Tente fazer isso, e com certeza você vai mudar de ideia sobre o que é cansativo.", retrucou Mirha, um sorriso genuíno agora pintando seu rosto ao relembrar algumas das 'aventuras' domésticas com a avó.
Alguns minutos de conversa se esticaram em quase uma hora, recheados de risadas, desabafos rápidos e fofocas triviais sobre a vida na cidade e os colegas da faculdade. Finalmente, ambas se despediram, prometendo um café ou um jantar nos próximos dias. O resto da noite era para o descanso merecido, pois o dia seguinte já se anunciava... interessante.
Um aroma reconfortante de café fresco começou a dançar no ar, uma faísca delicada que ousou interromper o sono profundo de Mirha. A fragrância, um convite preguiçoso para o dia, tentou puxá-la de volta para os braços de Morfeu, mas o estalo insistente do despertador — ou melhor, o que deveria ter sido o estalo insistente — logo se fez presente em sua mente. Quando finalmente conseguiu juntar a força para abrir os olhos, sua atenção foi imediatamente capturada pelo relógio digital reluzente ao lado da cama. Um sobressalto percorreu seu corpo. "Ah, não! Atrasada de novo!" A frase escapou num suspiro desesperado enquanto ela disparava para fora da cama, os pés descalços batendo no chão frio. Desta vez, o tempo era um inimigo implacável.
Com uma agilidade movida pelo pânico, Mirha jogou o primeiro conjunto de roupas que encontrou e enfiou o uniforme impecável do hospital de qualquer jeito em sua bolsa, dobrado de forma que mal cabia. Um coque desajeitado, mais um nó apressado do que um penteado, foi tudo o que conseguiu prender em seus cabelos revoltos antes de se jogar escada abaixo, um borrão de movimento e ansiedade. Sua avó, como sempre, estava absorta em seus rituais matinais, o olhar fixo no bule antigo enquanto o vapor subia suavemente. Mirha passou por ela como um furacão, sem tempo para nada mais.
"Volta aqui, menina!" A voz da idosa, firme mas sem raiva, cortou o ar. Ela não precisou desviar o olhar do bule para saber exatamente onde Mirha estava e o que estava tentando fazer. A autoridade tranquila em sua voz era suficiente para fazer Mirha hesitar no meio da corrida, os ombros encolhendo inconscientemente. Dando alguns passos para trás, com a cabeça virada apenas o suficiente para olhar para a avó, ela murmurou, encolhida: "Bença, Vó."
A avó finalmente ergueu o olhar, um leve sorriso brincando em seus lábios. "Agora sim. Deus te abençoe, criança." Ela pousou o bule na mesa de centro, o gesto carregado de uma familiaridade e carinho que Mirha adorava, mesmo na pressa. Aquele momento, rápido e precioso, era o seu breve alicerce antes do caos.
Com um último sorriso rápido para a avó, Mirha voltou a correr, a porta sendo aberta com um impulso e o ar fresco da manhã a atingindo em cheio. Seus pés deslizaram pelo caminho de cascalho até o carro, sua única herança física e a mais querida de sua mãe, um sedã um tanto quanto veterano que guardava memórias e cheiro de boas viagens. O motor deu um longo suspiro, engasgou duas, talvez três vezes, tossindo como um velho resistente, antes de finalmente pegar no tranco. Com o coração batendo forte contra as costelas, Mirha acelerou pela rua, tentando recuperar os preciosos minutos perdidos.
Chegou ao hospital com os ponteiros do relógio marcando trinta minutos de atraso, um tempo considerável que, ela sabia, renderia uma bronca monumental de seu chefe. E não foi diferente. Sr. Shey, um homem de meia-idade com mais histórias sobre o hospital do que cabelo na cabeça, e que se orgulhava de ter "metade da vida dedicada a salvar vidas", fez questão de cumprimentá-la com seu habitual sermão. Pela milésima vez, ele recapitulou as regras básicas, os deveres sagrados de um médico, e, claro, o número hipotético de vidas que ela poderia ter perdido nesses trinta minutos de atraso. Era um ritual que Mirha já conhecia de cor, mas que, ainda assim, inflamava uma pequena pontada de vergonha.
