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O PRÍNCIPE DAS SOMBRAS

CAPÍTULO:1_A CHAMADA

Capítulo 1 – A Chamada

A chuva caía com força sobre a vila, um tamborilar constante que ecoava entre as casas de pedra e telhados encharcados. Amara se inclinava na janela do seu quarto, observando as gotas escorrerem pelo vidro, formando trilhas tortuosas que pareciam dançar ao sabor do vento. O céu estava carregado, tingido de um cinza tão profundo que parecia engolir o mundo.

Ela segurava um livro antigo em suas mãos, presente de sua tia-avó, um volume encapado em couro, gasto pelo tempo. As páginas estavam amareladas, cobertas por símbolos que nenhum dos moradores da vila parecia reconhecer. Amara passava os dedos sobre os desenhos, fascinada e inquieta ao mesmo tempo. Cada curva, cada linha parecia pulsar, como se o papel tivesse vida própria.

— Deveria estar dormindo — a voz suave da tia, vindo do corredor, a fez sobressaltar. — São quase duas da manhã, garota.

— Só mais um pouco… — murmurou Amara, sem se virar. Não conseguia explicar a ansiedade que sentia. Havia algo no livro que a atraía, algo que parecia chamá-la, mas que ela ainda não compreendia.

A vela sobre a mesa tremeluziu com o vento que entrava pela fresta da janela. Amara se aproximou para protegê-la com a mão, e foi nesse instante que sentiu a primeira pontada de frio que não vinha do vento. Uma sensação que percorria sua espinha, lenta, insistente, como se alguém — ou alguma coisa — estivesse observando cada movimento seu.

Ela engoliu em seco, tentando racionalizar. Talvez fosse apenas o clima, talvez apenas cansaço. Mas nos últimos dias, os sonhos haviam se tornado mais intensos. Sempre o mesmo corredor escuro, sempre os mesmos passos que ecoavam atrás dela, e aqueles dois olhos incandescentes que a fixavam, penetrando sua alma.

Amara fechou o livro com força, tentando afastar a lembrança. Precisava dormir. Precisava esquecer. Mas algo dentro dela a impedia. Algo que parecia sussurrar: Não é apenas um sonho.

Ela se levantou e caminhou até a pequena cômoda onde mantinha suas roupas. Ao pegar a camisa para se trocar, sentiu novamente o frio, mais intenso desta vez. Uma rajada de vento atravessou o quarto, apagando a vela e mergulhando tudo em uma escuridão que parecia viva. Amara engoliu em seco e acendeu outra vela, o coração batendo descompassado.

Quando voltou para a mesa, algo a fez congelar. As páginas do livro haviam se virado sozinhas, parando exatamente em um símbolo que ela nunca tinha visto: um círculo negro, atravessado por linhas finas que lembravam garras. O desenho parecia pulsar, expandindo e contraindo lentamente, como se respirasse.

— O que… — murmurou, mas sua voz morreu antes mesmo de sair.

Foi então que ouviu. Uma voz baixa, distante, sussurrando em seu ouvido, embora não houvesse ninguém no quarto:

— O pacto precisa ser cumprido.

Amara tropeçou para trás, o corpo paralisado, os olhos arregalados. Tentou convencer a si mesma de que era apenas sua imaginação, fruto de noites mal dormidas e livros antigos. Mas o calor que subia pelo seu corpo não era medo comum; era um aviso. Um aviso de que algo estava prestes a mudar, e que ela não teria escolha.

Ela se sentou na beira da cama, abraçando os joelhos, e respirou fundo. Tentou lembrar-se de como sua vida era “normal” até aquele ponto. Crescera na vila, entre árvores densas e riachos que cantavam durante o dia. As pessoas eram simples, amáveis, e a rotina consistia em ajudar na horta, estudar e ler livros antigos. Nada ali parecia indicar que existiam mundos além do que ela podia ver — mundos feitos de sombras, magia e pactos antigos.

