A noite no cais da cidade de Protetor X era um véu úmido e frio, escondendo negócios sujos sob o manto do silêncio e do ruído distante da cidade. O cheiro de água salgada, óleo e podre se misturava no ar, uma fragrância adequada para o encontro que estava prestes a acontecer.
Do alto de um armazém abandonado, o Delegado Daniel ajustou os fones de ouvido, seus olhos escaneando as docas através de um par de binóculos de visão noturna. Tudo era verde e preto, mas o movimento era claro: dois carros pretos, imponentes, e três figuras.
"Todos os pontos, confirmem status," sussurrou Daniel, sua voz um fio de tensão no rádio.
Uma série de cliques confirmou que seus homens estavam posicionados. A armadilha estava armada. O isca, um traficante de armas de pequeno calibre chamado Russo, esperava nervosamente perto dos contêineres, olhando para o relógio a cada dez segundos.
"Paciência, Russo," Daniel murmurou para si mesmo. "Ele vem. Ele nunca perde uma chance de ser dramático."
E como se fosse uma resposta à sua provocação silenciosa, um novo veículo surgiu da escuridão. Uma limusine clássica, longa e negra como um ataúde, deslizou sem pressa até parar a alguns metros dos carros. A placa era simples, quase comum, mas todos sabiam a quem pertencia.
Nox.
A porta traseira abriu-se. Primeiro, saiu um homem grande, de terno impecável que mal conseguia disfarçar os músculos tensos sob o tecido. Marco. O braço direito, o guarda-costas, o irmão que Nox nunca teve. Ele olhou em todas as direções, seus olhos scanners vivos mesmo na penumbra. Satisfeito, deu um aceno.
E então, ele saiu.
Nox era magro, elegante, vestindo um sobretudo cinza sobre um terno preto. Seus cabelos escuros estavam perfeitamente penteados para trás. Ele não olhou em volta com medo; olhou com tédio, como se aquela visita noturna a um cais fedorento fosse uma tarefa mundana e beneath him. Ele caminhou até Russo, suas mãos enfiadas nos bolsos.
"Mostre-me," a voz de Nox cortou a noite, clara e carregada de uma sarcasmo inerente. "Mostre-me a ferramenta que supostamente vai me fazer repensar todo o meu modelo de negócios."
Daniel ordenou pelo rádio. "Esperem. Deixem o negócio rolar. Quero ele com a arma na mão."
Lá embaixo, Russo abriu uma mala. Nox pegou o objeto dentro – um rifle de precisão de alta tecnologia – e o examinou com ar crítico.
"Parece... barato," Nox declarou, sua voz gotejando desdém. "Você me fez sair da minha ópera para isso, Russo? Eu esperava algo que justificasse o preço exorbitante. Não um brinquedo de plástico para sniper wannabe."
"É tecnologia militar, Sr. Nox! Indetectável!" Russo gaguejou.
"Indetectável até o primeiro disparo, imagino," Nox riu, um som seco e sem humor. "Como a sua lealdade."
Foi a deixa. Daniel gritou no rádio: "Agora!"
Luzes de holofotes explodiram da escuridão, banhando o cais em uma claridade fantasmagórica e crua. Gritos de "Polícia! Todos no chão!" ecoaram pelos armazéns.
O caos se instalou. Os capangas de Nox e os homens de Russo puxaram suas armas. Tiros estouraram, quebrando a noite em estilhaços de som.
Nox não se moveu. Ele não correu, não se abaixou. Ele apenas suspirou, profundamente irritado, como se aquilo fosse um inconveniente monumental. Ele olhou diretamente para o holofote onde sabia que Daniel estava.
"Delegado!" a voz de Nox ecoou, surpreendentemente calma no meio do tiroteio. "Que surpresa absolutamente previsível! A ópera era Tosca, sabia? Uma tragédia. Aparentemente, você decidiu encenar a sua própria versão aqui. Mal escrita, devo dizer."
Daniel desceu do armazém, sua equipe formando um perículo. Ele avançou, sua arma empunhada, apontada para o centro da testa de Nox.
"Acabou, Nox! Está cercado! Chão. Agora."
Nox ignorou a ordem. Ele olhou para o rifle na mala e depois para Daniel. "Você quer isso para a sua precária delegacia, Daniel? É só pedir. Poderia ter sido um presente. Em vez disso, escolheu a violência e a má interpretação teatral."
"Cale a boca e deite-se no chão!" Daniel rosnou, chegando mais perto.
Marco se moveu, colocando-se entre Nox e a arma do delegado. "Não chegue mais perto, delegado," o gigante advertiu, sua voz um rugido baixo.
O tiroteio amainava. Os capangas de Russo estavam neutralizados. Os homens de Nox, mais bem treinados, usavam os carros como cobertura, trocando tiros precisos com a polícia. Mas a rede estava se fechando.
Daniel sabia que não poderia prender Nox. Ele era escorregadio demais. Sua lábia e seus advogados o teriam solto antes do amanhecer. Mas ele poderia machucá-lo. Poderia mandar uma mensagem.
Ele viu Marco, um alvo grande e leal. O braço direito. A chave para ferir o rei.
