•Tee
O som abafado da música ainda vibrava em meus ouvidos, mesmo depois de ter saído da pista de dança. As luzes da boate piscavam em vermelho e azul, refletindo no espelho à minha frente quando me encostei no balcão do bar. Senti o suor colar minha camisa de seda ao corpo, mas não me importava. Eu só queria respirar, só queria sentir por um instante que minha vida era minha.
Naquele ambiente sufocante, cercado por pessoas que riam alto e se divertiam sem pensar nas consequências, eu me sentia… livre. Talvez fosse essa a palavra que sempre fugia de mim dentro da mansão da minha família.
Lá, cada passo meu era observado. Cada gesto era julgado. Até o beijo que eu dava em Fah — minha namorada perfeita, a herdeira que todas as famílias invejavam — tinha um peso calculado. Não era afeto, era contrato. E eu odiava cada segundo disso.
Peguei o copo de whisky e virei de uma vez, sentindo a queimação descer pela garganta. Sorri sozinho, satisfeito com o gosto amargo que parecia combinar com minha vida.
— Olha só quem resolveu aparecer sem segurança — uma voz arrastada soou atrás de mim.
Virei o rosto devagar. Um homem mais velho, talvez vinte e poucos anos, tatuagens espalhadas pelos braços, se apoiava no balcão com um sorriso torto. Seus olhos me analisavam com um interesse que não me agradou. O cheiro de álcool barato e cigarro que exalava dele era repulsivo.
— Não estou interessado. — Fui direto, porque nunca tive paciência para joguinhos.
Ele riu, inclinando-se um pouco mais, invadindo meu espaço. — Ninguém aqui precisa saber quem você é, garoto rico. Podemos só… conversar.
Revirei os olhos. Sempre tinha alguém assim, querendo tirar proveito da minha pressa em escapar da prisão dourada onde vivia.
Quando me levantei, o homem segurou meu braço com força, seus dedos pressionando minha carne através do tecido fino da camisa. — Vai embora assim? Sem ao menos brindar comigo?
— Solta. — Minha voz saiu fria, mas por dentro um desconforto cresceu. Apertei o copo vazio na mão.
Tentei me soltar, mas ele apertou ainda mais, seus dedos quase me machucando. O barulho da música encobria qualquer pedido de ajuda. Eu não queria fazer escândalo, não queria que alguém reconhecesse meu sobrenome e ligasse para casa. O pânico começou a subir pela minha garganta, um gosto metálico de impotência.
E foi então que a mão dele foi arrancada de mim com uma força brutal.
Um vulto surgiu, firme, autoritário, e em segundos o homem que me segurava foi empurrado contra o balcão com um impacto forte. O som de vidro quebrando e o grito abafado do agressor cortaram momentaneamente a música ao nosso redor. O silêncio tomou conta da área.
Meu coração disparou quando reconheci aquele rosto.
— Você?!
Bass.
O segurança que meu pai havia contratado semanas atrás. O homem que sempre andava atrás de mim como uma sombra indesejada. O homem que, até agora, eu tinha conseguido despistar para escapar naquela noite.
Ele me encarava com aqueles olhos escuros, carregados de uma frieza glacial que parecia baixar a temperatura do ambiente.
— O que diabos você pensa que está fazendo aqui? — falou, a voz baixa, mas tão firme e cortante que me gelou por dentro.
Eu queria responder com arrogância, como sempre fazia, mas pela primeira vez minha garganta secou. A raiva nos olhos dele não era profissional. Era pessoal. E aquilo me paralisou.
• Bass
Ele era um idiota.
Um garoto mimado, inconsequente, que achava que podia escapar da mansão como se fosse uma criança fugindo da escola. Tee não entendia que não vivia num conto de fadas. A família dele tinha inimigos reais. Pessoas que o atacariam sem pensar duas vezes, apenas para atingir o poder de seu pai.
Eu havia atravessado a cidade inteira quando percebi que ele não estava no quarto. Segui pistas, cheguei até aquele lugar com cheiro de álcool e fumaça, e quando o encontrei, vi um homem segurando-o com força, prestes a arrastar o herdeiro para sabe-se lá onde. A expressão de pânico contido no rosto de Tee fez algo dentro de mim estalar.
A cena me fez perder o controle.
A raiva queimava dentro de mim, mas não era só isso. Era algo mais. Algo que me incomodava ainda mais do que a insolência dele. Uma pontada de possessividade doentia que eu não queria examinar de perto.
— Se encostar nele de novo, não vai sair daqui andando. — Minha voz saiu baixa, porém firme, como quando eu ainda estava no exército. O tom era de morte, e o homem entendeu.
O tatuado recuou, praguejando, mas não teve coragem de me enfrentar. Saiu tropeçando, misturando-se na multidão, levando consigo o cheiro do perigo que eu tinha acabado de afastar.
