Lilia
Ninguém está preparado, mas definitivamente sua vida pode ser sacudida como um furacão. É isso que acontece comigo agora, enquanto vejo minha mãe ser enterrada.
O vento frio corta meu rosto, e a terra recém-mexida parece pesar mais do que deveria sobre meus ombros. Meu mundo se parte em pedaços. Sem meu pai, sem minha mãe… apenas eu e o vazio que me cerca.
As pessoas ao redor falam baixinho, algumas com lágrimas, outras apenas murmurando palavras de consolo que não chegam até mim. Tudo parece distante, como se eu observasse minha vida de fora. Mas a dor é real. Queima em cada canto do meu peito.
Então sinto algo estranho: uma presença, um tipo de energia que atravessa o vento. Quando me viro, uma mulher alta e excêntrica se aproxima com passos largos, carregando um ar de urgência impossível de ignorar. Seus olhos brilham de forma intensa, quase hipnotizante.
Ela se aproxima de mim, sua altura se destaca. Coloca sua mão sobre meu ombro e diz:
— Eu sinto muito, querida. Você estará sob minha responsabilidade a partir de agora.
Olho para essa mulher atônita.
— Quem é você? — pergunto, genuinamente confusa.
Ela dá um pequeno sorriso e me olha profundamente:
— Sou sua tia Verusa. Temos muito o que conversar Lilia. Sua vida nunca mais será a mesma.
Eu recuo um passo, sentindo o nó na garganta apertar. Aponto para a turma da assistência social, tentando me agarrar a qualquer coisa familiar.
— Eles são responsáveis por mim. Não você. — Minha voz treme, mas tento manter firmeza. — Eu nunca ouvi falar de você em toda a minha vida! Como pode aparecer aqui e dizer que é minha tia, uma tia que nunca conheci?
Ela sorri de um jeito quase enigmático, e então, de forma delicada, acena para os assistentes, como se estivesse se despedindo de velhos conhecidos: um tchauzinho sutil, cheio de confiança. Eles trocam olhares confusos e, em seguida, se afastam, obedecendo silenciosamente.
Ela se volta para mim, com os olhos fixos nos meus, penetrantes e sérios ao mesmo tempo.
— Eu já conversei com eles. Não precisa se preocupar. — Sua voz é calma, mas carrega uma autoridade que me deixa gelada. — Sua mãe nunca falou de mim… porque nunca fomos muito próximas. Ela quis esconder você de quem você verdadeiramente é.
Meu queixo treme. As palavras dela parecem mexer em algo profundo que eu nem sabia que existia. Um arrepio percorre meus braços, e por um instante, sinto que o chão poderia desaparecer sob meus pés. Quem sou eu realmente?
E que segredo minha mãe guardou toda a minha vida?
(...)
Após o enterro fúnebre da minha mãe, retornamos para minha casa apenas para fazer as malas. O pessoal da assistência confirmou: essa mulher é, de fato, minha tia. Ainda assim, tudo parece surreal.
Desço as escadas com algumas das minhas malas em mãos e digo, tentando parecer confiante:
— Estou pronta. Para onde vamos?
Verusa sorri, mas mantém o mistério:
— Você verá.
Saímos de casa, e, sinceramente, nem olho para trás. Já perdi minha mãe mesmo. Um peso estranho me acompanha, mas não há lágrimas — estou sem forças até para chorar.
Adentramos o carro preto, e o silêncio se mantém durante toda a viagem. Cada quilômetro parece arrastar a minha mente entre lembranças da minha mãe e a curiosidade do que está por vir.
Após quase uma hora, vislumbro uma propriedade imensa: campos verdes que se estendem até onde a vista alcança. O carro passa por um portão antigo, e meu coração dispara com a sensação de estar entrando em algo totalmente diferente do mundo que conheço.
Curiosa, me viro para ela:
— Ué, mas aqui não tem nada…
Ela sorri e faz um leve movimento com as mãos, como se desenhasse algo invisível no ar:
— Será mesmo que não tem? Olhe de novo.
Sigo o movimento dela com os olhos. E então, como se uma cortina invisível fosse puxada, meus olhos se abrem para a visão de uma imensa estrutura — um castelo majestoso, que parece ter surgido do nada diante de nós.
Instintivamente, coloco a cabeça para fora da janela do carro e solto:
— Minha nossa… que lugar é esse?
