NovelToon NovelToon

Entre Becos e Vielas

O dono da Penha

Ana

Lc

Bianca

Wl

carol

pequena Júlia

os gêmeos

𝙇𝙘

O relógio ainda nem tinha batido dez da noite e o morro já fervia. Fogos estouravam no alto, avisando que a carga tinha acabado de subir. A boca tava movimentada, molecada descendo e subindo com pacote escondido na mochila escolar. Mas no barraco mais alto, quem mandava era ele: LC.

Alto, moreno, cheio de tatuagem até no pescoço, olhar gelado. Quem conhecia sabia , não era cara de risadinha, não era de trocar ideia à toa. Se LC aparecia na tua porta, ou era ordem, ou era morte.

Naquela noite, ele desceu do barraco junto com o irmão gêmeo, WM, e o braço direito, 2K, cria dele desde pivete. Atrás, vinham uns três vapores armados, todos de Glock na cintura. O alvo era simples: um “cachorro morto” que devia dinheiro fazia dois meses.

— Pega a visão, mano — disse 2K, acendendo um cigarro. — Esse otário já gastou o que tinha, falou que ia pagar e até agora nada.

WM riu debochado:

— Esse daí vai chorar sangue hoje, cê vai ver.

LC não respondeu. Só puxou a pistola, engatilhando. Ele não falava muito, só o necessário:

— Desce.

Foram até a casa do cara, um barraco caindo aos pedaços no beco apertado. Quando chutaram a porta, a cena foi de cortar: o devedor sentado no sofá, desesperado, e uma criança de uns cinco anos no colo, chorando.

— Pelo amor de Deus, LC… é minha filha… não faz nada na frente dela… — o homem tremia, quase se mijando.

2K cuspiu no chão e respondeu seco:

— Ninguém te mandou brincar com o dinheiro do patrão.

WM já ergueu a arma, pronto pra apertar o gatilho. Mas LC levantou a mão, mandando esperar. Olhou pro cara com frieza, depois pra criança.

Silêncio. Só o choro ecoando pelo barraco.

— Tira a menina. — a voz de LC saiu grave, cortando o ar.

Um dos vapores pegou a garotinha no colo e levou lá pra fora, entregando pra vizinha do lado que já olhava assustada. Quando a porta se fechou de novo, LC encarou o devedor.

— Aqui não tem caô. Tu teve chance. Tu brincou com meu dinheiro.

O homem se ajoelhou, soluçando. — Eu juro, semana que vem eu pago… LC, pelo amor de Deus, não me mata…

LC se aproximou devagar, encostou a Glock na testa dele e falou baixo, sem alterar o tom:

— Aqui em cima quem dá prazo sou eu. E teu prazo acabou.

PÁ!

O estampido ecoou pelo beco. Sangue escorreu pelo chão. WM riu alto, animado com a cena.

— Caralho, LC… direto, sem massagem. — ele comentou, batendo a mão no ombro do irmão.

LC só guardou a arma na cintura e saiu do barraco, sem olhar pra trás. Enquanto isso, 2K dava a ordem pros vapores limparem a cena.

No caminho de volta, LC acendeu um cigarro, tragou fundo e falou pela primeira vez algo além do necessário:

— Nois não perdoa. Nois governa.

2K assentiu, olhando pros becos lá embaixo.

— Tu é o dono da Penha, cria. Quem ousar, já sabe qual é o destino.

E assim a noite seguiu, com o morro inteiro sabendo: LC não era homem de palavra jogada. Ele era sentença.

Baseado, escândalo e sangue frio

O ronco da moto cortava a noite como lâmina. LC descia os becos da Penha, sem pressa, o farol iluminando o morro. Chegou ao QG, o lugar dele, garagem cheia de motos, caixa de som ligada com funk rolando baixo. Jogou a moto no suporte e entrou, passando direto pela segurança. No canto, fumava um baseado, a fumaça subindo preguiçosa, enquanto os vapores circulavam discretos.

De repente, a porta se abriu com estrondo. Luísa entrou, loira, corpo escultural, com o perfume invadindo o ambiente. LC franziu o cenho, os olhos faiscando.

— Luísa… — começou, frio, a voz baixa mas firme.

— Oi… — ela disse, meio sem jeito, mas firme, tentando ignorar a tensão.

LC bufou e jogou o baseado na mesa.

— Os vapores deixaram você entrar? — a voz carregada de raiva. — Valores, cê perdeu a cabeça ou quer levar bala aqui dentro?

Valores engoliu seco, já arrependido.

— Mano… foi… eu deixei ela passar…

— Foi?! — LC explodiu. — Foi o quê? Essa garota fez o maior escândalo na porta, e você deixa entrar? Tá pensando no que?

Luísa, ainda meio assustada, tentou falar:

— Eu só… queria falar com você…

LC a cortou, frio como sempre:

— Quando eu quiser comer, eu chamo. Entendeu? Mais uma vez indo atrás de mim, Luísa… vai pra salinha.

Ela engoliu seco, os olhos brilhando, e ficou calada. LC respirou fundo, voltou a se sentar, acendendo outro baseado, mas a tensão ainda pulsava.

Nesse instante, a porta da sala se abriu com estrondo. WL, o irmão gêmeo, entrou acompanhado de Valores.

— Lucas… — WL chamou, sorrindo.

— Não me chama de Lucas mais uma vez na frente dos vapores, mano. — LC cortou, sem levantar os olhos. — Se fizer isso de novo, eu conto a língua dela.

