Eu estava sentada no banco da praça, com o notebook no colo e o coração batendo forte. A vista à minha frente era a mesma de sempre, a pracinha da minha cidadezinha no interior do Rio de Janeiro, com o parquinho antigo, o coreto e as pessoas que eu conhecia desde que me entendo por gente. A grama verdinha e bem aparada parecia uma pintura.
O sol já ia se pondo, tingindo o céu de tons alaranjados e rosados. Era uma cena de paz, de rotina, e por mais que eu amasse tudo aquilo, sabia que minha vida estava prestes a mudar drasticamente. Aquele era o meu último pôr do sol como “a garota do interior” prestes a embarcar em uma nova aventura.
A tela do meu computador mostrava o resultado do meu esforço de quatro anos. O diploma da faculdade de marketing, que para muitos era apenas um pedaço de papel, para mim era a chave para abrir a porta para o futuro. Não me formei para ficar parada. Meu sonho sempre foi trabalhar na capital, em uma grande agência. No entanto, por ironia do destino, a oportunidade veio de onde eu menos esperava: o estágio em uma das maiores agências de publicidade do país, a GDM Comunicação, no coração da cidade maravilhosa.
— Helena, vai ficar aí até amanhã? — A voz da minha mãe me tirou dos meus devaneios. Ela vinha em minha direção, com um sorriso que não chegava aos olhos. Eu sabia que ela estava feliz por mim, mas a ideia de me ver indo embora a deixava triste. — A janta está pronta. E amanhã você tem que sair cedo, a viagem é longa.
Fechei o notebook, mas não sem antes dar uma última olhada na imagem do escritório que seria meu novo lar. Os móveis modernos, a vista panorâmica da cidade e o dinamismo que parecia exalar de cada foto. Eu me imaginava ali, crescendo profissionalmente, conhecendo pessoas, vivendo intensamente.
Naquela noite, a despedida foi mais difícil do que eu imaginei. Meu pai tentou manter a postura forte, mas eu o peguei com os olhos marejados ao me dar um abraço. — Você vai se dar bem, meu anjo. É a nossa menina da cidade grande agora — ele sussurrou, e eu senti um aperto no peito. Meu pai tinha um coração mole, e eu sabia que ele se preocupava comigo. Ele já me alertava sobre o perigo de morar sozinha em uma metrópole.
No dia seguinte, a viagem de ônibus foi um borrão. Tentei dormir, mas a ansiedade era tanta que eu passava o tempo olhando para a janela, vendo a paisagem rural dar lugar aos edifícios e ao trânsito. O caos da cidade me assustava, mas ao mesmo tempo me fascinava.
A chegada na agência foi um misto de sensações. A GDM Comunicação era ainda mais impressionante do que nas fotos. O prédio de vidro e aço refletia a luz do sol, e o lobby era enorme e luxuoso, com um design minimalista e moderno. A recepção era um show à parte, com recepcionistas elegantemente vestidas e um ar de profissionalismo que me fez sentir um pouco fora do meu elemento. Meus jeans e minha blusa simples pareciam ridículos comparados aos terninhos e sapatos de grife que desfilavam pelo local.
Respirei fundo, tentando afastar a insegurança, e me dirigi à recepção. Depois de me identificar, fui encaminhada para o setor de marketing, onde fui recebida por uma mulher que se apresentou como Gabriela. Ela tinha cabelos curtos e coloridos, um sorriso largo e olhos que brilhavam de entusiasmo.
— Oi, Helena! Que bom te ter aqui! — ela disse, com uma energia contagiante. — Eu sou a Gabriela. Também sou estagiária, e vou te guiar no seu primeiro dia. O setor de marketing é bem animado, você vai gostar!
Gabriela me levou para a nossa baia, onde um garoto de óculos e com um sorriso amigável já estava nos esperando. Ele se levantou, me estendeu a mão e disse: — Oi, Helena. Eu sou o Daniel. Bem-vinda à GDM.
Daniel e Gabriela me explicaram como tudo funcionava, me apresentaram aos outros estagiários, e me deixaram mais à vontade. Eles eram divertidos e me pareciam gente boa. Conheci alguns de meus novos colegas e percebi que a atmosfera ali, tirando a sofisticação do lugar, era mais leve do que eu imaginava.
Enquanto Daniel e Gabriela me mostravam os programas que iríamos usar para as campanhas, a porta de vidro da sala do CEO se abriu. Um garoto que eu nunca tinha visto antes entrou na sala, com uma postura arrogante e os ombros largos que pareciam preencher todo o espaço. Ele parecia ser o tipo de cara que sabia que todas as atenções estavam voltadas para ele.
