Se alguém me dissesse há três meses que eu beijaria meu chefe sem permissão na frente dos meus pais, eu diria que era loucura. Mas às vezes o desespero nos faz fazer coisas impensáveis.
Meu nome é Oliver Miller, tenho vinte e sete anos, e sou secretário do CEO mais poderoso - e inalcançável - de Nova York. Sebastian Blackwood. O homem por quem estou perdidamente apaixonado há dois anos.
Tudo começou com uma mentira inocente.
Meus pais, Margaret e Robert Miller, sempre foram... exigentes. Rígidos seria um eufemismo. Para eles, sucesso é medido por status social, dinheiro e, principalmente, um "bom casamento". Ser gay já era motivo suficiente para decepcioná-los - imaginem descobrir que seu único filho estava solteiro aos vinte e sete anos, trabalhando como secretário.
Então, numa ligação particularmente tensa no mês passado, quando minha mãe começou seu discurso habitual sobre "encontrar alguém respeitável", as palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse detê-las:
"Na verdade, eu estou namorando. Com meu chefe."
O silêncio do outro lado da linha foi ensurdecedor.
"Sebastian Blackwood", continuei, cavando minha própria cova. "O CEO da Blackwood Industries."
Pronto. Estava feito. Uma mentira gigantesca que me daria paz por algumas semanas - ou assim eu pensava.
Claro que eles quiseram detalhes. Claro que ficaram impressionados. E claro que decidiram fazer uma "visita surpresa" para conhecer meu suposto namorado.
Foi assim que me encontrei numa manhã de terça-feira, vendo meus pais atravessarem o lobby da empresa com suas roupas caras e sorrisos forçados, enquanto eu entrava em pânico total.
Sebastian estava em seu escritório, provavelmente revisando contratos, completamente alheio ao furacão que estava prestes a destruir sua manhã. Eu tinha aproximadamente trinta segundos para impedir um desastre.
Bati na porta e entrei sem esperar resposta.
"Sebastian, eu preciso te contar algo muito important—"
"Miller." Ele nem levantou os olhos dos documentos. "Se não for urgente, pode esperar. Tenho uma reunião em quinze minutos."
Seus cabelos negros caíam perfeitamente sobre a testa, os olhos escuros concentrados no trabalho. Mesmo estressado, meu coração disparou como sempre acontecia perto dele.
"Na verdade, é sobre isso. Meus pais estão—"
A porta se abriu.
"Oliver, querido!" A voz aguda da minha mãe ecoou pelo escritório. "Esperamos que não se importe com a surpresa!"
Sebastian finalmente levantou o olhar, e eu vi a confusão se espalhar por seu rosto perfeito. Seus olhos se moveram entre mim e meus pais, claramente tentando entender a situação.
Meu pai deu um passo à frente, estendendo a mão com um sorriso político. "Você deve ser Sebastian Blackwood. Sou Robert Miller, pai do Oliver. Estamos ansiosos para conhecer o... namorado do nosso filho."
O mundo parou.
Sebastian me olhou com uma expressão que misturava choque, confusão e algo que poderia ser interpretado como traição. Suas sobrancelhas se franziram levemente, a boca se abriu como se fosse dizer algo.
Eu não podia deixar isso acontecer. Não podia deixar que ele negasse tudo ali mesmo e me humilhasse na frente dos meus pais.
Sem pensar, sem planejar, sem qualquer vestígio de sanidade, atravessei o escritório em três passos rápidos, coloquei as mãos nos ombros de Sebastian e o beijei.
Foi um beijo desesperado, rápido, mais um encontro de lábios do que qualquer coisa romântica. Mas foi o suficiente para que meu mundo inteiro mudasse de cor.
Sebastian ficou completamente imóvel por um segundo que pareceu uma eternidade. Seus lábios eram mais macios do que eu imaginava, e por um momento insano, pensei sentir uma leve pressão de volta.
