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Amor em Jogo

Nilo

O barulho da multidão ainda ecoava em seus ouvidos quando Nilo entrou na limusine. As mãos ainda cheiravam a perfume barato e champanhe derramado, o mesmo aroma que impregnava suas roupas de grife. Do lado de fora, fãs gritavam seu nome como se ele fosse um semideus, implorando por um olhar, uma selfie, qualquer sobra de atenção. Do lado de dentro, o silêncio era cortante.

Nilo estava acostumado a viver assim: entre dois mundos. No palco, era fogo, luz, desejo. Fora dele, um vazio que ele preenchia com tudo que estivesse ao alcance — festas intermináveis, mulheres diferentes a cada noite, carros que pareciam saídos de um videoclipe.

Naquela madrugada, ele tinha acabado de sair de mais um show lotado. Luzes estourando como relâmpagos, mulheres se jogando contra a grade para tocá-lo, e ele devolvendo tudo com sorrisos calculados. O “Nilo superstar” era uma marca, uma fantasia vendida em cada letra das músicas que falavam de sexo, dinheiro e luxúria. O público acreditava. Ele mesmo já não sabia se acreditava mais.

A limusine parou em frente a uma cobertura no alto de São Paulo. A festa já o esperava. Luzes coloridas pulsavam nas janelas, como se o apartamento fosse um coração batendo fora de ritmo. O segurança abriu a porta e ele saiu, envolvido por celulares apontados, gente que não sabia ao certo se queria vê-lo cantar ou apenas provar que tinha estado perto dele.

Dentro, tudo era excesso. O ar cheirava a fumaça adocicada, os corpos dançavam colados, e o som ensurdecedor parecia engolir qualquer pensamento. Garrafas caras se acumulavam sobre a mesa, junto com linhas brancas discretamente escondidas sob guardanapos. Mulheres disputavam espaço ao lado dele, rindo alto demais, tocando seu braço como se cada contato fosse uma promessa. Ele sorria, bebia, beijava, cantava trechos das próprias músicas no ouvido de alguma fã — como se vivesse eternamente no palco.

Mas em algum momento, sempre acontecia. Entre um gole e outro, entre um riso forçado e uma carícia vazia, o cansaço o atingia como uma maré. Então, sem avisar ninguém, ele se retirava. Caminhava até a sacada, olhava para a cidade iluminada, e sentia o mesmo peso de sempre: nada daquilo era suficiente.

Naquela noite não foi diferente. Ao entrar no quarto isolado, fechou a porta atrás de si e se jogou na cama. O barulho da festa continuava lá fora, abafado, mas a solidão foi mais alta. Ele olhou para o teto, ainda ouvindo as vozes e os gritos em sua cabeça.

— Porra... — murmurou para si mesmo.

Havia momentos em que ele se perguntava se alguém já tinha amado Nilo de verdade. Não o astro, não a persona brilhante do palco, mas ele. O cara que cresceu sem nada, que usou a música para se salvar e agora estava afogado nela.

Pegou o celular e abriu o Instagram. Milhares de mensagens, corações vermelhos, fotos marcadas. Todo mundo dizia amá-lo. Mas ali, deitado sozinho em uma cama grande demais, tudo parecia um teatro mal ensaiado.

Nilo fechou os olhos. Sabia que no dia seguinte tudo recomeçaria: mais entrevistas, mais shows, mais excessos. O ciclo que o mundo esperava que ele cumprisse. Só ele sabia o quanto custava manter a máscara.

E, ainda assim, continuava.

Ana

A claridade suave da manhã atravessava as cortinas brancas do pequeno apartamento de Ana como uma carícia. O relógio marcava sete horas, mas para ela parecia cedo demais — não pelo horário em si, mas pelo peso da rotina que sempre se repetia. Levantar, preparar o café, afinar o violão, cantarolar, responder mensagens, escrever versos soltos em cadernos que se acumulavam em sua escrivaninha.

Era uma vida simples, quase previsível. Para muitos poderia soar entediante, mas para Ana era um terreno seguro. Ela gostava do silêncio, gostava de sentir que tinha o controle de cada passo, mesmo que isso significasse abrir mão de oportunidades que exigiam ousadia.

Seu apartamento refletia muito de sua personalidade. Pequeno, mas acolhedor, cheio de plantas em vasinhos coloridos, quadros pendurados com frases poéticas, um mural de fotos com lembranças de shows em barzinhos e momentos com a família. Sobre a mesa de centro, um caderno de capa azul estava sempre aberto, repleto de rabiscos, versos inacabados e palavras que esperavam encontrar uma melodia.

Antes de qualquer coisa, pegou o violão, o objeto mais precioso que tinha. Passou os dedos pelas cordas, dedilhou acordes e, quase sem perceber, começou a cantar:

"Eu não sei se o mundo espera por mim,

mas eu espero pelo mundo...

um passo, um risco, talvez um sim,

um salto fundo..."

