Eu ainda consigo ouvir o barulho da água naquela noite distante.
O rio transbordava, furioso, arrastando tudo pelo caminho. Eu era apenas uma menina, mas o medo não me impediu de me lançar atrás dele. Aiden gritava, engolindo água, as mãos pequenas se debatendo contra a correnteza. Eu não pensei. Não medi. Apenas pulei.
A dor do frio cortou minha pele, mas eu não soltei sua mão. Entre soluços e força que eu não sabia de onde vinha, arrastei-o até a margem. Tossindo, molhados, tremendo... eu o abracei como se fosse a única coisa que importava no mundo.
Ele nunca soube. Nunca soube que foi a minha coragem, e não um milagre, que o salvou naquele dia. E eu preferi assim. Eu queria o amor dele, não sua gratidão. Queria que olhasse para mim não como uma heroína, mas como a única mulher capaz de preencher sua vida.
Por anos, guardei esse segredo como se fosse parte da minha própria alma.
Mas o tempo é cruel, e as pessoas... ainda mais.
Anos depois, uma estranha apareceu. Uma mulher de rosto angelical, palavras doces e olhar calculista. Ela se colocou diante de Aiden como se fosse sua salvadora. Como se aquela noite no rio tivesse pertencido a ela. E ele acreditou. Ele, que eu amava desde criança, entregou-lhe confiança, ternura... e até o lugar que deveria ser meu.
Quando percebi, era tarde demais. Eu me tornei uma sombra. A suposta salvadora me olhava com desdém, como se soubesse que roubava algo que nunca lhe pertenceu. E Aiden, cego, acreditava em cada mentira, cada gesto falso.
O golpe final veio com violência: ela sussurrou envenenando seus ouvidos, até que ele acreditasse que eu era sua inimiga. E então... o homem que eu havia salvo, o único que meu coração amou, foi o mesmo que me atirou para dentro de uma cela fria.
Meu corpo prendeu-se às grades, mas minha alma não.
Enquanto ele me olhava com desprezo, enquanto ela sorria vitoriosa, eu jurei que o mundo conheceria a verdade.
E quando esse dia chegasse, não haveria espaço para perdão.
Porque eu, Serena Valmont, fui a verdadeira salvadora.
E agora... serei a sua maior ruína.
A porta de ferro rangeu com um som áspero, como se reclamasse por estar se abrindo depois de tanto tempo. Durante cinco anos, aquele barulho foi o meu maior pesadelo e, ao mesmo tempo, a minha maior esperança. Agora, ele marcava o fim de uma prisão que não era apenas feita de grades e paredes úmidas, mas de traição, de injustiça e de um amor que me havia esmagado.
O guarda me lançou um olhar rápido, indiferente, antes de entregar os poucos pertences que ainda restavam comigo. Um relógio parado, uma corrente de prata que havia perdido o brilho, e a lembrança de que o tempo, para mim, havia congelado.
Dei o primeiro passo para fora. O ar de Ardênia parecia diferente. O céu estava cinzento, pesado, como se soubesse que o meu retorno não era o de uma vítima, mas o de uma predadora. Inspirei fundo. O vento tinha o gosto amargo da liberdade.
No portão, um carro preto me esperava. Elegante, discreto. Reconheci de imediato o motorista que abriu a porta traseira: Camila Costa, minha assistente. Seus olhos brilharam ao me ver, embora tentasse disfarçar a emoção com a postura profissional que sempre admirei nela.
— Serena... — sua voz falhou por um instante. — Finalmente.
Sorri de canto, aquele sorriso contido que aprendi a usar para esconder a verdadeira tempestade dentro de mim.
— Finalmente — repeti, entrando no carro.
O estofado de couro me abraçou como uma lembrança de uma vida que parecia distante demais. Camila fechou a porta e deu a volta, assumindo o volante. No silêncio inicial, eu apenas olhei pela janela, vendo a estrada se abrir diante de mim como se fosse o primeiro traço da minha vingança se desenhando.
— Eu ainda não acredito que eles fizeram você pagar por algo que não cometeu — disse Camila, com os dedos apertando o volante. — Mas agora... agora vamos colocar tudo no lugar.
