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Mais de Um Marido

Capítulo 1 - A Véspera

O som do meu despertador ecoou como se quisesse me lembrar que amanhã tudo mudaria. Não que minha vida estivesse ruim – longe disso –, mas o Insider Creators Awards era a oportunidade de ouro que qualquer criadora de conteúdo sonharia em ter. Eu, Samile, com meus cabelos ruivos cacheados, pele clara e sardas leves que pareciam dançar ao sol, estava prestes a embarcar numa viagem que podia definir minha carreira. Meu vlog tinha crescido muito nos últimos meses, e cada like, cada comentário, cada compartilhamento parecia empurrar meu nome mais para frente. Eu sorria para mim mesma diante do espelho, ajeitando uma mecha rebelde do meu cabelo, tentando imaginar como seria caminhar pelo tapete vermelho.

Antes de me perder totalmente nos pensamentos sobre prêmios e flashes de câmeras, meu celular vibrou, interrompendo minha contemplação. Era ela, minha melhor amiga, sempre impulsiva, sempre pronta para me arrastar para qualquer confusão. Atendi com um suspiro:

— E aí, ruiva, vai me largar sozinha na balada amanhã ou vai me acompanhar? — sua voz vinha carregada daquele riso fácil e vulgar que me fazia rir e suspirar ao mesmo tempo.

— Não vou, Lari — respondi, tentando soar firme. — Amanhã tenho que acordar cedo para pegar o voo, e você sabe muito bem como você é… sempre um copo, e quando pisca, já bebeu meia garrafa e esqueceu tudo no dia seguinte.

Ela gargalhou, lembrando de alguma noite louca que tivemos — provavelmente cheia de drinks derramados e risadas que ecoaram madrugada adentro.

— Verdade… aquela noite foi insana — ela admitiu, ainda rindo. — Mas tudo bem, eu entendi. Se está assim tão preparara pra amanhã, é melhor não perder o horário, quero te ver no aeroporto bem cedinho, hein?

— Pode deixar — eu disse, tentando esconder a ponta de desconfiança que apertava meu peito. Desliguei a chamada, mas aquele riso dela ainda ressoava na minha mente. Lari sempre teve a capacidade de me tirar do eixo, mesmo quando eu tentava manter tudo sob controle.

Mas ainda acabei largando o celular sorrindo, sentindo um calor de carinho que sempre me confortava. Digitar aquelas palavras me fez lembrar que, apesar da vida corrida e das noites de ansiedade, e pelo fato de não ter pais ou família, eu não estava sozinha.

Suspirei, virando-me para encarar a mala aberta no chão do quarto. Cada item já havia passado por minha análise mental várias vezes: roupas, cabides, produtos de higiene, carregadores, meu notebook, câmeras, lentes. Tudo precisava estar impecável, perfeito. Era o meu ritual de controle, meu jeito de reduzir a ansiedade. Coloquei a última blusa cuidadosamente, ajeitando cada dobra com precisão quase obsessiva, antes de fechar a mala com um estalo satisfeito.

O banho quente que tomei depois parecia relaxar meus músculos, mas não minha mente. A viagem, os preparativos, o medo de esquecer algo importante… tudo isso se misturava, deixando meu corpo alerta e minha cabeça girando. E então, uma decisão veio natural, quase instintiva. Um ritual privado, que sempre me ajudava a liberar a tensão que a vida insistia em colocar sobre mim. Fechei os olhos, deixando as mãos explorarem cada curva do meu corpo, sentindo a pele sensível, o calor que subia lentamente.

Foi um momento só meu, íntimo, de total entrega aos sentidos. Meu corpo respondeu como sempre respondia, cada toque uma onda de alívio e prazer, meu coração acelerando em sincronia com cada suspiro contido. Era a forma que eu encontrava para sentir-me inteira, para acalmar o estresse que se acumulava nos ombros e na mente. O calor que percorreu minha espinha me deixou leve, quase flutuante, permitindo-me finalmente soltar a rigidez do dia.

Quando saí do banho, envolta na toalha, ainda sentia a pele sensível, os braços um pouco dormentes de prazer e relaxamento. Vesti meu conjunto mais confortável: uma calcinha de algodão macio e um top simples, sem bojo, que deixava meu corpo respirar. Deitei na cama, sentindo o tecido roçando suavemente contra minhas nádegas, o colchão acolhendo cada curva do meu corpo, os lençóis macios deslizando sob minha pele. Cada respiração parecia uma onda que embalava meu corpo, cada movimento, mesmo mínimo, era um lembrete de que eu podia me entregar à própria intimidade sem culpa.

