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O Jogo da Minha Vida

Prefácio

Nem todos os jogos são vencidos com cartas, fichas ou sorte.

Alguns começam no momento em que você é jogada no tabuleiro da vida sem sequer saber que está sendo usada. Foi assim que tudo começou para mim — sem aviso, sem regras claras, sem direito de escolha.

Fui vendida como se fosse um objeto. Trocada por uma dívida que nem era minha. Entregue nas mãos de um homem que parecia ter o mundo sob seus pés... e eu, nada. Ou, pelo menos, era o que eu pensava.

A verdade? Ela estava escondida em cada olhar desconfiado, em cada silêncio pesado, em cada noite em que me perguntei quem eu realmente era. Descobri segredos que mudaram tudo. Inclusive a mim.

Essa não é apenas a história de uma garota perdida em um mundo perigoso. É a história de alguém que foi obrigada a apostar tudo — sua liberdade, sua identidade e até seu coração — em um jogo onde perder nunca foi uma opção.

E agora, ao virar estas páginas, você vai descobrir que algumas apostas valem mais do que todas as fichas de um cassino.

— Mirella

Capítulo 1 — O Início do Fim

O som da chaleira apitando ecoou pela cozinha modesta, preenchendo o pequeno cômodo com um vapor morno que embaçava a janela encardida. Mirella desligou o fogo e despejou a água quente na caneca de porcelana já rachada nas bordas. Colocou o sachê de chá dentro, observando a cor se espalhar lentamente, como se aquele instante pudesse durar para sempre.

Era uma manhã qualquer — ou, pelo menos, parecia. O céu estava nublado, os pássaros cantavam preguiçosamente do lado de fora, e a rua da vila ainda permanecia silenciosa. Seu pai adotivo, Orlando, estava sentado à mesa, mergulhado em um jornal velho que já tinha lido mil vezes. Usava os mesmos chinelos gastos, a mesma camisa de flanela e o mesmo silêncio desconfortável de sempre.

Mirella se sentou à frente dele, envolta em uma blusa de moletom larga, com o cabelo preso em um coque bagunçado. Seus olhos observavam cada pequeno gesto do homem que, por tantos anos, ela chamou de pai. Havia algo diferente naquela manhã. Ela sentia — não sabia dizer o quê, nem por quê — mas sentia.

— Vai sair hoje? — ela perguntou, tentando soar casual.

Orlando ergueu os olhos por cima dos óculos. Respirou fundo.

— Tenho umas coisas pra resolver — respondeu de forma vaga, dobrando o jornal com lentidão exagerada.

Era sempre assim. Orlando nunca fora um homem de muitas palavras. Desde que sua saúde começou a declinar, há alguns meses, ele se tornara ainda mais fechado, ainda mais ausente. E, apesar de tudo, Mirella tentava manter a rotina funcionando, mesmo que se sentisse cada vez mais sozinha naquela casa de paredes úmidas e promessas não ditas.

Ela terminou seu chá em silêncio. O dia seguiu arrastado.

Limpou a casa. Lavou as roupas. Dobrou toalhas que já estavam desbotadas. Preparou o almoço — arroz, feijão e ovos fritos. Esperou Orlando chegar até o meio da tarde, quando ele finalmente voltou, com o rosto ainda mais pálido e o andar mais arrastado.

— Você precisa ir ao médico, pai — ela disse, tirando as sacolas das mãos dele.

— Não tenho tempo pra isso, Mirella. E também não tenho dinheiro — retrucou, firme, como quem queria encerrar o assunto.

Mas Mirella insistiu com o olhar. Ela não queria perdê-lo. Ele era tudo o que ela tinha. Ou, ao menos, era o que ela acreditava. Desde criança, ouvira que sua mãe havia morrido no parto, e que Orlando criara Mirella sozinho, com esforço, dignidade e muito sacrifício. Ela se orgulhava disso. Se orgulhava de sua origem humilde, da casa simples, dos valores que aprendera.