Virei-me lentamente para ela. Sua lealdade sempre foi inabalável. Durante cinco anos, ela foi minha voz do lado de fora, mantendo intacto o império que construí.
— Não, Camila. — Minha voz saiu firme, fria. — Agora, vamos destruir quem ousou brincar comigo.
Ela engoliu em seco, como se a intensidade das minhas palavras fosse um aviso.
O carro avançava pela estrada, cortando a paisagem cinzenta. O silêncio voltou, mas não durou. Camila desviou os olhos por um instante e perguntou:
— Posso te fazer uma pergunta?
— Sempre.
— Por que você nunca contou a ele? — O tom dela era hesitante, mas carregado de curiosidade. — Você poderia ter mostrado quem era desde o início. Poderia ter revelado que foi você quem o salvou, que é a verdadeira magnata por trás do maior império de Ardênia. Talvez... ele nunca tivesse acreditado naquela impostora.
Meu peito apertou. Não pelo arrependimento, mas pelo peso da lembrança. Fechei os olhos por um instante, sentindo de novo o frio da água, o desespero nos olhos dele quando criança.
— Porque eu não queria gratidão. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, mas cada palavra era afiada. — Eu queria amor. Queria que Aiden me olhasse e me escolhesse, não porque eu o salvei, não porque eu era rica, não porque eu tinha poder... mas porque o meu coração batia por ele.
Camila respirou fundo, voltando os olhos para a estrada.
— E o que você ganhou com isso?
Ri, mas sem humor.
— Cinco anos em uma prisão. — Abri os olhos e encarei meu reflexo no vidro. — E o gosto amargo de ver outra mulher roubar o meu lugar, usando um feito que nunca lhe pertenceu.
O carro seguiu em silêncio por alguns minutos, até que as torres do meu império surgiram no horizonte. Mesmo distante, podia ver os arranha-céus que carregavam o nome da minha família. Eu, Serena Valmont, era a mulher mais rica de Ardênia, herdeira de uma fortuna que poderia comprar reis, corromper governos, mover o mundo. Ainda assim, fui tratada como nada.
— Eles esqueceram quem eu era. — Toquei levemente o vidro, como se apontasse para as construções. — Mas agora vão se lembrar.
Camila sorriu de lado, com um ar de cumplicidade.
— Ardênia inteira vai tremer, Serena.
Inclinei a cabeça, observando cada detalhe que passava pela janela. Pessoas apressadas nas calçadas, carros que se moviam em fluxo constante, o mundo que continuou girando sem mim.
— Não, Camila. — Corrigi, com o olhar fixo. — Não apenas Ardênia. O mundo inteiro.
Ela assentiu, sem ousar contestar.
Enquanto o carro se aproximava do coração financeiro da cidade, pensei em Aiden Castellani. Seu rosto ainda queimava na minha memória, misto de amor antigo e decepção mortal. Ele acreditara em mentiras. Trocou-me por ilusões. E pior: me condenou, como se eu fosse a inimiga.
Mas agora... ele iria me ver.
Ver a mulher que ele enterrou viva por cinco anos.
Ver a verdadeira salvadora que ele nunca reconheceu.
Eu não seria mais a sombra que se escondia pelo amor. Eu seria a tempestade que destruiria tudo o que ele pensava ser seguro.
Afinal, o amor que eu guardei um dia morreu atrás das grades.
O que sobrou agora... era apenas ódio.
Ardênia amanhece com pressa.
Os prédios se espelham no céu de chumbo, e as ruas, molhadas por um sereno persistente, carregam aquela pressa que eu conheço bem: a pressa de quem tenta chegar primeiro — a qualquer coisa. O carro desacelera diante do edifício Valmont. O meu nome, em aço escovado, ocupa metade da fachada. É quase irônico: por cinco anos, eu existi como rumor; meu sobrenome, porém, continuou pesando como se eu estivesse sentada no trono. Talvez porque, de certa forma, eu sempre estive.
