[Nota da Autora: Este trabalho é fictício. As pessoas, grupos, lugares, nomes de países e etc... que aparecem nesta obra não tem relação com a vida real.ヾ(^Д^*)/]
...***...
A luz leitosa do amanhecer em São Paulo filtrava-se com timidez pela persiana do pequeno apartamento. Para Cipora Tavares, aos 28 anos, a manhã não trazia a promessa de um novo começo, mas a repetição metódica do dia anterior. O despertador não precisava tocar; seu corpo, treinado pela rotina, despertava sempre às seis em ponto. O silêncio era sua primeira companhia, um companheiro constante que ecoava o espaço vazio dentro de seu peito.
Seu apartamento, no sétimo andar de um prédio sem nome no bairro da Liberdade, era um reflexo dela: organizado até a esterilidade, funcional e impessoal. As paredes, de um branco quase hospitalar, não ostentavam quadros ou fotografias. Apenas uma estante abarrotada de livros quebravam a monotonia, volumes que ofereciam centenas de vidas que ela podia visitar, mas nenhuma que pudesse de fato viver. Eram fugas temporárias, portais para mundos onde as heroínas sentiam, lutavam e amavam com uma intensidade que Cipora só conhecia nas páginas.
Ela se levantou, os pés descalços tocando o piso frio. A primeira tarefa do dia era sempre a mesma, um ritual que definia a mulher que ela apresentaria ao mundo. Parada em frente ao espelho do banheiro, ela encarou a figura que via, mas não reconhecia por completo. Os cabelos, negros e lisos, caíam sobre os ombros numa cascata de seda escura. Era a única parte de si que parecia selvagem, livre. E era a primeira coisa que ela domava.
Com a precisão de um cirurgião, ela os penteou para trás, cada fio alinhado, sem espaço para rebeldia. As mãos trabalhavam com uma memória mecânica, torcendo, prendendo, fixando com grampos invisíveis até que o coque estivesse perfeito: apertado, seguro, uma pequena fortaleza na base de sua nuca. Era sua armadura. Enquanto houvesse o coque, a desordem interna estaria contida.
Ao abrir a gaveta para pegar sua escova de dentes, um cheiro suave e familiar a envolveu por um instante. Lavanda. Um pequeno sachê, presente de uma antiga colega de trabalho, repousava ali, um toque de delicadeza em meio à rigidez de sua vida. Ela inspirou fundo. Era um cheiro que prometia calma, uma paz que ela raramente sentia.
O café da manhã foi igualmente metódico: uma xícara de café preto, sem açúcar, e duas torradas integrais. Enquanto comia, sentada à pequena mesa da cozinha, seus olhos percorreram os classificados de emprego no tablet. O atual, um cargo administrativo em uma empresa de logística, pagava as contas, mas drenava sua alma. Era um ciclo de planilhas e relatórios, um mar de números que não levava a lugar nenhum. A sensação de estagnação era um peso físico em seus ombros.
Após a refeição, permitiu-se um único luxo. De um pote de vidro guardado no fundo do armário, retirou um quadrado de chocolate amargo, 85% cacau. Deixou que derretesse lentamente na boca, o sabor intenso e ligeiramente amargo uma pequena explosão de prazer em uma manhã insípida. Era um segredo, um pequeno ato de rebelião contra a monotonia que ela mesma se impunha.
Vestida com uma calça de alfaiataria cinza e uma blusa de seda branca, ela era a imagem da profissionalismo discreto. Ninguém que a visse no metrô, com a postura ereta e a expressão neutra, poderia imaginar o turbilhão que se agitava sob a superfície. Ninguém veria a jovem que, à noite, às vezes se deitava no chão frio do apartamento, apenas para sentir algo sólido sob as costas, um lembrete de que ainda estava ali, ancorada a uma realidade da qual se sentia cada vez mais distante.
Antes de sair, ela parou em frente ao espelho da sala. Ajeitou a gola da blusa, verificou o coque uma última vez. A mulher que a encarava estava pronta para o mundo. Era competente, controlada, inabalável. Mas seus olhos, de um verde profundo e surpreendente, traíam-na. Neles, residia o eco do vazio, a melancolia de uma alma que sabia, com uma certeza dolorosa, que estava apenas existindo, não vivendo. Foi com essa certeza que ela pegou o tablet novamente e, com um clique decidido, candidatou-se a uma vaga que parecia um universo à parte do seu: secretária executiva do CEO na imponente D'Ávila Corp. Um ato de desespero disfarçado de ambição. Um passo no escuro, torcendo para que, em algum lugar lá fora, houvesse um caminho que ela ainda não conseguia ver.
