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Ascensão do Supremo

O Cheiro da Chuva em Concreto

A chuva caía sobre Nova York com a impassividade de uma entidade antiga, como se o céu, cansado das inquietações humanas, apenas derramasse sua melancolia sobre o concreto. As gotas escorriam pelas fachadas de prédios históricos e se misturavam à fuligem moderna, transformando a cidade em uma pintura impressionista de reflexos quebrados. Para Elara, não era apenas uma terça-feira chuvosa; era um lembrete cruel de que até mesmo a natureza sabia mascarar perigos sob a rotina.

O som da água batendo contra a vidraça de seu estúdio de restauração de arte, no coração do Brooklyn, era constante, quase hipnótico. Uma trilha sonora que a acompanhava enquanto ela movia o pincel com precisão quase ritual. Cada mistura de pigmentos, cada camada fina de verniz aplicada, era menos sobre salvar uma pintura antiga e mais sobre sustentar uma mentira cuidadosamente construída ao longo de seis anos. Uma mentira que lhe permitia respirar.

Aqui, ela não era Elara de Silverwood. Não era a loba nascida em uma linhagem antiga, marcada por promessas de sangue, pelo peso de um passado dilacerado e por um segredo que poderia acender guerras. Aqui, ela era apenas Ellie, a restauradora discreta, que evitava conversas longas e se resumia a sorrisos educados. Ellie era invisível. Ellie era normal. Ellie era segura.

Ou assim ela queria acreditar.

Seu verdadeiro segredo não estava escondido entre pincéis e solventes, mas no andar de cima, protegido pelo calor de um edredom infantil cheio de dinossauros coloridos. Leo, seu filho, tinha cinco anos, cabelos escuros e indomáveis como os do pai e olhos que, para a dor e o alívio dela, brilhavam em dourado lupino — uma marca impossível de esconder. Ele era sua âncora e sua maldição. O mundo inteiro poderia ruir, e ainda assim Leo seria seu norte, sua promessa de que toda renúncia valera a pena.

Naquela noite, porém, algo estava diferente. A chuva não carregava apenas o peso da rotina urbana; havia uma tensão quase elétrica no ar, um zumbido invisível que arrepiava os pelos de seus braços. A loba dentro dela, silenciada à força por tantos anos, remexia-se inquieta, como se pressentisse algo que os sentidos humanos de Elara não podiam captar.

Ela se aproximou da janela. Do lado de fora, as ruas cintilavam sob a chuva e os reflexos dos faróis se esticavam como linhas líquidas na escuridão. Homens e mulheres se protegiam sob guarda-chuvas pretos, correndo para escapar da tempestade. Cada rosto era anônimo, perdido na pressa metropolitana.

Mas então seus olhos prenderam-se a uma figura distinta.

Ele estava parado sob o toldo de uma livraria fechada. Não segurava guarda-chuva, não buscava abrigo. Apenas permanecia ali, imóvel, como se o frio e a água fossem irrelevantes. Vestia um terno escuro que absorvia a pouca luz da rua, e seus sapatos brilhavam com o reflexo da chuva. Seu rosto era pálido, aristocrático, com uma beleza fria que parecia deslocada naquele cenário urbano.

Mesmo à distância, Elara sentiu sua presença como se tivesse sido empurrada contra um muro invisível. Havia algo gélido naquela aura, algo antigo e insaciável.

O coração dela, acostumado a bater em ritmo humano e calmo, tropeçou.

Não era um lobo. Lobos não tinham aquela aura de morte silenciosa.

Era um vampiro.

E ele não estava simplesmente passando pela rua. Estava observando. Esperando.

O ar pareceu rarefeito dentro do estúdio. Elara recuou um passo, mas a sensação não diminuiu; pelo contrário, intensificou-se. Aquela presença não apenas a via. Sentia-a. Perfurava a camada superficial da mentira de “Ellie” e tocava direto em Elara de Silverwood, a fugitiva, a loba marcada por sua escolha.

Seus olhos se ergueram para a janela novamente. O vampiro não desviava o olhar. Era como se cada gota de chuva que escorria pelo vidro se tornasse insignificante diante da nitidez daquele contato. Ele não precisava sorrir para transmitir ameaça. Sua imobilidade era a verdadeira declaração.