Camila sai primeiro, fala algo ao segurança, e as portas de vidro se abrem num gesto automático, mas eu sei o quanto de trabalho existe por trás de cada mecanismo que parece natural. Piso no mármore e o som dos saltos devolve àquele saguão a música que faltava. O murmúrio se espalha, discreto; olhares tentam não encarar, mas encaram. O rumor vira presença. A presença vira silêncio.
— Bom dia, senhora Valmont — diz a recepcionista, com a voz que treme só na vogal.
— Bom dia, Elisa — respondo sem olhar a placa do crachá. Eu não esqueci nada.
O elevador nos engole. Camila me entrega um tablet, a tela já aberta em um painel de indicadores: ações, liquidez, auditorias, litígios. Um gráfico serpenteia como lembrança de uma cobra hibernando. Não por muito tempo.
— Sustentamos o crescimento médio anual de 8,3% — diz Camila. — A imprensa falou em “milagre de resiliência”, mas você e eu sabemos que foi disciplina. Os conselhos obedeceram às suas cartas, e os diretores entenderam o recado: quem tentasse tirar vantagem do seu afastamento seria exposto.
— Quantos tentaram?
— Sete. Quatro se demitiram antes que o comitê disciplinar se reunisse. Três foram afastados. Um deles ainda recorre.
— Deixe que recorra. Gosto de ver as coisas seguirem o rito. O rito também humilha.
As portas se abrem no último andar. O corredor é uma lâmina: paredes de vidro, aço, silêncio acolchoado. Eu caminho por ele sentindo que cada passo reconquista centímetros invisíveis que me foram tomados. Ao entrar na minha sala, a cidade se derrama inteira à minha frente — Vidral, a capital de Ardênia, se estende como um tabuleiro de guerra. E é isso que ela é, hoje: um tabuleiro.
Toco a mesa. Não há pó. Camila manteve o lugar como se eu fosse abrir a porta a qualquer momento dos últimos mil oitocentos e vinte e cinco dias.
— Fechamos a agenda para a manhã — ela diz. — À tarde, reunião extraordinária do Conselho Valmont. À noite, você tem… — ela hesita — um convite.
Ergo uma sobrancelha.
— Uma gala da Fundação Castellani, em benefício das vítimas de enchentes no interior. A patrona do evento será… — Camila percorre a tela — Celeste Varela.
O nome cai como um fio de gelo dentro da minha garganta. Celeste. A suposta salvadora. O rosto angelical, a voz doce, o cálculo nos olhos. Em cinco anos, ela não perdeu tempo.
— E Aiden?
— Presidirá a mesa de honra ao lado dela.
Um pequeno, muito pequeno músculo da minha mandíbula responde antes de mim. Eu sorrio, breve.
— Perfeito. — Me aproximo da janela. — Não existe palco melhor do que o que eles mesmos iluminam.
Camila entende o tom. Ela se endireita, o profissionalismo retesa a postura.
— Como quer começar?
Tudo em mim clama por impulsos. Arrancar máscaras à unha. Mas a vingança, se é para durar, precisa respeitar a engenharia. Não é um soco. É alvenaria.
— Vai começar como sempre deveria ter sido — digo. — Com contas e com memória.
Volto à mesa e deslizo os dedos sobre o tablet. Abro três pastas que eu mesma criei anos atrás, ainda na época em que achava que amor e estratégia poderiam coexistir.
PASTA 1 — Rastro da Noite do Rio.
PASTA 2 — Rede Varela.
PASTA 3 — Castellani: portas de entrada.
— Na PASTA 1, quero tudo reativado — digo. — O barqueiro que me ajudou, o prontuário do pronto-socorro, a equipe de plantão, os registros da Defesa Civil de Vidral… Alguém viu. Alguém anotou. E, se não anotou, lembrará quando vir o quanto vale lembrar.
Camila já digita, os dedos seguros. Eu continuo:
— Na PASTA 2, atualize o mapa de contatos de Celeste. Não me interessam só os aliados próximos. Quero os silenciosos: quem paga as contas menores, que empresa terceiriza o que ela chama de filantropia, qual fotógrafo tem exclusividade nos eventos… os intermediários são onde o verniz descasca primeiro.
— Entendido.