Quando me afastei, nossos rostos ainda estavam próximos. Pude ver cada detalhe dos seus olhos escuros, a surpresa ainda gravada neles, e sussurrei baixo demais para meus pais ouvirem:
"Me perdoa. Por favor, apenas... me ajuda com isso."
Então me virei para meus pais com o sorriso mais falso da minha vida.
"Desculpem a... efusividade. Senti saudades dele." Minha voz saiu mais aguda do que o normal.
Minha mãe estava boquiaberta, com as bochechas levemente coradas. Meu pai parecia satisfeito, como se finalmente tivesse encontrado algo a provável na minha vida.
Sebastian ainda não havia dito uma palavra. Podia sentir seu olhar pesando nas minhas costas como fogo.
"Bem", minha mãe finalmente se recompôs, "que... lovely. Sebastian, é um prazer conhecê-lo finalmente."
Foi então que ouvi sua voz pela primeira vez desde o beijo, baixa e controlada, mas com uma tensão que apenas eu parecei notar:
"O prazer é meu, Mrs. Miller."
O resto da visita passou como um borrão. Sebastian, sendo o profissional consumado que é, representou o papel perfeitamente. Respondeu perguntas vagas sobre nosso "relacionamento", foi charmoso na medida certa, e até mesmo colocou a mão na minha cintura quando meus pais tiraram uma foto.
Mas eu sabia. Pela rigidez em seus ombros, pela maneira como evitava meu olhar, pela tensão quase tangível no ar - eu sabia que havia cruzado uma linha da qual não poderia voltar.
Depois que meus pais saíram, satisfeitos e orgulhosos, ficamos sozinhos no escritório em um silêncio ensurdecedor.
Sebastian se aproximou da janela, as mãos nos bolsos, e ficou de costas para mim por longos minutos. Quando finalmente se virou, sua expressão era indecifrável.
"Precisamos conversar", disse ele, a voz baixa e perigosamente calma. "Agora."
E foi assim que minha mentira inocente se transformou no momento que mudaria nossas vidas para sempre.
---
**Continua no Capítulo 1...**
Nunca pensei que o dia do meu "casamento" seria tão... estéril.
O cartório de Manhattan tinha aquele cheiro característico de papel velho e café frio. As paredes bege sem vida pareciam julgar cada movimento que eu fazia, enquanto segurava a caneta que selaria minha farsa.
"Oliver Miller", anunciei quando chegou minha vez, minha voz saindo mais baixa do que eu gostaria.
Sebastian estava ao meu lado, impecável como sempre em seu terno cinza escuro. Mesmo naquele ambiente sem charme, ele emanava uma elegância natural que fazia as pessoas se virarem para olhar. Incluindo o oficial do cartório, que parecia impressionado por estar casando duas pessoas claramente de classes sociais diferentes.
"Sebastian Blackwood", ele respondeu quando solicitado, sua voz grave ecoando pela sala pequena.
Nossas famílias estavam dispostas em duas fileiras de cadeiras de plástico atrás de nós. Meus pais, Margaret e Robert Miller, sentados rigidamente, observando cada movimento com olhos críticos. Ao lado deles, meu irmão Christopher com sua esposa Victoria - ela linda como sempre, ele me dando sorrisos encorajadores quando nossos olhares se encontravam.
Do outro lado, a família Blackwood irradiava uma tranquilidade que eu invejava. Richard Blackwood, o pai de Sebastian, tinha a mesma postura ereta do filho, mas seus olhos eram mais gentis. Catherine, sua mãe, me ofereceu um sorriso genuíno quando cheguei, e sussurrou "que lindo você está" no meu ouvido durante o cumprimento.
Que contraste gritante com meus próprios pais.
"Os anéis", pediu o oficial.
Sebastian tirou duas alianças de uma pequena caixa de veludo. Simples, elegantes, caras. Claro que ele havia pensado em tudo.
Quando ele segurou minha mão para colocar o anel, seus dedos estavam frios. Os meus provavelmente tremiam. Por um segundo, nossos olhos se encontraram, e vi algo que não consegui decifrar - talvez resignação, talvez... gentileza?