Olhei para o teto, deixando a mente vaguear pelos pensamentos da viagem, dos flashes, dos risos e das possíveis conquistas. Mas havia também o desejo de relaxar, de deixar a tensão ir embora, de me sentir segura no meu espaço, no meu corpo, comigo mesma. O calor nos meus seios e o contato do tecido no meu corpo me fazia sentir viva, poderosa e vulnerável ao mesmo tempo.

Fechei os olhos e me deixei afundar lentamente no sono, sabendo que, ao despertar, uma nova aventura me aguardava. Uma que me faria atravessar céus e nuvens, sentir a excitação de desconhecido e esperado, e enfrentar o mundo com meu cabelo ruivo ao vento e meu sorriso confiante. Mas naquela noite, naquele momento, eu só era eu. Samile. Sozinha, íntima e inteira, deixando-me embalar por uma sensualidade tranquila e segura, antes de mergulhar no descanso que precisava para encarar o amanhã.

...***...

A luz atravessava as frestas da cortina quando abri os olhos, e por um segundo achei que estava apenas num sonho preguiçoso de domingo. Mas o relógio piscava impiedoso na cabeceira da cama: eu estava atrasada.

O coração disparou, e senti o corpo inteiro pular da cama num reflexo automático. As sensações da noite anterior ainda ecoavam, o corpo leve, a pele suave contra o tecido, mas não havia tempo para me demorar em lembranças. Eu tinha um voo para pegar.

Levantei apressada, os pés descalços encontrando o chão frio. Corri para o banheiro e lavei o rosto, deixando a água gelada despertar meus sentidos. O espelho me devolveu a imagem descabelada, com olhos verdes esmeralda meio sonolentos, mas ainda brilhantes de expectativa. Respirei fundo, abrindo a nécessaire sobre a pia.

Primeiro, o protetor solar — espalhei com cuidado, sentindo o creme fresco deslizar pela pele. Depois, um blush rosado nas maçãs do rosto, dando aquele ar de saúde e frescor que eu sabia que as câmeras adoravam. Meus lábios carnudos receberam um batom rosa cereja, macio, cremoso, que destacava cada curva deles. Passei a língua levemente sobre o lábio inferior, sentindo o sabor adocicado da tinta, como se já fosse um beijo antes mesmo de acontecer.

O toque final foi a máscara de cílios. Com cada aplicação, meus cílios se alongavam, fazendo meus olhos verdes ganharem mais profundidade. Inclinei o rosto de leve diante do espelho, me observando com aquele prazer secreto de quem sabe que está pronta para encarar o mundo. E, no fundo, também para ser encarada.

Arrastei a alça da mala pelo apartamento até a porta. Girei a chave duas vezes, sentindo o clique metálico confirmar que tudo estava seguro. Uma última olhada para trás — o espaço vazio, cheiroso de lavanda e silêncio, aguardando meu retorno.

Peguei o celular, confirmei a notificação: o Uber estava a caminho.

Na rua, o ar da manhã estava carregado, pesado. As nuvens cinzentas cobriam o céu como um manto espesso, e por um instante me senti menor diante daquela imensidão nublada. O carro estacionou à minha frente e entrei rapidamente, ajeitando a mala no banco de trás.

A viagem até o aeroporto foi silenciosa. O motorista apenas acenou, e eu fiquei perdida em pensamentos: prêmios, discursos, encontros, oportunidades… meu coração batia no mesmo ritmo da paisagem que passava depressa pela janela.

Mas, enquanto puxava minha câmera pra tirar umanfoto pra postar nos store enquanto chegava à entrada do aeroporto, um detalhe me arrancou desse transe.

Um homem, com roupas gastas e olhar vazio, segurava uma placa de papelão. As letras tortas diziam:

“O fim dos tempos é o início da nova era.”

Pessoas passavam rápido, desviando os olhos, algumas até fazendo o sinal da cruz como se aquilo fosse um mau presságio. E, de fato, parecia. Um arrepio percorreu minha espinha quando percebi que o mendigo estava me encarando. Seu olhar não era de pedido, mas de aviso. Como se soubesse algo que eu não sabia.

Apertei a alça da mala com força, tentando afastar a sensação estranha. Balancei a cabeça, decidindo que aquilo não passava de loucura. Não podia deixar um olhar perdido arruinar o brilho do dia mais importante da minha carreira.

Respirei fundo, bati minha foto apesar da iluminação na estar a meu favor e entrei no saguão e me aliviei ao ver o painel eletrônico: ainda estava em tempo. O embarque era em breve, mas não havia perdido nada. Soltei o ar lentamente, deixando o coração acalmar.

