A Hibrida e Sua Dona
O Encontro
A chuva caía sem piedade naquela noite. As ruas estreitas estavam quase desertas, e o som das gotas se misturava ao eco distante de passos.
Liora, a híbrida, encolheu-se em um beco, os olhos felinos brilhando no escuro. Seu corpo tremia, não de frio, mas de exaustão. Há dias vagava sem rumo, fugindo daqueles que a viam apenas como mercadoria. Metade humana, metade fera… inteira sozinha.
Foi então que uma voz firme quebrou o silêncio:
Ela ergueu o olhar. À sua frente, sob o guarda-chuva negro, estava uma mulher de presença marcante. Os cabelos longos e escuros caíam sobre os ombros, e os olhos dela — profundos, quase hipnóticos — a observavam com calma.
Liora recuou um passo, os pelos das orelhas arrepiando.
Liora
— Eu… não tenho para onde ir.
A mulher inclinou a cabeça, como se já soubesse da resposta.
Selene
— Eu sou Selene. E você não precisa mais vagar.
A híbrida hesitou, estudando cada detalhe daquela estranha. Havia algo na voz de Selene que não era ordem, mas também não deixava espaço para recusa. Um convite envolto em poder.
Liora
— Por que… me ajudaria?
Selene deu um meio sorriso.
Selene
— Porque vejo em você mais do que os outros enxergam. E porque ninguém deveria carregar sozinha o fardo de existir.
A híbrida sentiu o coração acelerar. Não sabia se era medo, esperança ou uma mistura dos dois. Mas quando a mão estendida de Selene se aproximou, ela soube que, ao aceitá-la, sua vida nunca mais seria a mesma.
E assim, naquela noite chuvosa, o destino das duas se entrelaçou pela primeira vez.
O Abrigo de Selene
A chuva ficou para trás quando Liora atravessou o portão de ferro. A mansão de Selene erguia-se como uma sombra imponente contra o céu nublado, as janelas altas iluminadas por um brilho quente que contrastava com a noite fria.
Liora hesitou na soleira, os pés molhados manchando o mármore da entrada. Tudo parecia grande demais, luxuoso demais… e perigoso demais para alguém como ela.
— disse Selene, fechando o guarda-chuva.
Selene
— Aqui dentro, ninguém pode te ferir.
A híbrida obedeceu em silêncio. O interior da casa exalava o aroma de madeira antiga e flores secas. Havia quadros enormes nas paredes e corredores que pareciam nunca terminar. Liora mantinha a cauda baixa, as orelhas oscilando a cada ruído.
Selene notou a tensão em seu corpo.
Selene
— Você pode relaxar, pequena. Não trouxe você para ser uma prisioneira.
Liora
— Então… o que eu sou aqui?
— a voz de Liora saiu frágil, quase um sussurro.
Selene caminhou até uma lareira acesa e acenou para que ela se aproximasse. As chamas dançavam, projetando sombras douradas no rosto da dona.
Selene
— O que você quiser ser
Selene
— Uma hóspede, uma aprendiz… ou alguém que caminha ao meu lado.
Liora engoliu em seco. Não estava acostumada a escolhas. Toda sua vida fora feita de ordens. Mesmo agora, a ideia de simplesmente “decidir” parecia assustadora.
Liora
— E… se eu quiser ir embora?
Selene ergueu o olhar para ela, séria, mas sem agressividade.
Selene
— Então eu deixo. Mas, antes de ir, quero que veja o que significa realmente ser livre.
A híbrida baixou os olhos, o peito apertado. Aquela mulher a confundia. Não era como os outros humanos que só viam uma fera domesticada. Selene a olhava como se enxergasse algo que Liora nunca ousara acreditar existir: valor.
O silêncio se prolongou até que Selene se levantou, estendendo-lhe uma toalha macia.
Selene
— Você está encharcada. Venha, vou te mostrar o quarto.
Quando Liora aceitou o tecido e tocou de leve nos dedos da dona, um arrepio percorreu seu corpo. Pela primeira vez, não parecia frio.
O Quarto da Híbrida
O corredor era longo e silencioso, apenas o som dos passos de Selene ecoava suavemente pelo piso de madeira. Liora caminhava atrás dela, segurando a toalha contra o peito. Cada porta que passavam parecia esconder segredos, e a mansão inteira transmitia uma sensação de mistério, como se estivesse viva.
Por fim, Selene parou diante de uma porta de madeira clara. Abriu-a com calma e se afastou para que a híbrida pudesse ver.
O quarto não era extravagante como o resto da casa, mas sim acolhedor. Uma cama ampla, coberta por lençóis brancos, cortinas leves que balançavam com o vento, e uma pequena estante com alguns livros. Sobre a mesa, uma lamparina acesa iluminava o espaço com uma luz suave.
Selene
— Este será o seu espaço, Liora.
— disse Selene, entrando devagar.
Selene
— Ninguém entrará aqui sem sua permissão.
A híbrida arregalou os olhos.
Selene
— Você merece ter um lugar que seja apenas seu.
Liora deu alguns passos, tocando com os dedos a beira da cama, depois a madeira da estante, como se precisasse confirmar que aquilo era real. Nunca tivera nada que pudesse chamar de “seu”.
— murmurou, a cauda mexendo de leve.
Selene a observava em silêncio, com um olhar sereno, mas havia algo mais escondido ali: um cuidado que não se esperaria de alguém tão imponente. Aproximou-se e ajeitou delicadamente uma mecha molhada do cabelo de Liora atrás da orelha felina.
Selene
— Você está segura aqui.
— Sua voz era baixa, quase um sussurro.
Selene
— Ninguém vai te caçar, ninguém vai te usar.
O peito de Liora se apertou. Parte dela queria acreditar, outra ainda desconfiava. Mas o calor do toque, a firmeza daquelas palavras, plantavam uma semente de confiança.
— foi tudo o que conseguiu dizer, com a voz embargada.
A dona sorriu de leve, inclinando-se.
Selene
— Descanse, pequena. Amanhã será um novo começo.
E quando saiu, fechando a porta suavemente, Liora sentou-se na cama, abraçando a toalha contra si. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez não estivesse sozinha.
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