"Eu, Sebastian Blackwood, aceito você, Oliver Miller, como meu esposo", ele disse as palavras obrigatórias com uma seriedade que quase me fez acreditar que eram verdadeiras.
Quando chegou minha vez, tive que pigarrear antes de falar: "Eu, Oliver Miller, aceito você, Sebastian Blackwood, como meu esposo."
As palavras saíram como um sussurro, mas foram suficientes.
"Pelos poderes que me foram conferidos pelo Estado de Nova York, eu os declaro marido e marido."
Marido e marido. As palavras ecoaram na minha mente como sinos distantes.
Sebastian se inclinou e me deu um beijo casto nos lábios - rápido, apropriado para a ocasião, mas que ainda assim fez meu coração disparar. Quando nos afastamos, ele sussurrou apenas para mim ouvir:
"Está feito."
***
O restaurante escolhido para o almoço era requintado demais para meu gosto - o tipo de lugar onde os garçons te olham com desaprovação se você não sabe qual garfo usar primeiro. Mas era exatamente o tipo de estabelecimento que impressionaria meus pais.
Estávamos todos sentados em uma mesa redonda grande: Sebastian e eu lado a lado, nossos pais de frente um para o outro, e Chris com Victoria completando o círculo.
"Então, Sebastian", meu pai começou depois que pedimos as entradas, "conte-nos mais sobre como vocês se conheceram."
Senti meu estômago se contrair. Essa era uma das perguntas que eu temia.
Sebastian, no entanto, não hesitou: "Oliver começou a trabalhar como meu secretário há dois anos. Devo admitir que no início eu era... exigente demais. Mas ele sempre mantinha a calma, mesmo quando eu estava sendo impossível." Ele me olhou com um sorriso que quase parecia genuíno. "Acho que me apaixonei pela sua paciência primeiro."
Mentira linda, contada com tal naturalidade que até eu quase acreditei.
"Que romântico", suspirou Catherine, levando a mão ao peito. "Richard também era meu chefe quando nos conhecemos, não é querido?"
Richard riu: "A diferença é que Catherine era muito mais esperta que eu desde o primeiro dia. Oliver, você deve ter muita paciência mesmo."
Eu estava prestes a responder quando minha mãe interrompeu: "Oliver sempre foi... dedicado ao trabalho. Não é como Christopher, que sempre soube exatamente o que queria da vida."
O comentário caiu como uma pedra no meio da mesa.
"Mãe", Chris disse baixo, com tom de aviso.
"O que foi? É verdade." Ela se virou para Catherine com um sorriso forçado. "Christopher é nosso filho mais velho. Médico cirurgião, casado com uma modelo internacional. Sempre foi o orgulho da família."
Victoria pareceu desconfortável, mexendo no guardanapo sobre o colo. Chris segurou a mão dela e me olhou com uma expressão de desculpas.
Senti meu rosto esquentar de vergonha. Ali estava ela novamente, diminuindo-me na frente de pessoas importantes.
"Bem", disse Sebastian, e havia uma frieza em sua voz que eu nunca havia ouvido antes, "acho que Oliver é bastante excepcional. Não conheço muitos secretários que conseguiriam gerenciar uma empresa do tamanho da Blackwood Industries com tanta eficiência."
Meus pais pareceram surpresos com a defesa.
"Claro, claro", meu pai se apressou em concordar. "Nós somos muito orgulhosos do Oliver também. É só que... bem, Christopher sempre foi mais..."
"Tradicional?" Sebastian sugeriu, e havia definitivamente uma ironia em sua voz agora.
O silêncio que se seguiu foi tenso até Richard mudar de assunto para negócios, e a conversa fluiu mais naturalmente depois disso. Mas eu notei como Sebastian observava tudo com olhos atentos - cada comentário sutil dos meus pais, cada vez que eles elogiavam Chris enquanto me ignoravam, cada momento em que eu encolhia um pouco mais na cadeira.