Sentei-me em uma das poltronas do portão de embarque, ajeitando a saia jeans que usava e passando os dedos distraídos sobre o batom, verificando se continuava intacto. Meu corpo estava alerta, ainda tomado pela sensação de que algo pairava no ar.

Um toque suave no meu ombro me fez quase saltar da cadeira.

— Adivinha quem chegou, porra? — a voz conhecida me arrancou um riso nervoso.

Virei o rosto e lá estava ela: Lari. A mesma de ontem, a mesma de sempre, com aquele sorriso atrevido que parecia esconder todas as histórias que o mundo não deveria ouvir.

— Você quase me mata do coração, Lari — resmunguei, mas já rindo. — Achei que fosse me deixar na mão.

— E olha quem chegou no último minuto.

Ela riu alto, sentando-se ao meu lado e cruzando as pernas com descuido.

— Imagina se eu ia perder a chance de viajar com você? Nem fodendo. Além disso, menina, o café daqui é um escândalo. E não é nem pelo café, viu? É pelo garçom. Puta que pariu, que homem! — ela revirou os olhos dramaticamente, como se só de lembrar já fosse um orgasmo. — Ele tem uns braços que dá vontade de me pendurar neles, e uma boca… ai, a boca…

Cobri o rosto com a mão, rindo e balançando a cabeça.

— Lari, pelo amor de Deus. Você não muda nunca.

— E nem quero mudar, bebê — ela piscou, maliciosa. — Já peguei o contato dele, ó! — exibiu o celular, onde um número recém-salvo brilhava na tela. — Vou te falar… eu tô com uma vontade de pular na boca daquele homem que você não tá entendendo.

Revirei os olhos e soltei uma risada.

— Você está praticamente montando um harém com todos os contatos bonitos que coleciona no seu celular.

Ela deu um tapa leve no meu braço, fingindo indignação.

— Harém nada, é só minha lista de prioridade. Nunca se sabe quando vou precisar de… companhia.

Olhei para ela, ainda rindo, mas ao mesmo tempo admirando sua ousadia. Lari tinha uma forma de viver que me desconcertava e, no fundo, me fascinava. Onde eu era organizada, ela era caos. Onde eu buscava controle, ela mergulhava em desejos.

Enquanto ela falava sobre o garçom, eu me pegava observando seus lábios pintados de vermelho, seu jeito desinibido de cruzar as pernas e jogar os cabelos para trás. Era impossível não perceber o magnetismo que ela carregava.

O tempo passou rápido entre nossas conversas e risos abafados. Mas, lá no fundo, aquela sensação estranha ainda me acompanhava. A lembrança dos olhos do mendigo queimava em algum canto da minha mente, como uma fagulha prestes a se transformar em incêndio.

Ainda assim, deixei-me levar pela companhia de Lari, pelo som da sua risada e pelo perfume forte que ela sempre usava — doce, quase inebriante.

O embarque foi anunciado, e nos levantamos juntas. O coração voltou a acelerar, não apenas pela ansiedade da viagem, mas por algo que eu ainda não conseguia nomear. Algo que estava para acontecer.

E, enquanto puxava minha mala em direção à fila, senti os olhos de Lari em mim, avaliando, talvez orgulhosa, talvez cúmplice. E naquele instante percebi: o destino que me aguardava não era apenas o prêmio, as luzes ou o tapete vermelho. Era algo maior. Algo que começava ali, naquele aeroporto, sob o céu cinzento e os olhos de um desconhecido que anunciava o fim de uma era.

Mas, por ora, tudo o que fiz foi sorrir para Lari, ajeitar o batom rosa cereja nos lábios carnudos e seguir em frente.

O primeiro capítulo da minha nova vida estava apenas começando.

...***...

Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.

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Capítulo 2 — A Viagem

O portão de embarque foi aberto, e uma corrente de pessoas começou a se levantar, arrastando malas, mochilas, sonhos e cansaços madrugada adentro. Lari segurou minha mão com força e me puxou para frente, o rosto dela iluminado como se fosse criança prestes a entrar em um parque de diversões.

— Bora, ruiva, é agora! — ela exclamou, e quando passamos pela porta que levava ao corredor metálico até o avião, ergueu a mão para o alto.

Eu não resisti; ergui a minha também, e nossas palmas se encontraram no ar, com um estalo que ecoou como um pacto. Rimos alto, sem vergonha, ignorando os olhares discretos de quem nos achava entusiasmadas demais. Mas aquele momento era só nosso: o início de uma aventura.