Elara lutou contra o instinto de correr. Mas correr para onde? Nova York era imensa, mas o sobrenatural sempre encontrava os seus.

Pensou em Leo. Um calafrio percorreu sua espinha. A mentira que construíra, os muros que erguera ao redor de sua vida, estavam desmoronando sob o olhar silencioso de um predador.

Ela apagou as luzes do estúdio, tentando abafar a respiração. As sombras engoliram as paredes, mas o silêncio não trouxe conforto. Subiu a escada interna devagar, cada degrau estalando como se denunciasse sua presença.

No quarto, Leo dormia tranquilo, abraçado a um T-Rex de pelúcia. O peito subia e descia em ritmo inocente, alheio ao peso da noite. Elara o observou por longos segundos, lutando contra o nó na garganta. Ele era tão parecido com o pai — e isso era, ao mesmo tempo, sua maior alegria e seu maior tormento.

Ela se ajoelhou ao lado da cama, deslizando os dedos pelos cabelos escuros do menino. Queria gravar aquela cena na memória: o calor, a fragilidade, a paz que ele ainda podia ter. Um pedaço de eternidade roubado.

Mas a loba dentro dela não deixava que se iludisse. Havia um inimigo lá fora. E o sorriso frio que ele não dera ainda era mais ameaçador do que qualquer demonstração de violência.

Quando voltou à janela do quarto, puxou levemente a persiana. O vampiro continuava ali. Não olhava mais para o estúdio, mas sim diretamente para onde ela estava.

E então, como se tivesse consciência da observação, ele sorriu. Um sorriso fino, predatório. Lento, como se saboreasse o momento.

Depois, acenou.

Não foi um gesto grandioso, mas sim calculado, cruel em sua simplicidade. Como quem diz: “Eu sei quem você é. E sei o que você guarda.”

O estômago de Elara se revirou.

O círculo que ela acreditara ter rompido seis anos atrás, fugindo de um destino de sangue, estava se fechando novamente. Não havia mais anonimato. Não havia mais silêncio seguro.

Eles a haviam encontrado.

E pior: agora sabiam de Leo.

O peso da chuva, que antes era apenas melodia de fundo, tornou-se martelar constante, como um relógio implacável anunciando que a caçada havia começado.

O Círculo se Fecha

O medo tinha gosto metálico, como ferro na boca. Elara afastou-se da janela, a respiração descompassada, o coração batendo com força suficiente para ecoar nas costelas. Cada batida era um lembrete cruel de que estava viva — e que o que estava lá fora podia roubar essa vida a qualquer instante.

Forçou o corpo a se mover com uma normalidade forjada. A primeira regra da sobrevivência era não mostrar fraqueza, não despertar atenção com gestos bruscos. Trancou a porta da frente do estúdio, apagou as luzes de trabalho e subiu lentamente a escada interna para seu apartamento. Cada degrau rangia como uma denúncia, e ela precisava lutar contra a sensação de que o vampiro podia ouvi-la, sentir cada passo.

O apartamento era pequeno, mas até aquela noite parecia um refúgio seguro. A cozinha minúscula ainda cheirava a chocolate quente, lembrança de uma tarde que havia tentado ser comum. Os brinquedos de Leo estavam espalhados pelo chão da sala, formando pequenas ilhas coloridas que quebravam a monotonia do ambiente. Tudo parecia tão humano, tão mundano. Mas o mundano podia ser destruído num piscar de olhos.

Empurrou a porta do quarto devagar. Leo estava profundamente adormecido, aninhado sob o edredom estampado com dinossauros sorridentes. A boca entreaberta deixava escapar uma respiração suave, quase musical. Elara ficou observando-o, com o peito apertado. O rosto dele era a síntese cruel daquilo que ela havia ganhado e perdido: os cabelos rebeldes que lembravam o pai, a estrutura de mandíbula ainda suave, mas prenúncio da força que viria, e os olhos dourados, adormecidos agora, mas inconfundíveis quando abertos.

Kael. O nome veio como um sussurro na mente dela, indesejado. O Supremo Alfa da Costa Oeste. O homem que ela havia amado com uma intensidade que consumia, e que abandonara por medo. Tudo nele vivia em Leo.