Nox, percebendo o cálculo nos olhos de Daniel, perdeu um pouco da pose. "Daniel, não seja estúpido," disse ele, a voz pela primeira vez sem o sarcasmo, apenas um aviso gelado. "Isso não é um jogo que você quer jogar."
"O seu jogo acabou, Nox!" Daniel gritou, a raiva e a frustração de anos tomando conta. Ele mudou sua mira. Não para Nox, mas para o ombro de Marco, visível além do corpo do mafioso.
Ele puxou o gatilho.
O estampido foi ensurdecedor. A bala não atingiu o ombro.
Marco, num instinto puro de proteção, deu um passo à frente no exato momento do disparo, tentando se colocar como um escudo humano completo para seu chefe.
A bala atingiu Marco no peito, logo acima do coração.
O impacto foi surdo e horrível. Um som que Daniel conhecia bem, o som de uma vida sendo interrompida. Marco cambaleou para trás, seus olhos wide com surpresa, e então se fixaram em Nox. Não com dor, mas com preocupação. Sua boca se abriu, mas só saiu um fio de sangue. Ele desabou no chão de concreto, um rio escuro se espalhando sob seu terno impecável.
O mundo parou.
O tiroteio cessou. O silêncio foi mais aterrorizante que o barulho.
Nox não se moveu. Ele não correu para Marco. Ele apenas olhou para o corpo do amigo no chão, e então lentamente, muito lentamente, ergueu os olhos para Daniel.
A máscara de tédio e sarcasmo evaporou. O que restou foi algo primordial, cru e absolutamente assassino. Seus olhos, normalmente cheios de diversão cruel, agora eram poças escuras de puro ódio.
"Você..." a voz de Nox saiu como um sibilo, tão baixa que quase foi engolida pela noite, mas carregada de uma promessa de violência que fez o ar ficar gelado. "Você miserável, insignificante... inseto."
Daniel ficou paralisado, a arma pesando uma tonelada em sua mão. Ele não quis... não era para ser...
Nox não olhou mais para ele. Ele olhou para Marco. E então, algo em estalou. Ele girou nos calcanhares.
"Matem todos," ele ordenou para seus homens restantes, sua voz agora clara, metálica e mortal.
Os tiros recomeçaram, mas desta vez com uma ferocidade renovada e vingativa. A polícia, pega de surpresa pela mudança de clima e pela fúria repentina, recuou.
Nox não correu. Ele caminhou até seu carro, suas costas eretas, um alvo perfeito que Daniel estava agora tremendo demais para acertar. A porta da limusine abriu. Antes de entrar, Nox parou e olhou para trás, uma última vez, para Daniel.
Não havia raiva naquele olhar agora. Havia apenas uma sentença.
"Este foi o último erro da sua vida, delegado," ele disse, sua voz plana, sem emoção, mais assustadora que qualquer grito. "Eu não vou te prender. Eu não vou te processar. Eu vou desfazer você. Pedaço por pedaço. E vou rir enquanto faço isso."
Ele entrou no carro. A limusine acelerou para longe, desaparecendo na escuridão, deixando para trás o silêncio pontuado por gemidos, o cheiro de pólvora e o peso horrível de uma guerra que tinha acabado de começar de verdade.
Daniel ficou de pé no meio do cais, a arma agora pendurada flácida em seu dedo, olhando para o corpo de Marco. Ele não tinha prendido Nox. Ele não tinha mandado uma mensagem.
Ele tinha acabado de atirar no único homem que o mafioso mais perigoso e sarcástico da cidade amava. E, pela primeira vez, Daniel, o protetor, sentiu um frio que não tinha nada a ver com a noite. Ele sentiu o gelo da própria morte, e sabia que ela tinha o rosto de Nox. Ele tinha fugido, mas tinha deixado para trás um rastro de ódio que consumiria tudo.
A mansão de Nox era um monumento ao gosto frio e impessoal. Mármore branco, aço escovado e vidro, tudo perfeitamente limpo, perfeitamente organizado e absolutamente sem vida. Parecia mais um museu do que uma casa, um reflexo adequado do homem que a habitava – pelo menos, da fachada que ele mostrava ao mundo.
A porta de entrada se abriu com um estrondo que fez tremer uma valiosa escultura de vidro na parede. Nox entrou como um furacão, seu sobretudo cinza agora manchado com o sangue escuro de Marco. Ele não o tirou. Arrancou a gravata e a jogou no chão, seu rosto uma máscara pálida de raiva contida.
Um de seus capangas, um homem chamado Leo, correu para recebê-lo, seu rosto pálido e contrito. Ele viu as manchas no casaco e o olhar vazio e furioso de Nox, e sua cabeça imediatamente baixou, como um cão se preparando para um chute.
"Senhor... eu... sinto muito pelo que aconteceu. O Marco era um homem bom."
A voz de Nox saiu baixa, rouca, carregada de um veneno que fez Leo estremecer.
"Bom? Bom é irrelevante. Ele era meu." Nox passou por ele, dirigindo-se ao bar embutido na sala de estar vasta. "Ele era eficiente. Leal. E aquele policial de merda..." A voz de Nox quebrou. Ele pegou uma garrafa de uísque caro, dispensou a etiqueta e despejou uma quantidade generosa em um copo de cristal. Suas mãos tremiam levemente. Ele não bebeu. Apenas olhou para o líquido âmbar, como se nele pudesse ver o rosto do delegado. "Aquele lixo insignificante, vestindo um emblema que não significa nada... ele ousou."