O cheiro metálico do corredor, misturado ao de combustível e limpeza, grudava na garganta, e cada passo nos aproximava da promessa de céu aberto. Ou quase aberto, já que a manhã cinzenta pesava sobre tudo, como um cobertor de chumbo. Ainda assim, meu coração batia forte, e a vibração do avião à nossa frente era como o prenúncio de algo maior.

Entramos, acomodando-nos em nossas poltronas lado a lado. O estofado azul-escuro tinha um cheiro de tecido gasto, misturado ao ar-condicionado gelado que batia diretamente no rosto. Lari jogou a bolsa no colo e já começou a mexer no celular, rindo sozinha de alguma notificação.

— Tá feliz, né? — perguntei, ajeitando o cinto de segurança e passando a mão pelos meus cabelos ruivos, que insistiam em cair sobre o rosto.

Ela virou-se para mim, os olhos brilhando de malícia.

— Feliz é pouco. Eu tô é excitada! — disse sem pudor. — Sam, você tem noção que eu vou turistar, mas não é em pontos turísticos… é nos homens desses pontos. É como eu sempre digo: a melhor paisagem é a de um cara bonito sem camisa.

Rolei os olhos, mas sorri.

— Você é impossível, Lari.

Ela ignorou minha censura com um gesto de mão, continuando sua linha de raciocínio.

— E pensa bem… a gente ainda tá no mesmo país, mas olha a viagem: sair do Pará pra São Paulo, de avião… já é outra capital, outro sotaque, outro estilo. É tipo namorar um estrangeiro sem nem precisar de passaporte.

Abri a boca para responder, mas fechei de novo. Não havia argumento que alcançasse a lógica torta de Lari. Dei uma risada baixa e apenas balancei a cabeça, deixando-a saborear a própria ideia absurda.

— Sem palavras — murmurei, rindo comigo mesma.

Ela se inclinou para o lado, encostando o ombro no meu, como quem queria arrancar ainda mais confissões de mim.

— Mas e você, hein? Tá com a cabeça só no prêmio ou sonhou alguma coisa quente ontem?

Mordi o lábio, sentindo as lembranças da noite anterior atravessarem minha pele como uma corrente elétrica. Eu não poderia contar sobre minha forma íntima de me acalmar antes de dormir. Mas havia algo que não me saía da cabeça.

— Sonhei, sim… — admiti, a voz mais baixa. — Mas não foi nada… quente. Foi diferente.

Ela arqueou a sobrancelha, curiosa.

— Diferente como?

Suspirei, deixando o olhar escapar pela janelinha do avião ainda coberta de névoa.

— Sonhei que estava casada. E tinha filhos. Muitos filhos. Era uma casa cheia, sabe? Com risadas, barulho, correria… — minha voz embargou um pouco, e percebi que falava mais para mim do que para ela. — Acho que no fundo é o que eu quero. Construir uma família grande. Eu sempre quis… já que nunca tive uma de verdade.

Lari ficou em silêncio por alguns segundos, observando-me com uma expressão menos zombeteira do que o normal. Mas não demorou muito para soltar sua gargalhada escandalosa.

— Até nos sonhos o teu subconsciente tá gritando: “Samile, arruma logo um macho, senão você vai acabar virando uma velha de 60 anos solteirona que ninguém mais quer”! — ela falou entre risos, batendo a mão na minha coxa.

Ri junto, embora uma pontada estranha tenha cutucado meu peito. Talvez houvesse verdade no exagero dela.

O avião começou a se mover pela pista, e a voz do comandante ecoou pelo sistema de som, dando as boas-vindas e informando a duração do voo. Lari já cochichava sobre os comissários de bordo, apontando com o queixo para um deles, jovem, de cabelos escuros e sorriso discreto.

— Olha aquele ali… se ele me chamar de “senhora” eu respondo “me chama de sua e já era”.

Eu quase engasguei com a água que bebia, rindo e tentando não atrair atenção dos passageiros ao redor.

As turbinas rugiram, o corpo inteiro pressionado contra a poltrona no momento da decolagem. Senti o estômago revirar com a subida, as orelhas estalando, o mundo lá fora ficando cada vez menor, as casas encolhendo até se tornarem manchas invisíveis.

Encostei a cabeça no assento, deixando o coração acompanhar o ritmo da altitude. O céu pela janela, no entanto, não trazia o azul cristalino que eu esperava. Cinzento, pesado, agora mais próximo, como se as nuvens quisessem engolir o avião.

Gotas de chuva começaram a riscar a janelinha, deslizando rápidas, como lágrimas apressadas.

