Fumaças e Medalhas (DekuBaku)
Capítulo 1 – Silêncios Paralelos
O internato Yuei era quase como uma cidade dentro de muros. Estrutura impecável, regras rígidas, cronogramas inquebráveis, e uma hierarquia não declarada que separava os alunos em dois grupos bem distintos: os que seguiam as regras… e os que as quebravam.
Izuku Midoriya, 20 anos.
Ele não se encaixava em nenhum lugar, nem tentava.
Era o tipo que andava sozinho, sempre com a jaqueta de couro, o cigarro entre os dedos e os olhos semicerrados como se o mundo inteiro fosse entediante demais pra se importar. Era comum vê-lo nos corredores mais vazios, nas escadas dos fundos, ou no jardim abandonado atrás do galpão de esportes.
Não sorria. Não falava.
E se alguém se aproximava demais… ele virava as costas.
Seu boletim era um desastre, sua ficha disciplinar era mais grossa que a maioria dos livros da biblioteca. Mas, misteriosamente, ele ainda estava ali.
Alguns diziam que era porque o pai era rico.
Outros, que os professores tinham medo dele.
Mas a verdade era: Izuku simplesmente não se importava o suficiente para ser expulso.
Na maioria das manhãs, ele acordava tarde, vestia qualquer coisa, pendurava um colar com uma cápsula dourada no pescoço e saía — arrastando os pés, tragando fumaça, deixando o silêncio falar por ele.
Enquanto isso, em outra parte da escola…
Katsuki Bakugou, 18 anos.
Era o exemplo que todos esperavam ser.
Boletim impecável. Prêmios nas paredes. Duelos esportivos vencidos. Ajuda constante aos colegas, mesmo que com cara fechada e resmungos.
Sempre cercado por seus três amigos mais leais: Kirishima, o mais otimista e protetor; Kaminari, o mais distraído e engraçado; e Mina, que era puro brilho, equilíbrio e força.
Katsuki seguia uma rotina metódica:
Acordar às 5h para correr.
Estudar antes das aulas.
Treinar depois da aula.
Revisar antes de dormir.
Ele era respeitado pelos professores, admirado pelos alunos e, para alguns, até inalcançável. Mas, no fundo… havia algo preso em seu peito.
Uma curiosidade. Uma inquietação.
Como se faltasse uma peça.
Como se, apesar de ser bom em tudo… nada fosse realmente seu.
Aquele garoto da jaqueta de couro.
Dos olhos baixos e pesados.
Que fumava no canto dos fundos como se não desse a mínima se o mundo acabasse ou não.
Mas Katsuki nunca falou com ele.
Nunca precisou.
Nunca quis… ou pelo menos, era o que dizia a si mesmo.
Eles eram apenas colegas de turma.
Sentavam em lados opostos da sala.
Nunca trocaram uma palavra.
Nunca foram colocados juntos em trabalhos em grupo.
Nunca se cruzaram nos clubes.
E nunca — nunca mesmo — trocaram um olhar.
Até o dia em que a fumaça de um cigarro escapou pela janela da sala de química, subiu pelo ar… e encontrou os olhos de Katsuki por acaso.
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
(olhando para fora, franzindo o cenho)
…Ele de novo.
Kiri se inclinou ao lado, curioso.
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
Aquele cara do canto. O dos cigarros.
𝗞𝗮𝗺𝗶𝗻𝗮𝗿𝗶
Ah, o Midoriya? Dizem que ele foi expulso de três colégios antes desse.
𝗠𝗶𝗻𝗮
Ou que ele quebrou a perna de um professor. Mentira, claro. Mas é o que dizem…
Mas, naquele dia, ele olhou mais que o normal.
E do outro lado da parede de vidro… Izuku pareceu notar.
Não com surpresa. Nem com interesse. Apenas levantou o cigarro nos lábios e tragou com calma, devolvendo o olhar com o mesmo desprezo com que via o mundo inteiro.
E talvez ali, naquele instante silencioso,
um fio invisível tenha começado a se esticar entre os dois.
Fino. Discreto.
Mas real.
Capítulo 2 – A Semana Segue
Os dias no internato Yuei passavam como folhas em branco — repetitivos, previsíveis… silenciosamente sufocantes.
E ainda assim, cada um seguia preso à sua própria bolha.
Dois mundos paralelos.
Duas rotinas que jamais se tocavam.