Ela não tentou nenhuma desculpa esfarrapada; sabia que ele não daria ouvidos. Apenas baixou a cabeça, fingindo absorver cada palavra, cada variação de tom em sua diatribe. Quase quarenta minutos depois, quando o discurso parecia ter chegado ao clímax e a porta se abriu com um leve rangido, um rapaz alto, de cabelos escuros como ébano e um porte que chamava a atenção, apareceu. Era o Dr. Kaique. Seus olhos levemente puxados em um sorriso natural e sua pele tão lisa e impecável quanto a de um bebê eram suficientes para fazer qualquer uma no hospital suspirar de admiração, inclusive a própria Mirha. Ele parou no batente da porta, um sorriso genoroso iluminando seu rosto.
"Dr. Shey, perdão a interrupção, mas preciso da Dra. Meires na emergência imediatamente", anunciou ele, sua voz suave, cortando a tensão da sala e, por um instante, o próprio tempo. O convite para a ação trouxe um alívio inesperado para Mirha, um bilhete de saída disfarçado da bronca que ainda ecoava em seus ouvidos..
O olhar de Mirha rapidamente saltou de Kaique para o Sr. Shey, um balançar quase imperceptível da cabeça em sinal de confirmação. A cada segundo que se arrastava naquela sala com ar condicionado gelado, a urgência dela em sair dali aumentava. Ela sabia, com uma certeza que só a prática traz, que aquela 'chamada de emergência' era uma fabricação para desviar a atenção. O bip do pager, aquele companheiro constante de plantão, permanecera mudo, um silêncio que gritava a falsidade do alarme.
Sr. Shey, um homem cuja seriedade parecia ter sido esculpida nas rugas ao redor dos olhos, encarou ambos com uma expressão carregada. Engoliu em seco, um gesto sutil que indicava a batalha interna entre a repreensão justa e a compreensão tácita. Com um movimento lento da mão, ele sinalizou a liberação de Mirha da bronca formal, inserindo, no entanto, um aviso duro como lasca de madeira: "Na próxima vez, nem precise se dar ao trabalho de cruzar a porta deste hospital para sair. Me avisa antes."
Um sorriso genuíno, quase triunfante, iluminou o rosto de Mirha enquanto ela se levantava da cadeira de couro desconfortável. Fez uma reverência ligeira, um gesto que mesclava respeito e escárnio contido, e escafedeu-se do escritório com a agilidade de uma gazela fugindo. Assim que a porta se fechou suavemente atrás dela, Kaique, com a mesma rapidez e um aceno de cabeça discreto, seguiu o exemplo.
Lá fora, no corredor esterilizado e quase interminável, a tensão se dissipou como fumaça. Ambos dispararam em direção à ala de emergência, as risadas contidas escapando de seus lábios. O fardo da iminente bronca se tornou leve à medida que aceleravam o passo. No entanto, ao virarem a esquina e avistarem o corredor amplo que levava diretamente à área de triagem, seus passos diminuíram, o tom conspiratório retornando.
"Nossa, ele não cansa, né? Sempre a mesma ladainha, a mesma ameaça velada," suspirou Mirha, jogando a cabeça para trás por um instante, como se o teto estivesse com a resposta para a persistência do chefe.
Kaique, mais ponderado, deu de ombros e ajustou o jaleco.
"Uma hora ele vai cumprir essa ameaça dele, Mirha. Vê se anda na linha, de verdade. A gente não pode mais se dar ao luxo de cair nessa," disse ele, o tom gentil, mas com um fundo de preocupação sincera. Ele sabia que, apesar da irreverência, Mirha era uma profissional competente.
Mirha deu de ombros, um movimento confiante que falava mais alto que qualquer justificativa. "Posso até chegar um minuto atrasada na correria, talvez me distrair com o dever, mas sinceramente? Com você como meu braço direito, e eu sendo a 'segunda melhor instrumentadora' quando o assunto é agilidade e precisão, ele não vai me dispensar. Ele sabe que minha falta faria um rombo aqui."
Kaique suspirou, mas um leve sorriso brincava em seus lábios. Havia uma verdade inegável na confiança dela. A cumplicidade entre eles era palpável, uma força silenciosa que os impulsionava.
"E quem disse que estou sozinha nessa? Eu também tenho você para me proteger de volta, caso ele decida que meu 'estilo' também lhe incomoda," ela acrescentou, dando um tapa leve e brincalhão no ombro dele. O gesto, apesar da diferença sutil de altura – ele era ligeiramente mais alto –, era carregado de camaradagem e um senso de parceria inabalável. A emergência já podia esperar um pouco mais; a pequena pausa no corredor servira como um recarregamento de energia vital para enfrentarem o que viesse a seguir, juntos, como sempre.