Engoli em seco.

— Será que é seguro voar com chuva? — murmurei, mais para mim do que para Lari.

Ela deu de ombros, distraída demais tentando flertar com o comissário que passava.

Fiquei em silêncio, tentando racionalizar. O piloto sabia o que estava fazendo. Eles tinham experiência, treinamento, protocolos. Claro que sabiam. Respirei fundo, apoiando a mão na almofada de pescoço.

Mas, ainda assim, um arrepio desceu pela minha espinha. O mesmo que eu havia sentido no aeroporto, sob o olhar do mendigo e sua placa estranha.

Fechei os olhos, tentando afastar a lembrança. Concentrei-me nos sons do avião, no leve roçar do tecido contra minha pele, no batom que ainda grudava doce nos meus lábios. O frio do ar-condicionado fazia meus seios intumescidos se roçarem contra o top sob a blusa, e a sensação, quase imperceptível, trouxe-me de volta ao corpo.

Respirei fundo mais uma vez, permitindo-me relaxar. Era apenas o início. Uma viagem. Um voo como qualquer outro.

Ou pelo menos… eu queria acreditar nisso.

Tudo começou quando a conversa com Lari, a qual ela estava a todo momento puxando conversa, já tinha se transformado em gargalhadas abafadas quando o primeiro solavanco veio. Pequeno, quase imperceptível. Como se o avião tivesse tropeçado no ar.

Olhei pela janela. As nuvens eram densas, cinzentas, algumas mais escuras, quase negras. Antes que pudesse racionalizar, outro impacto, mais forte, fez meu corpo saltar alguns centímetros da poltrona. O cinto me puxou de volta com força, pressionando meu peito.

— Que porra é essa? — ouvi Lari resmungar, ajeitando-se na cadeira.

Um novo tranco. O avião balançou de um lado para o outro como um brinquedo desajeitado. Malas começaram a tremer nos compartimentos de bagagem, as portas superiores rangendo. O ar-condicionado soprava mais gelado, e meu estômago girava como se eu estivesse em uma montanha-russa prestes a despencar.

— O que está acontecendo? — perguntei em voz baixa, mas o som morreu na garganta quando um barulho metálico ecoou.

As portas dos compartimentos se abriram. Malas pesadas despencaram, caindo sobre os passageiros. Gritos explodiram ao meu redor. A sensação de peso nos puxava para baixo. A cada segundo, parecia que o avião perdia altitude.

E então, máscaras de oxigênio caíram das cabines, balançando diante de nós como cordões pendurados do destino.

Meu coração disparou. A respiração ficou curta, apressada. Pressionei a máscara contra meu rosto, mas minhas mãos tremiam tanto que quase não consegui prender o elástico atrás da cabeça.

Ao meu lado, Lari xingava alto, os olhos arregalados.

— Ei! — ela gritou para um comissário de bordo que tentava acalmar os passageiros alguns bancos à frente. — O que tá acontecendo?

Ele não respondeu. Não podia. O sorriso treinado tinha desaparecido, e a seriedade em seu rosto me dizia mais do que qualquer palavra. Ele também estava com medo.

As luzes do avião piscavam. O chão tremia. Uma mulher à frente chorava alto, repetindo uma oração entre soluços. Uma criança gritava pelo pai. O som coletivo era ensurdecedor.

Meu peito subia e descia rápido, e percebi que estava gritando também, mas não conseguia ouvir minha própria voz. O barulho era tanto — choros, súplicas, o motor rugindo, o ar atravessando o metal do avião — que meu grito era apenas mais um na massa desesperada.

Segurei a mão de Lari com força. Ela apertou de volta, nossos dedos entrelaçados num laço desesperado. Senti o calor da pele dela contra a minha, a única âncora em meio ao caos.

Meus pensamentos disparavam em todas as direções. Minha carreira, meu sonho de filhos, a infância sem pais, a solidão que nunca admiti em voz alta. O medo de nunca ter tido tempo. Medo de nunca ter vivido o suficiente.

— Eu não quero morrer! — Lari gritou, e pude ver o desespero cru nos olhos dela, tão diferentes da mulher ousada e vulgar que sempre se jogava na vida sem medo.

Eu queria responder, dizer algo, mas as palavras se dissolveram em lágrimas. Meu corpo inteiro vibrava com a queda. Era como se estivéssemos despencando por um abismo invisível.

O avião inclinou-se bruscamente para baixo. A gravidade me empurrou contra o assento, um peso esmagador no peito. Minhas mãos tremiam, meus seios comprimidos pelo cinto pareciam arder sob a pressão, e meu corpo, tão sensível e quente horas antes, agora era apenas medo, suor e tremor.