Sua semana começava sempre do mesmo jeito:
Acordava bem depois da maioria. Pulava o café da manhã. Vestia a primeira roupa que via — geralmente a mesma de sempre: jaqueta preta, camisa branca, jeans escuro, luvas sem dedos. A cápsula dourada pendurada no pescoço balançava sobre o peito como um lembrete mudo de algo que ninguém sabia.
Evitava as aulas quando podia.
Sentava no fundo da sala quando não podia.
Dormia, desenhava ou encarava a janela.
E nos intervalos… sumia.
Era fácil adivinhar onde encontrá-lo:
Atrás do ginásio.
No muro do jardim velho.
Ou no telhado da ala C, onde poucos ousavam subir.
Ali, com o cigarro queimando entre os dedos, ele respirava.
Mesmo que fosse fumaça, ainda era melhor que o ar estagnado da escola.
Alguns alunos falavam dele com medo.
Outros com desprezo.
Mas no fim… ninguém se aproximava.
A rotina dele era impecável, quase cronometrada.
Acordava às 5h sem necessidade de alarme. Corria 6 voltas ao redor do pátio interno antes mesmo do sol nascer.
Tomava café com Kaminari, Mina e Kirishima no refeitório — sempre no mesmo lugar.
Ia pra aula, sempre na primeira carteira, caderno aberto e pronto.
Corrigia os professores mentalmente.
Responde com sarcasmo quando necessário, mas nunca ultrapassava o limite.
Depois da aula, treino.
Depois do treino, biblioteca.
Depois da biblioteca, revisão noturna no quarto.
𝗠𝗶𝗻𝗮
Katsuki, você já pensou em tirar um dia só pra fazer… nada?
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
Tô respirando, já é mais do que suficiente.
𝗞𝗶𝗿𝗶𝘀𝗵𝗶𝗺𝗮
K(rindo)
Ele é o nosso robô humano. Imune a preguiça.
𝗞𝗮𝗺𝗶𝗻𝗮𝗿𝗶
Aposto que ele até sonha resolvendo equações.
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
(revirando os olhos)
Cala a boca, Denki.
Mas mesmo entre piadas, risos e medalhas… Katsuki carregava uma expressão de cansaço que nem ele sabia explicar.
Talvez fosse o peso de sempre acertar.
Ou o fato de que todo dia era exatamente igual ao anterior.
Sexta-feira.
O dia em que o mundo estalou… mesmo que brevemente.
Era hora do almoço. Os corredores estavam lotados. Barulho de bandejas, vozes altas, risos soltos.
E no centro do pátio principal, uma confusão começou a se formar.
Aluno 3
É o Midoriya de novo?!
Aluno 4
Alguém chama um monitor!
Izuku estava de pé, com o cigarro ainda aceso nos lábios, sangue no canto da boca e os olhos baixos e furiosos.
Na frente dele, um aluno do terceiro ano, alto, metido a valentão, segurava o colar de Izuku com força.
Aluno do 3° ano
Acha que pode andar por aí como se fosse dono do lugar, seu merdinha?
𝗜𝘇𝘂𝗸𝘂
(voz baixa, firme)
Solta essa porra… antes que eu quebre sua cara.
Aluno do 3° ano
Quero ver tentar.
O soco veio antes da próxima palavra.
Seco. Preciso.
Izuku não recuava.
Não pedia desculpas.
E se entrava numa briga… era pra acabar com ela.
Do outro lado do corredor, Katsuki caminhava com os amigos.
A gritaria ao longe chamou a atenção de Mina.
𝗠𝗶𝗻𝗮
O que tá acontecendo?
𝗞𝗮𝗺𝗶𝗻𝗮𝗿𝗶
Acho que é mais uma briga… eita, é o Midoriya mesmo?
𝗞𝗶𝗿𝗶𝘀𝗵𝗶𝗺𝗮
De novo? Esse cara não cansa?
𝗠𝗶𝗻𝗮
Por que ele tá sempre arrumando confusão?
Katsuki nem virou o rosto. Seguiu andando como se nada estivesse acontecendo.
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
Se ele quer se matar, que faça isso longe da minha frente.
𝗞𝗶𝗿𝗶𝘀𝗵𝗶𝗺𝗮
Frio como sempre, hein?
𝗞𝗮𝘁𝘀𝘂𝗸𝗶
Não é problema meu.
