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Recomeço: Salvos Pelo Amor

Capítulo 1

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"Mais cedo ou mais tarde, acabaremos onde, deveríamos estar, com quem deveríamos estar..."

Capítulo 1

Era uma segunda-feira fria, triste, daquelas em que o vento parece trazer lembranças antigas pelo ar. Havia dias que a chuva não dava trégua, e Tomaso, imóvel diante da janela embaçada de sua mansão silenciosa, no interior, passava horas apenas observando as gotas escorrerem pelo vidro, como se cada uma carregasse um fragmento da dor que o consumia a algum tempo.

Aquela data não era qualquer dia. Era o aniversário da morte de sua esposa, Maria Clara, a mulher que havia sido sua luz, sua razão, seu equilíbrio. Desde que ela partiu, há três anos, ele nunca mais foi o mesmo. A perda o dilacerou de dentro para fora, e o tempo, ao invés de curar, parecia apenas aprofundar o vazio.

Tomaso tinha 41 anos. Era um homem branco, com cabelos castanhos, de beleza simples, com ar de desleixo, ainda bonito, mas o sofrimento havia deixado marcas visíveis. A barba crescia sem cuidado, espessa e desalinhada. O cabelo, antes sempre bem aparado, agora caía em mechas bagunçadas sobre a testa. Suas roupas, antes impecáveis e sociais, haviam sido substituídas por peças simples de academia, camisetas largas, calças de moletom, tênis gastos. Não por conforto, mas por indiferença. Ele já não se importava com aparências, nem com o mundo lá fora.

Rico, sim. Solitário, mais ainda. A mansão onde ele se isolava, parecia um mausoléu de memórias, cada cômodo impregnado de lembranças da mulher que amava. A alegria que antes o tornava vaidoso e cheio de vida havia morrido com ela.

E naquela manhã chuvosa, diante da janela, Tomaso tomava uma decisão silenciosa sobre seu próprio destino. Algo dentro dele dizia que não havia mais porquê continuar. Sem filhos, afastado dos familiares, sem qualquer coisa que lhe deve alegria ou conforto.

Mal sabia ele que o destino estava prestes a intervir e que uma vida, tão quebrada quanto a sua, cruzaria seu caminho e mudaria tudo.

Antes de sair, Tomaso deixou todos os documentos organizados sobre a cama, dentro de uma pasta de plástico azul escuro. Era como se estivesse encerrando um ciclo. Deu folga aos poucos funcionários que ainda trabalhavam na casa, alegando que precisava de um tempo sozinho. Ninguém questionou, todos sabiam que aquela data era dolorosa para ele.

Antes de sair, passou em uma floricultura pequena no centro da cidade e comprou um buquê de rosas vermelhas, as favoritas de sua esposa. As flores estavam vivas, intensas, como se carregassem a paixão que um dia existiu entre eles. Tomaso segurava o buquê com firmeza, como se fosse um símbolo de despedida.

Ele estava hospedado em uma cidade pequena, no interior, na antiga casa onde viveram os primeiros anos de casados, ele buscava o conforto das boas lembranças. A casa, embora silenciosa, ainda guardava o calor dos dias felizes, os risos no café da manhã, os jantares à luz de velas no quintal, os planos para o futuro que nunca chegou.

A cidade era pequena, muito pacata, e o cemitério ficava afastado dos bairros mais movimentados. Era um lugar tranquilo, cercado por árvores altas. Enquanto dirigia pelas ruas desertas, com o som da chuva batendo no para-brisa, Tomaso pensava em como seria se despedir de vez. Não da esposa, mas da própria vida.

Foi então que, ao dobrar uma curva, algo chamou sua atenção. Uma moça negra, caminhava lentamente pela beira da estrada, um pouco curvada, lutando contra a força da chuva. Estava grávida, visivelmente exausta, com os braços envoltos em um casaco encharcado. Com uma mochila nas costas. Parava de andar, como se cada passo fosse uma batalha.

Tomaso, mesmo sendo um homem frio e muitas vezes rude, sempre foi educado. Havia algo em sua essência que não permitia ignorar alguém em apuros. Sem pensar duas vezes, deu a volta com o carro e se aproximou da moça. O buquê de rosas ainda estava no banco do passageiro, mas naquele instante, algo mais urgente o chamava. Ele colocou o buquê no banco de trás, da caminhonete.