— E na PASTA 3… — Eu me inclino, sinto o cheiro leve do couro da poltrona, e volto a dizer o nome como quem testa um metal — Castellani. Quero o organograma inteiro. Quem é o CFO atual, quem assinou o contrato de seguros dois anos atrás, quem substituiu a diretora jurídica quando ela “pediu afastamento por motivos pessoais”.
Camila ergue o queixo.
— Você supõe que a substituição foi empurrada?
— Eu não suponho. Eu lembro o padrão. Aiden sempre trocou especialistas por gente “leal”. Quando alguém é competente demais, ameaça o conforto do chefe.
— E você…? — Camila busca meus olhos — Você ainda o chama de chefe?
Sorrio sem calor.
— Hoje, Aiden é uma variável. Chefes não me mandam. Variáveis, eu resolvo.
O relógio de parede marca onze. Peço café. Camila serve. Bebo como quem recupera um gesto íntimo. Em seguida, abro a gaveta da direita — sei o que vou encontrar antes mesmo de ver: um envelope de papel grosso, selado, que eu mesma deixei ali cinco anos atrás, no dia anterior à minha prisão. Escrevi “Para quando a memória doer mais que a raiva”. Rompo o selo. Há três fotos dentro. Uma, dele, criança, encharcado, tremendo sob uma manta térmica. Outra, a margem do rio, fita amarela, a equipe de resgate. A terceira é uma imagem que ninguém nunca viu: a minha mão segurando a dele, tirada às pressas por um paramédico, sem querer, enquanto ajustava a maca. Vejo minha mão pequena, arranhada, sangrando nos nós dos dedos. Eu era só uma menina, mas já sangrava por ele.
Guardo as fotos. A dor não me enfraquece. Alinha-me.
— Vou convocar o Conselho para as quinze — diz Camila. — Quer que eu alerte também os diretores das subsidiárias?
— Não. Primeiro o Conselho. Eles me devem silêncio e atenção.
— E a gala…?
— Responda confirmando presença. Solicite mesa lateral, última fileira. — Eu encarno o protocolo como uma segunda pele. — E peça credenciais para a minha “consultora financeira”. Você.
— Vai entrar sem anunciar?
— Vou entrar como quem observa. Quem ainda não aprendeu a me temer com silêncio ainda não aprendeu nada.
Camila sorri de canto. Eu sei o que ela pensa: que não há nada mais perigoso do que o meu silêncio. Talvez ela tenha razão.
Ao meio-dia, recebo três ligações que valem o dia. A primeira, do Diretor de Compliance, confirmando que um contrato da Fundação Varela foi firmado com uma agência de eventos recém-criada e com capital social incompatível com a magnitude do trabalho. A segunda, do arquivo municipal, informando que os relatórios da Defesa Civil daquela noite no rio sofreram “extravios pontuais” — expressão burocrática que sempre significa mãos sujas. A terceira, do meu contato mais antigo na imprensa de Vidral, avisando que Celeste deu uma entrevista exclusiva para a revista Aura, e na capa está escrito: “A Verdadeira Salvadora”.
— Eles estão acelerando a narrativa — resumo para Camila, que anota. — Ótimo. Quanto mais rápido correm, mais cedo tropeçam nos próprios cadarços.
— O que quer que eu faça com a agência de eventos?
— Nada. Ainda. Só compre a empresa.
— Compr…?
— Por meio de uma holding distante três camadas, com um nome que não remeta a nós. Quando eu quisesse cortar a luz do palco de Celeste, será útil saber onde fica o interruptor.
Camila ri baixo, e é um som limpo, apesar do subtexto sombrio.
— E os relatórios extraviados?
— O arquivo municipal tem servidores. Servidores têm chefes. Chefes têm ambições. Encontre a ambição certa e a memória volta.
— E a entrevista?
— Compre o encarte inteiro da Aura de domingo próximo. E pague o dobro pelo espaço ao lado da capa. — Bebo outro gole de café. — Nele, vamos publicar a imagem menos importante que temos.
— Qual seria a menos importante?
Abro a gaveta, ergo a foto da minha mão segurando a de Aiden menino.