Ele usava uma calça jeans escura, uma camiseta preta que delineava os músculos dos braços e um sapato de couro. Os cabelos escuros bagunçados propositalmente, o maxilar marcado e a pele bronzeada lhe davam um ar de rebeldia. Os olhos, que de longe pareciam pretos, pareciam carregar um segredo que eu não conseguiria decifrar. O detalhe que mais me chamou a atenção, porém, foi a tatuagem no pescoço.
Ele andava calmamente, mas sua presença era pesada. Ele estava vindo na nossa direção e, quando chegou à nossa baia, ele parou e lançou um olhar que me fez prender a respiração. Não era um olhar de pura tédio, mas um olhar sedutor, que percorreu meu corpo rapidamente antes de se fixar em meus olhos, um sorriso de lado brincando em seus lábios.
— Arthur, o seu pai pediu para você ir para a sala dele agora — Gabriela disse, parecendo um pouco intimidada pela presença dele.
Ele não tirou os olhos de mim, ignorando a Gabriela por um instante. Um brilho de desafio acendeu em suas pupilas escuras. — Ah, então a GDM resolveu contratar um modelo em miniatura agora? Espero que ela seja boa com números, porque com essa altura, ela mal alcança o bebedouro. — ele disse, com uma voz rouca e divertida, o sorriso se alargando.
Eu senti meu rosto esquentar, mas forcei uma risada forçada, virando os olhos em um gesto discreto de desaprovação. Não era o tipo de piada que eu achava engraçada, e a última coisa que eu queria era dar moral para aquele tipo de cara.
Ele apenas deu de ombros, como se minha reação fosse exatamente o que esperava, e virou as costas para ir em direção à sala do pai. O nome ecoou na minha cabeça. Arthur. Foi o suficiente para eu saber que ele não era o tipo de pessoa que eu gostaria de conhecer, e, naquele momento, tive um pressentimento de que ele era o último cara que eu precisava na minha vida.
A piadinha do Arthur me atingiu em cheio. Não por maldade, mas pela audácia e arrogância dele. Daniel soltou uma risadinha nervosa, enquanto Gabriela me olhou com um ar de desculpas. A sala de reunião do CEO se fechou, e o silêncio que ficou era quase tão constrangedor quanto a presença dele.
— Não ligue para ele, Helena — Gabriela disse, se inclinando na minha direção. — O Arthur é… complicado. Ele é o filho do nosso chefe, e ele não quer estar aqui. Na verdade, ninguém entende por que ele está aqui.
Eu revirei os olhos de novo. — É sempre assim? Ele trata todo mundo assim?
Daniel suspirou. — Ele é um completo babaca, para ser sincero. Mas só quando ele está por aqui. O pai dele, o Sr. Matias, é um dos maiores publicitários do país. A agência é a vida dele, e parece que ele quer o mesmo para o filho.
— Ele tenta de tudo. Já colocou o Arthur para ser estagiário no financeiro, na área de RH, e agora, no marketing — Gabriela acrescentou, com um tom de quem sabia de tudo. — O problema é que o Arthur odeia trabalhar. Ele prefere passar o tempo na academia ou correndo de moto por aí com os amigos. Ele sempre arranja uma desculpa para não fazer nada.
Minha cabeça girava. O Arthur que eles descreviam parecia ter saído de um filme de romance, o típico cara bonito e rebelde que se acha dono do mundo. E, pelo visto, ele realmente era. A tatuagem no pescoço fazia mais sentido agora, um ato de rebeldia contra a autoridade do pai. Mas eu não estava em um filme. Eu tinha meus próprios problemas e sonhos, e a última coisa que eu precisava era me envolver com alguém assim.
Passamos o resto da tarde fazendo um trabalho que Daniel nos explicou. Era um projeto de pesquisa de mercado para uma campanha de uma marca de cosméticos. Ele era muito paciente e parecia gostar de trabalhar em equipe. A Gabriela, por outro lado, era mais dispersa, mas me contava histórias divertidas da agência, dos colegas de trabalho, e me fazia rir. Com eles, a tensão causada pelo Arthur se dissipou, e eu me senti mais à vontade.
Quando o expediente acabou, me despedi deles e saí da GDM, sentindo a brisa leve do fim de tarde no Rio. Meus pensamentos voltaram para o Arthur. Eu tentei ignorá-lo, mas a imagem daquele sorriso de canto de boca e dos olhos pretos me assombrava. Por um momento, me senti pequena, um peixe fora d'água em um lugar grande demais.
Eu não podia permitir que o comportamento de um cara como ele me intimidasse. Eu estava ali para trabalhar e, se ele estava ali apenas para cumprir tabela, era problema dele. Meus pais fizeram muitos sacrifícios para que eu estivesse ali, e eu não ia jogar tudo a perder por causa de um playboy arrogante.