***
Horas depois, estávamos no meu quarto na casa dos meus pais. Era pequeno comparado ao que Sebastian provavelmente estava acostumado - cama de solteiro, escrivaninha simples, algumas prateleiras de livros. Basicamente o quarto de um adolescente, não de um homem de vinte e sete anos.
Sebastian estava de pé perto da janela, ainda de terno, mas havia tirado o paletó e afrouxado a gravata. Parecia cansado.
"Sinto muito", eu disse pela terceira vez naquele dia, sentado na borda da cama com as mãos entrelaçadas. "Por tudo isso. Por ter te colocado nessa situação."
Ele se virou para me olhar: "Você já se desculpou o suficiente, Oliver."
"Mas é que... meus pais são..." Parei, não sabendo como explicar.
"Difíceis", ele terminou por mim. "Eu percebi."
Ficamos em silêncio por um momento.
"Eles sempre foram assim com você?", perguntou Sebastian, sua voz mais suave agora.
"Não é nada demais", eu disse rapidamente, desviando o olhar. "Eles só... têm expectativas diferentes para mim e para o Chris."
"Oliver." Havia algo em sua voz que me fez olhar para ele novamente. "Você não precisa mentir para mim. Não depois de tudo que aconteceu hoje."
Senti minha garganta apertar: "Eles não são ruins. Só... nunca souberam lidar comigo sendo... diferente."
Sebastian se aproximou e se sentou na cadeira da escrivaninha, de frente para mim: "E você acha que é culpa sua?"
A pergunta me pegou desprevenido. "Eu... não é culpa de ninguém."
"Isso não foi o que eu perguntei."
Olhei para minhas mãos: "Às vezes sinto que se eu fosse mais como Chris, se tivesse feito escolhas diferentes..."
"Oliver." Sua voz era firme agora. "Olhe para mim."
Relutantemente, levantei os olhos.
"Não há nada de errado com você. Nada."
As palavras foram ditas com tanta convicção que senti meu peito se apertar de uma maneira estranha.
"Eu precisei mentir para eles sobre ter um namorado", sussurrei. "Que tipo de filho precisa mentir sobre isso?"
"O tipo que tem pais que o fazem se sentir mal por ser quem é", ele respondeu sem hesitar.
Ficamos nos encarando por um momento longo, e senti como se ele estivesse vendo mais de mim do que eu gostaria de mostrar.
"Bem", ele disse finalmente, se levantando e pegando o paletó, "amanhã você pode tirar a manhã para arrumar suas coisas. Vamos precisar manter as aparências, então... você vai ter que se mudar para meu apartamento."
Realidade. Ali estava ela novamente.
"Sebastian", eu comecei, "sobre isso tudo... as regras, as expectativas..."
"Conversamos sobre isso amanhã", ele me interrompeu gentilmente. "Foi um dia longo para nós dois."
Ele caminhou até a porta, então parou e se virou para mim uma última vez.
"E Oliver? Pare de se desculpar. Nós dois nos metemos nessa situação. Agora precisamos descobrir como sair dela... ou como torná-la funcional."
Depois que ele saiu, fiquei sentado sozinho no meu quarto pequeno, olhando para a aliança no meu dedo. Em menos de 24 horas, minha vida inteira havia mudado.
E a única coisa que eu sabia com certeza era que Sebastian Blackwood era ainda mais complicado do que eu havia imaginado.
---
**Continua no Capítulo 2...**
Três dias.
Foram necessários apenas três dias para que eu arrumasse toda a minha vida em duas malas e algumas caixas. Vinte e sete anos de existência cabiam surpreendentemente em muito pouco espaço. Talvez isso dissesse algo sobre mim que eu preferia não analisar muito profundamente.
O apartamento de Sebastian ficava no Upper East Side, em um dos prédios mais exclusivos de Manhattan. Quando o porteiro me cumprimentou pelo nome - Sebastian já havia me cadastrado como "residente" - senti um frio no estômago. Aquilo estava se tornando real demais, rápido demais.
O elevador privativo subiu silenciosamente até o último andar. Quando as portas se abriram diretamente na sala de estar do apartamento, tive que segurar a respiração.
