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O Filho do Acaso

Capítulo um

Eu sempre acreditei que algumas coisas na vida não precisavam ser ditas em voz alta. A segurança, a confiança, a previsibilidade de uma relação sólida — eu acreditava que tudo isso estava implícito no que eu e Helena tínhamos construído. Afinal, estávamos juntos havia anos, noivos, com uma data quase certa para o casamento, famílias envolvidas, expectativas depositadas. Eu, Christopher Hayes, o homem que controla empresas, cifras, contratos e decisões milionárias sem perder o sono, não imaginava que uma simples conversa seria capaz de me desarmar completamente. Estávamos no terraço do apartamento dela, um espaço que sempre me pareceu mais aconchegante do que qualquer outra parte da cidade. O vento daquela noite trazia um cheiro suave de jasmim, e as luzes de Nova York brilhavam como se tudo ao nosso redor fosse eterno. Helena vestia um robe de seda azul-claro, o cabelo ainda úmido depois do banho, e segurava uma taça de vinho como se fosse o amparo que lhe restava. Eu já a conhecia bem o suficiente para saber quando algo estava errado, mas confesso que subestimei a gravidade do que ouviria.

— Chris… — ela começou, o olhar fixo na cidade abaixo de nós. A voz não tinha a firmeza de costume, mas também não era trêmula. Era apenas… distante. — Eu preciso de um tempo.

A frase soou mais pesada do que qualquer decisão de negócios que já tomei. Não consegui responder de imediato. Senti um aperto no estômago, como se o chão tivesse cedido por baixo dos meus pés.

— Um tempo? — repeti, tentando manter a calma, mesmo que por dentro o sangue me latejasse nas têmporas. — Como assim, um tempo?

Ela finalmente me olhou, e havia uma mistura de ternura e firmeza em seus olhos.

— Eu vou viajar com as meninas, você sabe. É uma viagem de alguns dias, nada demais. Mas… eu quero que essa viagem seja também um tempo só meu. Para pensar. Para refletir sobre nós. Sobre mim.

O “sobre nós” caiu como uma sentença. Era como se cada palavra dela cortasse um fio invisível que me prendia à certeza de que o futuro já estava decidido. Eu abri a boca para protestar, mas não havia indignação suficiente que conseguisse traduzir a confusão dentro de mim.

— Helena, se existe algum problema entre nós, podemos conversar. Não precisamos de um tempo. Não precisamos de… distância — falei, tentando soar racional, mas havia um traço de desespero em minha voz.

Ela suspirou, pousando a taça de vinho sobre a mesa lateral.

— Eu só preciso desse espaço, Chris. Não é o fim. É só um tempo para mim, para respirar. Eu tenho me sentido sufocada com tantas responsabilidades, tantas expectativas. Casamento, família, aparências… você sabe. Eu quero ter certeza de que estou pronta.

Ouvi cada palavra, mas nenhuma delas foi capaz de me tranquilizar. Sufocada. Expectativas. Pronta. Eu era o homem que ela dizia amar, mas que, naquele momento, parecia mais um peso do que um porto seguro. Cruzei os braços, tentando mascarar minha vulnerabilidade.

 — Então é isso? Você vai viajar para “respirar” e me deixar aqui, à espera de uma decisão que eu não posso controlar?

Ela se aproximou, pousou a mão no meu braço.

 — Chris, não me olhe assim. Eu não estou terminando com você. Eu só preciso… me reencontrar. Por favor, entenda.

Entender? Como eu poderia entender? Eu sempre me orgulhei de ser um homem de respostas, alguém que encontra soluções onde os outros veem caos. Mas ali, diante da mulher com quem eu planejava dividir o resto da vida, tudo que encontrei foi silêncio. Minha mente fervilhava com perguntas que não ousei fazer. Será que havia outro? Será que ela estava apenas procurando uma saída educada para acabar comigo? Ou será que, de fato, era só um tempo, como ela dizia? Eu queria acreditar, mas a descrença se infiltrava em cada parte de mim.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas nos olhando. Eu, tentando decifrar os motivos ocultos que talvez ela nunca confessasse, e ela, pedindo com os olhos que eu não tornasse aquele momento mais doloroso do que já era.

