O salão do castelo das Trevas era um lugar de sombras e silêncio. Grandes colunas de obsidiana sustentavam um teto tão alto que se perdia na penumbra. A única luz vinha de lâmpadas de uma chama violeta e inquieta que não iluminava, apenas acentuava as profundezas dos cantos. No centro da vastidão fria, sentado em um trono talhado de um único bloco de ônix, o Príncipe Malak observava o vazio com um tédio profundo e venenoso.
Seus dedos longos e pálidos batiam uma melodia impaciente no braço do trono. Tic. Tac. Tic. Tac. O som ecoava como o bater de um coração petrificado. Anos de planejamento, de acumular poder às escondidas, de semear o medo em reinos distantes, e agora... agora havia um vazio. Uma pausa. Ele precisava de algo novo. Algo grandioso.
A quietude foi quebrada pelo som quase imperceptível de passos. Korbin, seu conselheiro e criatura das sombras, aproximou-se, curvando-se tão profundamente que seu rosto quase tocou o chão polido.
"Alteza", a voz de Korbin era um sussurro áspero, como o arrastar de folhas secas. "Um correio chegou. Um... correio diferente."
Malak nem se virou. "Diferente como? Espero que não tenha manchado meus halls com sua luz ofensiva."
"Não, Alteza. Ele veio por meio de... uma fagulha dourada. Deixou isto e dissipou-se." Korbin estendeu um braço esguio, segurando um envelope de pergaminho imaculado, selado com cera da cor do sol e gravado com um emblema que Malak detestava: uma espada envolta por uma hera florida. O símbolo do Reino Mágico de Luminária.
Um espasmo de repulsa cruzou o rosto perfeito e pálido de Malak. Ele pegou a carta com dois dedos, como se estivesse tocando em algo podre. Quebrou o selo com um movimento brusco e desenrolou o pergaminho. Seus olhos, da cor da âmbar escura, percorreram as palavras elegantes e curvilíneas.
Para sua grande e crescente surpresa, não era uma declaração de guerra ou uma ameaça velada. Era um convite.
"Ao Sua Alteza Real, o Príncipe Malak das Terras Sombrias, Em nome de Sua Majestade, a Rainha Seraphina de Luminária, e do Instituto de Renovação Arcana, convidamos Vossa Alteza a participar de um programa pioneiro de reabilitação e integração... Um novo começo para aqueles cujos caminhos se entrelaçaram com as sombras... Uma oportunidade de reescrever seu destino ao lado de outros de... reputação similar... na mais prestigiada instituição de ensino mágico..."
Malak não leu o resto. Seus lábios finos se curvaram em um sorriso lento e terrível. Um programa de reabilitação? Para vilões? Eles queriam transformá-lo em um "boazinha"? A audácia era tão absurda que beirava o insulto cómico. Ele estava prestes a reduzir a carta a cinzas com um simples pensamento quando seus olhos pousaram em uma linha final.
"...e como gesto de boa fé, todos os participantes terão audiência com a Rainha e serão recebidos no Salão do Trono, sob a guarda da Coroa Solaris..."
O sorriso de Malak congelou e então se transformou em algo muito mais perigoso e calculista. A Coroa Solaris. A fonte do poder que sustentava Luminária, que mantinha as trevas à bay. A relíquia que seu próprio pai, o grande herói que todos cantavam em histórias, havia defendido com sua vida. A mesma relíquia que, se caísse em suas mãos, lhe daria poder absoluto para mergulhar todos os reinos em uma era de escuridão eterna. Um poder que faria seu atual domínio parecer um jogo de criança.
A ideia foi tão repentina quanto brilhante. Eles estavam literalmente convidando a raposa para dentro do galinheiro e oferecendo a chave do portão.
Korbin observava seu mestre, perplexo com o silêncio prolongado. "Devo preparar uma resposta irada, Alteza? Ou ignorar a afronta?"
Malak ergueu a cabeça, e seus olhos brilhavam com uma luz interior triunfante. "Não, Korbin. Você deve preparar minhas coisas para a viagem."
Korbin pestanejou, suas pálpebras batendo lentamente. "Viagem, Alteza? Para... para onde?"
"Para aquela escola de merda de Luminária", disse Malak, sua voz um fio de seda envenenada.
Korbin recuou um passo, sua forma sombria tremulando de incredulidade. "V-vai?!" ele exclamou, o protocolo esquecido diante do choque absoluto.
Malak levantou-se de seu trono, sua capa negra arrastando-se no chão como uma mancha de óleo. Ele caminhou até uma grande janela que não mostrava um panorama, mas um vortex de energias sombrias. Ele não iria contar seu plano real a ninguém. Nem a Korbin, nem a seus generais. Esse segredo era só seu.
