Julia Caires tinha vinte e dois anos e carregava no rosto a calma de quem vivia em uma cidade pequena, mas também a inquietação de quem sonhava além dela. A cidade se chamava Willow Creek, um lugar pacato no interior dos Estados Unidos, onde as ruas eram largas e tranquilas, as casas tinham varandas de madeira pintadas de branco, e todos sabiam o nome de todo mundo.
Ela estudava Arquitetura na universidade da região, e o curso lhe dava a sensação de estar construindo não só prédios e projetos, mas também uma versão mais firme de si mesma. Com a pele clara que contrastava com os olhos verdes intensos e os cabelos ondulados castanhos, quase loiros, Julia chamava atenção sem esforço. Mas quem a conhecia sabia que seu maior traço não estava na aparência, e sim na determinação que herdara do pai.
O pai dela, Ethan Caires, era um ex-militar. Aposentado depois de muitos anos de serviço, agora encontrava refúgio na garagem da casa, onde passava os dias com as mãos cheias de graxa, reformando um carro antigo. O ronco do motor e o cheiro de óleo se misturavam ao som baixo do rádio que ele deixava ligado, quase sempre em uma estação country. Desde que perdera a esposa, vítima de um infarto anos atrás, Ethan tinha encontrado nesse projeto solitário uma forma de ocupar o tempo — e talvez também de manter o coração em paz.
A ausência da mãe ainda marcava a vida de Julia, mas ela e o pai haviam se tornado mais unidos por causa disso. Todas as vezes que ela voltava da faculdade, os dois tinham o ritual de se sentar juntos na sala, abrir uma tigela de pipoca e assistir aos jogos de futebol americano na TV. Não era apenas o esporte em si, mas o laço silencioso que se fortalecia ali, entre comentários rápidos, risadas ocasionais e aquela sensação de que, apesar das perdas, ainda eram uma família.
Julia sonhava com projetos grandes, cidades inteiras a serem redesenhadas, prédios que contassem histórias. Mas, de certa forma, Willow Creek e a casa com cheiro de madeira e graxa de motor eram o alicerce invisível de tudo o que ela fazia.
Naquele dia, Julia atravessava o campus em passos rápidos, os braços carregados de cadernos e pranchetas. O vento brincava com os fios soltos de seu cabelo ondulado, e ela mal percebia por onde passava — os olhos estavam grudados no relógio de pulso, o coração acelerado com o medo de chegar atrasada para a aula de projeto.
Foi nesse descuido que aconteceu.
Ela trombou de frente com alguém, e o impacto espalhou seus papéis pelo chão como folhas de outono levadas pelo vento.
— Desculpa! — disse uma voz masculina, firme, mas suave.
Julia levantou os olhos e viu um rapaz alto, de ombros largos e postura de atleta. Apesar do porte físico, havia algo gentil nele. Os óculos redondos lhe davam um ar sério, mas os olhos, castanhos e claros sob a luz da manhã, transmitiam calma. Ele se abaixou prontamente, ajudando-a a juntar os papéis.
— Você é da Arquitetura, né? — perguntou ele, notando os desenhos e esquemas espalhados pelo chão.
Julia piscou, ainda um pouco atrapalhada.
— Sou sim… — respondeu, ajeitando os cadernos nos braços.
Ele sorriu de leve.
— Eu faço Medicina. Sou o Henri. Henri Jones.
Julia retribuiu o sorriso, mesmo na pressa.
— Julia Caires. Desculpa a confusão… eu realmente estou muito atrasada.
Ela já começava a se afastar quando acrescentou:
— A gente se fala outro dia, tá?
Henri assentiu, observando-a desaparecer apressada entrando na sala do campus.
O que nenhum dos dois sabia é que, a partir daquele momento, parecia que o destino resolvera brincar com eles. Porque, de algum jeito, sempre se esbarravam de novo — na biblioteca, no café da universidade, no estacionamento. E cada encontro, por mais breve que fosse, parecia deixar um rastro de curiosidade e algo novo crescendo entre os dois.
