A música eletrônica pulsava em seus fones de ouvido, ditando o ritmo de sua respiração. O suor escorria pela sua testa, e os cachos castanhos, que sempre pareciam ter vida própria, grudavam na nuca. Cecil estava na esteira, com o corpo em movimento mecânico, enquanto sua mente navegava por um mar de equações e fórmulas químicas. A prova de termodinâmica da semana seguinte não saía de sua cabeça. A academia, para ela, não era apenas um lugar para malhar o corpo; era também um refúgio para organizar os pensamentos, para encontrar um equilíbrio entre a disciplina acadêmica e a necessidade física de se mover.
Ela apertou o botão de aumento de velocidade, sentindo os músculos das pernas protestarem em um ardor que já lhe era familiar. O visor digital mostrava 10.5 km/h. Sua meta era chegar a 12.0 km/h antes de começar o alongamento. Faltavam apenas mais dez minutos de sacrifício. O reflexo no espelho à sua frente exibia uma jovem determinada, com a pele clara avermelhada pelo esforço e os olhos focados no horizonte imaginário à sua frente.
Foi nesse momento de total concentração que a vibração do celular, que estava em um dos porta-objetos da máquina, quebrou a bolha em que estava. Ela hesitou, pensando em ignorar. Afinal, a rotina era sagrada. Mas a notificação insistente a fez diminuir a velocidade. O ícone do Instagram brilhava na tela de bloqueio.
Ela apertou o botão para visualizar a mensagem e seu coração deu um salto. A imagem de um perfil desconhecido, um homem com um olhar intenso e cabelos escuros, apareceu. A mensagem era curta e direta, tão direta que a fez gelar.
“Olá Cecil! Vi que postou uma foto no Facebook!”
Cecil parou a esteira bruscamente. A máquina emitiu um sinal sonoro de alerta e ela quase perdeu o equilíbrio. A água em sua garrafa térmica balançou, e o som da música em seus fones de ouvido ficou alto demais, estrondoso. A surpresa a atingiu como um soco no estômago. Como ele, um completo estranho, sabia seu nome e, mais importante, de sua foto no Facebook? O perfil no Instagram e a foto no Facebook. A conexão entre as duas redes sociais, que ela julgava tão separadas, parecia ter sido feita por um invisível.
O susto inicial foi misturado com uma estranha sensação de lisonja. O perfil dele era... impressionante. Ele se chamava Marco. Em uma foto, ele estava em um terno sob medida, com o colarinho perfeitamente alinhado, em frente a um cenário que parecia ser a paisagem de uma cidade europeia. Em outra, ele estava pilotando um barco em um mar azul cristalino. Não havia muitas fotos, nem muitas informações pessoais. Nenhuma menção a família, trabalho ou amigos. Ele era um enigma, um mistério embalado em um luxo impecável.
"Não seja boba, Cecil", ela disse para si mesma em um sussurro, enquanto secava o suor do rosto com a toalha. A razão lhe dizia para apagar a mensagem e bloquear o perfil. Mas a curiosidade, essa inimiga traiçoeira, a instigou a digitar uma resposta.
"Olá. Quem é você?"
A resposta veio em segundos. Rápida e fluida, como se ele estivesse esperando por ela.
"Sou Marco. Me desculpe pela abordagem. Vi sua foto de perfil em uma sugestão de amigos e sua beleza me chamou a atenção. E então achei seu perfil no Facebook... e me atrevi a mandar uma mensagem. Espero que não se importe."
A justificativa era convincente. Ela se sentiu boba por ter suspeitado. Afinal, era uma prática comum em redes sociais. A atração genuína, o elogio, o "espero que não se importe"... era tudo tão perfeito que a fez baixar a guarda. Ela sorriu para si mesma, sentindo o rubor de vergonha e, ao mesmo tempo, uma excitação inocente.
O que se seguiu foi uma conversa fluida e encantadora. Marco não era apenas bonito, ele era eloquente. Não perguntou diretamente sobre sua vida, mas soube conduzir o assunto para que ela falasse sobre si mesma. Sobre seu curso de engenharia química, a paixão por café e a obsessão por seriados de investigação. Ele ouvia com atenção, respondendo com comentários inteligentes e anedotas que pareciam ter sido feitas sob medida para ela. Ele falou de seu trabalho como "consultor de negócios", algo que ele definia como "complexo e agitado", e que o fazia viajar pelo mundo.
A noite avançava, e o tempo parecia ter acelerado. O sol se pôs lá fora, e o cansaço do treino foi substituído por uma euforia crescente. Eles pararam de se comunicar quando a tela do celular de Cecil marcava quase três da manhã.
