NovelToon NovelToon

A Geração Perdida – O Crepúsculo da Humanidade

Capítulo 1 – O Cavaleiro Branco

O mundo parecia cansado de guerras, crises e divisões. Os noticiários, dia após dia, mostravam imagens de cidades devastadas pela violência, economias em colapso, protestos em massa. Multidões tomavam as ruas pedindo mudança, mas nenhuma liderança parecia capaz de oferecer mais do que promessas ocas. Era como se a humanidade estivesse à beira de um abismo, aguardando apenas o empurrão final.

Foi nesse vazio de esperança que ele surgiu. Ninguém sabia ao certo de onde vinha, nem como ascendeu tão rapidamente. Alguns diziam que fora um diplomata carismático, outros juravam que era um general de guerra reformado, enquanto muitos acreditavam que simplesmente nascera para governar. Seu nome ecoava nas praças e nos noticiários: Adrian Solari, o homem que prometia paz.

Com seus cabelos negros penteados com precisão, olhos claros que pareciam penetrar na alma e uma voz firme, mas calma, ele transmitia confiança. Vestia-se sempre de branco, em ternos impecáveis que refletiam sua imagem de pureza e integridade. Para os cansados, ele era o líder perfeito. Para os ambiciosos, era a chance de um novo império.

Adrian percorreu o mundo em poucos meses, falando em assembleias, estádios lotados, transmissões televisivas que alcançavam bilhões. Sua mensagem era simples, mas poderosa: “Somos uma só humanidade. Sem fronteiras, sem guerras, sem divisões. Chegou a hora da união.” Cada palavra era recebida com aplausos e lágrimas. As pessoas acreditavam que, finalmente, a paz estava ao alcance das mãos.

Em um de seus maiores discursos, diante da recém-formada Aliança Global, uma multidão de duzentas mil pessoas lotava uma praça monumental na antiga cidade de Roma. O ar estava carregado de emoção. Bandeiras tremulavam, e famílias inteiras erguiam cartazes com frases como “Adrian é a esperança” e “Um só povo, uma só voz”.

— Durante séculos, fomos separados por religião, política, etnia — disse Adrian, erguendo os braços para o público. — Essas muralhas nos fizeram inimigos quando deveríamos ser irmãos. Mas hoje, aqui, diante de vocês, declaro que as guerras acabaram. Juntos, iniciaremos uma era de paz eterna.

O rugido da multidão fez tremer o chão. Homens e mulheres choravam de emoção, como se presenciassem o nascimento de uma nova era. Câmeras transmitiam ao vivo para todos os cantos do planeta, e nos lares mais distantes, famílias se abraçavam acreditando que, finalmente, a humanidade seria curada de suas feridas.

No entanto, por trás do brilho de sua retórica, havia algo mais sombrio. Seus olhos, apesar de luminosos, escondiam uma frieza inquietante. Quando sorria, nem sempre o brilho alcançava o olhar. Poucos percebiam, mas havia um cálculo por trás de cada gesto, de cada palavra cuidadosamente escolhida.

Naquela noite, depois do discurso em Roma, Adrian reuniu-se com seus conselheiros em um salão luxuoso. A sala era adornada por mármores brancos e dourados, símbolos de pureza e poder. Entre taças de vinho e pratos refinados, discutiam estratégias de expansão.

— O povo está rendido — disse Markus, um de seus generais de confiança. — Nenhum líder mundial tem a sua popularidade. Até mesmo os inimigos jurados apertam sua mão diante das câmeras.

Adrian ergueu o cálice, com um sorriso contido.

— A paz é a arma mais eficiente já criada. Eles não veem correntes, apenas abraços. Não percebem que estão entregando tudo voluntariamente: suas liberdades, suas terras, suas almas.

Todos riram discretamente, como cúmplices de um segredo obscuro.

Enquanto isso, nas ruas, a geração perdida celebrava. Jovens enchiam bares e festas, acreditando que podiam agora viver sem medo. Famílias depositavam sua confiança no novo governo global, aceitando sem questionar a centralização do poder. Os mais religiosos, que desconfiavam de Adrian, eram tachados de fanáticos ou retrógrados. Afinal, quem ousaria se opor ao homem que trouxera paz?