Só que tudo estava prestes a mudar.

Naquela noite, Mirella acordou com vozes baixas vindas da sala. Levantou-se descalça, arrastando os pés pelo corredor escuro, guiada apenas pelo som abafado da conversa. Ao espiar pela fresta da porta, viu seu pai sentado diante de dois homens que ela nunca tinha visto antes. Um deles era alto, vestia um paletó escuro e fumava um charuto com o tipo de elegância que destoava de tudo ali. O outro era mais jovem, usava roupas de marca e ostentava um sorriso debochado no rosto.

— Já está decidido, Orlando — o homem do charuto disse. — Ou isso, ou o nome dela vai parar num cartaz de desaparecidos. Você sabe como funciona.

O coração de Mirella disparou. Ela segurou o fôlego, colada na parede, tentando processar o que ouvia.

— Ela não sabe de nada — Orlando murmurou, derrotado. — Nunca contei nada pra ela. E nem quero que saiba. Só… cuidem dela, por favor.

— Vamos cuidar, sim. Ao modo que a gente cuida de tudo que é valioso.

Valioso?

Aquela palavra caiu como um soco no estômago de Mirella. Eles estavam falando dela. E seu pai… seu pai estava concordando. Ela recuou, com as pernas trêmulas, o coração descompassado e a mente em choque.

Voltou para o quarto e se jogou na cama, fingindo dormir quando ouviu a porta ser aberta e fechada minutos depois. As lágrimas vieram silenciosas, pesadas. Naquele momento, Mirella sentiu que algo em sua vida havia quebrado — e não havia como consertar.

No dia seguinte, Orlando não falou nada. Tomaram café da manhã em silêncio, como sempre. Mas Mirella via agora com outros olhos: a palidez no rosto dele, o tremor das mãos, o olhar de culpa. Ele sabia que estava prestes a perdê-la. Não por doença. Mas por escolha.

Naquela mesma tarde, o carro preto parou em frente à casa.

Orlando se levantou com dificuldade, caminhou até o quarto dela e bateu duas vezes antes de entrar.

— Vista aquela roupa bonita que você ganhou da dona Clarice no seu aniversário. Eles vão te levar para um lugar melhor, Mirella. Um lugar onde você vai ter tudo do bom e do melhor.

Ela o encarou. Não disse uma palavra. Apenas sentiu as lágrimas brotarem de novo, e engoliu o grito que queria soltar.

Ele não teve coragem de olhar nos olhos dela.

Quando ela saiu da casa, o céu começava a escurecer. O vento estava frio. O motorista abriu a porta do carro sem dizer nada, e Mirella entrou.

Não sabia para onde estava indo. Não sabia por quê. Mas naquele instante, entendeu que sua vida — aquela que conhecia, aquela em que acreditava — tinha acabado.

E o jogo… o jogo estava apenas começando.

Capítulo 2 — O Preço da Promessa

O carro percorria as ruas da cidade como se seguisse um caminho já traçado há muito tempo. Mirella, sentada no banco de trás, mantinha os olhos fixos na janela, mas não enxergava nada. A paisagem urbana passava diante dela como um borrão sem cor, como se o mundo ao redor tivesse perdido o brilho. Era como se estivesse sendo levada para um destino que não lhe pertencia, arrancada à força da sua própria história.

As mãos estavam frias. Os dedos trêmulos se apertavam um contra o outro. O estômago revirava em silêncio. Ela não tinha feito perguntas. Não tinha implorado para ficar. Porque, no fundo, sabia que não havia mais nada que pudesse ser dito.

Orlando a vendera.

Essa frase ecoava em sua mente com uma crueldade que doía mais do que qualquer tapa. Mais do que qualquer abandono. Ela tinha sido negociada como se fosse uma dívida... um objeto... um fardo. E, mesmo que não conhecesse ainda os detalhes, o fato era esse: não era mais dona de si.

