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O Fardo das Promessas

Prólogo

A cidade nunca dormia, mas para Aurora, o silêncio da madrugada era o único momento em que o coração parecia suportar o peso da própria existência. Havia aprendido, cedo demais, que o amor podia ser tanto a dádiva mais luminosa quanto a lâmina mais afiada. Cresceu acreditando que sua vida se desenharia ao lado de Levi, o homem que prometeu mundos e eternidades, mas descobriu que promessas podem ser apenas véus delicados escondendo traições cruéis.

Naquela noite chuvosa, diante do espelho do quarto, Aurora enxergou mais do que a própria imagem refletida: viu os fragmentos de uma mulher que já não cabia na ingenuidade do passado. A menina que acreditava em finais felizes havia morrido. Restava a mulher que aprenderia a se reconstruir em meio às ruínas.

O destino, caprichoso e implacável, a empurraria para uma nova vida ao lado de um homem que sequer conhecia, mas cujo nome já carregava um peso impossível de ignorar: Enzo Ferraz. O casamento não seria fruto de sonhos ou romances, mas de um arranjo frio e calculado, consequência de escolhas que não foram dela.

Ainda assim, enquanto o véu da dor cobria sua alma, uma centelha desconhecida brilhava no horizonte. Aurora não sabia, mas entre segredos, ressentimentos e encontros inesperados, ela seria forçada a descobrir uma verdade que mudaria para sempre o rumo de sua história.

Porque, às vezes, é no abismo do abandono que nascem as asas da liberdade.

Capítulo 1 — O Fim Antes do Começo

A chuva caía pesada sobre a cidade, lavando as ruas com uma fúria que parecia refletir o turbilhão dentro de Aurora. Faltava apenas um dia para o casamento. O vestido estava pronto, cada detalhe da cerimônia cuidadosamente escolhido, e o futuro que ela tanto sonhara parecia a apenas algumas horas de distância. Ela deveria estar ansiosa, sorridente, contando os minutos para dizer “sim”.

Mas, naquela noite, algo estranho latejava em seu peito. Um pressentimento que ela tentou ignorar, até que o destino resolveu se revelar da maneira mais cruel.

O celular vibrou sobre a penteadeira. Aurora ainda estava de roupão, sentada diante do espelho, ensaiando mentalmente como seria no dia seguinte. Pegou o aparelho sem pressa, mas o que viu a fez perder o ar.

Era uma mensagem anônima, com uma única frase:

"Você realmente acredita que Levi está esperando por você no altar?"

Junto, havia uma foto. O coração de Aurora se apertou tanto que ela quase deixou o celular cair. Na tela, Levi aparecia abraçado a uma mulher de cabelos escuros, deitada sobre seu peito, sorrindo como quem tinha o mundo aos pés. O local parecia íntimo, particular demais para qualquer mal-entendido.

— Isso não… isso não pode ser verdade — murmurou, a voz embargada.

Ela queria acreditar que era uma montagem, uma armadilha de alguém invejoso. Mas a realidade se impôs com violência quando a campainha da casa tocou. O som ecoou pelos corredores silenciosos. Aurora respirou fundo, limpou rapidamente as lágrimas que insistiam em descer e foi atender.

Do outro lado da porta, estava Marina, a melhor amiga de Levi, que desde sempre se aproximara de Aurora de forma forçada, como se desempenhasse um papel. Havia algo de desconfortável em seu sorriso naquela noite.

— Posso entrar? — perguntou, como se fosse um favor que estava prestes a conceder.

Aurora assentiu, sem forças para negar. A amiga entrou com passos leves, mas o olhar carregado de uma ironia difícil de disfarçar.

— Você não deveria estar descansando para o grande dia? — disse, apoiando a bolsa no sofá. — Amanhã será inesquecível.

— Por que está aqui, Marina? — Aurora cortou, a voz mais firme do que esperava. — Se veio para me desejar sorte, pode voltar.

Marina sorriu, um sorriso que nunca chegava aos olhos.

— Sorte? — repetiu, como se fosse uma piada. — Aurora, você realmente não sabe, não é?

Aurora sentiu o estômago revirar.

— Saber o quê?

Marina se aproximou, pegou o celular das mãos dela como quem já esperava encontrá-lo com aquela foto aberta.

— Isso. — Levantou a tela para o alto. — Levi nunca deixou de amar Yasmin.

O nome caiu como uma lâmina afiada. Aurora sabia quem era Yasmin: a ex-namorada que havia desaparecido anos atrás, deixando um rastro de dor no coração de Levi. Ele nunca falava dela, mas era impossível não sentir que havia algo não resolvido.

— Isso é mentira — respondeu Aurora, mas sua voz tremia. — Levi e eu estamos juntos há anos. Ele me escolheu. Amanhã será o nosso dia.

Marina soltou uma risada curta, venenosa.

— O seu dia? Não, querida. Amanhã será o dia de Yasmin. Levi está com ela agora mesmo. E amanhã… será o casamento deles.

O chão pareceu desaparecer sob os pés de Aurora.

— Não… — sussurrou, sentindo as lágrimas queimarem nos olhos. — Ele jamais faria isso comigo.

Mas antes que pudesse se recompor, ouviu o som de passos rápidos no corredor. Quando virou o rosto, encontrou Levi parado na porta da sala, encharcado da chuva, o olhar aflito.

— Aurora, eu… — começou, mas a voz falhou.

O coração dela, que por tanto tempo batia apenas por ele, despedaçou-se em mil pedaços ao vê-lo. Ela não precisava de explicações: os olhos dele traziam a confissão que os lábios não ousavam dizer.

— É verdade? — perguntou, firme, encarando-o.

Levi fechou os olhos por um instante, como se quisesse fugir daquilo. Quando voltou a olhá-la, não havia desculpas, apenas dor e arrependimento.