Em uma pequena cidade do interior, uma professora chamada Miriam assistia ao discurso pela televisão. Seus alunos falavam de Adrian com brilho nos olhos, repetindo suas frases como mantras. Mas algo no coração de Miriam ardia em alerta. As palavras do líder soavam belas, mas dentro dela havia um desconforto inexplicável.

Naquela noite, enquanto caminhava pelas ruas silenciosas, Miriam viu um grupo de jovens discutindo acaloradamente.

— Agora tudo vai mudar! — disse um deles. — Esse cara é incrível, vai acabar com a fome, vai unir os povos.

— Não sei… — respondeu outro, hesitante. — Parece bom demais pra ser verdade.

O primeiro riu, balançando a cabeça.

— Você está preso ao passado. Esse é o futuro. É só confiar.

Miriam continuou seu caminho, com o coração apertado. A paz que todos celebravam parecia mais frágil do que um castelo de areia à beira do mar.

Na semana seguinte, Adrian foi coroado como “Emissário da Unidade” em uma cerimônia transmitida para todo o mundo. Vestido de branco, montado em um cavalo igualmente branco, atravessou as ruas de Jerusalém, enquanto multidões o aclamavam como salvador. O arco dourado em suas mãos reluzia ao sol, e uma coroa brilhava sobre sua cabeça.

Era a imagem perfeita da profecia: o primeiro cavaleiro do Apocalipse.

Naquele dia, a Terra inteira vibrou em uníssono. Mas os céus silenciaram. E em meio ao júbilo da geração perdida, os anjos observavam em silêncio, pois sabiam que a falsa paz era apenas o prelúdio da destruição.

Capítulo 2 – O Cavaleiro Vermelho

O mundo parecia adormecido em uma euforia perigosa. Adrian Solari era aclamado como salvador, e sua imagem estampava muros, bandeiras e telas gigantes em cidades de todos os continentes. Seus discursos, sempre repletos de promessas, enchiam os corações de esperança. Mas esperança demais, quando cega, pode ser tão letal quanto o desespero.

As primeiras rachaduras começaram a surgir nas semanas seguintes à sua coroação. Na fronteira do Oriente, grupos armados recusavam-se a reconhecer a autoridade da Aliança Global. Povos antigos, com tradições milenares, não aceitavam dobrar-se diante de um homem vestido de branco que falava de unidade. Rebeliões começaram a eclodir.

Adrian, diante das câmeras, falava com serenidade:

— A violência é o último suspiro dos que têm medo de mudar. Nós responderemos não com espadas, mas com abraços.

O mundo aplaudia, encantado. Mas nos bastidores, Adrian convocava seus generais.

— Não podemos permitir que a chama da rebelião se espalhe. Um incêndio começa com uma faísca. Se quiserem a guerra, terão a guerra. — Sua voz era firme, os olhos brilhando com uma fúria contida.

Markus, seu conselheiro militar, inclinou-se sobre o mapa holográfico projetado na mesa.

— Tropas já estão prontas. A ordem é apenas aguardar sua palavra.

Adrian levantou-se, caminhou lentamente até a janela que dava vista para Jerusalém iluminada pela lua.

— Então que assim seja. A paz precisa de sangue para florescer.

No interior da Europa, Miriam assistia com preocupação às notícias. O mesmo líder que pregava união agora enviava exércitos para “conter insurgentes”. Nos noticiários, chamavam de “operações de pacificação”. Mas as imagens transmitidas por celulares eram bem diferentes: vilarejos em chamas, mulheres correndo com crianças no colo, jovens armados enfrentando tanques com pedras.

Os apresentadores sorriam e repetiam a narrativa oficial: “São apenas grupos terroristas. A Aliança Global garante que a paz será preservada.”

Mas Miriam sabia que a verdade estava por trás da cortina de fumaça.

Em sua sala de aula, viu seus alunos discutindo animadamente.

— Eles merecem! — disse um dos garotos. — Quem não quiser se unir, que seja destruído.

— Mas não é contraditório? — perguntou uma menina. — Ele fala de paz, mas manda matar os que não concordam.

O garoto riu, zombando.

— Paz exige sacrifício. Se alguns precisam morrer para o mundo ser feliz, que morram.

Miriam sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A geração perdida já não sabia distinguir justiça de crueldade.

Os conflitos aumentaram. Cidades inteiras se levantaram contra o novo governo global, mas a resposta foi esmagadora. Bombardeios noturnos transformaram ruas em cinzas, enquanto os exércitos de Adrian marchavam de branco, empunhando estandartes com o símbolo da unidade. Era uma guerra travestida de libertação.