Ele finalmente ergueu os olhos para Leo. E pela primeira vez, o homem viu não apenas raiva, mas um brilho de umidade contida, uma fúria tão profunda que beirava a dor.
"Ele atirou no Marco como se ele fosse um cão. Na minha frente." Nox engoliu seco. "Foi um insulto. Uma declaração de guerra pessoal. E eu aceito."
Ele finalmente deu um gole no uísque, deixando o líquido ardente descer pela garganta.
"Quero informações," Nox disse, a voz agora controlada, gelada e mortal. "Tudo sobre o Delegado Daniel. Tudo. Onde ele nasceu, onde estudou, quem ele amou, quem ele ama agora, que marca de cueca ele veste, quantas vezes ele vai ao banheiro por dia. Tudo. Não quero um arquivo. Quero a vida dele desmontada na minha frente, peça por peça. Vou acabar com ele. Pouco a pouco. Pedaço por pedaço. Até que não sobre nada dele, nem mesmo a memória."
Leo, ainda de cabeça baixa, assentiu vigorosamente. "Sim, senhor. Imediatamente. Vamos mobilizar todos os nossos recursos. Ele não terá privacidade."
Nox esmagou o copo de cristal em sua mão. Estilhaços finos se espalharam pelo mármore, e um filete de sangue escorreu de seus dedos. Ele nem pareceu notar.
"Vão logo!" ele rugiu, a frieza dando lugar ao animal ferido mais uma vez. "Em que estão esperando? Um convite escrito? Hoje! Quero isso hoje, seus merdas! Foram incapazes de protegê-lo, sejam capazes disso!"
Leo não precisou ser mandado embora duas vezes. Ele se virou e quase correu para fora da sala, gritando ordens no rádio para a equipe de inteligência de Nox, que era mais eficiente e abrangente que a de qualquer agência governamental.
Nox ficou sozinho na sala silenciosa. Ele olhou para sua mão sangrando, depois para os estilhaços de cristal no chão. A imagem de Marco, caindo, invadiu sua mente. Ele fechou os olhos com força, tentando expulsá-la. Quando os abriu, eles estavam secos e duros como diamantes.
Horas se passaram. A noite virou madrugada. Nox não se moveu do bar, contemplando sua próxima jogada, sua vingança, com a meticulosidade de um mestre de xadrez planejando o xeque-mate.
Foi então que Leo voltou à sala, carregando um tablet. Ele parecia hesitante, mas também com um brilho estranho nos olhos – o brilho de quem encontrou algo precioso.
"Senhor," Leo começou, cautious. "Temos o relatório preliminar. Vida limpa. Carreira exemplar. Solteiro. Sem parentes próximos na cidade. Mora sozinho em um apartamento no centro. É... chato."
Nox não disse nada. Apenas ergueu uma sobrancelha, um gesto que significava 'Por que você está me perturbando com obviedades?'
"Mas..." Leo continuou, deslizando o dedo na tela do tablet. "Nossos hackers vasculharam tudo. Contas de luz, água, histórico de internet, extratos bancários... coisas de rotina. Até que cruzamos com os registros escolares de uma pequena Um pagamento recorrente, modesto, mas mensal, para uma escola. Uma escola particular."
Nox ficou imóvel.
mulher. Ana Lúcia. Ela não tem relação com Daniel... oficialmente. Mas ela era sua namorada na adolescência. se casaram e tiveram um filho Leo fez uma pausa . Davi de 18 anos a mãe dele morreu
Nox lentamente se virou para enfrentar Leo completamente. Seu coração bateu mais rápido, mas nenhum músculo do seu rosto se moveu.
"O registro de nascimento da criança não tem o nome da mãe" Leo finalizou, entregando o tablet para Nox.
Na tela, havia uma foto roubada de uma rede social. Era uma mulher de meia-idade, sorridente, com o braço em volta de um garoto magricela, de cabelos escuros e olhos claros e inteligentes. O garoto segurava um troféu de xadrez.
Nox pegou o tablet. Ele olhou para a foto por um longo, longo tempo. A raiva infernal que o consumia parecia se aquietar, substituída por uma curiosidade profunda e gelada. Um sorriso lento, terrível, começou a se formar em seus lábios. Não era um sorriso de alegria, era o sorriso de um predador que acabou de encontrar o ponto mais fraco de sua presa.
Ele olhou para os olhos do menino, procurando um traço familiar, uma assinatura genética do homem que ele jurou destruir.
"Ooh," Nox sussurrou, sua voz um fio de veneno doce. "Isso... isso é interessante."
Ele ampliou a imagem do rosto do garoto, Lucas.
"Olha que gracinha," ele disse, para ninguém em particular. A frase soou como a mais sinistra das ameaças.
O sorriso de Nox ainda estava estampado no rosto, um reflexo sinistro e gelado da tela do tablet que agora mostrava o rosto inocente de Lucas. A sala, antes um santuário de silêncio e ordem, agora pulsava com uma energia maligna.