Mas as mensagens não paravam. Nos últimos dias, pequenos sinais surgiam: sombras que se moviam mesmo sem vento, sussurros nos corredores à noite, o cabelo dela sendo puxado levemente quando ninguém estava por perto. Cada incidente fazia Amara duvidar de si mesma, mas, ao mesmo tempo, despertava uma curiosidade que não podia ignorar.

Naquela noite, algo diferente aconteceu. Enquanto caminhava pelo corredor para beber água, a madeira do chão rangiu de uma maneira que parecia formar palavras: “Ela vem”. Amara parou, tentando ouvir melhor. O corredor estava vazio, a casa silenciosa, exceto pelo rugido distante da chuva. Ela piscou, pensando que poderia estar imaginando. Mas a sensação de estar sendo observada era real — tão real quanto o frio que subia da sola dos pés até a nuca.

De repente, uma luz suave iluminou a porta da cozinha, embora todas as janelas estivessem fechadas. Amara sentiu um puxão involuntário em direção à luz. Seus instintos gritaram para que corresse, mas seus pés pareciam presos. Era como se uma força invisível a estivesse guiando.

Ela respirou fundo e aproximou-se lentamente. Quando colocou a mão na maçaneta, um clarão atravessou a sala, e um sussurro profundo ecoou novamente:

— Amara… está chegando a hora.

O som não vinha de ninguém; parecia vir de dentro dela. O coração acelerado, ela girou a maçaneta e abriu a porta. Lá fora, não havia ninguém — apenas a chuva e a noite densa. Mas algo brilhou no jardim, algo pequeno, quase imperceptível, que pulsava com uma luz negra.

Amara se aproximou, hesitante, o ar úmido e frio envolvendo seu corpo. Ao tocar o objeto, sentiu uma descarga que atravessou cada nervo de seu corpo. Um fragmento de cristal negro, frio como gelo, pulsava como um coração, e ela entendeu sem palavras: aquele era o chamado.

Ela não sabia o que significava, não sabia quem a chamava, mas uma certeza surgiu dentro dela: sua vida nunca mais seria a mesma.

O relógio bateu três horas da manhã, e a chuva parecia cessar apenas ao redor da casa, como se o mundo tivesse feito uma pausa para observá-la. Amara sentiu os joelhos cederem, apoiando-se na grade do jardim, e por um instante fechou os olhos, tentando se preparar para o desconhecido.

Quando os abriu novamente, algo no horizonte chamou sua atenção: uma silhueta se movia entre as árvores. Alta, majestosa, envolta em sombras que pareciam vivas. A figura parou e virou-se na direção dela, mas mesmo à distância, Amara sentiu os olhos. Dois pontos incandescentes, penetrantes, que a fixavam com intensidade. O sangue dela congelou.

Não havia tempo para pensar. Um vento gelado atravessou o jardim, fazendo os cabelos dela voarem, e uma voz profunda ecoou, não mais como sussurro, mas como um trovão silencioso que reverberava em sua alma:

— Amara.

Ela engoliu em seco. A figura se aproximava, mas mesmo antes de chegar, Amara soube: não era humana. Não completamente. Havia algo antigo, eterno, e havia algo nela que pertencia àquele mundo.

A chuva parou por completo, e o silêncio se tornou absoluto. Até os grilos e os pássaros desapareceram, como se a noite inteira tivesse prendido a respiração. A cada passo da figura, a sensação de estar sendo observada aumentava, e o coração de Amara batia com força descontrolada.

Quando finalmente ele chegou à beira do jardim, a luz do cristal negro em suas mãos brilhou intensamente. Ele estendeu a mão na direção dela, uma palma aberta, convidativa e ameaçadora ao mesmo tempo. Amara sentiu o mundo se inclinar, como se estivesse prestes a ser sugada para dentro de algo maior do que ela mesma.

— Você foi chamada — disse ele, e sua voz parecia tocar cada pensamento dela, cada medo, cada desejo que ainda nem sabia que existia. — E não há como escapar.