— Esta. Não prova nada. Mas lembra. E a lembrança é o começo do fim das certezas.
Camila assente, olhos brilhando de malícia disciplinada.
Às quinze, o Conselho Valmont ocupa a sala retangular de reuniões. Dezoito cadeiras, dezessete ocupadas — a décima oitava é a minha. Alguns tentam disfarçar o desconforto, outros se levantam rápido demais. Falo pouco. O suficiente.
— Durante cinco anos, vocês administraram o que é meu. Fizeram bem o bastante para continuarem sentados. Fizeram mal o suficiente para saberem que eu estou de volta.
As mãos se acertam sobre a mesa. Nenhum dos presentes me pede desculpas; ninguém com longevidade em poder pede desculpas — pede agenda. Eu ofereço o que nenhum deles esperava: tranquilidade operacional e guerra externa.
— A Valmont vai anunciar, em setenta e duas horas, um programa nacional de reconstrução de margens ribeirinhas — digo, projetando os slides. — Cem milhões de ardenes iniciais, auditados por três empresas internacionais, com rastreio público de cada centavo. — Pauso. — Não porque sejamos bonzinhos, mas porque somos capazes.
— E a onda de críticas? — pergunta alguém na ponta da mesa. — Dirão que é manobra de marketing.
— É. — Deixo que a palavra caia como uma pedra. — Marketing de integridade. Enquanto isso, observamos quem tenta imitar com dinheiro opaco.
Eu termino a reunião com uma única instrução adicional: nenhuma doação da Valmont, de nenhuma subsidiária, deve passar por fundações cujo conselho deliberativo inclua o nome Varela ou Castellani. Não agora. Não nos próximos meses. Uma seca planejada. Quem tem sede mostra o rosto primeiro.
No fim da tarde, a luz estilhaçada nos prédios desenha linhas laranjas no chão da minha sala. Camila retorna com novos relatórios e um envelope pardo.
— O que é isso?
— Correspondência antiga. Foi retida por ordem judicial quando você foi presa. Liberaram hoje, por “decurso de prazo”.
Abro. O papel cheira à espera. Uma única folha: “Serena, se você soubesse, me odiaria. Mas um dia vai entender.” Não há assinatura, só a caligrafia que eu reconheceria no escuro: Aiden.
Não sinto o golpe. Sinto a ciência. Ele escreveu isso no passado, quando a covardia ainda exigia caneta e não redes sociais. Ele sabia que me feriria. Tentou enfeitar a ferida com justificativa. Toda lâmina já veio um dia com fita.
— Quer que eu arquive? — pergunta Camila, cautelosa.
— Não. — Dobro a carta e a devolvo ao envelope. — Guarde no cofre. A lembrança precisa morar com as coisas caras.
O telefone vibra. Uma mensagem anônima, número mascarado: “Ele sabe que você saiu.”
Eu encaro a tela por um segundo alongado, e não respondo. Se ele sabe, que sinta. Se ele sente, que venha. Até porque, hoje à noite, eu irei até ele.
— A gala é às vinte. — Camila ajeita o paletó, profissional até no anúncio do inevitável. — Quer que eu a encontre lá dentro ou entre com você?
— Entre comigo. Quero que vejam quem você é. — Ergo o queixo. — E quero que ele me veja primeiro no reflexo, não no foco. O reflexo diz mais a verdade do que a frente do palco.
Camila sorri. Eu apago as luzes da sala. Ao fechar a porta, não levo nada que não esteja dentro de mim: disciplina, rancor, método. O elevador desce como uma sentença suave. Lá fora, Vidral acende suas lâmpadas; a cidade veste o brilho que esconde a lama.
Eu já caminhei por essa lama com os pés descalços.
Desta vez, vou atravessá-la sem me sujar.
E, quando eu chegar àquela mesa de honra, quando o vestido da patrona cintilar sob as luzes, quando Aiden elevar o queixo para o discurso, eu estarei sentada, invisível e presente, segurando o interruptor que acende e apaga qualquer verdade.
A vingança não começa no grito.
Começa na sala de vidro.
E a minha já começou.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!