— Está bem — disse, por fim, com uma firmeza que não refletia o que eu sentia. — Vá. Tenha o seu tempo. Mas saiba de uma coisa, Helena: quando você voltar, eu não sei se ainda estarei aqui esperando.

Ela mordeu o lábio inferior, como se tivesse esperado exatamente esse tipo de reação. Não discutiu, não insistiu. Apenas assentiu levemente, antes de se afastar para dentro do apartamento. Fiquei sozinho no terraço, com as luzes da cidade brilhando como um lembrete cruel de que, por mais que eu controlasse impérios inteiros, não havia poder suficiente para controlar um coração que já começava a escorregar das minhas mãos. Naquela noite, entendi que o acaso às vezes não pede licença para entrar. Ele simplesmente invade, bagunça tudo e nos força a encarar a vida sob uma perspectiva que nunca planejamos. E, contra a minha própria natureza, eu deixei o acaso entrar.

Ainda me lembro da maneira como fiquei olhando para as malas dela, já prontas, encostadas na parede da sala, antes de ela partir. O barulho da porta batendo foi mais ensurdecedor do que qualquer discussão que poderíamos ter tido. E então os dias passaram arrastados. Eu mergulhei no trabalho como sempre faço quando não quero pensar, mas era impossível não pensar. As reuniões eram apenas ruído, os relatórios, um amontoado de palavras que não significavam nada. A ausência dela me corroía de um jeito que eu não admitiria para ninguém. Os dias seguintes passaram como uma sequência de horas arrastadas, cheias de silêncio e pensamentos que eu não conseguia controlar. O apartamento parecia maior, mais frio, mais vazio sem as mensagens habituais de Helena, sem os telefonemas que preenchiam as minhas manhãs apressadas. Eu dizia a mim mesmo que era apenas uma fase, que logo ela voltaria com o coração tranquilo e as ideias em ordem, pronta para recomeçarmos. Mas, no fundo, havia uma sombra persistente dentro de mim — uma intuição que não me deixava em paz.

Na terceira noite desde a partida dela, encontrei-me com Ethan, meu amigo de longa data, em um dos bares discretos de Manhattan que costumávamos frequentar antes de a vida nos engolir com compromissos e obrigações. Ethan sempre foi o oposto de mim: irreverente, direto, incapaz de fingir quando algo o incomoda. Ele me recebeu com aquele olhar carregado de quem sabia mais do que deveria.

— Cara, você está péssimo — disse ele, empurrando um copo de uísque em minha direção assim que me sentei. — A viagem da Helena está te matando, não é?

Revirei os olhos, tentando parecer indiferente.

— Não é a viagem, Ethan. É o motivo dela. Ela disse que precisava de um tempo, que queria refletir. Eu estou tentando respeitar isso. Ele inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— Respeitar? Você tem certeza de que é isso mesmo que ela está fazendo?

A forma como ele disse aquilo acendeu um alerta em mim. Apertei o copo entre os dedos, sem beber.

— O que você está querendo insinuar?

Ethan respirou fundo, como se buscasse as palavras certas para não incendiar ainda mais a situação.

— Eu não queria ser o cara a te dizer isso, Chris. Mas talvez seja melhor você saber logo. As redes sociais são cruéis, sabe? Um amigo em comum me mostrou umas fotos… Helena não parece estar exatamente “refletindo” nessa viagem.

O coração disparou em meu peito. Eu não queria ouvir, mas ao mesmo tempo precisava da verdade.

— Mostre.

Ele hesitou por um segundo, mas acabou pegando o celular. Com alguns toques na tela, virou o aparelho em minha direção.