Era como se o destino tivesse mudado de ideia. Ele ligeiramente se esqueceu de tudo, Tomaso estacionou o carro no acostamento, com o coração acelerado, não pelo trânsito, mas pela estranha urgência que aquela imagem despertava nele. A moça parou, com a mão na barriga, usava um vestido florido de mangas longas, agora colado ao corpo pela chuva intensa. Estava completamente encharcada, os cabelos grudados no rosto, os olhos semicerrados pela dor.

Ele abriu a porta do carro e correu até ela.

— Olá... moça, você está bem? — perguntou, com a voz firme, mas carregada de preocupação.

Ela estava ofegante, e tentou responder entre uma contração e outra.

— São só... contrações de treinamento... eu acho... — disse, apertando os olhos e respirando fundo.

— Tudo bem. Obrigada.

Tomaso olhou em volta. Não havia ninguém por perto, apenas a estrada molhada e o som da chuva batendo nas folhas. Ele hesitou por um segundo, depois estendeu a mão.

— Quer uma carona?

— Entra no carro. Você não pode ficar aqui desse jeito.

Ela olhou para ele, desconfiada, mas exausta demais para discutir.

— Eu... não quero incomodar... Vou me abrigar ali, e esperar a chuva passar.

Ele se aproximou, tentando pegar a mochila.

— Não está incomodando.

— Vamos. Você precisa se aquecer. Não pode ficar doente, grávida.

Dara entregou a mochila, entrou no carro com dificuldade, sentando-se com cuidado. Tomaso a ajudou, fechou a porta e correu para o lado do motorista. O buquê de rosas estava no banco de trás, ela foi colocar a mochila lá, o olhou com curiosidade.

— São lindas flores... — disse, com um sorriso fraco, curioso.

— São para minha esposa. — respondeu ele, sem tirar os olhos da estrada.

— Ou... eram.

Ela não perguntou mais nada, achando que ele era casado e pensou que isso era bom, se sentiu mais segura.

— Obrigada por parar... — disse ela, baixinho.

— Eu não sabia mais o que fazer. Desci do ônibus ali perto e ia procurar uma pousada.

— O final da gestação, é difícil.

Tomaso olhou para ela de relance. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo diferente. Um impulso de proteger, de cuidar. Algo que ele achava que havia perdido junto com a mulher que amava.

— Vamos para minha casa, você vai tomar banho, trocar as roupas. Depois a gente vê o que fazer.

— Te levo, a onde quiser ir.

Dara permaneceu em silêncio no banco do passageiro, tremendo de frio, abraçada à própria barriga como se tentasse proteger o bebê.

Tomaso dirigia em silêncio, com os olhos fixos na estrada, mas a mente longe dali. A presença daquela mulher desconhecida, tão frágil e ao mesmo tempo tão determinada, o deixava inquieto. Havia algo nela que o lembrava da dor que ele conhecia bem, a dor de perder, de ser sozinho.

Ao chegarem à mansão, ele abriu o portão automático e estacionou.

— Você deu sorte, eu não venho sempre aqui. Estava indo ao cemitério, levar as flores.

Dara olhava tudo curiosa, respondeu:

— Sinto muito. Eu estava perdida. Não conheço nada aqui.

Capítulo 2

A casa, era enorme e linda, com um jardim imenso, e silenciosa, parecia ainda mais fria diante da vulnerabilidade de Dara. Ele desceu do carro, pegou a mochila dela e a conduziu até a entrada, sem tocar em seu corpo, mas com um cuidado que não se via há muito tempo em seus gestos.

Enquanto Tomaso andava um pouco desnorteado sem jeito, procurando uma manta, Dara observava o ambiente com olhos cautelosos. Era a primeira vez em meses que se sentia minimamente segura, mesmo sem saber se podia confiar naquele homem.

Ela vinha de longe. De uma cidade grande, onde os prédios eram altos e as sombras mais ainda. Estava fugindo do ex-marido, um homem alcoólatra e violento, que transformava cada noite em um campo de batalha. As marcas em seu corpo já haviam desaparecido, mas as da alma ainda sangravam em silêncio.