Amara tremeu. Tentou recuar, mas os pés não obedeciam. Uma força invisível a puxava em direção àquela silhueta que ela jamais esqueceria. Algo em seu sangue, algo em seu destino, estava se revelando.

Naquele momento, sob a chuva que havia parado apenas para observá-la, Amara compreendeu que o mundo que conhecia era apenas uma ilusão. Havia algo além, algo antigo, sombrio e irresistível. E aquela noite seria apenas o começo de tudo.

Ela não sabia o que a esperava. Não sabia que aquela figura alta e imponente seria Kael, o Príncipe das Sombras, nem que sua vida, tal como conhecia, estava prestes a ser completamente destruída — ou transformada.

Mas uma coisa ela sabia com certeza: nada seria como antes.

CAPÍTULO:2_ O ENCONTRO

Capítulo 2 – O Encontro

O vento frio ainda sibilava entre as árvores, carregando o cheiro úmido da terra molhada. Amara sentia cada passo como se estivesse atravessando uma névoa feita de inquietação. O cristal negro ainda pulsava em sua mão, emitindo uma luz tênue, quase hipnótica. Cada batida do coração parecia sincronizada com a vibração da pedra, como se estivesse chamando algo que ela ainda não entendia.

A figura alta continuava à distância, imóvel, observando-a com paciência infinita. Amara engoliu em seco, sentindo o medo e a fascinação disputarem espaço em seu peito. Ela queria correr, gritar, se esconder, mas uma força invisível a mantinha no lugar, aproximando-a de algo maior do que ela podia compreender.

Quando finalmente alcançou a clareira entre as árvores, a figura começou a se mover em passos lentos, mas firmes. Cada passo parecia ecoar no chão úmido, mesmo sem som. Amara percebeu que não era apenas a distância que os separava; havia algo na aura dele, uma presença tão intensa que parecia dobrar o espaço ao redor, dobrar o próprio ar.

E então, ele falou.

— Você veio.

A voz era profunda, grave e carregada de poder, como se cada palavra tivesse o peso de séculos. Amara estremeceu.

— Quem… quem é você? — conseguiu sussurrar, a voz quase engolida pelo vento.

Ele se aproximou mais, e Amara teve sua primeira visão completa: olhos que pareciam chamas contidas, um manto negro que absorvia a luz ao redor, e uma presença tão dominante que fazia o ar ao redor parecer pesado. Ele era… impossível. Não humano, mas de alguma forma tangível, real.

— Eu sou Kael — disse ele, parando a apenas alguns passos dela. — E você… você está destinada a mim.

A frase caiu sobre Amara como uma lâmina gelada. Ela recuou um passo, mas o cristal na sua mão brilhou mais forte, como se reagisse à presença dele.

— Destinada a você? — repetiu, tentando entender, tentando se agarrar a alguma lógica. — Eu… eu não sei do que está falando.

Kael inclinou a cabeça, estudando-a com atenção intensa. Cada movimento dele parecia calculado, cada gesto silencioso carregado de significados que Amara ainda não podia decifrar. Um frio percorreu sua espinha ao perceber que ele podia ver além do físico, que talvez enxergasse algo em sua alma.

— Você não sabe porque nunca foi preparada. Nunca precisou. Mas agora… chegou a hora. — Ele estendeu a mão, e Amara sentiu uma atração magnética que a fez hesitar, incapaz de resistir completamente.

A clareira parecia se comprimir, o espaço entre eles diminuindo de maneira sobrenatural. Amara percebeu que cada fibra de seu ser reagia a ele, cada pensamento e cada medo. Ela queria fugir, mas o impulso de tocar aquela mão era quase irresistível.

— Eu… não posso — murmurou, dando um passo para trás, tentando ganhar distância, mas a força que a guiava a empurrou suavemente para frente.

Kael suspirou, um som profundo que parecia ecoar dentro da própria terra. — Não há escolha. Você já está aqui, Amara. Sua vida no mundo que conhece acabou.