Capítulo dois

As imagens saltaram diante dos meus olhos: Helena em uma praia paradisíaca, cercada pelas amigas, mas também com dois homens que eu não conhecia. Rindo, dançando, bebendo. Em uma das fotos, um deles a segurava pela cintura de uma forma íntima demais para ser apenas um desconhecido. O ar me faltou. Senti o estômago embrulhar, como se tivesse levado um soco.

— Droga… — murmurei, empurrando o celular de volta para ele. — Isso não pode ser real.

— É real, Chris. Eu queria estar enganado, mas não estou. Ela está lá se divertindo, enquanto você fica aqui acreditando que era só um tempo.

A raiva começou a me consumir, queimando por dentro como fogo descontrolado. Eu me levantei bruscamente, ignorando os olhares curiosos ao redor.

 — Ela disse que precisava respirar. Disse que estava sufocada. Mas, pelo visto, o que ela queria mesmo era liberdade para fazer o que quisesse sem peso na consciência.

Ethan segurou meu braço antes que eu fosse embora.

— Escuta, eu sei que dói. Mas talvez seja a hora de você perceber que essa relação não era o que você acreditava. Você sempre foi fiel, sempre esteve presente, e ela… bem, ela fez a escolha dela.

Fechei os olhos, tentando conter a fúria e o amargor que se misturavam dentro de mim. Pela primeira vez, senti o gosto metálico da derrota em algo que não tinha nada a veR com negócios. No amor, eu não tinha controle, não tinha garantias, não tinha cláusulas que me protegessem. Quando saí do bar naquela noite, caminhando pelas ruas iluminadas da cidade, percebi que o “tempo” que Helena queria era, na verdade, a desculpa perfeita para viver outra vida enquanto ainda me mantinha preso na coleira da esperança. E, naquele instante, eu soube que algo em mim havia se partido de um jeito que nunca mais voltaria a ser o mesmo.

O trajeto do bar até minha cobertura foi mais longo do que deveria. Não porque houvesse trânsito, mas porque a revolta dentro de mim não me deixava enxergar a cidade da mesma maneira. As luzes, que sempre me pareceram um espetáculo de ordem e poder, agora se tornavam borrões irritantes que aumentavam a minha sensação de impotência. Eu dirigia com força, como se o motor pudesse acompanhar a fúria que me queimava por dentro. Cada lembrança daquelas fotos — o braço de um estranho em volta da cintura de Helena, o sorriso dela estampado sem remorso — era como sal em uma ferida aberta. Quando cheguei ao edifício, o porteiro me cumprimentou com a mesma formalidade de sempre, mas não consegui sequer responder. Atravessei o saguão e entrei no elevador como se estivesse em piloto automático. No espelho, meu reflexo denunciava o caos: olhos vermelhos, mandíbula rígida, a gravata desalinhada depois de horas de tensão.

Abri a porta da cobertura e fui recebido por um silêncio quase sufocante. Só quando caminhei até a sala percebi que não estava sozinho. Sentada no sofá, com uma xícara de chá entre as mãos, estava minha irmã mais nova, Claire.

— Você demorou — ela disse, erguendo os olhos do celular e analisando meu rosto. — E, pelo jeito, não foi uma boa noite.

Joguei as chaves sobre a mesa de centro e me afundei no sofá oposto ao dela. Respirei fundo, mas não havia ar suficiente para aliviar o peso no peito.

— Eu descobri o porquê de Helena ter pedido aquele maldito “tempo” — respondi, com a voz grave.

Ela arqueou as sobrancelhas, sem pressa de falar.

— Imagino que não foi nada bonito.

— Bonito? — soltei uma risada amarga. — Claire, ela está lá, em uma praia qualquer, cercada de amigos e… de homens. Vi fotos. Um deles a segurando pela cintura como se já a conhecesse intimamente. E eu aqui, feito um idiota, acreditando que era apenas uma fase.