Enquanto caminhava para o ponto de ônibus, o barulho de uma moto me fez olhar para a rua. Era uma moto de alta cilindrada, preta, brilhando sob a luz dos postes. E sobre ela, com o capacete pendurado no cotovelo, estava Arthur. Ele não me viu, mas a imagem dele, com o cabelo bagunçado pelo vento, me fez estremecer. Ele não era apenas uma figura em um escritório. Ele era real e parte daquele mundo que agora também era meu.
Ele acelerou e se misturou ao trânsito, desaparecendo tão rápido quanto apareceu. Meu pressentimento do início do dia se confirmou. Ele era o tipo de problema que eu sempre evitei, e agora, por ironia do destino, estávamos no mesmo lugar, a menos que ele arranjasse um jeito de ser demitido. O que, pelo jeito que as coisas estavam indo, não parecia algo difícil.
Minha nova vida se resumia a um apartamento minúsculo no bairro de Botafogo. Era um apartamento de quarto e sala, sem o conforto da minha casa, mas era meu, e o aluguel era o que eu podia pagar. Abri a porta e o ar gelado do ar-condicionado me deu as boas-vindas. Joguei minha bolsa no sofá, tirei os sapatos e me joguei na poltrona. O silêncio do lugar era um alívio depois do caos do meu primeiro dia de trabalho.
Minha cabeça ainda girava, não pelos desafios que o estágio me traria, mas pelo rosto de um certo alguém. O Arthur. Aquele sorriso de canto de boca e o olhar provocador me incomodavam de um jeito que eu não conseguia entender. Por um lado, eu sabia que ele era o tipo de cara que eu sempre evitei: arrogante, convencido e acostumado a ter tudo o que quer. Por outro, algo me dizia que havia mais do que o que ele mostrava. Mas eu não ia me deixar enganar, não de novo. Eu já havia sofrido por amor, e a cicatriz de uma traição me fez prometer que não me envolveria com caras como ele.
Tomei um banho rápido, jantei o que sobrou do almoço e fui para a cama, tentando me convencer de que meu foco era o trabalho e nada mais. Não era fácil. O dia seguinte chegou, e com ele a necessidade de voltar à GDM. Tentei escolher a melhor roupa que tinha para a ocasião. Optei por uma calça jeans escura, que vestia bem, e uma blusa branca de manga curta. Prendi os cabelos em um coque alto e fiz uma maquiagem leve, o suficiente para parecer apresentável.
No caminho para o trabalho, observei as pessoas e percebi que a forma de se vestir na capital era diferente. Mulheres com terninhos elegantes, saltos altos, e bolsas de grife desfilavam nas calçadas. A minha roupa, que eu achava bonita e arrumada, era simples demais. Quando cheguei à agência, a sensação de deslocamento se intensificou.
Gabriela, que já estava na mesa, usava um vestido estampado e um sapato de plataforma que a deixava mais alta. Ela tinha um ar moderno e urbano.
— Bom dia, Helena! — ela disse, animada. — O seu segundo dia já está começando.
— Bom dia, Gabi. O seu vestido é lindo — eu disse, com um sorriso sem graça.
— Ah, obrigada. Eu adoro umas cores. Sente-se, a gente tem muita coisa para fazer hoje. — Ela fez uma pausa, me olhando de cima a baixo com um ar de quem queria me dizer algo. — O pessoal aqui é bem... formal, né? Eu até tento dar uma descontraída com as roupas, mas o chefe não gosta muito.
A fala de Gabriela me fez perceber que eu não estava apenas com uma roupa casual. Eu estava com uma roupa de fim de semana em um escritório de publicidade de elite. Aquele era o mundo dela, e eu estava tentando me encaixar.
— Sim, eu percebi. Ontem eu me senti um peixe fora d'água — eu respondi, com um suspiro.
— O seu estilo é fofo, mas para a GDM, você precisa dar uma renovada no guarda-roupa — ela disse, com a voz baixa para que apenas eu ouvisse. — Não se preocupa, todo mundo passa por isso no começo.
Senti um misto de vergonha e alívio. Ela estava certa, e era bom ter alguém para me guiar.
— Eu estava pensando nisso. Acho que preciso ir às compras, mas não sei onde ir.
— Eu posso te ajudar. Conheço umas lojas bem legais. Que tal irmos amanhão à noite? — Gabriela sugeriu, e seu sorriso me deu um ar de esperança.
Aquele era o primeiro passo para o meu novo eu, para a nova Helena que estava surgindo. Uma Helena mais confiante, mais pronta para enfrentar os desafios de ser uma garota do interior em uma cidade grande.
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