Antes que pudesse processar, o ar ao redor dela tremeu, e a clareira pareceu dissolver-se em sombras. O chão sob seus pés cedeu levemente, e a sensação de ser puxada para cima e para dentro tomou conta dela. Ela fechou os olhos, o cristal negro queimando levemente contra sua palma, e sentiu a realidade se distorcer. O vento não soprava mais, a chuva desaparecera, e a única luz vinha do brilho constante da pedra.

Quando finalmente abriu os olhos, estava em outro lugar. Um castelo enorme se erguia à sua frente, feito de pedra negra que parecia absorver toda a luz. Torres altas desapareciam entre nuvens escuras, e o céu acima não tinha estrelas, apenas uma noite eterna. Ela engoliu em seco. Não havia dúvida: aquele não era o mundo que conhecia.

Kael estava ao seu lado, imóvel, observando cada reação dela. Sua mão ainda estendida parecia oferecer segurança e ameaça ao mesmo tempo.

— Bem-vinda ao meu reino — disse ele, e a forma como falou fez o coração de Amara acelerar, uma mistura de medo e fascinação.

Ela olhou ao redor, absorvendo cada detalhe. O castelo parecia vivo, como se respirasse. Portões altos se erguiam como garras, e uma neblina escura se espalhava pelo chão, ondulando suavemente como se tivesse vontade própria. Ela percebeu vultos se movendo nas sombras das torres, figuras esguias que observavam silenciosamente, sem emitir som.

— Que… lugar é esse? — perguntou, a voz quase trêmula.

— Meu lar. — Kael deu um passo à frente, e Amara sentiu o chão vibrar levemente sob seus pés. — E você… também será parte dele.

A intensidade do olhar dele era esmagadora. Ela percebeu, pela primeira vez, que não estava apenas entrando em outro mundo; estava entrando na vida de alguém que havia existido por séculos. A eternidade dele contrastava com a mortalidade dela, tornando o encontro ainda mais impossível, ainda mais perigoso.

— Eu… eu não entendo — disse Amara, tentando organizar os pensamentos, mas cada palavra parecia insuficiente diante do que via. — Por que eu? Por que comigo?

Kael se aproximou, e mesmo sem tocá-la, Amara sentiu o calor de sua presença, uma pressão quase física que deixava seu corpo alerta.

— Porque você foi escolhida antes mesmo de nascer. Seu sangue, sua essência… tudo indica que você é necessária. — Ele ergueu a mão para apontar o cristal negro, que agora pulsava mais forte do que nunca. — E quando o momento chega, não há como fugir.

Amara sentiu uma mistura de terror e curiosidade. O coração dela disparava, mas havia também uma parte que queria tocar, saber, entender. Ela nunca acreditara em lendas, em magia, em pactos antigos. Mas agora, cada fibra de seu ser dizia que eram reais — e que ela estava no centro de tudo.

Kael começou a andar em direção ao castelo, gesticulando para que ela o seguisse. Amara hesitou, mas a força que a atraía era maior do que qualquer medo. Cada passo a fazia sentir como se estivesse atravessando não apenas espaço, mas também tempo, realidade e destino.

Ao se aproximarem do portão principal, ele se abriu sem esforço, revelando um hall gigantesco, com tetos altos, candelabros de ferro que pareciam feitos de ossos e paredes adornadas por tapeçarias negras que contavam histórias de batalhas antigas, reis e reis que haviam desaparecido há séculos. Cada detalhe pulsava com a sensação de eternidade e poder, algo que Amara não conseguia compreender totalmente.

— Este é o coração do meu reino — disse Kael, parando no centro do hall. — Aqui, nada é como no mundo que você conhece. Cada regra, cada lei, cada sombra… tudo tem propósito.

Amara olhou em volta, maravilhada e aterrorizada ao mesmo tempo. Ela sentiu que cada sombra observava, cada canto escondia segredos que poderiam engoli-la. Mas ainda havia Kael, a presença dele como uma âncora, assustadora e irresistível.