No Oriente Médio, uma rebelião feroz começou em uma cidade esquecida pelo mundo. Os moradores, cansados das promessas vazias, recusaram-se a erguer bandeiras brancas. Soldados invadiram casas, arrastaram homens pelas ruas, queimaram mercados. Mulheres gritavam, enquanto os céus eram iluminados por explosões.

Em meio ao caos, uma criança chorava segurando o corpo inerte do pai. Um soldado aproximou-se para arrastá-lo, mas o garoto ergueu os olhos com ódio ardente. Naquele momento, algo mudou. A paz de Adrian não unia corações; estava multiplicando inimigos.

As batalhas se espalharam para a Ásia, África, América do Sul. Em cada canto, surgiam vozes de resistência. Mas quanto mais resistiam, mais sangue corria. O segundo cavaleiro já cavalgava livremente pela Terra, vestido de vermelho, com uma espada em mãos, arrancando a paz de sobre os povos.

Nos noticiários, a narrativa permanecia: “Grupos terroristas foram neutralizados. A ordem foi restaurada.” Mas as redes subterrâneas mostravam outra realidade: cadáveres empilhados em praças, rios tingidos de sangue, campos transformados em cemitérios improvisados.

Adrian aparecia na televisão com olhar sereno.

— A paz está sendo atacada por aqueles que amam o caos. Mas não se preocupem: nossa vitória é certa. A unidade prevalecerá.

Milhões aplaudiam diante das telas. Outros milhões, escondidos em ruínas, choravam a perda de seus lares.

Naquela noite, Miriam sonhou com uma visão terrível. Via um cavalo vermelho atravessando os céus, e sobre ele um cavaleiro que brandia uma espada flamejante. A cada golpe, cidades inteiras desmoronavam, e multidões gritavam em desespero. Ela acordou suada, o coração acelerado.

Abriu sua Bíblia empoeirada, esquecida em uma prateleira. Suas mãos tremeram ao ler as palavras: “Saiu outro cavalo, vermelho; ao seu cavaleiro foi dado poder para tirar a paz da Terra, e para que os homens se matassem uns aos outros; e lhe foi dada uma grande espada.”

Miriam fechou os olhos, sentindo as lágrimas escorrerem. Estava acontecendo.

E enquanto ela chorava, em algum lugar distante, Adrian brindava com seus generais.

— A humanidade nunca esteve tão unida — disse ele, com um sorriso gelado. — O medo é a cola mais forte que existe.

Lá fora, sirenes ecoavam, canhões rugiam, e cidades ardiam em chamas. O segundo selo havia sido aberto, e a geração perdida bebia do cálice da guerra como se fosse vinho.

O Cavaleiro Vermelho cavalgava, e a Terra inteira sangrava.

Capítulo 3 – O Cavaleiro Negro

A guerra não terminou quando os exércitos de Adrian declararam vitória. Na verdade, foi apenas o início de um novo flagelo. As cidades que resistiram foram deixadas em ruínas. Vilarejos queimados, plantações destruídas, rios contaminados pelo sangue. A paz que ele prometera transformou-se em um silêncio sepulcral — não de harmonia, mas de morte.

No começo, acreditava-se que a ordem logo restauraria a abundância. Mas os dias se tornaram semanas, e os celeiros permaneceram vazios. Os mercados, que antes transbordavam de frutas, carnes e grãos, agora exibiam prateleiras quase nuas. As filas cresciam, e cada cidadão recebia uma ração mínima, medida cuidadosamente em balanças digitais controladas pelo governo.

Era o cumprimento literal da profecia: o cavaleiro negro trazia uma balança em suas mãos.

Na televisão, Adrian aparecia sorridente, sempre vestido de branco.

— A guerra deixou cicatrizes, mas juntos vamos reconstruir. A fome é apenas temporária. Confiem em mim.

As multidões aplaudiam diante das telas, repetindo as palavras como se fossem orações. Mas na realidade, a fome já corroía o ventre de milhões.

No interior da Europa, Miriam percorria as ruas de sua cidade em busca de pão. As padarias fechavam cedo, pois não havia estoque. As crianças desnutridas pediam comida nas esquinas, e algumas caíam desacordadas no meio da rua. Famílias trocavam joias, roupas e até móveis por um punhado de arroz.