...***...
Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.
❤⃛ヾ(๑❛ ▿ ◠๑ )
A porta do apartamento se fechou com um clique suave, isolando Cipora do barulho da cidade e, ao mesmo tempo, aprisionando-a com sua própria mente. O dia em seu atual emprego havia sido uma cópia exata do anterior: oito horas sob a luz fluorescente, a mente focada em números que não contavam história alguma. Era um trabalho que exigia sua presença, mas não sua alma, e ela se perguntava, não pela primeira vez, se ainda possuía uma.
Ela se despiu da persona que usava para o mundo. O blazer cinza foi pendurado, os sapatos de salto baixo alinhados ao lado da porta. O ato final de libertação, no entanto, era sempre o mais significativo. Em frente ao espelho do banheiro, seus dedos ágeis desfizeram o coque. A cascata de cabelo negro e liso que caiu sobre seus ombros foi como uma expiração longa e contida. Por um momento, o reflexo pareceu menos severo, mais jovem.
Mas então, seu olhar se fixou em seus próprios olhos. Eram a sua traição. Em um rosto pálido e controlado, aqueles olhos de um verde profundo eram duas piscinas de emoção pura e não filtrada. Eram os olhos de sua mãe, uma mulher que sentia tudo com a força de um furacão e que a ensinou, sem palavras, que emoções intensas eram perigosas. "Contenha-se, menina", era o que o olhar reprovador de seu pai costumava dizer. E ela aprendeu a lição bem demais.
O espelho não mentia. Ele mostrava a fratura em sua existência. De um lado, a mulher que ela se esforçava para ser: lógica, eficiente, serena. A mulher que analisava riscos e escolhia sempre o caminho mais seguro. Do outro, a criatura que vivia em seus olhos, uma mulher instintiva, faminta por paixão, por cor, por vida. Uma mulher que ela temia mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Uma lembrança incômoda borbulhou na superfície. Anos atrás, na faculdade, durante a festa de formatura de uma amiga. Por um breve momento, contagiada pela música e pela alegria genuína ao redor, ela se permitiu rir. Uma risada alta, livre, que brotou do fundo de sua alma. A reação foi imediata: os olhares surpresos, o silêncio momentâneo de seus colegas. A vergonha a queimou por dentro. Ela se recolheu no mesmo instante, o sorriso morrendo, a máscara de indiferença voltando ao lugar. Era cada perrengue que ela passava para se manter na linha, para não parecer "intensa demais".
Desde então, ela policiara cada sorriso, cada lágrima, cada impulso. A razão se tornara sua carcereira, e a sentença era uma vida em tons de cinza.
Seu olhar desviou do espelho para a porta entreaberta de seu guarda-roupa. Pendurado no meio de uma fileira de roupas brancas, pretas e cinzas, havia um único ponto de cor: um lenço de seda, de um roxo profundo e vibrante. Foi uma compra por impulso, um ato de insanidade de cinco minutos em um dia particularmente cinzento. Ela nunca o usara. O roxo era audacioso demais, vivo demais. Era a cor da mulher que morava em seus olhos, não daquela que assinava as planilhas.
Pensar nisso a trouxe de volta à decisão que tomara naquela manhã. D'Ávila Corp. O nome soava como um trovão distante. Candidatar-se à vaga havia sido um ato da mulher do lenço roxo, não da funcionária do coque apertado. Um puro instinto. E agora, a razão a bombardeava com dúvidas. Eles jamais a chamariam. E se chamassem? Aquele era um mundo de tubarões, um lugar de poder e ambição onde ela seria devorada.
Ela se inclinou sobre a pia, a água fria em seu rosto tentando apagar o conflito. Ao erguer a cabeça, os olhos verdes a encararam de volta. Eles não pareciam assustados. Pareciam expectantes. E pela primeira vez em muito tempo, Cipora não desviou o olhar. Ela sustentou o reflexo da mulher que ela poderia ser, uma estranha cheia de um pavor e uma promessa terrível. O vazio interior ainda estava lá, mas agora, em sua borda, uma pequena faísca de curiosidade tremeluzia.