"E claro," ele disse, sua voz agora cheia de um desdém arrogante e divertido. "O que poderia ser melhor do que eu estar em uma das melhores escolas? Será a cobertura perfeita. Eles esperam um príncipe das trevas arrependido e humilde. Eles receberão um aluno... aplicado. Muito aplicado em estudar cada fraqueza, cada rotina, cada detalhe de sua preciosa segurança. E no final, quando menos esperarem, a Coroa Solaris será minha."
Ele virou-se para Korbin, seu sorriso agora amplo e afiado.
"Eles querem reformar o vilão? Que tentem. Enquanto estiverem distraídos tentando salvar minha alma, eu estarei roubando o coração de seu reino. A ironia é... deliciosa."
Korbin permaneceu em silêncio, apenas assentindo lentamente, entendendo que uma tempestade de ambição pura acabara de ser desencadeada, e ela se dirigia diretamente para o coração da luz.
"Farei os preparativos imediatamente, Alteza."
"Sim, faça," sussurrou Malak, voltando a olhar para o vortex, já não vendo trevas, mas vislumbrando o brilho ofuscante de uma coroa dourada. "A caça começou."
Malak fechou a última gaveta de ébano com um clique seco. Suas posses eram poucas e meticulosamente escolhidas: vestes escuras de tecido finíssimo, alguns tomos de magia proibida disfarçados de livros de história entediante, e um punhal serrilhado que absorvia a luz ao seu redor. Tudo estava arrumado em um baú negro e austero.
Korbin permanecia à entrada dos aposentos, uma silhueta de hesitação e preocupação. "Tudo está pronto,Alteza. O portal está estabilizado e à sua espera."
Malak passou por ele sem um olhar, seu manto fluindo atrás de si. No grande salão do portal, o vortex de energia sombria girava violentamente, um contraste gritante com o pequeno e sereno portal dourado que havia sido aberto ao seu lado – a passagem para Luminária.
"Cuide das Trevas, Korbin", ordenou Malak, sua voz ecoando na vastidão do salão. "Mantenha as aparências. Deixe todos pensarem que estou em um retiro espiritual... contemplando meus erros." O sarcasmo pingava de cada palavra.
"Sim, Alteza. E... o que devo esperar de seu retorno?" perguntou Korbin, ousando levantar os olhos.
Malak parou à beira do portal dourado, sua figura imponente e escura contra a luz suave e ofensiva que dele emanava. Ele olhou para trás, sobre o ombro, e seu rosto foi iluminado por um brilho áureo que não conseguiu vencer a escuridão em seus olhos.
"Não deixe esse reino muito feliz na minha ausência..." ele sussurrou, mas a ordem era clara como cristal. "Eu volto assim que terminar. E voltarei mais forte que nunca."
Korbin curvou-se profundamente, uma pontada de temor e antecipação percorrendo sua espinha. "Sim, senhor."
Sem mais cerimônias, Malak deu um passo decisivo para dentro do portal. A sensação foi imediata e nauseante. Era como ser dissolvido em mel e luz solar. Uma calorias enjoativa invadiu seus sentidos, tão oposta à fria e poderosa escuridão que sempre o envolveu. Ele fechou os olhos, suportando a agonia da viagem, até que seus pés pisaram em algo sólido e macio – grama.
Ele abriu os olhos.
O ar cheirava a flores doces e pão fresco. O céu era de um azul impossível, sem uma única nuvem. À sua frente, erguia-se uma escola de torres brancas e douradas, com vitrais que pintavam a luz do sol em cores vibrantes no chão. Era até bonito. Era enjoo.
"Seja bem-vindo, Malak."
A voz era calma, amigável, mas carregada de uma autoridade natural. Malak se virou lentamente. Diante dele estava um homem de cabelos prateados e olhos gentis, vestindo robes azuis imaculados. Era quase um rei, e Malak sabia exatamente quem era: o Príncipe Regente Renato, o herdeiro de Luminária, filho da rainha que seu próprio pai havia ajudado a salvar. A ironia queimava seu estômago.
Malak não sorriu. Apenas inclinou a cabeça num cumprimento mínimo e glacial. "Príncipe Renato."
Renato estendeu a mão em um gesto de paz. Malak olhou para ela como se fosse um inseto repugnante, mas depois, lembrando-se de seu disfarce, apertou-a rapidamente. O toque foi quente e firme.
"Como eu poderia dizer não a um convite desses?" disse Malak, sua voz um tom mais baixo, forçando uma neutralidade cortante.