Tentei respirar, mas o ar parecia escapar. O cheiro do pânico — suor, lágrimas, o odor metálico do avião — invadiu minhas narinas.

Minha mente gritava: não pode acabar assim, não agora, não desse jeito.

Mais um impacto. Tudo tremeu. A escuridão da janela parecia engolir o avião.

A última coisa que senti foi a mão de Lari apertando a minha, nossos dedos unidos com força bruta, como se pudéssemos nos segurar uma à outra contra a própria morte.

E então, silêncio.

O som desapareceu como se alguém tivesse desligado o mundo.

Tudo ficou negro.

...***...

Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.

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Capítulo 3 — Entre Grades e Sombras

Acordei com o som do meu próprio coração. Ele pulsava lento, pesado, como se não tivesse força para bombear o sangue.

A primeira coisa que percebi foi a umidade. A parede atrás das minhas costas parecia suar, e um frio estranho escorria pela pele, me arrepiando até a espinha. O ar era denso, carregado, e havia um cheiro agridoce de mofo misturado a algo mais ácido, quase insuportável.

Demorei a abrir os olhos, não porque estivesse com preguiça, mas porque parecia que minhas pálpebras pesavam toneladas. Quando enfim consegui, tudo o que vi foi escuridão. Uma escuridão tão espessa que parecia sólida, como se pudesse ser tocada com as mãos.

Tentei me mover. Um som metálico ecoou baixo, arrastado. Som de correntes.

Meu pulso estava preso.

Levei alguns segundos para entender. Toquei o chão frio com a outra mão — não havia carpete, nem madeira, apenas cimento áspero. Um arrepio percorreu minha pele quando os nós dos meus dedos roçaram aquela superfície gelada.

“Lari…” pensei de imediato. A lembrança veio como uma punhalada no peito.

Tateei o espaço ao meu redor, os dedos abertos como quem busca uma mão invisível no escuro. Não encontrei nada além de vazio. O coração disparou.

— Lari? — sussurrei. A minha voz saiu arranhada, quase um gemido. Minha garganta queimava como se tivesse engolido cacos de vidro.

Ninguém respondeu.

Foi então que, como um estalo, a memória veio inteira.

O avião.

A turbulência.

Os gritos.

As máscaras caindo.

A queda.

O silêncio.

O breu.

Eu devia estar morta. Esse pensamento se repetiu como um eco dentro da minha mente. Mas… se estivesse morta, por que sentia tanta fome? Por que a sede me corroía como fogo dentro da boca? Por que meu corpo pesava como chumbo, mas ainda obedecia a alguns movimentos?

Algo estava errado. Muito errado.

Engoli em seco, mas não havia saliva. Minha boca estava tão seca que até a língua parecia de papel. Passei a mão livre pelo chão até bater em algo metálico. Toquei. Era uma lata, pequena, mas o odor que saía dela era nauseante, ácido, repugnante. Quase vomitei, mesmo sem ter nada no estômago.

Um balde.

De necessidades.

A ideia me deu nojo. Quem teria me colocado ali?

Arrastei o corpo, mesmo com a fraqueza, até alcançar o que parecia ser uma parede. Deslizei a palma pela superfície fria, tentando entender os limites do espaço. Era pequeno, sufocante, como se fosse um depósito, uma cela improvisada. Minhas mãos tremeram quando encontrei a maçaneta de uma porta. Girei. Nada. Trancada.

O desespero começou a ferver nas minhas veias.

— Ei! — tentei gritar, mas minha voz falhou. Doeu. Minha garganta queimava tanto que não consegui mais que um sussurro rouco. — Por favor… água…

Bati contra a porta com os punhos fracos. O barulho ecoou, mas não houve resposta. Bati de novo, mais forte, até os nós dos meus dedos doerem. No fim, minhas mãos escorregaram para baixo e fiquei de joelhos diante da porta.

— Por favor… — minha voz era um fio. — Eu não fiz nada de errado. Por que… por que estou aqui? Eu sou uma boa pessoa… não mereço…

As lágrimas não saíam. Nem forças para chorar eu tinha. A fraqueza era tanta que minha cabeça encostou na madeira da porta, e eu apenas fiquei ali, implorando como uma criança perdida.

Solidão. Um vazio tão profundo que parecia abrir um buraco dentro de mim. Eu pensava em Lari. Onde ela estava? Estaria em outro quarto, também acorrentada, também suplicando? Ou teria morrido na queda e eu era a única sobrevivente? A ideia de nunca mais ouvir a risada debochada dela me fez tremer ainda mais.