Era... deslumbrante. Janelas do chão ao teto ofereciam uma vista panorâmica da cidade, móveis de design que provavelmente custavam mais que meu salário anual, e uma decoração em tons de cinza e branco que gritava sofisticação. Tudo impecavelmente organizado, tudo caro, tudo muito... Sebastian.
"Conseguiu se instalar bem?"
Me virei. Sebastian estava saindo de um dos corredores, vestindo uma camiseta branca simples e calças de moletom cinza. Era a primeira vez que eu o via sem terno, e por um momento esqueci como respirar. Ele parecia mais jovem assim, mais... acessível.
"Sim", consegui responder. "Obrigado por... por tudo isso."
Ele acenou com a cabeça, caminhando até a cozinha americana. "Café?"
"Por favor."
Observei-o preparar duas xícaras com movimentos precisos e eficientes. Até fazendo café ele era elegante.
"Precisamos conversar sobre algumas coisas", disse ele, me entregando uma xícara de porcelana fina. "Sobre como isso vai funcionar."
Meu estômago se contraiu. "Claro."
Nos sentamos no sofá - ele em uma extremidade, eu na outra, mantendo uma distância respeitosa.
"Primeiro", começou Sebastian, segurando a xícara com as duas mãos, "este apartamento tem três quartos. O master é meu. O segundo quarto é seu agora - já coloquei algumas coisas básicas lá. O terceiro é um escritório."
Eu assenti, tentando não demonstrar o alívio que senti. Quartos separados. Obviamente.
"Segundo, em público, manteremos as aparências necessárias. Em casa..." ele fez uma pausa, "somos dois adultos dividindo um espaço. Civilizadamente."
"Entendi."
"Terceiro, e mais importante", seus olhos escuros me fixaram com intensidade, "no escritório, eu sou seu chefe e você é meu secretário. Nada mais, nada menos. Não pode haver confusão entre nossa vida... pessoal e profissional."
A palavra "pessoal" soou estranha vinda dele, como se ele não tivesse certeza de como classificar nossa situação.
"Sebastian, eu nunca..."
"Sei que não", ele me interrompeu gentilmente. "Mas é importante estabelecer isso desde o início. Esta... situação não pode afetar nosso trabalho."
Ficamos em silêncio por alguns minutos, bebendo nossos cafés. A tensão no ar era quase palpável.
"Quanto tempo?", perguntei finalmente.
"Como assim?"
"Quanto tempo vamos manter isso? O casamento, eu digo."
Sebastian colocou a xícara na mesa de centro, pensativo. "Tempo suficiente para que não pareça suspeito quando nos separarmos. Um ano, talvez dois."
Um ano. Ou dois. Vivendo essa farsa, fingindo ser algo que não éramos.
"Certo", murmurei.
***
A manhã seguinte foi... estranha.
Acordei cedo, como sempre, mas o apartamento era silencioso de uma forma diferente da casa dos meus pais. Aqui, o silêncio era caro, isolado do mundo por vidros duplos e paredes grossas.
Quando cheguei à cozinha, Sebastian já estava lá, impecável em seu terno azul marinho, lendo algo no tablet enquanto bebia café.
"Bom dia", disse ele sem levantar os olhos.
"Bom dia."
Preparei minha própria xícara de café, consciente de cada movimento. Tudo parecia amplificado - o barulho da colher mexendo o açúcar, o som da geladeira quando peguei o leite, minha própria respiração.
"Vamos sair em quinze minutos", Sebastian anunciou, ainda focado na tela.
"Claro."
Tomamos o café em silêncio. Eu tentava ler as expressões do seu rosto, mas ele mantinha aquela máscara profissional que eu conhecia tão bem. Era como se os últimos dias não tivessem acontecido, como se nada tivesse mudado.
Mas tudo havia mudado.