Claire pousou a xícara na mesa e se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Então ela usou a viagem como desculpa.

— Exato. — Passei a mão pelo rosto, tentando me conter. — Eu me sinto enganado, ridículo. Como não percebi antes? Como não enxerguei que ela estava escorregando pelos meus dedos há meses?

Ela me olhou com aquela calma que sempre me irritava e, ao mesmo tempo, me salvava.

— Porque você acreditava, Chris. Você queria acreditar. E não há nada de ridículo nisso. Só prova que você foi honesto, enquanto ela escolheu não ser.

— Honesto não paga a conta da dor que eu estou sentindo — retruquei, deixando escapar um suspiro pesado. — Eu sou um homem que controla impérios, Claire. Que negocia contratos milionários sem perder o sono. Mas bastou uma mulher para me fazer perder o chão.

Ela sorriu de leve, mas não havia ironia, apenas compreensão.

 — Porque você pode ser um magnata, um estrategista, um homem poderoso… mas continua sendo humano. E o coração não funciona como seus contratos, não obedece cláusulas nem prazos.

Olhei para ela, tentando absorver suas palavras, mas o orgulho dentro de mim insistia em resistir.

— O que você quer que eu faça, então? Aceite calado? Esqueça tudo e siga em frente como se não tivesse sido traído?

— Não, Chris. — Ela balançou a cabeça. — Eu quero que você se lembre de quem você é. Que não deixe essa ferida te definir. Se Helena escolheu agir assim, isso fala mais sobre ela do que sobre você. A dor é inevitável, mas o que você faz com ela… isso sim depende de você.

— Fácil falar quando não é você quem foi exposto ao ridículo — respondi, a voz carregada de amargura. — Quando não é a sua vida que está estampada em fotos, em risos que deveriam ser meus.

Claire se levantou e veio até mim, colocando uma mão firme em meu ombro.

— Olhe para mim. Você não está no ridículo, Chris. Você está machucado. E não há vergonha em admitir isso. Mas não permita que essa mágoa destrua a sua visão de si mesmo. Você não é um homem enganado. Você é um homem livre agora. Livre para escolher algo real, para encontrar alguém que não precise de desculpas para estar ao seu lado.

Fiquei em silêncio, encarando o chão. Parte de mim queria acreditar no que ela dizia. Parte de mim queria se agarrar à fúria, porque era mais fácil lidar com a raiva do que com a vulnerabilidade. Por fim, murmurei:

— Não sei se consigo acreditar em alguém de novo.

Claire apertou meu ombro, firme.

— Você não precisa acreditar em alguém agora. Só precisa acreditar em você. O resto vem no tempo certo.

As palavras dela ecoaram em minha mente mesmo depois que ela se afastou. Pela primeira vez naquela noite, percebi que, talvez, o verdadeiro “tempo” não fosse o que Helena havia pedido. Talvez fosse o que eu precisasse para mim mesmo.

Capítulo três

Uma semana inteira havia passado desde aquela conversa com Claire. Sete dias em que mergulhei no trabalho como um náufrago que se agarra a qualquer pedaço de madeira para não afundar. Reuniões intermináveis, contratos para revisar, negociações que poderiam ter esperado mas que eu fiz questão de acelerar. Eu tentava preencher cada minuto, cada segundo, com qualquer coisa que não me lembrasse dela. Ainda assim, nas madrugadas em silêncio, quando a cidade dormia e os corredores do meu apartamento se tornavam longos demais, o vazio sempre me alcançava. Naquela sexta-feira, depois de uma semana que parecia ter durado um mês inteiro, eu decidi que não suportava a ideia de voltar direto para casa. O apartamento estava limpo, impecável, mas frio como uma vitrine. Eu precisava de algo diferente, algo que, por uma noite, me arrancasse desse ciclo sufocante.