Era uma música inacabada, escrita na noite anterior. Sorriu sozinha, meio tímida, meio envergonhada, como se houvesse alguém a observando. Desde pequena, Ana sempre tivera essa mania de cantar como se estivesse escondendo segredos. Diferente de Nilo, que subia em palcos gigantescos com letras ousadas e ritmos eletrizantes, ela cantava descalça, mas também pra multidões, ela cantava sobre o amor e a vida, ela cantava com o coração

ela mechia no celular quando resolveu ler os comentários do vídeo que postou da sua música nova, ela amava gravar vídeos apenas voz e violão, cantando a letra que ela escreverá com a alma, e os comentários mostravam que seus fans sentiam.

“Você canta com a alma.”

“Por isso está no topo das paradas”

“Seu jeito me cura só de ouvir.”

Ana suspirou, sentindo o coração aquecer. As palavras dos fãs eram como pequenos raios de sol entrando em sua vida.

— Sonhe grande... — murmurou, olhando para a caneca de café que usava todas as manhãs.

Era um mantra que repetia para si mesma, mas que raramente colocava em prática. Sonhar, ela sonhava. O que faltava era coragem.

Ana lembrava de como, desde a adolescência, sempre fora a garota cuidadosa. Enquanto suas amigas se jogavam em aventuras amorosas, ela preferia observar de longe, escrever poemas no caderno ou se perder em melodias. Nunca fora a mais ousada, nunca a que arriscava dançar no meio da festa ou beijar alguém por impulso.

Essa cautela a protegia, mas também a prendia. Quantas vezes havia deixado passar oportunidades porque sentia medo? Um festival que a convidou para se apresentar, mas que ela recusou por achar que não estava pronta. Uma viagem para o exterior, que deixou para depois porque era “arriscado demais”.

Era como se vivesse sempre no quase.

Sem saber, o destino já costurava a ironia perfeita. Enquanto Nilo transbordava em excesso — álcool, festas, mulheres, palcos lotados —, Ana vivia em contenção, no silêncio confortável de sua bolha. Ele falava de luxúria e ostentação; ela, de sentimentos e delicadezas.

Dois extremos que, naquele momento, pareciam universos impossíveis de colidir.

O celular tocou , mas dessa vez era uma chamada de vídeo. Vitória, sua melhor amiga.

— Anaaa! — Vitória apareceu na tela, com os cabelos desgrenhados e um sorriso sempre espontâneo. — Já acordou, fada da música?

— Já — Ana sorriu, ajeitando os fios rebeldes atrás da orelha. — Estava compondo um pouco.

— Compondo ou se escondendo do mundo? — Vitória ergueu a sobrancelha com aquele tom provocador que só ela conseguia usar sem soar cruel.

Ana riu, mas não respondeu.

— Amiga, você é maravilhosa, tem uma voz que arrepia até pedra. Mas precisa sair dessa bolha. Não dá pra passar a vida toda em casa mofando, voce só sai pra fazer show

— Eu sei... — Ana suspirou. — Mas eu não sou como você. Não sei me jogar, não sei me expor.

— Tá, mas olha — Clara interrompeu, animada —, ontem eu sonhei com você num palco gigante, cheio de luzes, um monte de câmeras e todo mundo cantando junto. Era tipo... destino.

Ana balançou a cabeça, rindo. Clara sempre sonhava coisas malucas, mas às vezes acertava em cheio.

o que Ana não sabia é que uma escolha poderia mudar a monotonia da sua vida, e trazer emoções que ela nunca havia nem imaginado viver.

O Convite: Nilo

A madrugada ainda não tinha terminado quando Nilo empurrou a porta do camarim, sentindo o cheiro pesado de fumaça e perfume doce misturado ao suor da multidão. O som do baixo ainda reverberava nos seus ouvidos, mesmo depois que o show havia acabado. Ele estava acostumado àquilo — ao aplauso ensurdecedor, aos flashes dos celulares, às mãos que tentavam alcançá-lo quando ele passava pela beira do palco. Era a vida que escolhera, a vida que todos diziam ser perfeita. Mas, naquela noite, enquanto deixava o microfone sobre a mesa e tirava a jaqueta de couro encharcada de calor, Nilo não sentia nada.

Nem alegria, nem orgulho. Apenas um vazio que crescia a cada dia.

— Você foi foda, mano! — gritou Rafa, seu DJ e parceiro de estrada, jogando-se no sofá do camarim. — A galera quase derrubou a casa hoje.

Nilo sorriu de canto, um sorriso automático, ensaiado. — É, foi da hora.

Mas sua voz saiu baixa, distante.

O camarim estava cheio: duas garotas riam alto encostadas no balcão, uma delas já bebendo no gargalo da garrafa de champanhe; um produtor falava no celular resolvendo a logística do próximo show; e outro amigo, Léo, fazia stories no Instagram, exibindo os bastidores como se fosse um troféu. Todos vibravam, todos pareciam satisfeitos. Menos ele.

Nilo se serviu de um copo de whisky, girou o líquido âmbar entre os dedos e ficou encarando o reflexo distorcido na superfície. O que via não lhe agradava.