— E você… quer que eu fique aqui? — perguntou, tentando controlar o tremor da voz.

— Não quero que você apenas fique. Quero que compreenda. Quero que saiba que sua vida, seu destino, e tudo que você acredita ser verdade, agora pertence a algo maior. — Ele se aproximou mais uma vez, e Amara sentiu o ar vibrar com a intensidade de sua presença. — E seu coração… bem, seu coração terá de aprender a escolher.

O cristal em sua mão brilhou mais uma vez, uma luz negra que parecia conectar os dois. Amara sentiu uma onda de calor e frio ao mesmo tempo, como se tivesse tocado não apenas a pedra, mas o próprio destino.

Ela engoliu em seco, sabendo que cada passo dali para frente seria irreversível. O mundo humano que conhecia havia ficado para trás. O que a aguardava agora era desconhecido, perigoso e inevitavelmente ligado àquela figura que, mesmo sem palavras, já dominava seus pensamentos.

Kael se afastou levemente, permitindo que ela respirasse, mas os olhos dele não se desviaram. Amara percebeu, pela primeira vez, que o príncipe das sombras não apenas a havia encontrado — ele a esperava. E, de alguma forma, sempre a havia esperado.

Enquanto a noite eterna do castelo se fechava ao redor dela, Amara compreendeu que estava no limiar de algo maior do que sua imaginação podia alcançar. E naquele instante, uma certeza surgiu: sua vida nunca mais seria a mesma, e o homem diante dela, imortal e impossível, seria o catalisador de tudo.

A eternidade de Kael, o poder do cristal, e o pacto que ainda não haviam sido revelados se uniam em uma teia invisível, pronta para envolver Amara em sombras, mistérios e desejos que ela ainda não podia compreender.

E enquanto ela olhava para ele, o príncipe que existia há séculos, a pergunta que não saía de sua mente era simples, mas aterrorizante:

— Quem é você, realmente?

Kael apenas sorriu, um sorriso que não trazia conforto, mas que prometia algo profundo, perigoso e irresistível.

E a partir daquele momento, a vida de Amara e o reino das sombras se tornariam inseparáveis, para sempre.

CAPÍTULO:3_ SOMBRAS E SEGREDOS

Capítulo 3 – Sombras e Segredos

O primeiro despertar no castelo das sombras não foi como qualquer manhã que Amara já conhecera. A luz que atravessava os vitrais altos era negra, filtrando padrões que se moviam como se respirassem. O vento entrava por frestas invisíveis, carregando o perfume úmido da noite eterna. Nada ali se parecia com a vila, nem com o sol, nem com o cheiro de pão fresco da cozinha. Cada som era amplificado, cada sombra parecia viva, respirando junto com ela.

Amara se levantou devagar, sentindo o frio da pedra sob os pés descalços. Cada passo ecoava pelo corredor amplo, e o eco parecia sussurrar palavras incompreensíveis. Ela segurou o cristal negro com força; ele pulsava suavemente, guiando-a ou alertando-a.

— Bom dia — a voz de Ezryn soou atrás dela.

Amara virou-se. O guardião era alto, com olhos que pareciam absorver luz. Usava armadura negra leve adornada com símbolos antigos. Um sorriso discreto cruzou o rosto dele, mas havia cautela na postura, como se cada gesto de Amara fosse avaliado.

— Bom… bom dia — gaguejou ela. — Onde… onde estou exatamente?

— No coração do Reino das Sombras — disse Ezryn. — Cada pedra, cada corredor, cada sombra pertence a Kael. E agora, você também faz parte dele.

Amara engoliu em seco. — Eu… não entendo. Por que comigo?

— Porque você foi escolhida. — Ezryn desviou o olhar, como se a resposta fosse simples demais para explicar. — Não é hora de entender tudo. Observe e aprenda.