Ela até tinha familiares, sua mãe, uma mulher amarga e distante, nunca quis ser mãe. Crescer sob sua indiferença ensinou Dara a sobreviver sozinha. Quando descobriu a gravidez, não teve apoio, nem abrigo. Apenas medo. E foi esse medo que a fez fugir, por meses, de cidade em cidade, escondendo o bebê do pai, buscando um lugar onde pudesse dar à luz em paz.

Agora, ali, diante de um estranho que parecia tão quebrado quanto ela, Dara se permitiu respirar. Ainda tremia, mas não era só pelo frio. Estava nervosa, apreensiva.

Tomaso, calado e pensativo, entrou em seu quarto, viu a pasta com os documentos, ainda estava sobre a cama, agora esquecida. Ele pegou uma manta e voltou para a sala, observou Dara sentada no sofá, ainda tremendo, com os olhos baixos e os braços em volta da barriga.

Ele se aproximou devagar, sentando-se na poltrona à frente.

— Toma, se aqueça.

— Qual é o seu nome? — perguntou, com a voz baixa, mas firme.

Ela hesitou por um instante, depois respondeu:

— Dara.

Ele se levantou curioso.

— Você não mora por aqui? Veio encontrar alguém?

Dara engoliu seco. Seus olhos se moveram rápido, como se procurassem uma resposta segura.

— Não... eu sou da cidade grande. Vim pra cá procurando trabalho. Fui roubada... levaram meu dinheiro, meu celular...

Tomaso não reagiu de imediato. Apenas a observava, como se tentasse decifrar o que havia por trás daquela história, que parecia mentira. Antes que pudesse dizer algo, Dara se curvou repentinamente, apertando os olhos e soltando um gemido contido.

— Está tudo bem? — ele se aproximou, preocupado.

Ela estendeu a mão instintivamente, e Tomaso segurou com firmeza. A contração passou, mas ela continuou nervosa, respirando rápido.

— São só... contrações de treinamento... eu acho... — disse, tentando se recompor.

— Eu... eu não sei ao certo. Eu abandonei o pré-natal há meses. Não sei quando o bebê vai nascer...

— Não fiz exames, mal sei, se ele ou ela, é saudável.

A voz dela falhou. As lágrimas vieram sem aviso, escorrendo silenciosas pelas bochechas.

— Eu não tenho ninguém... — confessou, aos prantos.

— Minha mãe nunca quis ser mãe. Nunca me ajudou. E o pai do bebê... eu estou fugindo dele. Ele é violento. Eu só queria um lugar seguro...

— Essa é a verdade moço, eu juro.

Tomaso sentiu um nó na garganta. A dor dela, tão crua e exposta, o atingiu como um soco. Ele se aproximou, parou diante dela, segurando sua mão.

— Ei... calma. Você está segura agora. — disse, com uma firmeza gentil.

— Eu vou te ajudar, Dara. Mas primeiro, você precisa se acalmar. E se cuidar.

— Está segura aqui.

Ela o olhou com olhos marejados, surpresa com a gentileza inesperada.

— Obrigada... — murmurou, constrangida.

— Eu não sou uma pessoa encostada, sempre trabalhei.

Ele apontou para as escadas:

— Vou te levar para o quarto de hóspedes. Lá tem um banheiro. Tome um banho quente, vai te fazer bem. Enquanto isso, eu preparo algo pra você comer.

— Eu sei, que estar grávida, não é fácil.

Dara assentiu, ainda tímida, e se levantou com cuidado. Tomaso a conduziu até o quarto, andando próximo sendo protetor, abriu a porta e acendeu a luz. O ambiente era rústico, mas acolhedor. Ela entrou devagar, olhando em volta como quem não acreditava estar ali. Tinha uma cama de casal, televisão, aparelho de som, janelas grandes que levavam a varanda. Ela colocou a mochila na cama.

— Se precisar de algo, me chame. Tomaso, meu nome, mas pode me chamar de Tomas. — disse ele, antes de fechar a porta.

Dara ficou parada por um momento, olhando para o espelho embaçado do guarda roupa. Tocou a barriga com carinho e medo.

— Você ainda, não pode nascer ok. Espere mais um pouco. Por favor.