Ela o deixara não por falta de amor, mas porque escolhera salvar o filho da vida que inevitavelmente o aguardaria se fosse criado dentro da política selvagem das alcateias. A herança de Kael não era apenas poder. Era também guerra, disputa, sangue derramado. E Elara jamais permitiria que Leo crescesse sob esse destino.

Seis anos. Por seis anos, funcionou.

Ela havia sido um fantasma, uma lenda apagada, escondida entre milhões de almas humanas em Nova York. Mas fantasmas não sangram. E a presença do vampiro lá fora era a prova de que a carne dela ainda era vulnerável.

Voltou à janela. Abriu uma fresta na persiana, como quem olha pelo buraco da fechadura para um pesadelo.

Ele ainda estava lá.

Não apenas estava. Ele não olhava mais para o estúdio, mas diretamente para ela.

Aquela certeza foi um soco. Como podia enxergá-la? As lâmpadas apagadas, as persianas quase fechadas, a distância da rua… nada disso importava. Ele a via. Não com olhos humanos, mas com sentidos que ultrapassavam as fronteiras do natural.

Então, ele sorriu.

Não foi um sorriso amigável. Foi um gesto frio, predatório, lento o suficiente para que ela percebesse a intenção. Ele não precisava dizer nada. A mensagem estava ali: *“Eu sei. Eu te achei.”*

E, como se o golpe não fosse suficiente, ele ergueu a mão e acenou.

Um movimento pequeno, quase casual, mas devastador em sua simbologia.

O estômago de Elara se contraiu. O círculo que ela acreditara ser vasto como um oceano — distância, tempo, anonimato — fechara-se de repente ao redor dela e de seu filho, apertando como uma corda em torno do pescoço.

Eles a haviam encontrado.

E não era a ela que buscavam. Não apenas.

Era Leo.

O instinto lupino rugiu dentro dela. Quis uivar, quis despedaçar qualquer coisa que ousasse ameaçar seu filho. Mas o instinto materno também dizia: silêncio, calma, dissimulação. O inimigo não podia vê-la quebrar.

Com mãos trêmulas, afastou-se da janela. Sentou-se na beira da cama de Leo, observando-o dormir. O calor suave do corpo infantil irradiava uma inocência que parecia um milagre diante das sombras lá fora. Ela acariciou os cabelos dele, como se pudesse transferir proteção pelo toque.

“Eu vou te proteger”, murmurou, quase sem som, como se fosse um voto feito aos deuses que talvez já não escutassem.

Mas o sorriso do vampiro, gravado em sua mente, era a lembrança de que promessas poderiam ser quebradas tão facilmente quanto vidro.

O apartamento, antes lar, agora era uma prisão frágil. Cada parede parecia fina demais, cada fechadura, inútil. Do lado de fora, a chuva continuava sua sinfonia indiferente, mas Elara sabia que aquela noite não era apenas mais uma entre tantas. Era o início.

A caçada havia começado. E Elara não estava pronta para o que pudesse estar por vir, seus instintos lhe esmagam o peito, como um prévio aviso de perigo. Eles querem o seu bem mais precioso, Léo é a âncora que se agarrou para não sofrer os danos que provocava ao manter sua loba selada e escondida, ele é o amor que ela recebeu de presente nesses últimos anos e não deixaria nenhuma força da Natureza lhe roubar isso.

Pequenos Sinais

Os dias que se seguiram àquela noite chuvosa se arrastaram como se o tempo tivesse sido estendido de propósito, um fio tenso prestes a se romper. Para Elara, cada amanhecer parecia uma extensão da mesma vigília interminável. Dormir era quase impossível; quando fechava os olhos, via o vampiro parado sob a chuva, imóvel como uma estátua, sorrindo de forma cruel.

A ausência dele não era um alívio. Pelo contrário. O fato de não tê-lo visto novamente era ainda mais aterrorizante. A ameaça invisível é sempre mais poderosa do que aquela que se pode encarar de frente. Ele estava em algum lugar — observando, esperando, preparando-se.

Elara tornou-se hipervigilante. O som do metrô subterrâneo vibrando sob seus pés parecia um rugido disfarçado. As sombras projetadas pelos postes de luz eram longas demais. Os passos atrás dela, nas calçadas molhadas, soavam como perseguição. Até mesmo o cheiro das ruas — gasolina, lixo úmido, fritura vinda de carrinhos de comida — parecia corrompido por uma camada metálica, como se o ar trouxesse consigo o eco da presença fria que a havia encarado.