Eles caminharam pelo corredor até um grande salão de treino. Guardiões praticavam movimentos precisos, como sombras dançantes. Cada olhar se voltou para Amara. Ela sentiu-se avaliada, cada movimento medido por olhos atentos e silenciosos.

— Eles são seus protetores — explicou Ezryn. — E, ao mesmo tempo, observadores. Nada escapa ao olhar de Kael.

— Kael? — Amara perguntou, o nome saindo com reverência e medo. — Onde ele está?

— Ele aparece quando julgar necessário. — Ezryn estudou sua reação. — A presença dele é mais poderosa que qualquer armadura ou espada.

Amara engoliu novamente. Cada passo dentro do castelo reforçava que não estava mais em casa. As paredes eram adornadas com tapeçarias negras, que contavam batalhas antigas, reis e guerreiros esquecidos. Cada detalhe pulsava com energia sombria.

Kael apareceu pela porta do salão sem aviso, e o silêncio foi instantâneo. Todos os guardiões se afastaram, reverentes, como se uma onda de poder invisível tivesse passado pelo ambiente. Amara sentiu o chão tremer levemente sob seus pés, mas não havia movimento físico — era a presença dele que vibrava no ar.

— Você está viva — disse Kael, voz grave, carregada de autoridade e séculos de experiência. — E isso me agrada.

— Eu… eu não sei o que fazer — disse Amara, engolindo seco. — Eu nunca… nunca estive em um lugar assim.

Ele se aproximou lentamente, cada passo medido, calculado. — Não há nada que precise fazer agora. Apenas observe e sinta. O cristal é seu guia. Ele está ligado a você. — Ele indicou a pedra negra em sua mão. — E a você, apenas a você.

— Eu não sei como… — começou Amara, mas Kael interrompeu com um gesto sutil.

— Não tente entender agora. O tempo para explicações virá. Primeiro, você deve aprender a sobreviver aqui. A compreender. — Um sorriso quase imperceptível cruzou seu rosto. — E, eventualmente, aprender a escolher.

Nos dias seguintes, Ezryn guiou Amara pelo castelo. Cada corredor parecia maior do que o anterior, cada sala carregava símbolos que pulsavam com energia. Os guardiões se apresentaram: alguns eram silenciosos e vigilantes; outros tinham sorrisos calculados que escondiam segredos. Amara aprendeu que qualquer palavra ou gesto era observado.

— Cuidado com a sombra — advertiu um guardião, chamado Lorian, enquanto caminhavam pelo corredor principal. — Ela reage ao medo, à curiosidade e, principalmente, à mentira.

— A sombra? — Amara perguntou, curiosa e assustada. — Como assim?

— Você verá — disse Lorian, sorrindo de leve. — Cada sombra aqui tem consciência. Nem sempre são hostis… mas nem sempre são amigas.

A cada encontro com Kael, a tensão aumentava. Ele raramente falava, mas cada palavra era carregada de poder. Amara percebeu que ele não precisava gritar para ser ouvido; a própria presença dele dominava o ambiente.

— Você sente a pedra pulsando? — perguntou Kael certa noite, surgindo silencioso atrás dela.

— Sim… — respondeu Amara, segurando o cristal com força. — Mas não sei o que significa.

— Significa que está viva. — Ele se aproximou um passo. — E que está ligada a algo maior. Algo que você ainda não compreende.

— Eu nunca acreditei em magia… — murmurou ela. — Mas agora… eu sinto que não tenho escolha.

— E você não tem — disse ele, firme, mas não cruel. — Nem a desejar.

Amara percebeu que cada encontro com ele deixava seu coração em conflito: medo, fascínio, curiosidade, desejo. Ela se perguntava se era apenas a intensidade do príncipe ou o poder do castelo que a fazia sentir isso.

Certa noite, Kael a levou a uma biblioteca oculta, corredores estreitos com livros que pareciam absorver a luz. Ele não falou por alguns minutos, apenas observava enquanto ela tocava os volumes, sentindo a energia antiga em cada página.