— Ei, Nilo! — uma das garotas chamou, se aproximando com o olhar brilhante. — A gente vai pra o after, você vai também?

Ele respirou fundo, sustentando o sorriso de sempre. — Claro, já tô indo.

Mas, por dentro, uma voz ecoava: pra quê?

O after foi igual a todos os outros. Música alta, corpos se tocando sem pudor, bebidas derramadas em mesas de vidro, beijos que começavam e terminavam em questão de minutos. As mulheres realmente se jogavam para cima dele, como sempre, e Nilo cedia por inércia, por hábito. Mas a cada toque, a cada palavra sussurrada em seu ouvido, ele sentia mais a distância entre o que vivia e o que realmente queria viver.

No amanhecer, quando voltou para casa, jogou-se no sofá e olhou para o teto. O apartamento era amplo, luxuoso, mas o silêncio ali dentro gritava mais alto que qualquer multidão.

É isso a vida que eu construí?

Alguns dias depois, Nilo estava em reunião com seu empresário e amigo de longa data, Caio. Eles estavam sentados em um café reservado, longe dos olhares curiosos.

— Cara, você tá estranho faz semanas. — Rafa disse, apoiando o copo na mesa. — O que tá pegando? Tá cansado da rotina? Porque se for, a gente pode dar uma pausa nos shows, espaçar um pouco...

Nilo deu de ombros. — Não é cansaço, Rafa. É... sei lá. Eu sinto que falta alguma coisa.

— Alguma coisa? — o Dj arqueou a sobrancelha. — Você tem tudo, Nilo. Grana, fama, mulheres, sua música estourada... O que mais você pode querer?

Nilo suspirou, encarando a rua pela vidraça. — Talvez eu queira sentir de verdade.

Rafa riu, balançando a cabeça. — Você tá ficando velho, é isso. Tá começando a filosofar.

— Não, não é isso. — Nilo respondeu sério. — Eu tô cansado de tudo ser tão fácil. Antes, eu vibrava em conquistar, em lutar por um espaço. Agora... até as mulheres... — ele fez uma pausa, procurando as palavras. — Elas se jogam. Não tem graça. Eu não sinto mais nada.

O silêncio se instalou entre eles. Rafa o observava com atenção, sem a costumeira ironia.

— Então o que você vai fazer, Nilo? — perguntou por fim.

Antes que Nilo respondesse, seu celular vibrou. Ele pegou o aparelho sem muito interesse, mas o nome da emissora na tela chamou sua atenção.

— Estranho... — murmurou, atendendo. — Alô?

Do outro lado da linha, uma voz profissional, mas animada, explicou: o convite era para participar do maior reality show do país. Três meses de confinamento, câmeras ligadas vinte e quatro horas por dia, convivendo com pessoas completamente diferentes, exposto a julgamentos, provas, dinâmicas. E, claro, a promessa da chance de mostrar um lado que o público ainda não conhecia.

Nilo permaneceu em silêncio por alguns segundos, assimilando.

— Você tá de sacanagem. — disse, enfim, com uma risada curta.

Mas a proposta era real.

Quando desligou, Rafa quase pulou da cadeira. — Não acredito que te chamaram pro BBB!

— Pois é. — Nilo passou a mão pelos cabelos, ainda confuso. — E aí? O que você acha?

— O que eu acho? — o empresário arregalou os olhos. — Eu acho loucura. Três meses trancado, sem show, sem lançar nada, sem aproveitar o auge... Cara, você tem noção do que vai deixar pra trás?

Nilo apoiou os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos. — Eu tenho.

— E ainda vai ficar sob as câmeras, exposto... Qualquer deslize lá dentro e você pode ser cancelado. Não dá pra controlar a narrativa, não dá pra ensaiar. É vida real.

— Justamente. — Nilo interrompeu, encarando-o firme. — Talvez seja isso que eu precise. Vida real.

Caio ficou em silêncio, surpreso com a convicção no tom do amigo.

Naquela noite, sozinho em casa, Nilo ficou olhando para a cidade pela janela do apartamento. As luzes piscavam lá embaixo, carros passavam apressados, a vida seguia frenética. Ele pensou em todos os rostos que havia conhecido nas últimas festas, em todos os beijos que não significaram nada, em todas as noites que terminaram iguais.

Se eu continuar nesse ciclo, vou me perder de vez.

O convite para o reality parecia uma oportunidade de ruptura. De pausa. De respiro. Talvez até de se redescobrir.

Pegou o celular e enviou a resposta. “Sim, eu aceito.”

Encostou-se no sofá e fechou os olhos. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma pontada de expectativa. Não era a certeza de que encontraria algo lá dentro, mas a sensação de que, ao menos, estaria se colocando em movimento de novo.

Do outro lado da cidade, milhares de pessoas ainda dançavam, bebiam, gritavam ao som das suas músicas. Mas, naquela madrugada, Nilo não queria estar em nenhum desses lugares. Pela primeira vez, estava satisfeito apenas em esperar pelo que viria.

E, no fundo, ele sabia: aquela decisão mudaria tudo.

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