Ela colocou o telefone para carregar e deitou em sua cama, o corpo relaxado, mas a mente em um turbilhão. A noite havia sido uma montanha-russa de emoções, desde o susto inicial até a euforia final. Por um momento, a voz da razão tentou se fazer ouvir, lembrando-a da abordagem estranha e da falta de informações sobre Marco. Aquele primeiro "Olá Cecil" parecia mais uma afirmação do que uma pergunta.
Mas o sentimento de ter se conectado com alguém tão intrigante e, de certa forma, tão distante de seu mundo, era irresistível. Ela fechou os olhos, um sorriso bobo nos lábios, e se perdeu nas imagens do perfil dele, mal sabendo que não eram fotos, mas peças de um jogo, parte de uma trama meticulosamente construída para envolvê-la em um mundo muito mais sombrio do que ela jamais poderia imaginar.
A notificação do Instagram se tornou o som favorito de Cecil. Não mais um simples alerta, mas um chamado, um eco da voz de Marco em sua mente. O que começou como uma curiosidade inocente, dias após a primeira mensagem, havia se transformado em uma rotina quase religiosa. Ela mal podia esperar para desbloquear a tela e ler as palavras dele, que pareciam ter sido escritas apenas para ela.
Oito dias se passaram desde aquele primeiro "Olá", e a conexão entre eles se aprofundava a cada conversa. Marco era um ouvinte extraordinário. Ele se lembrava de pequenos detalhes que ela mal se recordava de ter mencionado, como sua aversão a coentro ou seu sonho de visitar a Islândia para ver a aurora boreal. Quando ela comentou sobre a ansiedade pré-prova, ele não disse apenas "Boa sorte", mas enviou uma mensagem de áudio curta e profunda: "Respire fundo, Cecil. Você é mais inteligente do que pensa. Apenas confie no processo." A voz dele, grave e com um sotaque suave que ela não soube identificar, a arrepiou.
Enquanto Cecil mergulhava em seu mundo de estudos e rotina universitária, Marco a levava para um universo de viagens, luxo e histórias intrigantes. Ele descrevia Veneza sob a neblina, a imponente arquitetura de Viena e o calor do sol em um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Ele nunca postava fotos de seu rosto nessas viagens, mas as paisagens e os pequenos detalhes que ele descrevia faziam com que a imaginação dela voasse. Ele era evasivo sobre sua profissão, chamando-a de "consultoria de negócios complexos" e rindo ao dizer que sua vida não era "convencional". Ela achava a misteriosa vida dele fascinante, uma fuga bem-vinda da sua própria rotina, tão cheia de provas e exercícios.
A atração de Cecil por Marco não era mais apenas física. Ele era charmoso, inteligente, culto e, acima de tudo, parecia entendê-la de uma forma que ninguém jamais o havia feito. Ela passava horas relendo as conversas, analisando cada frase, cada vírgula, tentando encontrar um sentido para o que estava sentindo. Seus amigos notaram a mudança. Ela estava mais distante, com o celular sempre nas mãos, um sorriso bobo no rosto. Quando a questionavam, ela apenas dizia que estava conversando com um amigo, sem dar mais detalhes. A verdade é que ela tinha medo de que o julgamento deles, ou a razão, estragasse a magia que estava acontecendo.
À noite, deitada em sua cama, ela se pegava imaginando como seria se Marco fosse uma parte real de sua vida. O que eles fariam? Onde iriam? Ela visualizava as cenas em sua mente: um jantar à luz de velas em um restaurante italiano, uma caminhada de mãos dadas pelas ruas de uma cidade desconhecida. Esses devaneios a consumiam, transformando sua antiga calma em uma ansiedade constante pela próxima mensagem.
Em uma tarde de quinta-feira, enquanto Cecil estava em um café da faculdade, uma nova notificação surgiu na tela. Era um convite para uma videochamada. O coração dela disparou. Era o momento em que a fantasia se encontraria com a realidade. A oportunidade de finalmente ver e ouvir Marco sem o filtro da escrita. Ela sabia que essa era a próxima etapa, mas a velocidade com que tudo estava evoluindo a assustou.
Ela digitou a resposta, os dedos tremendo: "Claro, que horas?"
A resposta veio na mesma hora: "Agora. Se você puder."
Cecil olhou para a tela. A luz do sol da tarde entrava pela janela do café e iluminava sua xícara de cappuccino. O mundo ao seu redor era familiar e seguro, mas o seu coração estava prestes a entrar em um universo totalmente desconhecido. Ela hesitou, sentindo uma pontada de pânico. Marco era real? Ou era apenas uma fachada perfeita, uma imagem criada para um propósito que ela ainda não conseguia entender?
A tela acendeu novamente, com uma nova mensagem de Marco.
"Não tenha medo, Cecil."