Ela apenas sorri, calma e enigmática:
— É a Academia Improvável.
Meu cenho se franze.
— Academia Improvável? Que nome louco é esse?
Verusa me encara, intensa, e sua voz ganha firmeza:
— Ainda não percebeu, Lilia? Você não é uma simples humana. Você é uma fada. Por isso está aqui. A Academia Improvável existe justamente para isso: onde as coisas mais improváveis acontecem. Foi fundada para jovens como você.
Sinto meu coração acelerar, uma mistura de incredulidade, medo e algo que se parece com fascínio. Nada disso se parece com o mundo que eu conhecia. Mas, de repente, sei:
minha vida está prestes a mudar de um jeito que eu jamais imaginei.
Kael
Enquanto caminho pelo pátio da academia, meu casaco preto e longo dança com o vento, seguindo cada passo meu. Atrás de mim, meu bando permanece firme, como escudeiros leais, atentos a qualquer sinal de desafio.
Ao passar rente às janelas de vidro, vejo meu reflexo. Meus cabelos brancos, quase platinados, brilham sob o sol de maneira que me agrada. O casaco de gola alta só reforça a intensidade do meu olhar dourado. Sorrio de lado, consciente de que minha presença chama atenção — afinal, sou Kael, príncipe dos Lobos Blasters.
Os gritinhos das meninas da minha alcateia ecoam pelo pátio, e noto até alguns olhares curiosos de fêmeas de outras linhagens. Meu sorriso se amplia, deixando claro que minha fama não é por acaso.
E então… acontece.
Alguém bate em mim com força, me empurrando para trás. O impacto me pega de surpresa. Quando meus olhos se ajustam, vejo a responsável — que se encontra caída no chão.
Cabelos castanhos trançados dos dois lados da cabeça, olhos castanhos que me encaram com uma mistura de desafio e nervosismo. À primeira vista, parece apenas mais uma novata.
Mas algo no cheiro, no leve tremor ao redor dela, me diz que é uma fada.
— Senhor Blaster, o senhor devia olhar por onde anda! — exclama a diretora Verusa, surgindo firme logo atrás dela, autoritária como sempre.
— Está bem, Lilia? — pergunta a diretora, a preocupação visível na voz.
Ela se ergue com determinação, sacudindo a roupa e endireitando a postura.
— Estou. — A voz é pequena, mas carregada de firmeza, e há um brilho em seus olhos que me intriga.
Observo-a por um instante mais longo do que deveria. Meu instinto grita que essa pequena intrusa não vai passar despercebida na Academia Improvável — e, de algum modo, sei que vai causar mais problemas do que imagina.
Então ela se afasta, seguindo a diretora. Nesse instante, Lino, um dos meus, se aproxima com aquele sorriso de quem sabe de tudo.
— É a sobrinha da diretora Verusa — diz ele, inclinando-se um pouco para falar baixo. — Ouvi rumores de que a diretora foi buscá-la. É mais uma descendente das linhagens das fadas.
Reviro os olhos, um misto de tédio e desdém, e solto, firme:
— Patética.
Lino dá de ombros, percebendo que não vale a pena discutir comigo. Mas mesmo enquanto seguimos nosso caminho, não consigo tirar os olhos dela da memória. Há algo… diferente nela. Algo que, no fundo, me incomoda mais do que deveria.
Movido por essa inquietação, puxo Lino para mais perto, inclinando-me ligeiramente para que ninguém nos ouça. Meu olhar varre o pátio com rapidez, atento a qualquer curiosidade indesejada. Sussurro, com a voz carregada de malícia:
— Quero que descubra onde será o quarto dela, Lino. Acho que encontrei um brinquedinho para brincar.
Ele arregala os olhos, a surpresa estampada no rosto.
— Não está falando sério, não é? — pergunta, hesitante, como se já antecipasse problemas.
Solto seu braço e paro abruptamente, fazendo com que todos atrás de mim também cessem os passos. Minha voz baixa, mas firme, corta o ar:
— Não irei fazer nada demais. Só quero dar um susto na novata.
Lino ajeita a gola do uniforme, visivelmente desconfortável, e retruca:
— Isso pode trazer problema, Kael… ela é sobrinha da diretora…
Interrompo imediatamente, o tom agora carregado de autoridade:
— E meu pai é um dos maiores acionistas desta academia. Os Improváveis só existem porque meu pai financiou.