O bebê estava quieto, ela foi para o banheiro, trancou a porta e tirou as roupas, ficou encantada com a banheira e se arriscou a tentar usar, entrou antes mesmo de encher, ficou se deliciando na água pelando.

O banho quente parecia um alívio distante, mas ela sabia que precisava aceitar a ajuda. Por ela. E pelo bebê.

Enquanto isso, Tomaso foi para a cozinha, pensativo. Algo dentro dele havia mudado. E ele sabia que aquele encontro não era por acaso. Ainda mais, ela estando grávida.

Na cozinha, Tomaso abriu os armários e a geladeira, encontrando apenas o essencial.

Fez arroz, fritou um pedaço de carne, com os temperos básicos. Era o que tinha. Cozinhou em silêncio, concentrado, como se aquele gesto simples fosse uma forma de organizar os próprios pensamentos. O cheiro do bife se espalhou pela casa, misturando-se ao cheiro de terra molhada.

Ele arrumou a bandeja com cuidado, arroz, bife, um copo de água, talheres limpos. Subiu as escadas e parou diante da porta do quarto de hóspedes. Bateu levemente.

— Dara... preparei algo pra você comer — disse, com a voz baixa, mas firme.

— Pode abrir? Por favor?

Dara estava deitada e usando um vestido amarelo de alças, simples, mas que iluminava sua pele negra, ainda úmida do banho. Os cabelos estavam umidos, soltos, e seus olhos, embora cansados, pareciam menos assustados.

Ela abriu a porta devagar.

Tomaso a observou por um instante, curioso. Havia algo nela que o desconcertava, uma mistura de fragilidade e força que ele não sabia como decifrar. Estar grávida, era o principal.

— Você gostaria de ir ao médico? Tem um hospital aqui. — perguntou, entrando no quarto e colocando a bandeja sobre a pequena mesa com duas cadeiras.

Dara se aproximou devagar, apreensiva. Sentou-se com cuidado, olhando para a comida como se não soubesse se podia aceitar.

— Não é necessário... — respondeu, evitando o olhar dele.

— Eu estou bem. Só preciso descansar. Vou dormir aqui hoje e... amanhã cedo eu vou embora.

— Não precisa se preocupar.

Tomaso franziu o cenho, mas não insistiu. Havia algo na forma como ela dizia aquilo, como se estivesse com medo, de tudo.

— Coma. Você precisa se alimentar, por dois. — disse, puxando a outra cadeira e sentando-se à frente dela.

Dara pegou o garfo com mãos trêmulas, agradecendo com um aceno tímido.

— Obrigada... por tudo isso. Eu não esperava... ninguém parar por mim.

— Isso é coisa de interior.

Tomaso não respondeu de imediato. Apenas sorriu e concordou, a observou, como se tentasse entender o que a vida havia feito com ela e por que, naquele dia, ela havia cruzado seu caminho. Justamente, quando ele ia desistir.

Dara começou a comer devagar, como se cada garfada exigisse esforço. O arroz estava simples, o bife bem passado, mas para ela, era mais do que comida, era conforto. Tomaso ficou olhando para as próprias mãos, os dedos entrelaçados, como se buscasse respostas nas linhas da pele.

O silêncio entre eles era desconfortável. Era como se ambos soubessem que havia coisas demais que não deviam ser ditas.

— O pai do bebê... — Tomaso disse, sem levantar os olhos.

— O que houve?

Dara parou de mastigar. Engoliu com dificuldade e pousou o garfo sobre a comida. Respirou fundo, como quem se prepara para abrir uma ferida.

— Eu fui casada por anos. — começou, com a voz baixa.

— Achei que ele mudaria. Que o amor podia consertar alguém. Mas ele só piorava. Bebia todos os dias. Me humilhava. Me machucava.

— Eu já perdi outro bebê, de tanto apanhar.

Tomaso ergueu os olhos, atento.

— Quando descobri que estava grávida... — ela continuou, com os olhos marejados

— Ele surtou. Disse que eu o estava prendendo, que não queria ser pai. Tentou me bater... Disse que se eu perdesse o bebê, seria melhor pra todo mundo.

Ela apertou os lábios, tentando conter o choro, mas não conseguiu. As lágrimas escorreram silenciosas, e ela as enxugou.