Naquela tarde, Julia estava sentada sozinha no café do campus, rodeada pelos cadernos de arquitetura e um copo de café fumegante. O barulho ao redor era constante, mas ela estava concentrada rabiscando linhas e medidas.
De repente, uma sombra se aproximou.
— Oi, Julia. — Era Henri, sorrindo meio sem jeito, uma das mãos no bolso da calça jeans.
Ela ergueu os olhos e sorriu de volta.
— Oi, Henri.
Ele respirou fundo, como se buscasse coragem.
— Você… tem algum plano para o fim de semana? — perguntou, ajustando os óculos no rosto.
Julia suspirou, largando a caneta.
— Só o projeto. Vou ficar aqui no campus até tarde, trabalhando.
Ele coçou a nuca, hesitante, mas arriscou:
— Bom, é que… eu pensei se você não gostaria de sair. A gente podia jantar, tem um restaurante novo na cidade.
Julia arqueou a sobrancelha, divertida.
— Restaurante? Só se antes a gente for ao bar do Antônio. Final do campeonato da NFL, eu não vou perder.
Henri arregalou os olhos.
— Você tá falando sério?
Ela riu e deu de ombros.
— Claro. Já tô até animada. Aliás… qual é o seu time?
Henri endireitou a postura, quase orgulhoso.
— Dallas Cowboys.
Julia abriu um sorriso largo.
— Coincidência. Eu também.
Por um segundo, ele ficou em silêncio, tentando disfarçar a surpresa. Nunca tinha imaginado que Julia, com aquele ar dedicado e estudioso, fosse tão apaixonada por futebol americano. Mas a descoberta fez seu peito se encher de entusiasmo.
— Então tá combinado — disse ele, com os olhos brilhando. — Te pego às seis.
Ele saiu do café com um sorriso nos lábios, sentindo o coração bater mais rápido. E pela primeira vez em muito tempo, pensou que talvez tivesse encontrado alguém que o surpreendia de verdade.
Henri estacionou o carro perto do dormitório e esperou. Quando Julia apareceu descendo os degraus, ele quase duvidou do que via.
Ela usava uma calça jeans surrada, tênis confortáveis, uma camiseta dos Dallas Cowboys e, para completar, um boné do time puxado com aba para trás. Era simples, mas ao mesmo tempo arrebatador.
Henri riu, balançando a cabeça.
— Eu não acredito nisso.
Julia abriu um sorriso maroto enquanto se aproximava.
— Ué, o que você queria? Lá em casa, dia de jogo é quase sagrado.
Ele abriu a porta do carro para ela, ainda rindo, mas por dentro estava impressionado. Não era apenas a roupa. Era a naturalidade dela.
No bar do Antônio, o clima era elétrico: mesas cheias, televisões ligadas em cada canto, bandeiras espalhadas pelas paredes. Julia mergulhou no ambiente como se fosse parte dele, pedindo cerveja, comentando as jogadas, vibrando a cada lance.
Henri, por outro lado, quase não prestava atenção na tela. O que o fascinava era vê-la ali, completamente entregue, torcendo com entusiasmo genuíno. O jeito que ela erguia o copo, ria alto, xingava o juiz como se estivesse no estádio… tudo parecia real demais, sem filtros.
As meninas que ele conhecia na faculdade, em sua maioria, preferiam restaurantes sofisticados, vinho caro e conversas calculadas. Julia, ao contrário, era uma contradição deliciosa: uma anomalia linda, inesperada, que parecia brilhar mais do que as luzes do bar.
E Henri não conseguiu evitar o pensamento: talvez estivesse começando a gostar dela muito mais do que deveria.
Com o passar das semanas, Henri e Julia se tornaram inseparáveis. No café, na biblioteca, no bar do Antônio, até nos corredores do campus — parecia que o destino encontrava sempre um jeito de aproximá-los.
Foi em uma tarde comum, depois de mais uma sessão de estudos, que Henri tomou coragem. Eles estavam sentados lado a lado no gramado, rindo de algo bobo, quando ele, sem planejar, se inclinou e roubou um beijo.
Por um segundo, Julia ficou imóvel, surpresa. Mas logo retribuiu, com um sorriso no canto dos lábios. A partir dali, não havia mais volta. Sempre que podiam, estavam juntos — estudando, conversando, ou simplesmente aproveitando o silêncio da companhia um do outro.