Ele hesita, mordendo o lábio inferior, ainda incerto.
— Eu não sei…
Puxo-o novamente, desta vez com força, e sinto o rosnado baixo do meu lobo interno ecoando, pronto para sair.
— Você vai fazer o que estou mandando, Lino. É uma ordem! — minha voz agora não admite questionamentos. — Uma ordem do seu príncipe e futuro rei lobo! Agora vá e descubra onde aquela… patética ficará!
Enquanto Lino se afasta, sigo meu caminho pelo pátio, mas algo dentro de mim não se acalma. Um arrepio percorre minha espinha e meu olhar dourado se estreita, fixo na direção por onde ela desapareceu.
E então, a voz sombria do meu lobo ressoa dentro da minha mente, fria e possessiva:
"Ela é minha".
Meu coração dispara, e um sorrisinho de canto, ao mesmo tempo cruel e inquietante, surge nos meus lábios. O jogo apenas começou.
— Me aguarde, fadinha…
Lilia
Enquanto sigo minha mais nova — e surpreendente — tia Verusa, que acabei de descobrir também ser a diretora desta academia, seguro minha pequena mochila contra o peito, apertando-a como se fosse um escudo.
Ela caminha à frente, firme, determinada, quase imponente. Já eu… sinto todos os olhares sobre mim. Olhares de seres que eu jamais pensei que existissem fora dos contos de fadas.
Olhares curiosos, desconfiados, alguns até hostis. Lobos, bruxos, híbridos… cada passo meu parece ecoar mais forte nesse corredor estranho, como se eu fosse uma peça deslocada no tabuleiro.
Não sei se rio de nervoso ou se choro de desespero. Tudo aconteceu tão rápido que ainda me sinto presa em um sonho maluco — um daqueles pesadelos que parecem nunca acabar.
E como se não bastasse, minha mente insiste em voltar para ele. O garoto do cabelo prateado. Kael. A intensidade do olhar dourado dele ainda me arrepia. Não sei explicar por quê, mas sinto que aquele esbarrão não foi só um acidente.
Minha tia para diante de uma porta robusta, imponente, e sua voz firme me arranca dos pensamentos:
— Esse será o seu quarto, Lilia. Pode descansar se quiser. No jantar, tudo será explicado a você: como funciona a academia, as regras, e… o que se espera de você aqui.
Assinto em silêncio, sem coragem de dizer nada. Verusa empurra as portas pesadas, e eu fico parada por alguns segundos, observando a escuridão calma do cômodo. Só depois respiro fundo e entro, fechando as portas atrás de mim.
O quarto é simples, mas acolhedor. Duas camas. Uma próxima à janela, já ocupada — lençóis desarrumados, um livro largado sobre o travesseiro. A outra cama, vazia, me espera do outro lado da parede.
Me encosto contra a porta fechada e, exausta, escorrego até me sentar no chão. A mochila cai ao lado. Aperto as pernas contra o peito e respiro fundo.
— Em que tipo de história louca fui cair… — murmuro, quase rindo, quase chorando.
Eu quero chorar. Meu corpo inteiro pede isso. Mas não consigo. Algo dentro de mim grita que não posso desmoronar, não agora. Se eu chorar, se eu me permitir ser fraca, não haverá ninguém para me estender a mão e me levantar.
Já deu para perceber que essa tal de tia Verusa não é nem um pouco sentimental.
— O que será de mim? — sussurro, sentindo os olhos arderem. Mas as lágrimas não caem.
Me forço a levantar e caminho até a janela. Lá fora, um enorme jardim se estende, com árvores antigas e flores que parecem pulsar com magia. É bonito. Assustadoramente bonito.
Olho novamente para a cama ao lado da minha e me pergunto: quem será minha companheira de quarto? Amiga? Inimiga? Outra criatura estranha que vai me olhar como todos os outros?
Talvez eu devesse estar surtando agora.
Porque, convenhamos, mal enterrar a minha mãe e descobrir que sou uma fada, que tenho uma tia diretora de uma academia secreta de magia e que, a partir de agora, minha vida nunca mais será normal… não é exatamente algo que adolescentes costumam enfrentar por aí.
Aperto os dedos contra o peitoril da janela, respirando fundo. Por mais que meu coração esteja em pedaços, preciso continuar de pé.
— De um jeito ou de outro… vou ter que sobreviver a este lugar.
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