"Olha que gracinha de menino," Nox sussurrou, sua voz um fio de seda envenenada. "E vai ser com ele que vou derrubar o delegado." Uma risada baixa e rouca escapou de seus lábios, um som seco que não carregava nenhuma alegria, apenas pura antecipação cruel.
Ele girou em seus calcanhares e arremessou o tablet na direção de Leo, que o pegou no ar com um reflexo treinado. "Traga aquele merda. O prisioneiro. Agora."
"Sim, senhor," Leo assentiu, desaparecendo pela porta sem fazer um único questionamento.
Nox foi até o bar e serviu-se de outro uísque, desta vez bebendo-o de um gole só, sem cerimônia. A aguardente queimou-lhe a garganta, mas ele mal sentiu. Toda a sua atenção estava voltada para o plano que se formava em sua mente, uma obra-prima de perversidade.
Em menos de dois minutos, a porta se abriu novamente. Dois homens arrastaram um terceiro para o meio da sala e o forçaram a ficar de joelhos. Era um traficante de baixo escalão, conhecido como Ratão. Seu rosto estava inchado e manchado de sangue seco. Sua roupa estava rasgada e suja de poeira e lama. Ele tremia incontrolavelmente, seus olhos esbugalhados de terror percorrendo a sala luxuosa antes de se fixarem nos sapatos impecáveis de Nox.
Nox colocou o copo vazio no balcão com um clique suave. Ele caminhou lentamente até o homem ajoelhado, circulando-o como um tubarão.
"Ratão," Nox começou, sua voz suave, quase amigável, o que era infinitamente mais assustador do que um grito. "Você é um lixo. Um verme. Você traficou em território que não era o seu, desrespeitou minhas regras, e custou aos meus homens tempo e dinheiro. A sentença padrão para isso é... bem, você sabe. A 'Pérola' está com fome."
O prisioneiro gemeu, uma sound de puro desespero. "Por favor, Sr. Nox... eu... eu tava desesperado... minha família..."
"Silêncio!" A palavra cortou o ar como um chicote. Nox parou na frente dele. "Eu, however, estou me sentindo inexplicavelmente generoso hoje. O luto me tornou... sentimental." O sarcasmo pingava de cada palavra. "Então, vou te dar uma chance de viver, seu merda."
Os olhos de Ratão, antes vidrados de medo, brilharam com um frágil raio de esperança. "S... sério?"
"Sim," Nox confirmou, agachando-se para ficar na altura do homem. Seu rosto estava a centímetros do rosto ensanguentado do traficante. "Estou fazendo uma boa ação. Ou, pelo menos, é assim que vou registrar nos meus arquivos." Ele fez uma pausa dramática. "Mas, veja bem... para você viver, alguém vai ter que... não morrer, mas talvez desejar ter morrido. É uma troca filosófica interessante, não acha?"
Ratão olhou para ele, confuso e aterrorizado. "Quem... quem seria?"
Nox riu, um som breve e seco. "Como vocês, seres humanos, são falsos uns com os outros. Adoram salvar a própria pele, não é? Bem, eu não ligo para a hipocrisia de vocês. Pelo contrário, eu a aproveito."
Ele se levantou e caminhou até uma das paredes, onde um enorme aquário de vidro reforçado era embutido. Dentro, não havia peixes coloridos. Entre rochas e troncos, uma serpente negra como o carvão, grossa como a coxa de um homem, se enrolava lentamente. Sua língua bifurcada disparava para fora da boca, sentindo o aroma de medo no ar.
"Ah, Pérola..." Nox sussurrou, batendo levemente no vidro. "Ela vai ter um banquete enorme um dia. Mas hoje não."
Ele se virou de volta para Ratão, que estava paralizado, olhando para a cobra com horror absoluto.
"Escute com atenção," Nox ordenou, sua voz perdendo qualquer traço de falsa gentileza. "Iremos arrumar você. Roupas novas, um corte de cabelo, um storyboard. Você vai fingir ser um estudante novo. Uma transferência. Sua única missão será se infiltrar na escola do menino Lucas. Conquistar a amizade dele. Ser legal, ser engraçado, ser o melhor amigo que esse menino solitário nunca teve."
Ratão olhou para ele, perplexo. "Um... um menino? Por quê?"
"Isso não é da sua conta, estudante," Nox rosnou. "Sua única preocupação é se aproximar dele. Ganhar sua confiança. E então, em um momento oportuno, você o trará até mim. Um passeio, um jogo, uma mentira qualquer. Você o trará para um local que eu designarei."
Nox se aproximou novamente, até que sua sombra engolisse o homem ajoelhado.
"Se você conseguir," ele sussurrou, "eu deixo você vivo. Com dinheiro suficiente para sumir para sempre. Se você falhar..." Nox fez uma pausa, olhando significativamente para o aquário. "...ou se tentar me trair, você não vai precisar se preocupar em fingir ser outra pessoa na próxima vida. Você será a refeição de verdade da Pérola. Entendido?"
O rosto de Ratão estava pálido, a esperança se dissipando e sendo substituída por um novo tipo de terror, mais profundo e complexo. Ele não estava apenas lutando por sua vida agora; ele estava sendo forçado a ser o instrumento do mal de outro.
"E... e o delegado?" Ratão gaguejou, lembrando-se das notícias, do tiroteio no cais.