O pedido de namoro veio de forma natural, quase inevitável, e os anos seguintes consolidaram aquilo que ambos já sabiam: havia algo forte entre eles.
Quando a formatura chegou, trazendo consigo a sensação de novos caminhos e responsabilidades, Henri deu um passo além. Com um anel simples, mas carregado de significado, pediu Julia em noivado.
Ethan, que sempre observou o relacionamento da filha com um olhar atento, não hesitou em aprovar. Via em Henri algo que o tranquilizava: a maneira como ele olhava para Julia, com respeito e admiração, o tipo de olhar que não se aprende, mas nasce do coração. Para Ethan, não restava dúvida — Henri seria o homem certo para caminhar ao lado da filha.
Era uma noite tranquila. Julia e Henri estavam deitados no sofá da sala, a TV ligada em volume baixo, mas nenhum dos dois realmente prestava atenção. O calor da proximidade e o conforto da rotina tornavam aquele silêncio quase perfeito — até que Henri respirou fundo e quebrou o clima.
— Ju… eu tenho uma notícia.
Julia se virou para ele, curiosa.
— Que notícia?
Henri hesitou por um instante, como se procurasse as palavras certas.
— Eu consegui uma vaga em um hospital grande. Neurocirurgia. Em Boston. — Fez uma pausa e completou: — Eu estou cogitando aceitar… mas queria que você fosse comigo.
Ela piscou, surpresa.
— Boston? — repetiu, como se o nome da cidade pesasse no ar. — Mas… e o meu pai?
Henri a encarou com seriedade, mas também com ternura.
— A gente pode vir visitar nas férias, nos feriados. Amor, essa é uma grande oportunidade pra mim. E pra você também. Lá você pode encontrar uma empresa de arquitetura renomada, trabalhar com o que ama, construir seu nome.
Julia ficou em silêncio, mordendo o lábio. O coração estava dividido entre dois mundos: o do pai, Ethan, que sempre esteve com ela, e o futuro promissor ao lado de Henri.
— Pensa com carinho… — pediu Henri, segurando a mão dela.
Ele a beijou suavemente, tentando transmitir confiança, mas sabia que a decisão não seria fácil.
Julia apenas assentiu, os pensamentos embaralhados. Depois de alguns minutos de silêncio, murmurou:
— Eu vou falar com o meu pai.
Henri sorriu de leve, aliviado.
— Tudo bem.
Naquela noite, Julia sentou-se com o pai na varanda. Ethan estava com uma garrafa de cerveja na mão e um olhar tranquilo, mas bastou ela começar a falar que o tom mudou.
— Pai… o Henri recebeu uma proposta de trabalho em Boston. Ele vai ser neurocirurgião em um hospital grande. E ele me pediu para ir com ele.
Ethan ficou em silêncio por alguns segundos, observando a filha. Então respirou fundo e sorriu de leve.
— Julia, eu jamais impediria você de seguir sua carreira. Esse lugar aqui… — ele apontou para a rua calma de Willow Creek — é um fim de mundo. Eu sei que você pode ter muito mais.
Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas o sorriso era verdadeiro.
— Pai…
Ele a puxou para um abraço apertado.
— Eu só quero que você seja feliz. E tenho certeza de que sua mãe estaria orgulhosa de você agora.
Julia encostou o rosto no ombro dele, emocionada.
Dias depois, tudo começou a mudar. Ethan já tinha conseguido um apartamento bem localizado em Boston. A mudança foi rápida e intensa — caixas, despedidas, ansiedade. Logo Henri começava sua rotina pesada no hospital, e Julia dava os primeiros passos entregando currículos em escritórios de arquitetura pela cidade.
A vida deles ganhou um ritmo novo. Julia quase não via Henri em certos dias, já que seus plantões eram longos e exaustivos, mas sempre que conseguiam dividir a mesa ou o sofá, se olhavam com a certeza de que haviam tomado a decisão certa.
Eles estavam cansados, sim. Mas estavam juntos. E, acima de tudo, estavam felizes.
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