Voltei meu olhar para Tee.
Droga.
Aquela expressão no rosto dele não era de medo ou gratidão. Era de desafio puro. Como se eu tivesse estragado sua diversão.
— Não precisava ter feito isso. — A voz dele soou carregada de desprezo, mas havia uma sombra de algo a mais em seus olhos. Excitação? Adrenalina?
— Não precisava? — Apertei o maxilar, sentindo os músculos do meu pescoço tensionarem. — Você quer acabar morto? Sequestrado? Estuprado em algum beco? É isso que você quer?
Ele deu um passo à frente, desafiador, o perfume caro e intoxicante invadindo meu espaço. Seu rosto estava próximo demais. Eu podia contar seus cílios, ver a pupila dilatada pelo álcool e pela emoção.
— Talvez eu só queira acabar livre. — sussurrou, e a provocação naquela voz era como um fósforo jogado na gasolina da minha contenção.
Por um instante, minhas mãos coçaram para agarrá-lo, para empurrá-lo contra a parede e sacudi-lo. Não para protegê-lo, mas para calar aquele olhar provocador. A violência do impulso me assustou.
Mas não. Esse não era meu papel.
Respirei fundo, segurei o braço dele com firmeza — talvez com mais força do que deveria, sentindo os ossos sob minha palma — e o arrastei para fora da boate, ignorando os olhares ao redor.
Ele se debateu, xingou, mas eu não soltei. E a cada movimento dele tentando escapar, meu peito se enchia de uma raiva estranha, misturada a algo que eu não queria admitir. Algo que tornava meu toque mais áspero do que o necessário.
Quando finalmente chegamos ao carro, joguei-o contra a porta do passageiro, o metal gelado contra suas costas. Ele ofegou, surpreso. Encostei meu corpo contra o dele, prendendo-o lá, e o encarei de perto, nossas respirações se misturando no ar frio da noite.
— Nunca mais faça isso. — Minha voz saiu como um aviso rouco, um som que vinha de um lugar escuro dentro de mim. Mas o olhar dele prendeu o meu. Não havia medo. Havia fogo.
Olhos escuros. Insolentes. Desafiadores.
E pela primeira vez desde que aceitei aquele trabalho, percebi que proteger Tee seria muito mais perigoso do que qualquer missão que já enfrentei. Porque o perigo maior não estava lá fora. Estava preso contra a porta do carro, olhando para mim como se pudesse ver tudo o que eu lutava para esconder.
• Tee
As portas do carro se fecharam com um baque seco e pesado atrás de mim. Bass entrou no assento do motorista, e o silêncio que ele trouxe consigo era mais cortante e pesado do que qualquer gritaria. O motor ligou com um ronco suave, e sem sequer olhar na minha direção, ele arrancou, suas mãos segurando o volante com uma força que deixava os nós dos dedos brancos.
Eu me joguei contra o banco de couro frio, tentando disfarçar o quanto meu pulso ainda doía e latejava por causa do jeito brutal como ele me agarrou e me arrastou para fora da boate. A marca dos dedos dele parecia estar queimando na minha pele, uma lembrança dolorida e humilhante que doía mais do que a bebida daquela noite.
— Vai ficar calado o caminho inteiro? — joguei a provocação no ar, tentando quebrar aquele silêncio que me apertava a garganta.
Nada. Nenhuma reação. Ele nem sequer respirou mais fundo.
Olhei para ele de lado. Bass estava completamente rígido, seus ombros tensionados, seus olhos fixos na estrada como se estivesse em uma missão de guerra. Cada músculo do seu corpo gritava que ele estava furioso, e aquela raiva silenciosa era assustadora.
Soltei um suspiro exagerado. — Você age como se fosse meu dono. Como se eu fosse sua propriedade.
— Não sou seu dono. — A voz dele saiu baixa, mas tão dura e afiada que pareceu cortar o ar. — Sou o homem que seu pai paga para manter você vivo, já que você mesmo se esforça todos os dias para encontrar uma maneira de morrer.
Revirei os olhos, sentindo a raiva ferver dentro de mim. — Drama desnecessário. Exagero.
Ele virou o rosto por um instante, e o olhar que me lançou foi tão gelado e carregado de desprezo que eu senti um calafrio percorrer minha espinha. Abri a boca para retrucar, para xingar, mas as palavras morreram na minha garganta. Havia algo naquele olhar que me paralisou, que me fez sentir pequeno e exposto.
Tentei rir, forçando um som de deboche. — Você leva esse trabalho a sério demais. Deveria relaxar um pouco.
— Alguém precisa levar a sério. — ele respondeu na mesma hora, sem hesitar, sua voz como um chicote.