Aquelas três palavras a atingiram como um raio. Como ele sabia que ela estava hesitante? Ele era um manipulador, um gênio em ler as entrelinhas de suas respostas. Ou talvez, apenas talvez, ele a entendesse tão bem que conseguia ler sua mente. Ela soltou a respiração que nem sabia que estava prendendo. A curiosidade e a atração venceram o medo. A mão dela, ainda tremendo, tocou a tela, pronta para aceitar a chamada. Ela estava prestes a abrir a porta para a trama de Marco, uma trama da qual ela não teria como escapar.
O celular de Cecil parecia uma bomba prestes a explodir em suas mãos. A tela brilhava, e a imagem de Marco em sua foto de perfil era a única coisa que a ancorava. Ela ajeitou a franja, respirou fundo e aceitou a chamada. A conexão foi quase instantânea. E então, o som e a imagem de sua fantasia se tornaram uma realidade.
Marco era ainda mais atraente ao vivo. A pele lisa, os olhos escuros, a maneira como a sombra da barba recém-feita se projetava sobre sua mandíbeto. A barba recém-feita se projetava sobre sua mandíbula. Sua expressão facial, que nas fotos era misteriosa e distante, agora se suavizava com um sorriso caloroso. Ele estava vestido com uma camiseta simples, e o fundo atrás dele parecia ser o interior de uma casa moderna, com uma grande janela que dava para uma paisagem urbana.
"Olá, Cecil. É um prazer finalmente te ver", disse ele, e a voz dele, que ela já havia ouvido em um áudio, agora parecia ter uma nova profundidade, uma intensidade que a fez suspirar.
"Olá, Marco. O prazer é meu", ela respondeu, sentindo o rosto corar. O nervosismo se dissipou, substituído por uma euforia inebriante. Eles conversaram por quase vinte minutos, sobre a prova que ela havia feito, sobre um filme que ele recomendou e sobre as pequenas coisas da vida. Ele era tão eloquente e atencioso quanto em suas mensagens. A conversa era leve, engraçada, e por um momento, Cecil esqueceu completamente suas preocupações. A razão lhe dizia que não era normal se sentir tão à vontade com um estranho, mas seus sentimentos gritavam o contrário.
A calma da conversa foi quebrada de repente. Marco se virou para olhar para a porta, sua expressão mudando em um piscar de olhos, de calorosa para fria e séria. A câmera se moveu ligeiramente, e foi naquele segundo, enquanto ele ajustava o ângulo, que Cecil viu.
Não era apenas um detalhe, era um vulto. Um homem alto, de terno, com um olhar duro e sem emoção. Ele parecia estar parado na entrada de um corredor, imóvel como uma estátua de mármore. O que chamou a atenção de Cecil, no entanto, foi o que estava em sua cintura: a ponta de um coldre de couro, escondido sob o paletó, e o brilho metálico de algo que parecia ser uma arma. A imagem durou menos de um segundo. Marco moveu a câmera rapidamente, cortando o quadro antes que ela pudesse ter certeza do que viu.
"Desculpe a interrupção", disse ele, voltando a sorrir, mas o sorriso não alcançava seus olhos. "Meu motorista... Ele é um pouco impaciente."
A desculpa soou fraca. Motorista? Por que um motorista estaria dentro da casa, com um paletó e uma arma na cintura, com uma expressão tão gélida? As perguntas martelaram a mente de Cecil. A euforia que ela sentia antes se transformou em uma pontada de ansiedade. Ela forçou um sorriso, tentando não demonstrar o choque.
"Sem problemas", ela murmurou, mas sua voz era um pouco mais alta do que o normal.
A conversa continuou, mas o tom havia mudado. A leveza se foi. Marco parecia um pouco mais tenso, e Cecil estava distraída, tentando se lembrar dos detalhes do que viu. O homem, o terno, a arma... Era real ou apenas uma ilusão da sua mente, cansada e impressionada? O olhar vazio daquele homem a assombrava.
Poucos minutos depois, Marco encerrou a chamada. "Preciso resolver um assunto importante agora, mas falo com você mais tarde. Foi ótimo te ver, Cecil."
"Igualment..." a voz dela falhou. A tela ficou escura.
O celular escorregou de suas mãos, caindo suavemente no tapete. Ela ficou ali, sentada, com o coração ainda acelerado e a mente em um turbilhão. A memória do vulto na janela era nítida e perturbadora. Ela fechou os olhos, tentando se convencer de que havia sido um engano, que o homem era apenas um segurança, talvez... mas a verdade é que algo em seu instinto a alertava sobre o perigo. O homem que a havia encantado nos últimos dias era agora um enigma ainda maior. E, pela primeira vez, Cecil sentiu que a trama em que estava se envolvendo era muito mais perigosa do que ela havia imaginado.
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