Nox sorriu, um brilho de pura maldade em seus olhos. "O delegado Daniel vai aprender o preço de se meter comigo. Ele vai assistir seu mundo desmoronar antes de eu acabar com ele. E você, seu merda, vai ser a primeira pá de terra no túmulo da felicidade dele. Agora, some da minha vista. Leo, leve-o e torne-o apresentável."
Os capangas puxaram Ratão para cima, que saiu da sala cambaleante, seu destino selado de uma forma que ele nunca poderia ter imaginado.
Nox ficou sozinho, de costas para o aquário. A Pérola Negra deslizou pela água, seus olhos fixos em seu mestre.
"Um banquete enorme, minha querida," Nox repetiu, para a cobra e para si mesmo. "Primeiro o cordeiro... depois o lobo
A sala de aula da universidade era um mundo à parte para Davi. Enquanto a cidade de Protetor X fervilhava com tensão e sombras, aquele espaço cheirava a livros novos, café barato e ansiedade juvenil. Para Davi, era um santuário.
Ele era a definição de inocência preservada. Cabelos castanhos sempre um pouco desarrumados, olhos verdes e wide que ainda acreditavam no bem das pessoas, e um sorriso fácil que herdara da mãe. Sua mãe... o pensamento dela ainda doía, uma ferida surda e familiar no peito. Ela partira há dois anos, vítima de uma doença rápida e cruel, deixando para trás um marido devastado e um filho que carregava o peso de ser o único farol de orgulho do pai.
O Delegado Daniel vivia em dois mundos: o das ruas violentas, onde enfrentava a escória como Nox, e o do apartamento silencioso, onde via a imagem da falecida esposa em cada canto e depositava todas as suas esperanças e sonhos frustrados no filho. Davi, cursando Letras, era sua maior conquista. "Meu filho, o universitário," Daniel dizia com um orgulho que mal disfarçava a dor de fundo.
O sinal da aula de Literatura Brasileira Moderna havia soado. Os alunos se acomodaram, Davi em seu lugar preferido, no centro, caderno aberto, caneta em riste. A professora, Dona Marília, uma mulher de meia-idade com óculos na ponta do nariz, batucou na mesa.
"Pessoal, um momento de atenção, por favor. Antes de começarmos nossa análise machadiana, temos um novato. Uma transferência no meio do semestre. Sejam todos acolhedores."
A porta se abriu e um jovem entrou. Era mais velho que a maioria ali, com olhos que pareciam ter visto mais do que deveriam. Estava limpo, com roupas simples mas novas, um corte de cabelo padrão. Era Ratão, mas totalmente irreconhecível do traficante ensanguentado da mansão de Nox. Agora, ele era Rafael.
"Apresente-se, querido," incentivou a professora.
"Rafael," ele disse, sua voz um pouco rouca, mas controlada. "Prazer."
A apresentação foi curta e seca. Ele não sorriu. Apenas assentiu para a professora e sentou-se na única cadeira vaga, no fundo da sala, perto da janela.
Davi, movido por uma compaixão genuína, virou-se e ofereceu um pequeno sorriso. Rafael ignorou-o, fixando o olhar no quadro.
A aula prosseguiu. Davi tomava notas furiosamente, absorto no mundo de Machado de Assis. Em um momento de pausa, ao se esticar para pegar uma caneta que rolou para o chão, ele viu que Rafael não tinha sequer aberto a mochila. Ele apenas olhava pela janela, com uma expressão vazia.
A inocência de Davi interpretou aquilo como nervosismo, solidão. Ele se lembrou de seus primeiros dias na faculdade, o quanto fora assustador.
No final da aula, enquanto todos se aglomeravam na saída, Davi viu Rafael se levantando silenciosamente, pronto para desaparecer.
Sem pensar muito, Davi se aproximou. "Ei!"
Rafael parou, virando-se com uma lentidão que beirava o desinteresse. Seus olhos scanearam Davi, calculadores, mas disfarçados.
"Oi," Davi disse, seu sorriso ainda presente, though um pouco hesitante. "É... é sempre difícil chegar num lugar novo, né? Todo mundo já se conhece."
Rafael encarou-o por um segundo que pareceu uma eternidade. Ele estava seguindo ordens. "Conquiste a amizade dele." Mas a ordem era contra sua natureza. Sua natureza era evitar contato, roubar, traficar, sobreviver. Não... fazer amizade.
"É," ele finalmente respondeu, a voz monossilábica.
"Eu sou Davi," ele ofereceu, estendendo a mão. "Se você quiser, te mostro por onde é a lanchonete. A comida não é grande coisa, mas o suco de laranja é bom."
Rafael olhou para a mão estendida como se fosse um objeto estranho. Lentamente, ele a apertou. O gesto foi mecânico, sem calor. "Rafael."
"Você é de que curso?" Davi perguntou, caminhando ao lado dele pelo corredor, tentando puxar conversa.
"Ah... ainda tô decidindo," Rafael mentiu, a lição decorada. "Fiz um tempo em Administração, mas não curti. Vim pra cá pra ver como é."
"Letras é show!" Davi disse, entusiasmado. "A professora Marília é puxada, mas ela sabe muito. E a galera é legal. Se quiser, te apresento para o pessoal."