WL riu, sacudindo a cabeça, e LC continuou falando sobre os negócios do morro:

— A contabilidade tá limpa, mas tô de olho na dona Maria, viúva do falecido Luiz, braço direito do meu pai. Quer alugar o restaurante que ele deixou. Pensa que é fácil? Não é. Pouca gente tem acesso, mano. Esse lugar é mais desejado que ouro. Beleza vista da favela, ponto estratégico. Eu não alugo pra qualquer um. Só vou pensar em alugar pra ela porque é ex do parceiro. Depois eu vou lá falar pessoalmente.

O clima esfriou, os vapores respirando fundo, sabendo que LC era rei e ninguém ousava contestar.

Quando finalmente saiu do QG, a lua já despontava sobre o morro. Chegando em casa, viu sua irmã Carol, 15 anos, jogada no sofá com umas amigas. As meninas se levantaram, todas com fogo nos olhos ao ver LC, mas ele nem ligou. Passou reto, subindo as escadas.

Do corredor, ouviu risadas suaves e um som de passos correndo. Júlia, sua filha de 2 anos, correu chamando:

— Papai!

O gelo do morro não existia ali. LC se abaixou, pegando a neném no colo, sentindo o calor dela.

— Já era hora de ir dormir, pequena. — disse, sorrindo pela primeira vez naquela noite.

Subiu com ela até o quarto, embalando cada passo, conversando baixinho, fazendo a menina rir. Colocou-a na cama, cobrindo com cuidado, beijando a testa dela:

— Boa noite, meu anjo…

Quando saiu do quarto, se jogou na própria cama, exausto. Mas por alguns instantes, a fúria, o poder e o medo que ele gerava na Penha sumiram. Só restava o som suave da respiração da filha, e o calor que nenhum morro podia comprar.

Fora dali, o mundo podia tremer. Mas ali dentro, LC era só pai.

.

Ana

O sol já queimava baixo no céu, mas o Morro da Penha continuava pulsando com o som distante de funk e o barulho das barracas e becos. Ana ajeitava o caderno de enfermagem na mochila, pronta para mais um dia de estágio dentro da favela. Ela tinha 18 anos, recém-saída do ensino médio, e fazia um curso de enfermagem ali mesmo, no coração do caos. A cabeça sempre cheia de fórmulas, cuidados e protocolos, mas o coração apertado com a vida ao redor.

No pequeno apartamento, Maria, sua mãe, conversava animada com Ana sobre o restaurante do falecido Luiz.

— Ana, você já pensou? Alugar o restaurante do seu pai seria uma ótima ideia. O morro tem respeito por ele… talvez até pelo meu falecido marido. — Maria falava, tentando convencer a filha.

Ana, com os braços cruzados, hesitou:

— Mãe… eu não sei, sabe? Eu… tenho medo do LC. Ele não libera o lugar pra ninguém. Eu ouvi falar… ele é frio, calculista… ninguém mexe com ele.

Maria suspirou, calma, mas firme:

— Ana, escuta. Ele tinha maior respeito pelo seu pai. Se alguém pode deixar o restaurante nas mãos certas, talvez ele seja esse alguém.

Sem perder tempo, Maria pegou o telefone e chamou um dos vapores:

— Vai lá, passa o recado pro LC. Diz que eu quero conversar sobre o restaurante. E faz direito, hein. — O vapor assentiu e saiu apressado, sabendo que ali não se brincava.

Mais tarde, Ana estava no quarto com Bianca, sua irmã de 20 anos, que sempre estava ligada na noite, bailes e tudo que envolvesse o morro. Bianca se jogou na cama, mexendo no celular.

— Mano… eu vi o WL ontem… — Bianca começou, os olhos brilhando. — Ele é um sonho, tão gostoso… queria muito dá pra ele.

Ana quase caiu pra trás de susto.

— Credo, Bianca! Ele não presta! É assassino! Mas… — a voz baixou, quase um sussurro — o que me dá mais medo mesmo é o LC. Você viu como ele corta a língua de alguém só por dizer o nome dele em público? Ele não perdoa nada.

Bianca rolou os olhos, rindo:

— Ana, você é muito medrosa…

Ana suspirou, pegando o caderno.

— É sério, Bia. E… tem a filha dele também, a Júlia, de dois anos. O rumor é que a ex-mulher dele o traiu, fugiu com outro cara e deixou a criança com ele. Por isso ele nunca se envolveu sério com ninguém. Imagina, ele é forte, mas tem o lado humano escondido… só que ninguém vê.

Bianca cruzou os braços, meio intrigada, mas não quis discutir mais. Ana olhou para a janela, pensativa, sabendo que aquele mundo era perigoso, e que toda decisão ali precisava ser calculada.

Saindo de casa, mochila nas costas, Ana caminhava rápido para o curso de enfermagem. A rua parecia mais viva, os sons mais altos, cada passo ecoando pelo asfalto. De repente, um carro passou voando, quase a atropelando.

Ela caiu no chão com força, batendo as mãos na poeira. O coração disparado, olhos arregalados. Maluco… quase morri aqui, pensou. Levantou-se rápido, sacudindo a poeira, respirando fundo:

— Caraca… maluco… que susto.

Continuou seu caminho, ainda tremendo por dentro, mas firme. Sabia que cada dia no morro era uma mistura de cuidado, respeito e sorte. Cada passo podia ser decisivo. E ela precisava estar preparada.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!