— Yasmin voltou… e ela… está doente.

— Doente? — Aurora repetiu, incrédula.

— Ela não tem muito tempo, Aurora. Eu… eu não podia deixá-la partir sem tentar reparar os erros do passado. Eu preciso estar com ela agora.

Cada palavra era uma facada. Aurora deu um passo para trás, tremendo.

— Você me usou. Todos esses anos… me prometeu um futuro, me fez acreditar que eu era o amor da sua vida, quando, na verdade, nunca deixou de amá-la.

Levi tentou se aproximar, mas ela ergueu a mão, impedindo-o.

— Não me toque! — gritou, e sua voz ecoou pelo cômodo como um trovão.

Marina, satisfeita, observava a cena como uma espectadora privilegiada de uma tragédia.

— Aurora… — Levi murmurou, a voz embargada. — Eu sinto muito.

Ela riu, um riso desesperado, repleto de dor.

— Sentir muito não vai apagar o que você fez comigo. Um dia antes do altar, Levi? Eu não sou um capricho, não sou uma substituta para o vazio que Yasmin deixou.

Ele tentou argumentar, mas Aurora não queria ouvir. A imagem do vestido branco guardado no armário, dos convites enviados, da vida inteira que acreditava estar prestes a começar… tudo se dissolvia diante dela como poeira.

— Vá embora — ordenou, com lágrimas escorrendo. — Vá para ela.

Levi hesitou, mas por fim, obedeceu. Marina o seguiu, satisfeita, fechando a porta atrás de si.

Aurora permaneceu ali, em pé no meio da sala, os joelhos fraquejando. O silêncio voltou, mas dessa vez não trouxe consolo. Trouxe apenas a certeza de que sua vida jamais seria a mesma.

Capítulo 2 — O Anúncio

Aurora não dormiu naquela noite. O travesseiro úmido de lágrimas ainda guardava o gosto amargo da traição. O vestido continuava pendurado no canto do quarto, imaculado e zombeteiro, lembrando-a do que jamais aconteceria.

O sol mal havia surgido quando ela pegou o celular e encarou a tela. Centenas de mensagens explodiam: ligações de Levi, justificativas sem fim de Marina, áudios de amigos em comum fingindo surpresa e até notificações da própria família adotiva, que sempre parecia mais interessada no escândalo do que em seu sofrimento.

Aurora respirou fundo. Não deixaria que continuassem invadindo seu espaço. Um por um, começou a bloquear. Levi foi o primeiro, depois Marina, e em seguida cada amigo cúmplice, cada contato que ela sabia estar rindo de sua dor. Bloqueou todos. E quando terminou, o silêncio do aparelho foi quase libertador.

Mas o vazio dentro dela crescia. Aquilo não podia ser o fim.

Abriu a rede social, encarou a caixa de texto em branco e, com os dedos trêmulos, digitou:

"Procura-se noivo para hoje. Alguém disponível?"

Ela clicou em publicar sem pensar duas vezes. O coração disparou.

Em segundos, o celular explodiu em notificações. Curtidas, comentários, compartilhamentos. Pessoas estranhas, conhecidos, alguns debochados, outros cheios de solidariedade. Uns ofereciam “ajuda”, outros faziam piada.

Aurora fechou os olhos. Parte dela se arrependia, mas outra parte sentia um gosto estranho de liberdade. Pela primeira vez, não estava apenas chorando.

Então uma mensagem privada apareceu.

Aurora piscou várias vezes, sem acreditar. Rafael, colega de faculdade, amigo de risadas rápidas nos intervalos, cúmplice de resumos em semanas de prova. Tinham perdido contato logo depois da formatura, quando Levi entrou em sua vida.

"Você está falando sério? Se sim, me manda o endereço. Quero estar aí hoje."

O coração dela gelou.

— Não, ele só pode estar brincando… — murmurou.

Digitou, apressada:

"Rafael, isso foi um impulso. Não é hora para brincadeiras."

Mas a resposta veio em segundos:

"Não estou brincando, Aurora. Você não merece passar por isso sozinha. Se você me quiser ao seu lado, eu vou. Só me diga onde e a que horas."

Ela engoliu em seco. O casamento estava marcado para as 17h. O salão já estava preparado, os convidados já tinham recebido convites, e ela deveria estar lá — ainda que sozinha.

Era insano. Absolutamente insano. Mas o que não era, naquela altura?

Com a respiração entrecortada, Aurora digitou o endereço e horário. Enviou antes que pudesse se arrepender.

O celular caiu sobre a cama, e ela passou as mãos pelo rosto, sem acreditar no que acabara de fazer.

As horas seguintes foram um turbilhão. Aurora tomou banho com pressa, secou os cabelos ainda úmidos e, como em um transe, abriu a caixa onde estava o vestido. A visão do branco perfeito lhe trouxe uma pontada de dor, mas ela não desviou. Vestiu-se sozinha, fechando cada botão com determinação, como se costurasse de volta a própria dignidade.

Quando terminou a maquiagem diante do espelho, já não viu apenas uma mulher traída. Viu alguém que não desistiria de si mesma.

O celular vibrou outra vez.

"Estou a caminho."

Aurora sorriu de leve. Rafael não estava blefando.

Pela primeira vez desde que descobriu a traição, sentiu uma chama de esperança.

Pouco depois, quando o carro que a levaria ao local chegou, Aurora respirou fundo e subiu. A cidade passava rápido pelas janelas, indiferente ao drama que a consumia.

Ela ainda não sabia se Rafael realmente apareceria. Mas, de uma coisa, tinha certeza: jamais deixaria Levi acreditar que havia destruído sua vida.

E naquele mesmo dia, diante de todos, uma nova história começaria.

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