Rafael fez que não com a cabeça. "Tá bom. Valeu."
O silêncio constrangedor pairou entre eles. Davi, incrivelmente, atribuiu-o à timidez.
"É... seu pai faz o quê?" Davi perguntou, tentando outro approach.
Rafael quase engasgou. A imagem de Nox, frio e assassino, surgiu em sua mente. "Ele... é empresário," ele disse, a mentira saindo com dificuldade.
"O meu é policial," Davi ofereceu, orgulhoso. "Delegado, na verdade. Ele é fera."
Dentro de Rafael, um alarme silencioso disparou. Filho do delegado. O alvo. Ele olhou para Davi com novos olhos. A inocência do garoto agora parecia uma fragilidade grotesca. Ele era o cordeiro levado para o abate, andando voluntariamente ao lado do lobo.
"Delegado... que da hora," Rafael forçou as palavras, sentindo um gosto amargo na boca.
"É, ele é meu herói," Davi disse, e pela primeira vez, um véu de tristeza passou por seu rosto. "Minha mãe... ela faleceu. Então é só eu e ele agora."
Rafael não soube o que dizer. Uma parte minúscula e adormecida dele, a parte que ainda era humana, sentiu um pingo de remorso. Mas foi rapidamente esmagada pelo medo visceral da Pérola Negra e do olhar gelado de Nox.
"Sinto muito," Rafael murmurou, a única coisa verdadeira que dissera até agora.
"Obrigado," Davi respondeu, sacudindo a tristeza e sorrindo de novo. "Olha, a lanchonete é ali embaixo. Bora? Meu treat."
Rafael hesitou. Sua missão era se aproximar, mas cada momento com aquela genuína bondade era uma tortura. Ele estava no inferno, e seu anjo da guarda era um idiota útil.
"Bora," ele concordou, finalmente.
Enquanto desciam as escadas, Davi falava animadamente sobre os professores, as cadeiras, a biblioteca. Rafael caminhava ao seu lado, ouvindo, assentindo ocasionalmente, suas respostas curtas e evasivas.
Por dentro, however, duas vozes lutavam. A voz de Nox: "Ganhe sua confiança. Traga-o até mim."
E uma voz mais fraca, quase inaudível, que sussurrava: "Ele não merece isso. Ele é apenas um garoto."
Mas a voz do medo era muito, muito mais alta. Rafael olhou para o rosto aberto e sorridente de Davi e sabia, com uma certeza absoluta, que iria destruí-lo. Tudo para salvar sua própria pele.
A conversa continuou na lanchonete, com Davi tentando criar uma ponte e Rafael, o novo aluno, construindo meticulosamente a armadilha que levaria o filho do delegado direto para as mao de nóx
O apartamento de Daniel e Davi era aconchegante, um contraste gritante com a frieza da delegacia e da violência das ruas. Fotografias de família enfeitavam as paredes, a maioria delas com uma mulher de sorriso radiante – a mãe de Davi, Elena. Era um lugar que ainda guardava o eco de risos passados, mas que agora carregava um silêncio pesado, preenchido apenas pelo rádio ligado em algum canal de notícias ou pelo som das páginas de um livro sendo viradas.
Naquela noite, porém, o silêncio era absoluto. Davi abriu a porta e entrou, esperando ouvir os passos pesados do pai ou o barulho da TV no noticiário da noite.
"Pai?" Sua voz ecoou no corredor vazio.
Nenhuma resposta.
Na mesa da cozinha, sob o abajur que fora de Elena, um pedaço de papel pautado, o bloco de recados que sempre usavam. A letra firme e um pouco acelerada de Daniel estava lá:
«Davi, filho. Surge um caso importante. Não vou voltar cedo. Não espere acordado. Janta na geladeira, é só esquentar. Te amo. Pai.»
Davi segurou o recado, um peso familiar no peito. Era sempre assim. Um caso. Sempre um caso. O trabalho do pai era um monstro insaciável que roubava jantares, conversas, presença. Ele entendia a importância, o orgulhava profundamente, mas... doía. A ausência do pai preenchia o apartamento, lembrando-o dolorosamente da outra ausência, maior e irreparável.
Com um suspiro, ele guardou o recado na gaveta, aquecendo o prato de comida – um ensopado que sabia a solidão – e comeu em silêncio na sala, ouvindo o tic-tar do relógio de parede.
Para fugir do vazio, ele se enfiou nos livros. A cadeira era Literatura e Sociedade, e ele mergulhou nos textos, sublinhando passagens e fazendo anotações nas margens. Era seu refúgio, um mundo onde as coisas faziam sentido, onde o bem e o mal eram discutidos em páginas, não disputados em tiroteios.
Foi durante uma pausa, enquanto bebia um copo d'água, que o celular vibrou no sofá. Uma mensagem. Ele pegou o aparelho, esperando ser seu pai.
Era um número desconhecido.
«(21) 98765-4321: Ei, é o Rafael. Da aula de Lit.»
Davi ergueu as sobrancelhas, surpreso. Ele tinha dado seu número para o novo aluno mais cedo, na lanchonete, num daqueles impulsos de tentar ser amigável, mas não esperava que o cara fosse usar tão cedo. Rafael parecia tão fechado.