O semblante de Kaique se transformou, um leve aperto no peito evidente em seus olhos: "Então, Mirha, sabe que me chamaram para o Hospital principal", ele disse, a voz um pouco mais baixa que o normal. O sorriso que antes iluminava o rosto de Mirha evaporou como névoa ao sol.
"O quê?!" Ela praticamente berrou no meio do corredor, mas rapidamente baixou o tom, olhando em volta para garantir que ninguém as ouviu. "Você vai sair da cidade? " A confusão em seus olhos logo deu lugar a um pânico crescente. "Hospital principal? Não me diga que..."
Kaique apenas confirmou com a cabeça, os lábios pressionados em uma linha tensa. "Sim! Fora do país." A confirmação foi dita com uma estranha mistura de excitação e apreensão. Ele sabia que seria difícil para ela, era difícil para ele também.
Mirha olhou em volta, sentindo-se meio desorientada, como se o chão tivesse sumido sob seus pés. "E quando você vai?" A pergunta saiu com incredulidade, cada palavra carregada de um peso que ela ainda não conseguia processar.
"Semana que vem." A resposta veio sem graça, Kaique desviando o olhar ao ver o choque estampada no rosto da menina. Ele detestava vê-la assim, mas o projeto era uma oportunidade que não podia recusar.
Mirha esteve à beira de dizer algo, talvez um protesto, talvez um pedido para que ele ficasse, mas engoliu as palavras. Ela girou uma vez, duas vezes, como se estivesse tentando realinhar o mundo que acabara de girar para ela, e então, com um suspiro quase inaudível, seguiu em frente, o coração batendo descompassado.
Kaique observou-a ir embora por um momento antes de pegar o celular, discando com dedos ligeiramente trêmulos. "Alô, Laumá? Você estava certa, ela não reagiu muito bem."
"Sabia! Tô indo pra aí pra dar um suporte a ela", a voz de Laumá soou firme do outro lado, e antes que Kaique pudesse responder, ela desligou. Ele ficou parado por alguns instantes, o som do clique do telefone ecoando em sua mente. Sabia que a notícia abalaria sua amiga, mas talvez não imaginasse a profundidade do impacto.
Mirha, alheia à ligação, caminhava lentamente, quase arrastando os pés, em direção ao jardim hospitalar, um oásis de verde na entrada principal. Ela passou pela porta magnética, nem percebendo o bipe discreto, seus passos pesados a guiando até um banco solitário onde se jogou com toda a força. "Vai embora?" murmurou para o ar, as próprias palavras soando fracas. "E eu nem consegui falar pra ele que gosto dele!" O pensamento unia a tristeza da partida com o pesar do arrependimento. Ela suspirou, sentindo o peso do mundo em seus ombros.
De repente, uma figura enrugada, mas com um brilho vívido nos olhos, apareceu ao seu lado. "Posso me sentar aqui, minha jovem?" perguntou uma velhinha, a voz suave como seda.
"Claro, senhora", Mirha respondeu, tentando arrumar um espaço para a idosa, que demonstrava uma lentidão notável, levando bons minutos para se acomodar completamente.
Assim que se sentou, a senhora olhou para Mirha e sorriu calorosamente. "Que linda você." O comentário pegou Mirha de surpresa. Ela franziu a testa ligeiramente, pensando em voz alta: 'Será que os óculos dela estão ruins? Linda? Eu? Que piada de mau gosto bem agora.' Forçando um sorriso, ela respondeu: "Obrigada, senhora."
A idosa suspirou, um som contemplativo, antes de quebrar o silêncio novamente: "Menina, você gosta de viajar?"
Mirha a olhou, sem entender bem a conexão. "Hãã... sim, gosto! Muito!" respondeu, curiosa para onde aquilo levaria.
A idosa sorriu, um sorriso que parecia conter segredos antigos. "Gostaria de fazer uma longa viagem hoje?"
Mirha começou a achar que a senhora talvez estivesse um pouco fora de si. "Ah, não posso, preciso trabalhar. Sinto muito, sabe? Mas obrigada!" ela disse, tentando disfarçar a estranheza da situação com um tom mais prático.
A idosa balançou a cabeça lentamente, como quem aceita uma recusa inevitável. "Bom, então tome isso como presente." Ela esticou uma mão e ofereceu algo pequeno a Mirha, que pegou o objeto com uma mistura de curiosidade e cautela. Era um pingente pequeno e polido.
"O que é isso?" perguntou ela, levantando-o no ar para examiná-lo.