A viagem durou mais do que o necessário. Ou talvez o tempo tivesse se esticado por causa do vazio dentro dela. Quando o carro finalmente saiu da estrada principal e entrou por uma alameda de árvores altas e escuras, Mirella sentiu o ar ficar mais denso. O lugar exalava silêncio e poder.

No fim da estrada, uma construção imponente surgiu diante dela. Não era uma mansão no estilo clássico. Era mais moderna, cercada por muros altos e portões de ferro. Havia algo frio naquele lugar. Uma ausência de cor. Uma ausência de alma.

O portão se abriu lentamente. O carro seguiu sem hesitar.

Do lado de dentro, a recepção não foi calorosa. Um homem de terno, com expressão neutra, aguardava na porta. Ele não se apresentou. Apenas abriu a porta do carro e indicou para que ela saísse. Mirella obedeceu em silêncio.

Foi conduzida para dentro, por corredores elegantes demais para sua realidade. Tapetes persas. Lustres de cristal. Obras de arte penduradas nas paredes. Tudo era bonito, sim… mas estéril. Frio. Sem vida.

— O senhor Castellani chegará em breve — disse o homem, por fim, parando diante de uma porta de madeira escura. — Enquanto isso, você vai aguardar aqui.

Ela entrou no quarto. Luxuoso. Sofisticado. Um contraste cruel com seu quarto de paredes rachadas e lençóis velhos. Havia uma cama king size com cabeceira estofada, cortinas pesadas, espelhos dourados, e até uma penteadeira repleta de cosméticos caros.

Mirella se sentiu ainda menor ali dentro. Como se tivesse invadido um cenário de novela.

Andou até a janela, puxou a cortina com cuidado e viu o que parecia ser o quintal de um cassino privativo — luzes ao longe, movimentação de carros importados, homens de terno indo e vindo com mulheres deslumbrantes nos braços.

Ela não pertencia àquele mundo. Nunca pertencera.

Sentou-se na beira da cama. O silêncio do quarto era cortante. Um arrepio percorreu sua espinha. Não era medo… ainda. Era o pavor do desconhecido.

Ela só queria saber por quê.

Por que seu pai a entregou assim? Por que aqueles homens a queriam? E quem era esse “senhor Castellani”?

Ela nem imaginava que, naquele exato momento, Enrico Castellani já observava tudo de longe. Do andar de cima, por trás de uma parede espelhada, ele analisava Mirella como quem avalia uma jogada ousada em uma mesa de apostas.

Enrico era o tipo de homem que não desperdiçava tempo com incertezas. Herdara o império do jogo das mãos de um pai frio e calculista. Cresceu entre cifras, chantagens e acordos silenciosos. Aprendeu cedo que sentimentos não combinavam com poder. Que confiança era uma moeda rara — e cara.

Mas havia algo na presença daquela garota — aquela jovem franzina, de olhar perdido, mas que não tremia de medo como os outros — que o intrigava.

— É ela? — perguntou, sem desviar os olhos.

— Sim, senhor. Mirella. A filha de Orlando Vasques.

Enrico soltou um sorriso torto, cético.

— Filha adotiva — corrigiu. — Não vamos esquecer esse detalhe.

Ele conhecia aquela história melhor do que a própria Mirella. Sabia o que estava por trás da adoção. Sabia quem ela realmente era. E por isso a queria ali.

Ela era a peça-chave. A jogada que poderia virar todo o tabuleiro.

Mas Mirella não sabia disso. Ainda.

Naquela noite, ela não dormiu. Ficou deitada sob lençóis caros, com o coração apertado e os olhos perdidos no teto. Esperando. Temendo. Tentando entender se aquilo era um pesadelo ou apenas o começo de um jogo muito maior do que poderia imaginar.

E, no fim, era exatamente isso.

O jogo da sua vida tinha começado.

E o preço… ainda estava sendo definido.

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