Certa manhã, ao passar por uma praça, Miriam viu uma cena que jamais esqueceria: dois homens brigando por um saco de farinha rasgado. O pó branco espalhava-se pelo chão, e ambos se ajoelhavam, enfiando as mãos na terra suja, tentando salvar migalhas. Um terceiro homem apareceu e, sem hesitar, esfaqueou os dois para tomar posse da sacola vazia. A multidão assistia em silêncio, sem coragem de intervir.

A geração perdida aprendera a matar por um pedaço de pão.

Nos bastidores do palácio global, Adrian observava relatórios sobre a crise alimentar. Markus, o general, mostrava gráficos que apontavam a escassez crescente.

— As plantações foram devastadas pela guerra. O transporte marítimo está comprometido. Até mesmo países ricos estão de joelhos.

Adrian, no entanto, não parecia preocupado. Sentou-se, cruzou as pernas e ergueu uma taça de vinho caríssimo, um luxo acessível apenas à elite.

— E o que o povo faz quando está faminto? — perguntou calmamente.

Markus franziu o cenho.

— Revolta.

Adrian sorriu.

— Não, Markus. Eles se ajoelham. Fome é a mais eficaz das correntes. Dar-lhes pão em doses controladas é o mesmo que controlar suas vidas.

Enquanto isso, Miriam lutava para manter-se viva. Tinha apenas alguns sacos de arroz escondidos, mas sabia que não durariam muito. Certa noite, ouviu batidas fortes à porta. Era uma vizinha desesperada, segurando um bebê magro e febril nos braços.

— Pelo amor de Deus, Miriam… me dê um punhado do que tiver. Ele não vai sobreviver até o amanhecer.

As lágrimas de Miriam escorriam ao entregar uma pequena porção. Sabia que cada grão cedido era um dia a menos de sobrevivência para si mesma. Mas como negar diante da agonia de uma criança?

A fome se espalhava como praga. Ratos e insetos eram vendidos nos becos por preços absurdos. Havia boatos de que algumas cidades recorriam ao canibalismo, embora ninguém ousasse admitir. Adrian, em seus discursos, falava em "controle alimentar necessário".

E então vieram as moedas. O governo global lançou um sistema de créditos digitais: cada família recebia uma cota mínima em troca de submissão. Quem aceitava os decretos de Adrian tinha direito a ração. Quem recusava, nada recebia.

As igrejas clandestinas que ainda resistiam eram perseguidas, seus membros privados de acesso a comida. Muitos morreram de fome em nome da fé, enquanto outros renegavam suas crenças por um prato de sopa.

Certa tarde, Miriam foi à praça central, onde as distribuições aconteciam. Uma longa fila se arrastava, homens e mulheres esqueléticos aguardando. Guardas armados observavam com olhos frios. Quando chegou sua vez, Miriam recebeu um pequeno saco de farinha e um frasco de óleo. Pesados na balança, medidos até o último grama.

Enquanto guardava os mantimentos, ouviu um anúncio ecoar pelos alto-falantes:

— O Emissário da Unidade declara que a fome logo será vencida. Confiança é alimento. Esperança é pão.

As pessoas, exaustas e com o estômago vazio, aplaudiam como se aplaudissem um milagre. Miriam, porém, sentia apenas um aperto no peito.

O cavalo negro já corria solto pela Terra, e a balança em sua mão pesava não apenas comida, mas também a alma da humanidade.

Nessa noite, Miriam sonhou novamente. Desta vez, via um cavaleiro sombrio montado em um cavalo negro. Ele erguia uma balança brilhante, enquanto multidões famintas estendiam as mãos implorando. Mas cada vez que alguém recebia uma migalha, outro morria à sua sombra. Ela acordou suando frio, compreendendo que o selo havia sido aberto.

E enquanto ela chorava, Adrian brindava mais uma vez em sua mesa de banquetes, rodeado de generais e políticos.

— A guerra abriu caminho. A fome completará o serviço. — Disse, erguendo o cálice. — Um mundo faminto nunca ousará me desafiar.

Do lado de fora, milhões choravam, gemiam e morriam de fome.

A geração perdida, que antes festejara paz e prosperidade, agora arrastava-se como sombras famintas, prisioneiras da promessa quebrada.

O Cavaleiro Negro cavalgava, e com ele vinha a balança da fome.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!