"É um pingente de jade da casa Imperial. De um reino à muito esquecido", disse a idosa com uma solenidade que fez Mirha arregalar os olhos. A menção a reinos esquecidos e algo imperial a fez lembrar de histórias que sua avó contava. "Ah sim, a história da vovó", pensou Mirha, uma fagulha de reconhecimento em meio à confusão.
"Acho que hoje vai chover", comentou a idosa de repente, levantando-se com a mesma lentidão que usou para se sentar, olhando para o céu. Mirha acompanhou o olhar, confusa. "Mas está sol!" afirmou, sem entender. Quando se virou para perguntar, a idosa havia desaparecido. "Ué!" ela exclamou, olhando em volta. "Como ela sumiu tão rápido?"
Antes que pudesse ponderar sobre o desaparecimento misterioso, uma figura saltou em seu pescoço, dando um susto. "Mirhaaa!"
"Caramba, Laumá! Que susto, mulher!" reclamou Mirha, o coração ainda disparado, agora por outra razão.
Laumá sorriu graciosamente, soltando-a. "Ei, que rostinho é esse? Tá sabendo, né?! Kaique já contou tudo?"
'Ah, é. Kaique. Realmente. Tinha até esquecido a notícia dele com essa loucura toda', pensou Mirha, o olhar voltando a cair para o chão. "Você já sabia?" perguntou, a tristeza voltando à tona.
Laumá baixou a voz, o tom solidário. "Sim, ele estava do meu lado quando recebeu a ligação, amiga." Ela colocou uma mão no ombro de Mirha, oferecendo apoio.
Mirha ficou em silêncio, de cabeça baixa por alguns instantes, processando tudo. Lentamente, ela levantou o rosto, um sorriso forçado, mas determinado, se formando. "Tudo bem! Se é para o bem dele, eu tenho que ficar feliz, não é? Talvez seja a chance dele de brilhar."
Laumá sorriu, a emoção transparecendo em seus olhos. "Mirha, você não precisa fingir isso pra mim! É normal ficar triste."
"Eu estou bem, de verdade. Ele é meu amigo, preciso apoiá-lo. Afinal, não é um adeus eterno, né? É só um até logo."
Ela se levantou, espreguiçando-se como se quisesse afastar o peso das preocupações. "É verdade", concordou Laumá, observando a amiga com admiração. "Mas você não acha que já está mais do que na hora de dizer a ele o que você sente? Quem sabe antes dele ir?"
Mirha ficou instantaneamente rígida, o disfarce de felicidade vacilando por um segundo. "Não sei do que você está falando, Laumá", ela respondeu, tentando soar casual, mas seu olhar traiu sua preocupação. A ideia de confessar seus sentimentos era tão assustadora quanto a partida de Kaique.
--“Sério, Mirha? Não me diga que ainda está nessa de ter uma quedinha secreta pelo Kaique. Pra ser sincera, acho que até ele percebeu, porque o jeito que você fica quando ele fala com você... é clássico!” Lauma cruzou os braços, um sorriso maroto brincando nos lábios, encarando a amiga com toda a convicção do mundo.
Mirha sentiu o rosto esquentar instantaneamente, um rubor que se espalhava até a ponta das orelhas. “Tá louca, Lauma? A gente é amigo há anos, qual é! Não tem nada disso.” Ela tentou desviar o olhar, mas Lauma era persistente demais.
Com um movimento decidido, Lauma se levantou, ficando cara a cara com Mirha, um tom de urgência na voz. “Mirhaa, por favor, para de agir como uma criancinha assustada. Ele tá indo embora, Mirha. E você vai sentar aí e deixar ele ir sem sequer tentar, sem dar o braço a torcer por um segundo? Pensa bem”, ela se inclinou um pouco, a voz mais suave agora, mas não menos intensa.
Mirha olhou para a amiga, uma batalha visível em seus olhos. Tentou manter aquela pose de quem não se abala, de quem não tem nada a esconder ou temer. Mas a honestidade e a preocupação genuína de Lauma eram difíceis de resistir. Lentamente, a armadura de Mirha cedeu, a rendição pintando seu rosto.