Renato sorriu, um sorriso genuíno que Malak achou profundamente irritante. "Esperamos que seja uma experiência transformadora. Venha, vou mostrar a escola para você." Renato começou a andar, e Malak o seguiu, seus passos pesados e silenciosos na grama perfeita.
"Aqui não temos só princesas e príncipes", explicou Renato, gesticulando para os jardins onde grupos de jovens conversavam.
Malak lançou um olhar ao redor, seus olhos ágeis captando cada detalhe, cada ponto cego, cada janela possivelmente levando aos aposentos reais. "Vi sereias, fantasmas..."observou, sua voz plana.
Renato pareceu impressionado. "Acertou! Um olhar muito observador. Todos aqui querem um futuro muito melhor a cada dia. Por isso se dedicam cada vez mais nas aulas."
"São quantas aulas por dia?" perguntou Malak, já entediado com o discurso motivacional.
"Cinco. Mas não se preocupe, tudo está detalhado em um caderno em cima da sua cama, junto com seu uniforme." Renato parou diante de uma porta de carvalho maciço, com o número 8 gravado em prata. "E aqui estão os seus aposentos."
Ele abriu a porta. O quarto era amplo, ensolarado, com duas camas, duas escrivanias e uma grande janela com vista para os jardins. Em uma das camas, estava dobrado um uniforme azul e dourado. Na outra, sentado e lendo um livro, estava um jovem.
"Príncipe Thiago", apresentou Renato. "Ele será seu colega de quarto. Foi ele quem se ofereceu para te ajudar e te acompanhar nos primeiros dias."
Thiago ergueu os olhos do livro. Seus cabelos eram castanhos e cacheados, seus olhos da cor do mel e cheios de uma curiosidade tranquila. Ele tinha um queixo forte e um sorriso tímido pronto para surgir. Era, inegavelmente, desconcertantemente bonito.
Porra, que moleque bonito, foi o primeiro e involuntário pensamento que cruzou a mente de Malak, seguido imediatamente por uma onda de raiva por ter notado.
Thiago se levantou, fechando o livro. "É um prazer, Malak. Espero que se sinta em casa."
Malak ignorou completamente o cumprimento. Seus olhos se fixaram no uniforme azul, um símbolo de tudo que ele desprezava. Sua expressão se contraiu em um misto de nojo e resignação.
"Não podia piorar", murmurou Malak, para si mesmo, mas alto o suficiente para ser ouvido.
Ele pegou o uniforme, segurando-o entre o polegar e o indicador, como se estivesse segurando um animal morto. Olhou para Thiago, depois para Renato, e então de volta para o uniforme. Um sorriso sarcástico e amargo surgiu em seus lábios.
"E pode sim."
O tom não era de desânimo. Era um aviso. Um desafio silencioso lançado ao quarto ensolarado, ao colega de quarto bonito e ao mundo absurdamente feliz que o cercava. O jogo verdadeiro começava agora.
A porta do quarto se fechou com um clique suave, deixando para trás o silêncio súbito e a tensão palpável no ar. Malak e Thiago ficaram parados, um de cada lado do ambiente ensolarado, se observando como dois felinos prestes a decidir entre uma briga ou uma trégua desconfortável.
Malak quebrou o silêncio primeiro, sua voz um corte seco no ar doce do quarto. "Vai fazer alguma coisa ou vai ficar olhando para mim?"
Thiago pareceu sair de um transe, corando levemente. "Desculpa.É que... eu tava tão animado para você chegar."
Malak ergueu uma sobrancelha, um gesto lento e deliberado que transmitia puro ceticismo. "O porquê?"A pergunta saiu mais como um desafio do que uma curiosidade genuína.
Ignorando a frieza, Malak virou-se e pegou sua mala de ébano, colocando-a com um baque surdo em cima da cama. Ele abriu as fechaduras com um clique audível e começou a retirar suas roupas, todas em tons de preto, cinza e vermelho sangue, pendurando-as no armário com movimentos precisos. Em seguida, veio o verdadeiro arsenal: um arco negro e elegante, um aljava de flechas com penas escuras, duas espadas curtas de lâmina serrilhada que pareciam absorver a luz, e, por último, um cajado enorme e imponente, talhado em madeira escura e com uma gema vermelha pulsante em sua extremidade.
Thiago não pôde conter um suspiro de admiração e reconhecimento. "Ou... esse é o Cajado de seu pai?"A curiosidade superou a cautela, e ele deu um passo à frente, estendendo a mão quase que involuntariamente para tocar na madeira antiga.
Mais rápido que uma cobra, a mão de Malak agarrou o cajado, puxando-o para longe do alcance de Thiago. Seus olhos âmbar faiscaram por um instante, uma fagulha de possessividade e raiva. "Desculpa,"disse Thiago, recuando rapidamente, as mãos no ar em um gesto de paz.