— Foi aí que eu fugi. Peguei o pouco que tinha e fui embora. Sem olhar pra trás. Eu só quero que meu filho nasça em paz. Longe dele. Longe de tudo.

— Vou trabalhar e dar um jeito.

Capítulo 3

Tomaso sentiu um aperto no peito. A dor dela era crua, real, e o fez lembrar da própria perda, da mulher que amava e que nunca mais voltaria, com o filho deles, que tanto almejavam e sonharam ter. Mas havia algo diferente ali. Dara não estava apenas na pior. Ela estava lutando, pelo filho.

Ele se levantou devagar, pegou uma manta dobrada sobre a poltrona e a colocou sobre os ombros dela com cuidado.

— Você não precisa passar por isso sozinha. — disse, com a voz firme, mas gentil.

— Aqui, você está segura. E eu vou te ajudar. Não nos encontramos, por acaso.

Dara olhou para ele, surpresa, como se não soubesse como reagir à bondade.

— Obrigada... — murmurou, com os olhos baixos.

Ele sorriu indo em direção a porta:

— Agora termina de comer. Depois, descanse. Amanhã a gente vê o que fazer. Posso te levar ao médico, obstetra.

— A farmácia talvez. Grávidas, precisam de vitaminas, acompanhamento.

Ela assentiu, ainda emocionada, e voltou a comer em silêncio. Tomaso saiu do quarto devagar, deixando a porta entreaberta. No corredor, parou por um instante, respirando fundo. Algo dentro dele estava mudando. E ele sabia, aquela mulher não era apenas uma visita passageira. Ela era o início de algo que ele ainda não conseguia nomear, mas que o fazia, não poder desistir.

Dara terminou de comer em silêncio, limpando os olhos discretamente com a ponta dos dedos. O prato estava vazio, e o bebê começou a mexer, agitado, como se quisesse agradecer, a refeição.

Dara esperou um pouco e saiu do quarto, levando a bandeja, quando passou pela sala, falou desconcertada:

— Obrigada, de verdade. Estava delicioso, o bebê gostou, ele se agitou muito. — disse ela, com a voz baixa.

Tomaso assentiu, levantando-se para pegar a bandeja.

— Fico contente. Amanhã irei ao mercado, a geladeira está vazia.

— Se precisar de qualquer coisa, é só chamar. Eu tenho sono leve. — respondeu, sem olhar diretamente para ela.

— Meu quarto, é perto, do seu. Mas eu durmo, na sala, quase todas as noites.

Ele foi para a cozinha, levando a bandeja até a pia. Ela ficou um pouco parada, em pé o observando e retornou para o quarto, sem saber como se comportar, na casa de um estranho.

Tomaso depois, subiu para o quarto onde costumava ficar, mas não dormir. A casa era grande, cheia de cômodos que agora pareciam vazios demais. Cada porta fechada guardava uma memória, cada corredor ecoava o silêncio de uma vida que já não existia.

Ele observou a porta do quarto de Dara, entreaberta, passou reto e foi deitar, pensando na sorte que ela teve. Deitou-se na cama, mas não conseguiu dormir. Ficou olhando para o teto, com os braços cruzados atrás da cabeça, enquanto a chuva continuava a cair lá fora. Ele nem trocou as roupas, achando que ela podia chamá-lo, as pressas.

A ironia do destino o consumia. Sua esposa Maria, havia morrido no parto, depois de várias perdas e tentativas de terem um filho. Um dia que deveria ter sido o mais feliz se transformou no mais cruel. Ele nem quis ver o corpo do filho. Nunca quis saber, se parecia com ela ou ele. Enterrou os dois no mesmo dia e, desde então, carregava um luto que não sabia como abandonar.

E agora, ali estava ele. Ajudando uma mulher grávida, abandonada, fugindo de um passado violento. Uma mulher que, como sua esposa, carregava uma vida dentro de si, mas sem ninguém ao lado. E ainda assim, ela queria aquele bebê.

Tomaso sentia que não podia simplesmente seguir com o plano que havia traçado para si. Não agora. Não com Dara ali. Porque o pior poderia acontecer, ele começou a pensar, reflexivo:

“Talvez eu possa deixá-la com um bom dinheiro”. “Uma das minhas casas, para ter segurança. Tudo o que ela precisa para começar de novo. E depois... depois eu sigo com o que tinha decidido.”