***
A viagem de carro até o escritório foi igualmente silenciosa. Sebastian dirigia com a mesma precisão com que fazia tudo - focado, controlado. Eu ficava olhando pela janela, tentando processar o fato de que agora íamos e voltávamos do trabalho juntos. Como um casal de verdade.
Quando chegamos ao prédio da Blackwood Industries, senti meu estômago se revirar. Como as pessoas iam reagir? O que elas iam pensar?
"Lembra-se do que conversamos", Sebastian disse baixinho quando entramos no elevador. "Profissionalismo."
Assenti, mas já podia sentir os olhares curiosos dos outros funcionários que dividiram o elevador conosco. Sussurros discretos, olhadas de esguelha. Meu coração começou a acelerar.
Quando chegamos ao nosso andar - o último, onde ficavam os escritórios executivos - as coisas pioraram.
Sarah, a recepcionista, me cumprimentou com um sorriso que não chegou aos olhos: "Bom dia, Sr. Miller. Ou devo dizer... Sr. Blackwood agora?"
Senti meu rosto esquentar. "Miller está ótimo."
Sebastian passou direto por nós rumo ao seu escritório, como fazia todas as manhãs. Nenhum reconhecimento especial, nenhum olhar carinhoso. Profissionalismo total.
Sentei-me na minha mesa, tentando focar nas tarefas do dia. Mas era impossível ignorar os sussurros que vinham de outras mesas.
"...casou com o chefe..."
"...sempre soube que ele era interesseiro..."
"...obviamente está atrás do dinheiro..."
"...que coincidência, né? O secretário se casando com o CEO..."
Cada palavra era como um soco no estômago. Minha respiração começou a ficar mais curta, o peito apertado. As mãos tremiam levemente enquanto eu tentava digitar um e-mail.
Interesseiro. Oportunista. Gold digger.
Era isso que eles pensavam de mim.
O telefone tocou, me fazendo pular.
"Escritório do Sr. Blackwood", atendi, tentando manter a voz firme.
"Miller", era a voz de Sebastian pelo interfone, "preciso que você venha aqui."
Levantei-me com pernas bambas e caminhei até o escritório dele. Quando fechei a porta atrás de mim, Sebastian estava de pé perto da janela, de costas para mim.
"Sente-se", disse ele sem se virar.
Obedeci, sentando-me numa das cadeiras em frente à mesa.
Ele se virou e me estudou com aqueles olhos penetrantes. "Você está bem?"
"Estou."
"Oliver."
Havia algo no tom da minha voz que me fez olhar para ele diretamente. "Estou bem, Sebastian. Por quê?"
"Porque você parece estar prestes a ter um ataque de pânico."
A observação me pegou desprevenido. Será que era tão óbvio assim?
"Eu... estou só um pouco cansado."
"Está sendo difícil? Os comentários?"
Então ele havia ouvido também. Claro que havia ouvido.
"Não é nada que eu não possa lidar", menti.
Sebastian suspirou e se aproximou, se apoiando na beirada da mesa. "Oliver, você precisa entender uma coisa. As pessoas sempre vão falar. Sempre vão especular. Faz parte de estar em uma posição como a minha... nossa."
"Eu sei."
"Não", ele balançou a cabeça. "Não acho que você sabe. E tudo bem - você não deveria ter que saber. Mas agora precisa aprender."
Senti minha garganta apertar. "Estou tentando."
"Sei que está. Mas você precisa separar as coisas. Aqui dentro deste escritório, quando estivermos trabalhando, você é meu secretário. Ponto final. As pessoas podem pensar o que quiserem sobre nossa vida pessoal, mas isso não pode afetar seu trabalho."
Ele estava certo, é claro. Sempre estava.
"Você consegue fazer isso?", perguntou ele, sua voz mais gentil agora.
"Consigo", respondi, tentando soar mais confiante do que me sentia.
"Bem." Sebastian voltou para trás da mesa. "Preciso que você remarque minha reunião das três para as quatro. E que peça para o pessoal do financeiro enviar os relatórios trimestrais até o fim do dia."
"Claro."
Levantei-me para sair, mas sua voz me parou na porta.