Eles seguiram em direção à biblioteca, ignorando os gritos, os passos apressados de monitores e a aglomeração de alunos em volta da confusão.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, Katsuki olhou de relance por cima do ombro.
Apenas um segundo.
Só pra ver se aquele idiota ia mesmo cair.
E não caiu.
Izuku permanecia de pé.
Com os olhos afundados de raiva e orgulho.
Cercado por caos… mas inteiro.
Capítulo 3 – O Silêncio Depois do Trovão
No internato Yuei, confusões entre alunos eram raras.
E quando aconteciam, normalmente eram abafadas com advertências, suspensões discretas e pais comunicados por e-mail.
Mas aquela sexta-feira não foi como as outras.
A briga entre Izuku Midoriya e o aluno do terceiro ano havia sido barulhenta, violenta… e testemunhada por dezenas de alunos.
O colégio não teve escolha.
A diretora exigiu a presença imediata dos responsáveis.
E foi assim que Hisashi Midoriya surgiu nos portões da escola.
Hisashi Midoriya.
Alto. Ombros largos. Terno preto impecável. Sapatos brilhando.
Cabelos brancos como neve e olhos frios, calculistas.
Aquele tipo de homem que não precisava gritar para impor respeito — mas, naquele dia, ele gritou.
Sua presença por si só já calou o corredor.
Professores desviaram o olhar.
Alunos se afastaram sem que ele dissesse uma única palavra.
Quando entrou na sala da direção, os corredores em volta se esvaziaram. Mas mesmo com as portas fechadas… o som vazava.
𝗛𝗶𝘀𝗮𝘀𝗵𝗶
(gritando):
Você nunca aprende, não é? Você quer me envergonhar até o fim?
𝗜𝘇𝘂𝗸𝘂
(gritando de volta):
Eu não pedi pra você vir! Eu nunca pedi nada pra você!
𝗛𝗶𝘀𝗮𝘀𝗵𝗶
A única coisa que você sabe fazer é jogar tudo no lixo! Tudo! Seu futuro, sua dignidade!
𝗜𝘇𝘂𝗸𝘂
Essa escola, essas regras… esse “futuro” que você quer pra mim… NADA disso é meu! Nunca foi!
E então…
um som seco ecoou.
Um tapa.
Tão forte que até quem estava na biblioteca distante ouviu o estouro abafado.
A sala da direção ficou em silêncio por três segundos inteiros.
Silêncio tenso, pesado, como o ar antes de uma tempestade.
Então a porta se abriu com brutalidade.
Quase saiu voando das dobradiças.
Izuku saiu primeiro.
O rosto virado, a marca vermelha da mão cravada na bochecha.
Os olhos verdes brilhando de raiva e… dor.
Ele não disse uma palavra.
Só andou. Rápido.
Passou pelos corredores como um furacão prestes a explodir.
Ignorou os olhares. Ignorou os cochichos.
𝗠𝗶𝗻𝗮
(ao longe):
Meu Deus… foi um tapa aquilo?
𝗞𝗮𝗺𝗶𝗻𝗮𝗿𝗶
Acho que foi o pai dele… aquele cara parecia um demônio.
𝗞𝗶𝗿𝗶𝘀𝗵𝗶𝗺𝗮
O Midoriya… tá sangrando?
Katsuki ergueu os olhos do livro que lia.
Estava sentado perto da janela da biblioteca, e viu Izuku passando pelo pátio como um raio escuro. A camisa amassada, o colar balançando no peito, os olhos cravados no chão.
Não havia nenhum cigarro em sua mão naquele momento.
Mas ele queimava por dentro.
Izuku sumiu pelos fundos da escola.
Ninguém sabia exatamente pra onde ia quando fazia isso.
Alguns diziam que ele dormia num depósito velho.
Outros que passava horas sentado no alto da torre dos sinos abandonada.
Mas naquela tarde, ele sumiu.
E o colégio inteiro sentiu esse sumiço.
Foi o tipo de silêncio que deixa marcas.
Um vazio que grita.
Na direção, o som dos passos de Hisashi ecoava de forma rígida. Ele saía com a mesma frieza com que havia entrado.
Sem olhar para ninguém.
Sem desculpas.
Sem culpa.
Como se bater no próprio filho em frente à direção fosse algo normal.
Como se não tivesse deixado para trás uma bomba prestes a explodir.
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