«Davi: Oi, Rafael! Tudo bem? Pegou o conteúdo da aula?»
A resposta veio após um minuto.
«Rafael: Mais ou menos. Essa parada de Machado é densa. Nem sei por que me meti nisso.»
Davi sorriu sozinho. Era a primeira vez que Rafael parecia... humano.
«Davi: Haha, relaxa. No começo é assim mesmo. A Dona Marília é braba, mas ela explica bem. Precisar de ajuda com as anotações, me fala.»
«Rafael: Valeu. Tô precisando. Tô meio perdão aqui na cidade ainda. Não conheço nada nem ninguém.»
A mensagem veio carregada de uma solidão que ecoou a que Davi sentia naquele exato momento. Sua compaixão, sempre à flor da pele, se inflamou.
«Davi: Pois é, sei como é. Quando mudei pra cá foi osso também. Mas a galera acolhe bem.»
«Rafael: Aham. Olha... tô afim de dar uma saidinha amanhã. Conhecer um lugar diferente, saca? Um barzinho ou algo assim. Você não toparia de me mostrar algum lugar?»
Davi leu a mensagem e sua face immediately fechou. Um bar? Ele não era muito de balada. Preferia um cinema, um café...
«Davi: Ah, cara, barzinho não é muito a minha praia, sabe? Não curto muito esse tipo de rolê.»
Do outro lado da tela, Rafael, em um quarto de hotel barato pago por Nox, roeu as unhas. Ele tinha uma ordem. Aproximar-se. Criar vínculo. Levá-lo para um local isolado. A pressão era enorme. Ele digitou rapidamente, tentando um approach diferente.
«Rafael: Pô, nem é farra. É um lugar tranquilo. Chama "O Beco". É mais pub, tem uns jogos, sinuca. Nada de bagunça. Juro. Tô morrendo de tédio aqui no hotel.»
Davi hesitou. "O Beco". Ele até conhecia. Era um lugar realmente mais tranquilo, frequentado por universitários. Mas sair à noite... seu pai ficaria possesso. Daniel era superprotetor, especialmente depois da morte da mãe dele. "A cidade é perigosa, Davi. Você não sabe o que eu vejo todo dia."
«Davi: Hmm, sei qual é. É de boa mesmo. Mas minha agenda tá meio pesada, e meu pai...»
Rafael viu a resistência e atacou o ponto fraco: a solidão.
«Rafael: Suave. Sem pressão. É que... cara, vou ser sincero. Tô me sentindo um peixe fora d'água aqui. Achei que a gente tinha se dado bem hoje e tal. Pensei em dar uma descontraída. Mas se não rola, sem problemas. Fica tranquilo.»
A mensagem foi uma facada de mestria. Davi sentiu-se imediatamente culpado. O cara era novo, sozinho, e ele estava sendo um chato. Era só um pub. Um jogo de sinuca. O que poderia dar errado?
«Davi: Não, não é isso! É que meu pai é meio neurótico com segurança, sabe? Mas... tá bom. Por que não? Amanhã à noite?»
Do outro lado, Rafael soltou o ar que estava prendendo. Um suor frio escorria pelas suas costas.
«Rafael: Boa! Valeu mesmo, Davi! Salvação. Lá pelas 20h? Te busco?»
«Davi: Não precisa buscar não, a gente se encontra lá na frente. É mais fácil. Combinado então, 20h no "O Beco".»
«Rafael: Combinado. Valeu, brother. Te devo uma.»
«Davi: Imagina! A gente se vê amanhã então. Tô indo dormir. Boa noite!»
«Rafael: Boa noite.»
Rafael desligou o celular e deixou-o cair na cama. Ele sentiu náusea. "Brother". O garoto o chamou de "brother". Ele havia conseguido. Cumpriria a ordem de Nox. Salvaria a própria pele.
Mas ao olhar no espelho empoeirado do quarto de hotel, ele não viu um sobrevivente. Viu um monstro.
Davi, por sua vez, desligou o celular com um sorriso tímido. Talvez ele estivesse fazendo um novo amigo. Seria bom ter alguém para sair, para falar de coisas que não fossem livros ou o trabalho estressante do pai.
Ele olhou para o recado na mesa. "Não vou voltar cedo."
Ele suspirou. Amanhã, inventaria uma desculpa para o pai. Diria que ia estudar na biblioteca com um grupo. Uma mentirinha inocente.
O que poderia dar errado? Era só um pub tranquilo. Um jogo de sinuca. Uma noite normal.
Ele não poderia estar mais enganado. Cada passo em direção àquele encontro era um passo em direção a uma armadilha perfeitamente orquestrada, e o chamariz era a própria bondade e solidão dele. A teia de Nox
O quarto que Rafael estava .A fina camada de civilização que ele vestira para a universidade havia descascado, revelando o nervosismo cru por baixo. Ele estava sentado na beira da cama, as mãos suando, segurando um celular descartável, um "queimador" que Leo lhe dera. Era hora de fazer o check-in.
Ele discou o número memorizado. A linha conectou-se com um click seco, mas ninguém falou do outro lado. Apenas uma respiração calma e expectante.
"Senhor?" Rafael disse, sua voz um pouco mais rouca que o normal.