A raiva subiu dentro de mim, quente e rápida, misturada com uma confusão de sentimentos que eu não entendia. Por que meu coração batia tão forte contra meu peito toda vez que ele me olhava daquele jeito? Não era atração. Não podia ser. Era apenas raiva, pura e simples.
Era só isso que eu conseguia aceitar.
O silêncio desceu sobre o carro de novo, pesado e desconfortável. A cidade passava pelas janelas, um borrão de luzes brilhantes que não conseguiam iluminar a escuridão que eu sentia dentro de mim. Eu odiava aquele sentimento. Odiava como Bass sempre me fazia me sentir como uma criança irresponsável e estúpida. Mas, ao mesmo tempo, havia algo na maneira firme e segura dele… algo que me puxava para perto, como um ímã perigoso.
Balancei a cabeça, tentando me livrar daqueles pensamentos. Isso era errado. Isso era loucura.
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•Bass
O silêncio era minha única proteção.
Cada palavra que Tee soltava, cada provocação, era como um fósforo jogado na minha paciência. Eu precisava respirar fundo, contar mentalmente, para não perder o controle e fazer algo que iria me destruir. Ele não fazia ideia. Não tinha noção de como eu estava a um passo de quebrar aquele sorriso arrogante dele, só para ver se ele aprendia a lição.
Mas a raiva não era tudo. Esse era o verdadeiro perigo.
Quando agarrei o braço dele na boate, quando o puxei para fora dali, senti a pele suave e quente dele sob meus dedos. Frágil. Foi como se um fio elétrico tivesse me conectado a ele.
E agora, dentro do carro fechado, o cheiro do perfume dele enchia o ar, me envolvia de um jeito que me sufocava. Não era apenas um cheiro doce. Era provocante, como tudo nele.
Eu deveria ignorar. Deveria apenas fazer meu trabalho. Mas, por dentro, cada parte do meu corpo estava em guerra.
— Você age como se fosse meu dono — ele tinha dito.
Não. Eu não era dono dele. Mas naquele momento, olhando para ele no escuro do carro, uma parte perigosa de mim quisesse ser.
Apertei o volante com mais força, meus dedos doendo, tentando empurrar aquele pensamento para longe. Não podia. Não devia.
Ele é apenas um garoto mimado, me lembrei. Um herdeiro rico que nunca vai entender o mundo real.
Mas, quando parei o carro em frente ao portão enorme da mansão, a memória dos olhos dele me encarando na boate voltou com tudo. Desafiadores. Cheios de fogo. E, no fundo, com um medo que ele tentava esconder.
Desliguei o motor sem dizer uma palavra. Saí, fechei minha porta com um baque e abri a porta dele com um movimento brusco.
— Anda. — minha voz saiu áspera e seca.
Ele ergueu o queixo, aquele ar de superioridade que me irritava mais do que tudo. — Não precisa bancar o durão. O mandão.
— Preciso sim. — respondi, encarando ele. — Se não fosse por isso, você já estaria morto.
Por um instante, vi algo diferente brilhar no olhar dele. Não era só raiva. Era outra coisa.
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• Tee
O corredor enorme e vazio da mansão estava silencioso quando entrei, meus passos soando alto no chão de mármore tão limpo e frio. Bass vinha logo atrás de mim, como uma sombra grande e silenciosa que eu não conseguia escapar.
Eu queria gritar. Queria virar e empurrá-lo contra a parede e dizer que não precisava dele me protegendo. Mas uma parte pequena e assustada de mim sabia que, se ele não tivesse aparecido naquela noite, coisas ruins poderiam ter acontecido.
Isso me deixou ainda mais irritado.
Virei de repente, encarei ele de frente. — Você acha que pode controlar minha vida só porque é mais velho, mais forte e sabe como bater nos outros. Mas não controla.
Ele me encarou, seus olhos escuros e sérios, tão perto que eu pude ver cada detalhe.
— Eu não quero controlar você, Tee. — Ele falou baixo, cada palavra saindo com um peso que fez meu estômago se apertar. — Só quero te manter vivo.
Aquela voz grave ecoou dentro de mim. Senti meu rosto esquentar e odiei aquela reação.
Revirei os olhos e soltei uma risada falsa, mesmo sentindo minha garganta seca. — Então faça seu trabalho direito e pare de me asfixiar. Pare de me seguir como um cachorro.
Virei de costas, subindo as escadas largas, tentando ignorar o peso do olhar dele queimando nas minhas costas.
Mas, naquela noite, deitado na minha cama grande e vazia, o rosto sério e rigoroso de Bass não saiu da minha cabeça.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu senti medo. Não medo do que os outros poderiam fazer comigo… mas medo do que eu estava começando a sentir por ele.