A ansiedade cresceu, engolindo tudo. Minha mente girava em círculos: quanto tempo vou ficar aqui? Quem me trouxe? O que querem comigo? Eu não tinha respostas, apenas perguntas que me sufocavam.

De repente, uma onda de raiva subiu. Não era só medo, não era só desespero. Era revolta.

Uma energia crua, como adrenalina, invadiu meu corpo. Gritei com a força que restava:

— ABRAM ESSA PORRA DE PORTA!

E comecei a socar. Cada batida fazia minhas correntes tilintarem. O som ecoava pela sala, mas ninguém vinha. Continuei até meus braços ficarem pesados como chumbo, até a raiva virar apenas cansaço. No fim, desabei no chão, ofegante, o rosto colado ao cimento frio.

Foi nesse limbo de exaustão que as alucinações começaram.

No escuro, meus olhos começaram a ver imagens que não existiam. Primeiro pequenos brilhos, como flashes de câmeras. Depois, uma luz dourada, intensa. Quando pisquei, não estava mais naquele quarto. Estava em um palco.

Um tapete vermelho sob meus pés.

Fotógrafos gritavam meu nome, câmeras disparavam flashes, e eu segurava um prêmio reluzente em mãos. O troféu de “melhor criadora de conteúdo”. O vestido justo realçava minhas curvas, e meus lábios pintados de vermelho abriam um sorriso. Todos me aplaudiam. Todos me queriam. Eu era adorada, idolatrada, intocável.

Fechei os olhos, embriagada pela cena. Quando abri, estava de novo no escuro. No chão frio. Com sede, fome e medo.

Um soluço seco escapou da minha garganta.

Talvez eu já tivesse morrido. Talvez aquilo fosse o inferno. Um quarto úmido, um balde fedido, correntes e uma sede que jamais seria saciada. Talvez fosse isso que restava para mim: a lembrança de quem eu sonhava ser, contrastando com a realidade cruel de onde eu estava.

A solidão me abraçava como uma amante cruel. Eu não sabia quanto tempo tinha se passado desde que acordei. Horas? Dias? Não havia luz, não havia tempo. Apenas eu, minha respiração fraca, e a certeza de que algo pior estava por vir.

Deitada no chão, tremendo, minhas últimas palavras antes de apagar foram um sussurro:

— Lari… me encontra, por favor…

E então, novamente, a escuridão.

Eu não sei há quanto tempo fiquei desacordada depois de perder a consciência naquele cubículo. Quando abri os olhos outra vez, não havia mais a mesma escuridão sufocante. Eu estava… em outro lugar.

Meus pulmões ardiam como se o ar ali fosse diferente. Ainda úmido, ainda pesado, mas não tão insuportável como antes. O chão sob mim já não era de cimento frio, era áspero, de madeira maltratada. Eu toquei, tentando me certificar de que não estava delirando, e senti lascas que se enfiavam nas pontas dos dedos, afiadas, quase dolorosas, mas reais.

Mas como? Eu não me lembrava de ninguém ter aberto a porta. Não escutei correntes sendo arrastadas, nem passos. Uma parte de mim gritava que talvez eu estivesse sonhando. Outra, mais desesperada, dizia que eu já tinha morrido e isso era apenas o limbo me pregando peças.

Olhei ao redor. Um clarão pálido vinha de algum ponto distante, como se uma janela estivesse coberta por cortinas imundas. Não iluminava muito, apenas o suficiente para mostrar que as paredes agora tinham rachaduras que lembravam veias abertas, e que uma umidade escorria por elas em gotas lentas.

Minha respiração ecoava. O silêncio me deixava com a impressão de que eu era a única alma viva no universo.

— Lari? — Minha voz saiu quase sem som, rouca, quebrada.

O nome da minha amiga se desfez no ar sem resposta. A garganta queimava de sede, e o vazio dentro do meu estômago doía tanto que parecia que minhas costelas estavam se contraindo contra meus próprios órgãos.

Eu me levantei com esforço, apoiando-me na parede. Minhas pernas tremiam, frágeis, como se não fossem minhas. O corpo parecia não acompanhar o peso da mente. Mesmo assim, forcei um passo, depois outro.

Andava em círculos, tentando entender: onde estava? Quem me trouxe aqui? Por que não sentia nenhuma dor física, nenhum corte, nenhum hematoma depois da queda do avião? Era impossível sobreviver sem sequelas. A lógica gritava que algo não se encaixava.

Talvez eu estivesse morta.

Talvez estivesse presa em algum tipo de sonho.