“Eu... eu tenho tanto medo, Lauma”, confessou, a voz embargada e baixa, o olhar Agora fixo no padrão gasto do tapete sob seus pés. “Medo de estragar tudo. Medo de destruir essa amizade incrível que a gente tem. E se ele não sentir o mesmo? E se ele rir? Ou pior, ficar constrangido?” Ela finalmente suspirou, retomando a fala em um tom quase inaudível, como se estivesse confessando seus maiores pecados. “Olha pra mim, Lauma. Eu tenho esse cabelo que parece um ninho, todo crespo e cheio. Sou magricela, baixinha, uso esses óculos que me deixam com cara de nerd e tô cheia de sardinhas pelo rosto. Nem... nem é como se eu tivesse algo pra mostrar”, ela fez um gesto vago com as mãos, indicando o busto, e depois as baixou, completando com um suspiro resignado: “Eu nem tenho peito, sabe? Como um cara tão bonito, tão incrível como o Kaique, poderia sequer me notar de verdade, gostar de mim?”
Lauma suspirou, mas foi um suspiro de pura ternura e compreensão. Ela se sentou novamente ao lado da amiga, puxando-a para perto e colocando uma mão reconfortante em seu ombro. “Amiga, o que pode faltar no seu corpo, ou que você acha que falta, transborda em seu coração. Você não tem ideia do quanto. Você tem uma personalidade linda, Mira, genuína, engraçada, leal. Quem não gostaria de você? Quem não seria cativado por quem você é de verdade? A beleza dele é inegável, eu concordo, mas a sua beleza, a que vem de dentro, é muito mais rara e valiosa. Kaique tem sorte de ter sua amizade, ainda mais se pudesse ter o seu amor.”
Mirha soltou um pequeno bufo, ainda não completamente convencida, mas sentindo um leve alívio com as palavras de Lauma. Ela ficou em silêncio por alguns minutos, absorvendo a força da amiga.
“Tá bom!”, disse finalmente, a voz ainda tingida de relutância, mas com uma nova determinação por trás. “Hoje. Eu vou dizer a ele hoje.”
Um sorriso cálido iluminou o rosto de Lauma, um sorriso de orgulho e aprovação. Elas continuaram conversando por mais um tempo, a tensão de Mirha diminuindo a cada minuto. De repente, o som agudo do Bipi, o alarme de notificação do celular de Mirha, tocou, lembrando-a do tempo e das responsabilidades que a esperavam. O trabalho chamava, mas algo significativamente maior havia sido decidido naquele momento.
Mirha teve uma tarde corrida, mau conseguiu comer algo devido as várias intercorrências.
" Doutora Meires, o paciente da enfermaria cinco precisa novamente de uma sutura." - diz a enfermeira batendo em sua porta.
"Sério, Susana? Por que não amarra ele na maca? Ele é paciente psicológico, já tinha até que ter sido transferido." — reclama Mirha exausta — "Não tem outro residente disponível?"
"Infelizmente não. Só hoje tivemos quatro faltas." — diz a enfermeira.
Mirha suspira — "Ok.Já estou indo. Mas esse é o último, e pela última vez. Já está perto de eu sair, não vou pegar mais ninguém" — diz ela pegando os equipamentos. A enfermeira confirma com a cabeça.
Mirha caminha lentamente pelos corredores que ligam sua sala, a enfermaria número cinco. Seu corpo pesado de cansaço.
Quando ela vira o corredor, distraída com sua necesse, procurando algo, ela acaba esbarrando em alguém: "Oh! Desculpa!"
Ela ergue a cabeça e vê Kaique.
Mirha desvia o olhar. Kaique também.
"Eu… " diz os dois juntos. Eles sorriem.
"Você primeiro."— diz Kaique
"É... desculpa por hoje cedo." — Mirha olha pro lado — "Eu não deveria ter ficado chateada. Sou sua amiga, devia ter te dado parabéns"
Kaique sorri gentilmente: "Não se preocupe com isso. Eu deveria ter te preparado também." — diz o rapaz gentilmente.
Um breve silêncio paira entre eles.
"Você ia me dizer algo?" - pergunta Mirha quebrando o silêncio.
"Ah. É verdade." — Kaique coça a cabeça — "Vamos jantar hoje?"
O pedido repentino pega Mirha de surpresa: "E... Claro… Onde?" — Mirha fica sem graça
"Ótimo!" — Kaique fica animado — "Onde nós nos conhecemos. Que tal?" — sugere
Mirha sorri — "Perfeito. Saindo daqui, te encontro lá"
E assim eles se despedem. Mirha fica parada por um tempo, sorrindo sozinha. Várias coisas passando em sua mente, até que ela se lembra do paciente da enfermaria cinco e sai correndo para fazer a sutura.