"Fale." A voz de Nox era clara, impaciente, cortando como uma lâmina através da linha.
"É o... é o Rafael. Do... do assunto da universidade."
Um silêncio deliberado do outro lado, destinado a amplificar o terror. Nox sabia perfeitamente quem era.
"Ah, sim. O estudante," Nox respondeu, o sarcasmo pesado o suficiente para ser sentido mesmo através do telefone. "E? Nossa bolsa de estudos está rendendo frutos?"
Rafael engoliu seco. "Sim, senhor. Conversei com ele hoje. O Davi. Ele... ele é muito ingênuo. Confiante. Falou do pai, o delegado, com muito orgulho."
"Natural," Nox interrompeu, seu tom agora entediado. "Cordeirinhos sempre amam seus pastorzinhos, mesmo quando eles são incompetentes. Pule para a parte interessante. Você marcou o encontro?"
"Sim, senhor. Amanhã à noite. Vou encontrá-lo em um pub chamado 'O Beco'. É um lugar tranquilo, mas... isolado o suficiente na parte de trás. Eu sugeri."
"O Beco?" Nox repetiu, e Rafael pôde quase ouvir o sorriso cruel se formando em seus lábios. "Que apropriado. O beco sem saída. E ele aceitou? Justo like that?"
"Ele hesitou no começo," Rafael explicou, ansioso para parecer que fez um bom trabalho. "Disse que o pai é protetor. Mas eu... eu joguei com a solidão dele. Ele caiu. Aceitou."
"Claro que aceitou," Nox murmurou, mais para si mesmo. "A bondade é a isca mais fácil de se usar. Ela é tão rara que quando aparece, os otários se agarram a ela. E você garantiu que ele virá sozinho?"
"Sim, senhor. Disse que era só nós dois. Para conversar, jogar sinuca."
Perfeito." O tom de Nox era de pura satisfação. Um planejador admirando sua própria armadilha. "Agora, escute com atenção, seu lixo descartável. Você vai encontrá-lo lá. Vão conversar, jogar. Seja agradável. Ganhe ainda mais a confiança dele. Quando for a hora certa, você o levará para a saída dos fundos. Diga que quer fumar um cigarro, que quer mostrar algo a ele, qualquer desculpa patética que sua mente insignificante conseguir inventar."
Rafael sentiu um frio na espinha. "E... e então?"
"E então você não precisará se preocupar com mais nada," Nox disse, sua voz baixa e hipnótica. "Haverá um carro esperando. Uma van preta. A porta estará aberta. Você apenas... o guiará para dentro. É tudo o que você precisa fazer. Entendido?"
"Sim, senhor," Rafael sussurrou, seus dedos trêmulos apertando o telefone.
"Bom garoto," Nox disse, e o elogio soou como a mais profunda das humilhações. "Faça isso direito, e você terá uma passagem de ônibus para longe desta cidade e dinheiro suficiente para começar uma vida medíocre e insignificante em algum lugar. Falhe..." Nox fez uma pausa dramática. "...e bem, você conhece a Pérola. Ela está particularmente agitada esta noite. Parece que sente que um banquete se aproxima."
A imagem da cobra negra e grossa deslizando na água surgiu na mente de Rafael, nítida e aterrorizante. Um calafrio percorreu seu corpo.
"Não vou falhar, senhor. Eu prometo."
"Suas promessas não significam nada para mim," Nox retrucou, impaciente. "Apenas sua obediência. O relatório está encerrado."
Nox estava prestes a desligar quando Rafael, num surto de nervosismo misturado com uma curiosidade mórbida, soltou: "Senhor... e... e o que vai acontecer com ele? Com o Davi?"
Do outro lado da linha, na sala fria de sua mansão, Nox ergueu uma sobrancelha. Ele se recostou em sua cadeira de couro, olhando para o aquário. A Pérola Negra observava-o fixamente.
"O que vai acontecer?" Nox repetiu, e uma risada suave, verdadeiramente aterrorizante, escapou de seus lábios. "Rafael, Rafael... você não é pago para fazer perguntas. Você é pago para obedecer. Mas já que perguntou... ele vai se divertir. Eu prometo."
A palavra "divertir" saiu carregada de um significado tão perverso que Rafael sentiu o estômago embrulhar.
"Ele vai aprender que o mundo não é o conto de fadas que seu pai policial pintou para ele. Vai aprender sobre consequências. Sobre dívidas. E o melhor de tudo..." a voz de Nox baixou para um sussurro conspiratório, "...o delegado Daniel vai aprender também. Ele vai receber uma... demonstração prática do que acontece quando se mexe comigo. Será educativo para todos os envolvidos. Agora, some. E não me ligue de novo até que o trabalho esteja feito."
A linha se cortou, deixando Rafael segurando o telefone mudo, o suor frio escorrendo por suas têmporas. O silêncio no quarto era opressivo. Ele olhou para suas mãos, imaginando-as empurrando um garoto inocente para dentro de uma van.
"Divertir," ele sussurrou para o quarto vazio, e o significado daquela palavra, na boca de Nox, encheu-o de um horror tão profundo que desejou, por um breve segundo, que a Pérola Negra o tivesse encontrado primeiro.
Ele havia feito um pacto com o diabo
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