Talvez alguém tivesse me resgatado e decidido brincar com meu medo.

As hipóteses se multiplicavam, mas todas me davam o mesmo arrepio na espinha.

Me aproximei do clarão que vinha da janela. Estiquei a mão, empurrando o pano que cobria o vidro. Mas quando meus dedos tocaram, percebi que não era pano. Era couro… pele? Retirei a mão rapidamente, com repulsa, e um cheiro ácido, rançoso, preencheu minhas narinas. O coração disparou.

Recuo, tropeço em algo duro no chão. Caio de joelhos. Toco para sentir o que era. Uma corrente, grossa, fria, enferrujada. Uma argola no fim dela. Estava solta.

Eu não entendia nada. Primeiro acorrentada em um quarto minúsculo, depois liberta em uma sala úmida, com correntes soltas como se fosse um lembrete do que eu era agora: um objeto, uma coisa para alguém.

Meus pensamentos me esmagavam.

— O que querem de mim? — sussurrei, a voz trêmula.

Ninguém respondeu.

Caminhei até a porta. Diferente da anterior, essa tinha frestas que deixavam passar um pouco de luz de fora. Encostei o ouvido. Silêncio absoluto. Então bati com a palma, fraca. Nada.

Bati outra vez, mais forte, e gritei, mesmo com a garganta queimando:

— SOCORRO! Alguém! Por favor, eu não fiz nada!

A resposta foi apenas o eco da minha própria voz devolvido, torturante.

Senti uma fúria nascer em mim, uma onda quente, adrenalina correndo. Meus punhos se fecharam e comecei a esmurrar a porta. Cada pancada era acompanhada de um soluço, de lágrimas que eu já não tinha mais forças para segurar.

— ME TIREM DAQUI! EU NÃO SOU RUIM! EU SOU UMA BOA PESSOA!

O impacto reverberava nos meus ossos frágeis, até que perdi a força e desabei no chão, exausta. Como antes. Minhas unhas arranharam a madeira até sangrar, mas a dor quase era um alívio — pelo menos me lembrava de que ainda estava viva.

Caí de lado, abraçando o próprio corpo. Tremia. Sentia frio e calor ao mesmo tempo. Minha pele se arrepiava, não só pelo ambiente, mas pelo desespero. O suor deslizava pelas costas, colando meu casaco fino ao corpo, e isso me fazia sentir exposta, vulnerável, como se alguém estivesse me observando dali das sombras.

Meus olhos pesaram. Não sabia se estava dormindo ou apenas desmaiando de fome.

E então, vieram as imagens.

Eu estava naquele palco novamente, num vestido brilhante envolvendo cada curva minha como uma segunda pele. Holofotes me cegavam, mas eu sorria. Na plateia, fotógrafos gritavam meu nome, as câmeras disparavam sem parar. Eu ainda segurava o prêmio de Melhor Criadora de Conteúdo e erguia acima da cabeça.

O coração pulsava de alegria, eu sorriam, feliz. E a cada flash, eu sentia como se estivesse viva de novo, respirando liberdade.

Mas quando olhei melhor para a plateia… não havia rostos. Eram apenas sombras, silhuetas imóveis, sem olhos, sem boca. Fotografavam-me mesmo assim, sem câmeras, apenas estalos secos ecoando no vazio.

Gelei.

O sonho desmoronou, e abri os olhos de volta ao quarto. Sozinha. Tremendo.

Engoli em seco. O gosto metálico de sangue da minha própria boca rachada me fez perceber: aquilo não era um sonho qualquer. Era minha mente tentando me salvar, criando ilusões para não enlouquecer.

Mas e se eu já tivesse enlouquecido?

Deitei de barriga para cima, olhando para o teto mofado. Cada mancha parecia ganhar forma. Algumas lembravam olhos, outras bocas abertas. Eu piscava e elas se moviam, sorrindo de forma grotesca.

— Estou morta… — pensei. — Isso é o meu inferno.

Meu peito subia e descia rápido, uma ansiedade que me engolia. O medo constante do que viria a seguir me esmagava mais do que a fome, mais do que a sede. Era o desconhecido que me destruía.

E nesse silêncio sufocante, nesse espaço sem tempo, uma coisa ficou clara: eu já não era a mesma Samile que embarcara no avião empolgada para um prêmio. Aquela garota se perdeu no céu cinzento, quando as turbinas gritaram e o mundo desabou.

O que restava de mim agora era apenas uma sombra de carne, esperando para descobrir se ainda tinha futuro… ou se estava condenada a apodrecer ali, sozinha.

...***...

Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.

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