...***...
Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.
❤⃛ヾ(๑❛ ▿ ◠๑ )
A noite desceu sobre a cidade, transformando a janela do apartamento de Cipora em um espelho escuro salpicado de luzes distantes. Ela preparava um jantar simples, o som da faca cortando legumes na tábua de madeira era o único ruído a quebrar o silêncio. Foi o cheiro do coentro fresco, picado em pedaços minúsculos, que a transportou. Um aroma terroso e vibrante que pertencia a outra cozinha, a outro tempo. A cozinha de sua mãe.
Sua mãe, Helena, era uma criatura de paixão e excessos. Ela não cozinhava, ela criava; não falava, declamava; não sentia, transbordava. A casa de sua infância era um palco para o temperamento artístico e volátil de Helena. Cipora se lembrou de uma tarde específica, ela devia ter uns oito anos. A mãe havia vendido seu primeiro quadro importante. A euforia dela era uma força da natureza. Ela dançou pela sala de estar, a saia colorida girando, a risada preenchendo cada canto do pequeno sobrado. Puxou a pequena Cipora para a dança, rodopiando-a até que o mundo se tornasse um borrão de cores e alegria.
Naquele momento, tudo era perfeito. A felicidade era algo físico, palpável.
Então, seu pai, Ricardo, chegou. Ele parou no batente da porta, a pasta de couro na mão, o terno cinza impecável. Ele não disse uma palavra. Apenas observou a cena com um olhar que não era de raiva, mas de algo muito pior: um cansaço profundo, uma decepção silenciosa. O sorriso de Helena vacilou e murchou sob o peso daquele olhar. A música foi desligada. A dança parou. A alegria evaporou, deixando um vácuo constrangedor no ar. "Helena, por favor. O exagero", ele disse baixo, e a palavra "exagero" soou como uma condenação.
Naquela tarde, a pequena Cipora aprendeu sua lição mais duradoura. Emoção em seu estado bruto era caos. Era barulhento, era colorido, era imprevisível. E, acima de tudo, era algo que gerava desaprovação e silêncio. A quietude de seu pai era uma força muito mais poderosa que a exuberância de sua mãe. A ordem, ela entendeu, sempre vencia o caos.
Essa lição foi o primeiro passo de uma coreografia complexa que ela passaria o resto da vida a aperfeiçoar. Na adolescência, a "Dança dos Sentimentos Reprimidos" tornou-se sua especialidade. Ela aprendeu a sorrir quando queria chorar, a concordar quando queria gritar, a ficar em silêncio quando tinha uma opinião apaixonada. Tornou-se uma observadora especialista do comportamento humano, antecipando o que os outros queriam dela e entregando com precisão. Era uma performance exaustiva, mas segura. Mantinha-a a salvo de olhares de reprovação, a salvo de ser "demais".
O resultado foi uma vida sem grandes tristezas, mas também sem grandes alegrias. Seus relacionamentos eram cordiais, mas superficiais. Suas conquistas, profissionais e calculadas. Ela havia construído uma fortaleza tão eficaz contra a dor que acabou por se isolar também de todo o resto.
A faca parou no meio de um corte. Ali, em sua cozinha silenciosa e organizada, Cipora se deu conta da verdade. Ela não era o oposto de sua mãe; era uma reação a ela. Havia herdado o mesmo rio de emoções, a mesma capacidade para sentir intensamente, mas em vez de construir um barco, passara a vida inteira construindo uma barragem. E o medo constante que a assombrava não era apenas de uma enchente. Era o medo de descobrir que, se as comportas se abrissem, talvez não houvesse mais rio algum, apenas a força destrutiva da água represada por tempo demais.
O telefone, esquecido sobre o balcão, vibrou de repente, o zumbido rasgando a quietude. O coração de Cipora deu um salto doloroso no peito. Na tela, um número desconhecido. A razão gritou para que ela não atendesse, para que se mantivesse segura em sua rotina. Mas o instinto, aquela criatura teimosa que morava em seus olhos, a fez estender a mão. A dança, pela primeira vez, teve um passo fora do ritmo.
...***...
Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.
❤⃛ヾ(๑❛ ▿ ◠๑ )
Para mais, baixe o APP de MangaToon!