Ela tentava sorrir por Leo. Tentava ser a mãe que o levava ao parque, que o acompanhava na biblioteca, que comprava sorvete como se a vida fosse normal. Mas até mesmo nesses momentos, o perigo parecia se infiltrar por frestas invisíveis.

No parque, enquanto Leo corria atrás de pombos com sua energia incansável, Elara sentia o vento frio como um sussurro de alerta. Cada olhar prolongado de um estranho era interpretado como ameaça. Quando um homem em um banco próximo abriu o jornal e o dobrou devagar, o coração dela disparou. O simples gesto parecia carregado de segundas intenções.

Na biblioteca, a atmosfera deveria ser acolhedora. O cheiro de papel antigo e poeira sempre a tranquilizara. Ali, entre estantes altas, Leo mergulhava nos livros de animais marinhos, encantado com tubarões e baleias. O riso baixo dele ecoava, genuíno, como se nada estivesse errado.

Mas para Elara, até a biblioteca havia se transformado em território hostil.

Enquanto Leo folheava um livro ilustrado de tubarões, ela mesma buscava material para um projeto de restauração. Um volume sobre arte flamenga chamou sua atenção. Abriu-o, deixando os olhos percorrerem um tríptico detalhado que retratava uma batalha entre anjos e demônios. Era uma obra densa, carregada de simbolismos.

Então, algo chamou sua atenção. No canto inferior da gravura, quase invisível a olho nu, havia uma pequena marca.

Elara inclinou-se para enxergar melhor. Era uma runa.

Não uma marca qualquer. O traço fino, as curvas entrelaçadas, a energia sutil que parecia vibrar no papel — tudo aquilo era inconfundível. Uma runa de rastreamento.

Seu sangue gelou.

Não era apenas uma runa funcional, era um recado. Vampiros não deixavam sinais assim por acaso. Era como uma assinatura, um bilhete silencioso.

Elara fechou o livro de forma brusca, o som ecoando entre as prateleiras silenciosas. O coração martelava. Coincidência? Não. Aquilo era comunicação. Era a prova de que eles sabiam quem ela era, onde estava, e até o que fazia.

Ela engoliu seco e caminhou rapidamente até Leo.

“Vamos, querido. Hora de ir.”

Leo levantou os olhos dourados do livro, contrariado. “Mas eu ainda não terminei de ler sobre o tubarão-martelo!”

“Você pode pegar emprestado.” A voz dela saiu mais áspera do que pretendia, carregada de urgência.

Leo franziu a testa, mas obedeceu. Segurou a mão da mãe enquanto se dirigiam à saída.

Do lado de fora, o vento frio bateu contra o rosto de Elara. A sensação de estar sendo observada voltou com força total, como se dezenas de olhos invisíveis a seguissem. Olhou para trás, tentando identificar quem a vigiava. Mas via apenas pessoas comuns: uma mulher com sacolas de compras, um estudante de capuz ouvindo música, um casal discutindo baixinho.

Ninguém parecia prestar atenção nela.

E ainda assim, a loba dentro dela sabia. Estavam lá. Escondidos nas sombras, refletidos em vitrines, escondidos atrás de gestos banais.

A mentira confortável de “Ellie”, a artista, estava se despedaçando como tinta velha em uma tela.

Elara de Silverwood, a loba fugitiva, precisava encarar a verdade: a caça havia recomeçado. E não importava quantos muros ela tivesse erguido, o mundo estava se estreitando ao redor dela e de Leo.

A pergunta que a martelava era cruel e simples:

**Ficar e lutar em território inimigo? Ou fugir de novo, sem destino, quando o próprio mundo parecia persegui-la?**

Não importa o que ela pense, as paredes de seu esconderijo estavam ruindo, o tempo estava acabando e suas defesas evaporando como água em dia de muito calor.

Seus esforços de seis anos foi posto por água a baixo, Léo sobreviveu, mas até quando eles teriam que estar se escondendo nas sombras, temendo o desconhecido.

Ela sabia, não poderia evitar que desastres acontecessem, não seria possível, sua loba ficou adormecida por muito tempo e ela se questionava, seria capaz de defender seu pequeno?

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