•Tee
O sol já estava alto e forte quando desci as escadas largas da mansão naquela manhã. Minha cabeça latejava, mas não era só por causa da bebida — era a memória do olhar de Bass que não me largava, como uma sombra pesada. Cada vez que fechava os olhos, eu via a expressão dura dele: fria, mas ao mesmo tempo intensa, como se pudesse ver tudo dentro de mim, todas as minhas fraquezas.
Balancei a cabeça, tentando me livrar daquela imagem.
Quando entrei na sala de estar principal, Fah já estava lá. Sentada no sofá branco e caro, com as pernas perfeitamente cruzadas, parecia uma rainha esperando sua corte. Usava um vestido azul-claro de marca, salto alto e delicado, maquiagem impecável mesmo tão cedo.
Ela se levantou assim que me viu, e seu sorriso foi rápido e calculado, como sempre.
— Tee. — Ela veio até mim e me beijou na bochecha, seu perfume doce e enjoativo me envolvendo. — Onde você esteve ontem? Liguei para você várias vezes.
Meu estômago se contraiu. Eu sabia que não podia contar a verdade. Fah não precisava saber de nada. Ela nunca precisava.
— Estava cansado. — menti, desviando o olhar. — Dormi cedo.
— Dormiu cedo? — A voz dela era suave, mas seus olhos examinavam cada parte do meu rosto, procurando pistas. — Que estranho… porque sua voz no telefone parecia embriagada.
Sorri de lado, usando aquele tom de deboche que sempre foi minha proteção. — Talvez você tenha ouvido o que queria ouvir.
Ela franziu levemente os olhos, mas não pressionou. Em vez disso, segurou minha mão com uma força que não combinava com a aparência delicada. — Hoje à noite temos o jantar na casa dos meus pais. Você não vai inventar desculpas de novo, vai?
Soltei um suspiro cansado. Aquilo não era um convite, era uma ordem. Fah sempre transformava nosso relacionamento em uma performance, como se fôssemos atores em um palco.
— Claro que vou. — respondi, mesmo odiando cada segundo daquela farsa.
Quando levantei os olhos, vi Bass parado na entrada da sala, braços cruzados, observando em silêncio. Seu rosto não mudou quando Fah deslizou a mão pelo meu braço, como se estivesse marcando território. Mas eu notei. Eu sempre notava.
E aquilo me deixou com uma raiva quente e confusa, que eu nem sabia explicar.
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•Fah
Eu conhecia Tee melhor do que ele pensava. Sabia quando ele estava mentindo, quando estava entediado, quando queria me irritar. E naquela manhã, tudo nele gritava desconforto.
Não era só ressaca. Era algo a mais.
Meus olhos se moveram para o segurança parado na porta. Bass. Sempre sério, sempre controlado. Nunca mostrava emoção, mas eu não era burra. Eu via a maneira como Tee mudava quando ele estava por perto.
E isso me incomodava profundamente.
Eu e Tee éramos o casal perfeito — pelo menos era o que todos viam. Nossas famílias eram poderosas juntas, nossos nomes brilhavam, e éramos admirados por todos. Eu não ia desistir disso.
Apertei a mão de Tee com mais força e sorri, para que Bass visse. Queria que ele entendesse seu lugar. Ele era apenas um funcionário. Nada mais.
— Estarei esperando você no jantar. — sussurrei no ouvido de Tee, mas meus olhos permaneciam fixos em Bass.
Ele não reagiu. Manteve a mesma expressão dura e fechada.
Mas havia algo em seu olhar… algo que ele não conseguiu esconder completamente.
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• Bass
Eu não deveria sentir nada.
Enquanto observava Tee e Fah juntos, mantive minha postura rígida de sempre. Ela estava bonita, perfeita, como uma boneca. Ele também parecia interpretar seu papel perfeitamente, sorrindo e aceitando o toque dela.
Mas por dentro, algo queimava em mim.
Não era ciúmes. Eu não podia sentir isso. Era apenas… raiva. Raiva da falsidade daquela relação. Eles se olhavam, mas não havia verdade. Não havia sentimento real.
E mesmo assim, quando vi Fah passar a mão pelo braço dele, um aperto forte me dominou o peito.
Droga.
Me afastei antes que alguém percebesse a tensão no meu corpo. Saí para o jardim imenso da mansão, onde o silêncio era mais fácil de suportar. Mas, mesmo lá, a imagem dos dois juntos não saía da minha cabeça.
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•Tee
A manhã passou devagar. Fah saiu depois de dar mais algumas ordens disfarçadas de conversa, e eu me joguei no sofá, me sentindo exausto de tanto fingir. Bass voltou para dentro em silêncio, como se nada tivesse acontecido.
Mas eu sabia. Eu sentia.
Cada vez que nossos olhos se encontravam, havia algo ali. Algo proibido, algo que me puxava e me prendia ao mesmo tempo.
E eu odiava o fato de estar começando a gostar dessa sensação de estar preso a ele.
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