Mirha corre de volta assim que termina o procedimento, troca de roupa e tenta dar um jeito no cabelo. Ela estava nervosa. 'Meu primeiro encontro. E logo com ele!? Eu devo estar sonhando.' Ela se belisca. "Aai!" O beliscão dói.
Ela sai correndo do Hospital e pega um Táxi. O coração a mil, ela não sabia como reagir a um encontro. Nunca fora a um encontro.
O táxi encosta, mas Mirha fica sem jeito de descer. Até que o motorista faz ela voltar a realidade a chamando. Ela respira fundo, e desce.
Kaique estava sentado no canto do Bar. Sozinho. Quando ele vê Mirha se aproximando, levanta com um sorriso largo que derretia corações. "Que bom que veio, eu já tava pensando que não ia vir.", diz ele a convidando para sentar.
"Aquele paciente do cinco, arrancou novamente a sutura. Tive que refazer" - diz Mirha se sentando.
Kaique respira fundo, "Sim. Sei quem é. Eu solicitei a psiquiatria várias vezes, mas sem retorno. É frustrante." — completa ele.
A porta do bar se abre e Lauma entra.
"Laumá? Tá fazendo o que aqui?", Mirha pergunta surpresa.
"Ué. Como assim? Kaique me chamou." — ela sorri — "não tem festa de despedida sem a mais loca do grupo"
Mirha fica confusa, mas prefere não dizer nada — "Ah. É verdade." — Ela disfarçar a decepção.
Eles começam a conversar, Mirha tenta aproveitar. Afinal, ela estava com as pessoas que ela mais gostava na vida, além de sua avó.
No meio da conversa, Kaique se levanta sorrindo, e caminha em direção a porta indo de encontro a uma linda menina. Ele a puxou até onde estavam sentados.
"Querida, essas são minhas melhores amigas, eu estava louco para apresentar elas a você" — diz Kaique.
O mundo de Mirha desmorona. 'Querida?'. Ela não sabe como agir. O chão parece sumir de baixo de seus pés. Mesmo que Os três conversassem ao seu redor, suas vozes estavam longe.
Mirha se levanta abruptamente, pegando todos de surpresa. "Não estou me sentindo muito bem. Eu... eu vou pra casa", diz ela se retirando rapidamente, sem se quer, parando para olhar para trás.
Mirha sai correndo através dos pedestres, segurando as lágrimas. A palavra 'Querida' ecoando em sua mente. 'Como fui tola. Óbvio que um homem como, ele já teria alguém.', pensa ela enquanto corrida sem destino.
Após um tempo, sem que se notasse, Mirha se pega no auto de uma pequena colina.
"Como vim parar aqui?", murmura ela, olhando em volta. Mirha suspira e se senta encostada em uma pedra, puxando os joelhos até o peito e os abraçando.
Conforme ela ficava ali, o vento soprava cada vez mais forte. Sentindo frio, ela resolve por o casaco. Assim que o puxa, algo cai de sua bolsa.
"O pingente. Tinha me esquecido disso." - diz ela pegando o objeto.
Ao lembrar das palavras da idosa, Mirha limpa as lágrimas e olha para o céu, "Tá estrelado. Por que será que ela disse..." Mas antes que ela terminasse a frase, algumas estrelas começaram a cair do céu.
Mirha se levanta admirada, e lentamente caminha para frente. O pingente em suas mãos.
"Agora entendi. Essa era a chuva que ela falou." — sussurra ela, olhando o pingente.
Ela volta a olhar o céu e nota que as estrelas cadentes caiam por todas as partes, "Algo tá errado." — diz ela.
Mirha Volta correndo, pega a bolsa e começa a correr, o vento sopra mais forte, e cada vez mais Pontos brilhantes caem do céu.
Conforme Mirha corria, a trilha que antes era apenas de alguns matos, começa adentrar por uma extensa e escura floresta. "Cadê a trilha? Não acredito que me perdi." — ela diz enquanto procurava uma forma de descer a colina.
"Socorro, tem alguém por perto? Eu me perdi." — Mirha gritava freneticamente, sem notar que entrava cada vez mais floresta adentro.
Passos vem da Floresta escura, Mirha fica em alerta "Oi. Tem alguém aí?" - pergunta ela na defensiva, dando lentamente alguns passos para trás. Então uma estrela desce do céu, clareando toda a floresta, uma luz tão forte que sega Mirha, ela dá um passo atrás, mas esse passo pisa em nada, fazendo Mirha cair.
Uma dor aguda vem de suas costas, e a última coisa que Mirha vê é alguém correndo até ela antes de desmaiar.
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