Acabei indo até um bar discreto em West Village, o mesmo onde já tinha estado algumas vezes com Ethan, mas que agora parecia mais um refúgio do que um ponto de encontro. Era pequeno, iluminado por lâmpadas amareladas que criavam uma atmosfera quase intimista, com música baixa o suficiente para não atrapalhar a conversa. Não era o tipo de lugar onde os holofotes sociais me encontrariam, e talvez fosse justamente por isso que eu gostava dali. Sentei-me no balcão, pedindo um uísque. O bartender tradicional não estava em seu lugar, surgiu uma figura nova. Foi então que a vi pela primeira vez.

Ela surgiu como se o ambiente inteiro tivesse mudado de ritmo. Loira, alta, com uma postura natural que chamava atenção sem esforço. Não usava maquiagem, mas cada traço de seu rosto parecia mais expressivo exatamente por isso. Havia algo de genuíno nela, algo cru, real, que contrastava com a artificialidade que eu estava acostumado a ver em tantas mulheres que orbitavam o meu mundo.

— Boa noite — ela disse, com um sorriso que não parecia ensaiado. A voz era clara, firme, carregada de uma simpatia simples. — Primeira vez por aqui?

Demorei um instante para responder, distraído pela forma como a luz incidia sobre o cabelo dela, criando reflexos dourados.

— Já estive algumas vezes. Mas não lembro de ter visto você antes.

— É porque não estava — respondeu, rindo de leve. — Comecei essa semana. Me chamo Eleonor.

O nome parecia ecoar de um jeito diferente dentro de mim, como se tivesse peso, como se fosse feito para ser lembrado. Eleonor.

— Christopher — falei, estendendo a mão de forma quase automática. Ela a apertou com naturalidade, sem a formalidade excessiva que eu costumava encontrar no meu mundo. Era apenas um aperto de mão firme, confiante, verdadeiro.

Enquanto ela preparava meu drink, percebi que não conseguia desviar os olhos. Não havia nada exagerado nela, nenhuma tentativa de impressionar. O cabelo loiro estava preso de forma simples, algumas mechas soltas caindo sobre os ombros. O uniforme do bar não tinha nada de especial, mas nela parecia ganhar forma, moldando-se à elegância natural de cada movimento. Quando colocou o copo à minha frente, inclinou-se um pouco e disse:

— Espero que seja do jeito que gosta.

— Se for metade tão bom quanto o sorriso que você tem, já está perfeito — respondi, antes mesmo de pensar.

Ela riu, surpresa, e balançou a cabeça. — Isso foi uma cantada ou um elogio sincero?

— Talvez os dois — admiti, bebendo um gole e sentindo o sabor do uísque se misturar ao calor que já me invadia por motivos bem diferentes.

A cada vez que ela voltava para o balcão, conversava comigo de maneira leve, sem rodeios. Perguntava sobre o que eu fazia, sobre como tinha sido minha semana, e eu, pela primeira vez em muito tempo, não me senti observado ou julgado. Era como se estivesse diante de alguém que não queria nada além de compartilhar o momento. E, no entanto, havia algo nela que ia além da simpatia. Uma espécie de encantamento silencioso que me fazia esquecer onde estava, esquecer Helena, esquecer a raiva e a dor. Eu a observava rir com outros clientes, anotar pedidos, movimentar-se com naturalidade, e era como se todo o bar girasse em torno dela sem que ela percebesse.