"Oliver?"
"Sim?"
"Isso vai ficar mais fácil. Com o tempo."
Não tive certeza se ele estava falando sobre o trabalho ou sobre nossa situação como um todo. Mas assenti mesmo assim.
***
O resto do dia passou numa névoa de telefonemas, e-mails e tentativas de ignorar os olhares curiosos. Mantive-me ocupado, focado, profissional. Levei café para Sebastian na hora certa, organizei seus compromissos, atendi suas ligações.
Por fora, estava funcionando perfeitamente. Por dentro, sentia como se estivesse se despedaçando lentamente.
Quando Sebastian saiu para sua última reunião do dia, finalmente permiti que minha fachada caísse um pouco. Apoiei o rosto nas mãos e tentei respirar fundo.
"Com licença?"
Levantei a cabeça. Emma, uma das secretárias do departamento de marketing, estava de pé ao lado da minha mesa com um sorriso falso.
"Oi, Emma."
"Então... é verdade? Você e o Sr. Blackwood?"
Meu estômago se revirou. "É verdade o quê?"
"Vocês se casaram mesmo? Ou é só mais um rumor?"
Senti o ar ficando mais pesado ao meu redor. "Emma, eu..."
"Porque, sabe", ela continuou, se inclinando mais perto, "algumas pessoas estão dizendo que é meio suspeito. Um secretário se casando com o CEO assim... do nada."
"Não foi do nada", consegui dizer, minha voz saindo mais fraca do que eu gostaria.
"Claro que não", ela sorriu, mas havia malícia em seus olhos. "Tenho certeza de que vocês se amam muito."
A ironia em sua voz era inegável. Senti meu peito apertar, a respiração ficando irregular. As palavras começaram a se embaralhar na minha mente.
"Eu... preciso..."
"Emma."
A voz fria de Sebastian cortou o ar como uma lâmina. Ela se endireitou imediatamente, o sorriso falso desaparecendo do rosto.
"Sr. Blackwood. Eu estava apenas..."
"Conversando com meu secretário quando ele claramente tem trabalho a fazer", ele terminou por ela. "Sugiro que você volte para sua própria mesa."
Emma saiu rapidamente, murmurando desculpas. Sebastian me olhou por um longo momento.
"Meu escritório. Agora."
Levantei-me com pernas trêmulas e o segui. Quando ele fechou a porta, senti como se o ar tivesse sido sugado da sala.
"Sente-se", disse ele gentilmente.
Desabei na cadeira, tentando controlar a respiração que estava ficando cada vez mais rápida e superficial.
"Oliver, olhe para mim."
Levantei os olhos com dificuldade.
"Respire comigo. Devagar. Inspire... expire..."
Seguindo suas instruções, lentamente consegui regularizar a respiração. A sensação de sufocamento diminuiu, mas o tremor nas mãos permaneceu.
"Melhor?"
Assenti, incapaz de confiar na minha voz.
Sebastian se ajoelhou ao lado da cadeira, ficando na minha altura. "Isso vai parar. Os comentários, as provocações. As pessoas vão se acostumar e encontrar outra coisa para fofocar."
"E se não pararem?", sussurrei.
"Então eu me certificarei de que parem", ele disse, e havia uma dureza em sua voz que me fez acreditar que ele realmente faria isso.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Lentamente, senti meu corpo relaxar.
"Vamos para casa", Sebastian disse finalmente, se levantando. "Você já fez o suficiente por hoje."
Casa. A palavra soou estranha vinda dele, mas também... reconfortante.
Enquanto ele desligava o computador e organizava alguns papéis, tentei me recompor. Profissionalismo. Era isso que ele queria, era isso que eu tinha que dar.
Mas enquanto saíamos do escritório juntos, uma coisa ficou clara: fingir ser casado com Sebastian Blackwood estava cobrando um preço muito mais alto do que eu havia imaginado.
E nós ainda estávamos apenas no começo.
---
**Continua no Capítulo 3...**
Para mais, baixe o APP de MangaToon!