— Tudo aqui contém conhecimento antigo — disse ele finalmente. — Poder, história, segredos de vidas que passaram antes de você. — Ele inclinou a cabeça. — Alguns são perigosos. Outros… essenciais.

— E eu posso ler qualquer um? — Amara perguntou.

— Pode. — Ele sorriu levemente, sério ao mesmo tempo. — Mas saiba que não são apenas palavras. Cada conhecimento aqui toca a sua essência. Cada segredo tem preço.

Ezryn e os outros guardiões observaram de longe, silenciosos. Amara sentiu que cada ação era estudada, cada emoção sentida. O castelo reagia à presença dela, ao estado de espírito dela. O cristal pulsava mais forte sempre que algo importante acontecia.

— Você está pronta para o treino? — perguntou Lorian certo dia, entregando-lhe uma espada leve, feita de metal negro que parecia absorver a luz.

— Treino? — Amara perguntou, segurando o objeto com mãos trêmulas.

— Aqui, até a mente e o corpo devem aprender a seguir a sombra. Sem isso, não sobreviverá. — Ele demonstrou movimentos básicos, suaves mas rápidos, e Amara tentou imitar. Cada gesto parecia conectado a algo maior, e ela percebeu que a espada não era apenas arma, mas extensão do próprio corpo.

Durante o treino, Kael apareceu silencioso, observando cada movimento. Quando terminou, aproximou-se.

— Bom — disse ele, a voz grave reverberando pelo hall. — Mas ainda há muito a aprender. — Ele estendeu a mão para o cristal. — Sinta. Ele é seu elo, mas também seu teste.

Amara segurou o cristal com força. A luz negra pulsou, e ela sentiu uma onda percorrer seu corpo. Era medo, fascínio e poder, tudo junto.

— Eu… ainda não sei se consigo — murmurou.

— Você conseguirá — respondeu Kael, sem suavidade, mas também sem crueldade. — Porque não há escolha. E porque, de alguma forma, você já pertence a este mundo.

Nas noites seguintes, Amara começou a compreender que o castelo não era apenas um espaço físico, mas um organismo vivo. As sombras se moviam com intenção, os guardiões reagiam à mínima hesitação, e Kael permanecia uma presença constante, observando e testando, silencioso, mas sempre presente.

E, no silêncio do castelo, ela começou a sentir algo novo: não apenas medo, mas pertencimento. Um laço invisível com Kael, com o reino, com o cristal. Uma certeza de que, apesar do terror, do desconhecido e do perigo, ela estava exatamente onde deveria estar.

— Um dia — disse Kael, aparecendo na sala de treino sem aviso — você entenderá o que significa realmente pertencer a algo maior. — Ele se aproximou, e Amara sentiu novamente a intensidade de sua presença. — Até lá, observe, aprenda, e cresça.

E enquanto Kael desaparecia na sombra, Amara percebeu que cada passo naquele castelo eterno seria um teste. Cada escolha, cada gesto, cada olhar, era um aprendizado. E que, de algum modo, o príncipe das sombras não estava apenas moldando seu corpo ou sua mente, mas também seu coração.

A eternidade de Kael, a força do cristal e o poder do castelo se entrelaçavam com a vida de Amara, e ela percebeu que, embora o medo permanecesse, algo maior crescia dentro dela: uma mistura de fascínio, respeito e uma estranha sensação de que finalmente havia encontrado o lugar ao qual realmente pertencia.

E naquela noite eterna, com o vento passando pelas torres, as sombras dançando pelas paredes e o cristal pulsando como um coração, Amara compreendeu pela primeira vez: ela não era mais apenas humana, mas parte de algo antigo, sombrio e inevitável.

O que ainda não sabia era que Kael observava cada movimento dela, cada reação, cada hesitação, e que ele começava a se perguntar se aquela humana poderia ser mais do que apenas uma peça em seu reino. Talvez pudesse ser algo que ele nunca imaginou: uma presença que mexeria com sua eternidade, com seu coração… e talvez, com o próprio destino do mundo das sombras.

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