Mas mesmo enquanto pensava nisso, algo dentro dele resistia, receio dela ser ingênua, e perder o que ganhasse. Como se a presença de Dara tivesse acendido uma luz tênue em meio à escuridão que ele habitava há anos. Ele não tinha herdeiros, diretos. Sua família, tinha boas condições, seus sobrinhos eram estudados, todos bem criados. Seus irmãos, eram tinham as próprias coisas, comércios, casas de aluguéis.

Ele virou-se na cama, inquieto. O som da chuva parecia mais suave agora. E pela primeira vez em muito tempo, Tomaso não se sentia completamente sozinho. Esperou ansioso pelo amanhecer, queria saber se Dara teve mais contrações.

O sol ainda mal havia tocado as janelas da casa quando Dara se levantou, curiosa e apreensiva. A casa estava silenciosa, envolta por aquele tipo de paz que só existe no interior. Ela caminhou descalça até a cozinha, com os cabelos bagunçados, a roupa amassada. Estava faminta com a barriga roncando.

Tomou água, e começou limpar a cozinha, foi lavando a louça. Era um gesto de gratidão. Mesmo com medo, ela abriu a geladeira, encontrou uma panela, com o resto do arroz do jantar e, sem pensar muito, pegou uma colher e começou a comer ali mesmo, em pé, com o olhar atento à porta, como se estivesse cometendo um delito.

Tomaso havia acordado pouco depois, tomou banho. Vestiu-se com a mesma simplicidade de sempre, calça de moletom, camiseta escura lisa e foi direto ao quarto de hóspedes. Queria ver como Dara estava, se havia dormido bem, se precisava de algo. Mas ao abrir a porta, encontrou o quarto vazio.

Franziu o cenho e saiu à procura dela pela casa. Ao chegar à cozinha, parou na porta, observando em silêncio.

Dara estava ali, com a panela na mão, comendo deliciosamente, o arroz gelado puro, ficou com os olhos arregalados ao perceber que havia sido flagrada.

— Me desculpa... — disse ela com a boca cheia, foi imediatamente, largando a panela.

— Eu estava com fome... não queria incomodar...

Tomaso se aproximou, sem qualquer sinal de reprovação. Começou rir surpreso.

— Você pode ficar à vontade. Essa casa é grande demais pra continuar vazia. — disse, com um tom divertido.

— E, pra ser sincero, não tem quase nada aqui. Eu vou ao mercado daqui a pouco. Vamos encher essa geladeira.

— Afinal, você ficará hospedada aqui. Coma, pode comer.

Dara sorriu, tímida, ainda constrangida. Pegando a panela novamente.

— Eu agradeço... mas não quero abusar da sua hospitalidade. Hoje, eu vou embora. Já fiquei demais.

— Deve ter uma pousada aqui. Na cidade.

Tomaso a olhou por um momento, pensativo, enquanto colocava a água para ferver. Havia algo nela que o tocava profundamente, talvez a força disfarçada de fragilidade, talvez o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, ele se sentia útil.

— Não, eles não dão emprego a uma grávida.

— Você não quer... um emprego? — perguntou, com naturalidade.

— Eu não moro aqui. Só venho de vez em quando. Mas a casa precisa de alguém. Alguém que cuide, que mantenha tudo em ordem.

— Você poderia ficar. Trabalhar aqui. Ter um lugar seguro.

— Claro, quando se recuperar, do nascimento.

Dara ficou em silêncio, surpresa. Seus olhos se encheram de uma mistura de alívio e medo. Era uma oferta generosa, mas também inesperada. Ela abaixou o olhar, pensativa.

— Eu... não sei o que dizer Tomaso. É muita responsabilidade.

Tomaso deu um leve sorriso. Colocando o pó, no coador de café.

— Diz que vai pensar.

— E come direito. Não precisa se esconder pra isso. Tudo o que tiver aqui, você pode comer.

— Menos café, né? Sabe que não pode?

Ela riu, ainda tímida, e foi sentar-se à mesa.

— Não sei nada, disso. Que vergonha.

Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez o mundo estivesse lhe dando uma chance. E pode ser notada, como uma gestante normal. Ela achou graça, do quanto ele dava atenção, a isso.

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