Eu, Christopher Hayes, que nunca acreditei em impulsos, que sempre desprezei a ideia de destino, sentia como se estivesse sendo enfeitiçado. Naquela noite, pela primeira vez desde que Helena saiu da minha vida, eu percebi que talvez o acaso não fosse apenas um inimigo cruel. Talvez, só talvez, fosse também um mensageiro de algo novo. E esse algo novo tinha nome, sorriso encantador e olhos que, mesmo sem maquiagem, eram os mais bonitos que eu já tinha visto. O copo de uísque na minha mão parecia mais forte do que o normal, mas não importava. Cada gole me deixava mais desperto, não menos. Eleonor voltava ao balcão com uma eficiência natural, recolhendo pedidos e servindo outros clientes, mas eu não conseguia desviar os olhos. Cada movimento dela tinha uma cadência própria, quase hipnótica, e eu percebia que não era apenas a beleza que me atraía — era a forma como ela se movia pelo espaço, leve e segura, sem qualquer esforço para impressionar ninguém. Ela era elegante sem saber, graciosa sem pensar, e isso me deixava inquieto de uma maneira que eu não sentia há anos.

— Quer mais um drink? — perguntou ela, enquanto limpava o balcão com um pano limpo.

— Sim, por favor — respondi, entregando-lhe algumas notas com mãos que de repente pareciam mais nervosas do que deveriam.

Enquanto ela se abaixava para pegar uma garrafa no armário inferior, o aroma dela me atingiu de maneira quase física. Um perfume sutil, algo natural, que não precisava de exageros para se fazer notar. Eu inspirei de leve, como se pudesse guardar aquele instante em algum lugar dentro de mim. Era impossível não notar como até os gestos mais simples — um abaixar de cabeça, o cabelo caindo sobre o ombro, o esticar de um braço — carregavam uma sensualidade natural, que não precisava de intenção para existir. Quando voltou a se endireitar, colocando o copo à minha frente, encontrei-me sorrindo sem perceber. Não havia flerte, não havia joguetes de conquista, apenas uma sensação nova e estranhamente confortável. Eu gostava da companhia dela, do ritmo leve da conversa, da forma como me fazia sentir que eu podia simplesmente existir ali sem máscaras ou defesas.

— Obrigado — murmurei, segurando o copo. — Você tem um talento natural para isso. Tornar tudo mais fácil.

Ela sorriu, inclinando-se um pouco, o cabelo soltando-se sobre os ombros.

— Fácil? Espero que não seja só comigo. — O tom era casual, mas havia algo no olhar dela que me fez acreditar que ela falava sério.

— Não, não é só com você — respondi, mais para mim do que para ela. Mas não pude evitar que um traço de admiração escapasse na minha voz. — É que… conversar com você parece simples. Não forçado, sem pressa, sem expectativa.

Ela riu baixo, um som genuíno que fez meu peito apertar de forma inesperada.

— Bom. Eu gosto de simplicidade. A vida já é complicada demais lá fora.

E foi assim que tudo começou. Sem flertes, sem tentativas de sedução, apenas a presença dela preenchendo o espaço vazio que eu carregava há dias. Eu percebia cada gesto, cada inclinar de cabeça, cada sorriso discreto, e me sentia atraído por uma beleza que não precisava de esforços. Era real, natural, envolvente. A cada minuto que passava, eu me encontrava mais interessado não pelo que ela poderia oferecer, mas simplesmente por quem ela era. A companhia dela era calmante, quase terapêutica, e me fazia esquecer Helena, minha raiva, minha frustração. Eu simplesmente queria continuar ali, perto, sem pressa, sentindo o tempo desacelerar ao lado de alguém que parecia existir no mesmo ritmo que eu nunca tinha experimentado.

Por horas, conversamos sobre assuntos banais: a música que tocava no bar, clientes engraçados, histórias curtas do bairro. Cada palavra dela parecia cuidadosamente natural, cada risada uma melodia suave que preenchia o silêncio sem esforço. E eu, Christopher Hayes, acostumado a controlar tudo ao meu redor, percebi que não tinha nenhum controle sobre aquilo. Não queria ter. Enquanto o bar lentamente esvaziava, senti que havia algo diferente naquela noite. Algo que não se explicava apenas pelo uísque ou pelo ambiente. Era algo nela — Eleonor — que começava a deixar uma marca em mim, uma presença que se insinuava sem pressa, quase sem ser notada, mas impossível de ignorar.

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