Malak relaxou um pouco a pegada, mas não totalmente. "E sim. Cajado do meu pai."
"É... impressionante", murmurou Thiago, ainda maravilhado. "Só uma coisa... tem uma regra aqui. Não usamos magias dentro da escola, a não ser nas aulas específicas de prática controlada."
Malak soltou uma risada curta e sem humor. "Vocês não usam. Eu uso. Não sou vocês."
Thiago não se abalou. Ele parecia genuinamente tentando ajudar. "Tudo bem. Você vai ver que, aos poucos, não vai sentir falta. Não precisa usar magia para tudo."
Malak não respondeu. Ele apenas colocou o cajado cuidadosamente contra a cabeceira de sua cama, num lugar de destaque e fácil acesso.
Thiago, tentando mudar o assunto e quebrar o gelo, teve uma ideia. "Se você quiser, podemos ir no Museu de História hoje. É bem interessante."
Malak parou o que estava fazendo e olhou para Thiago, um novo interesse brilhando em seus olhos – um interesse calculista e afiado. "Como seria?"ele perguntou, sua voz um pouco menos cortante.
Thiago se animou visivelmente ao perceber que Malak parecia interessado. "É um museu que fala dos nossos antepassados. Dos grandes heróis e... das grandes batalhas. Tem até um busto do seu pai."Ele fez uma pausa, escolhendo as palavras com cuidado. "Eu sempre gosto de ir lá. É... tranquilo."
Malak manteve a expressão impassível, mas algo se moveu por trás de seus olhos. Um busto de seu pai. A versão deles da história. "Então vamos lá,"ele disse, sua decisão soando final. "Daqui a pouco."
Um sorriso verdadeiro iluminou o rosto de Thiago. "Ótimo!"
Foi quando Malak olhou novamente para o uniforme azul e dourado jogado em cima da cama. Seu nariz se enrugou de desprazo. "Porque ele é tão horrível?"
Thiago deu de ombros, rindo baixo. "Eu gosto dele."
Malak virou o pescoço lentamente, analisando Thiago de cima a baixo com uma intensidade quase desconfortável. "Você tem gosto horrível."
"Minha cor favorita é branco," defendeu-se Thiago, ainda sorrindo. "Ela é ótima para tudo. Transmite paz."
"A minha é preto e vermelho," retrucou Malak, seu sorriso voltando, mas agora carregado de uma promessa sombria. "Pode ter certeza, você vai descobrir o porquê."
O tom e a escuridão repentina em seus olhos fizeram Thiago estremecer visivelmente. Malak viu o susto e começou a rir – uma risada genuína, mas que soava estranha e um pouco cruel no quarto ensolarado. "Adoro isso!"ele disse, secando uma lágrima inexistente. "Bom, pelo menos esse trapo pode ser salvo. Só precisamos fazer alguns ajustes."
Ele estalou os dedos. Uma névoa negra e roxeada, saindo da ponta de seus dedos, envolveu o uniforme. O tecido se contorceu e mudou de forma, as cores se transformando como se estivessem sendo lavadas por tinta. Quando a névoa se dissipou, o uniforme não era mais azul e dourado. Era uma jaqueta justa de couro negro, com detalhes em vermelho sangue, e uma calça de um tecido fosco igualmente escuro. O emblema da escola ainda estava lá, mas agora bordado em fios prateados e quase invisíveis.
"Uau!" exclamou Thiago, seus olhos arregalados de espanto. "Muito melhor!"
Ele então mordeu o lábio, preocupado. "Tem certeza que não tá desobedecendo alguma regra da escola?"
Malak pegou a nova vestimenta, um sorriso de satisfação nos lábios. "Eu não ligo se desobedeço ou não,"declarou, indo em direção ao banheiro para se trocar.
Minutos depois, ele saiu. A transformação era completa. A jaqueta e a calça negras moldavam-se perfeitamente ao seu corpo, fazendo-o parecer mais um príncipe das sombras em missão do que um estudante. O contraste com a claridade do quarto era quase chocante.
Thiago olhou, sem conseguir disfarçar a admiração. "Olha, pode até desobedecer... mas ficou muito bem em você."
Malak ajustou o punho da jaqueta. "Aquilo parecia um pedaço de lixo. Isso,"ele disse, gestando para si mesmo, "isso é apropriado."
E pela primeira vez, Thiago riu de verdade, um som leve que ecoou no quarto, enquanto Malak observava, um plano já se formando em sua mente. O museu seria muito mais do que uma simples visita. Seria o primeiro passo de sua verdadeira missão.
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