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O DESTINO ENTRE NÓS

PRÓLOGO

Eu me lembro exatamente onde ouvi essa palavra pela primeira vez.

Mas o fato é que ela passou o dia inteiro martelando na minha cabeça, mesmo depois de anos.

Maktub.

No início, achei que fosse invenção da minha mente inquieta. Como se tivesse criado um som apenas para me torturar em silêncio. Mas não. Ao folhear um livro esquecido na biblioteca, finalmente encontrei seu significado:

> Estava escrito.

Destino. Inevitável. Como se tudo já estivesse traçado muito antes de darmos o primeiro passo.

Confesso: isso me deixou perturbada. Algumas pessoas acreditam que o destino é essa força invisível que guia nossas vidas desde o começo. Mas se for verdade, por que o meu parecia ter dado uma volta completa e ainda assim me deixasse no mesmo lugar?

Talvez fosse só uma crise existencial no meio de um sábado à noite solitário. Talvez fosse apenas eu, sentada no canto de uma biblioteca pública, inventando problemas maiores do que realmente eram.

Só que, se você me conhecesse, saberia: eu nunca aceitei respostas simples. Sempre quis mais. Mais do que a minha invisível existência podia me oferecer. Mais do que a rotina previsível que me esperava.

Talvez seja por isso que estou aqui agora.

Mas se você pretende me acompanhar nessa história… melhor se sentar.

Porque ela não será curta.

Dezembro de 2011.

Se alguém tivesse me dito que eu passaria as férias em um acampamento, dividindo quarto com meninas que usam glitter até para dormir, eu teria rido. Ou chorado. Ou os dois. Mas lá estava eu: tênis afundando na terra batida, mochila pesada nas costas e um calor digno do inferno. Obrigada, mãe.

“Vai ser bom pra você, Bianca. Você precisa sair um pouco desse mundo de vampiros e encarar a vida real.”

Foi o que ela disse antes de praticamente me despachar dentro do ônibus.

Ótimo. Porque, claro, a solução para minha vida social falida era ser jogada em meio a adolescentes bronzeados que pareciam ter saído de um comercial de refrigerante. Todos rindo, tirando selfies perfeitas… enquanto eu? Bom, eu sou eu. Cabelo preso de qualquer jeito, camiseta do Crepúsculo, livro na mão como armadura.

Eu já dominava a arte de ser invisível. E estava decidida a passar o verão assim.

Pelo menos até vê-lo.

Ele estava sentado sozinho, afastado do barulho da cantina. O cabelo levemente bagunçado, olhos escuros demais para serem esquecidos. Não era do tipo que buscava atenção — mas chamava a minha de um jeito impossível de ignorar.

A sensação foi tão absurda que lembrei imediatamente de Bella vendo Edward pela primeira vez. Aquele silêncio súbito, o coração acelerado, o mundo inteiro desaparecendo ao redor. Ridículo, eu sei. Mas foi exatamente assim.

Criei coragem.

“Posso sentar aqui?”

Ele ergueu os olhos, arqueando uma sobrancelha.

“Se quiser.”

E naquele instante, sem que eu tivesse planejado, o meu destino começou a mudar.

Na última noite do acampamento, todo mundo se reuniu em volta da fogueira.

Havia música baixa, risadas espalhadas pelo ar e marshmallows queimando nos espetos. Eu, como sempre, procurei um canto um pouco afastado. Observava à distância os grupos fazendo declarações de amizade eterna, como se aqueles poucos dias fossem inesquecíveis para sempre.

Foi quando ele apareceu.

Lucas se jogou ao meu lado, como se aquele espaço tivesse sido reservado só para ele.

“Vai dizer que vai embora sem nem me dar um tchau decente?” — provocou, com aquele sorriso de canto que parecia saber demais.

“Eu estava pensando em fugir antes do café da manhã. Invisível, como cheguei.”

Minha voz soou mais leve do que eu esperava, mas dentro de mim o nó apertava.

“Não quero que você vá embora como se nada tivesse acontecido.”

“O que você quer que aconteça, então?”

Ele não respondeu de imediato. Apenas me olhou. Um daqueles olhares que duram um segundo, mas parecem uma eternidade. O fogo estalava ao nosso redor, pintando reflexos alaranjados na pele dele, e por um instante o mundo encolheu até caber só naquele espaço entre nós.

“Isso.”

Ele se inclinou devagar, como se me desse tempo para recuar. Mas eu não recuei.

Meu coração disparou tão rápido que parecia tentar escapar do peito. O cheiro de fumaça se misturava ao da grama molhada, minhas mãos suavam e meus joelhos tremiam.

E então ele me beijou.

Não foi como nos filmes, nem como nos livros. Foi melhor. Foi real.

Suave, quase tímido, mas cheio de uma intensidade que me atravessou inteira.

A fogueira, as vozes, o mundo inteiro… tudo pareceu silenciar, como se nada além daquele beijo estivesse escrito para mim naquela noite.

Meu primeiro beijo.

E, pela primeira vez, eu não me senti invisível.

Eu me senti escolhida.

O COMEÇO DE ALGUMA COISA

Voltar para casa foi como acordar de um sonho do qual eu não queria despertar.

Minhas roupas ainda cheiravam a fumaça da fogueira. O espelho mostrava minhas bochechas queimadas de sol. Mas dentro de mim havia algo diferente: uma lembrança quente, insistente, impossível de apagar.

Eu tinha beijado Lucas.

Ou melhor, Lucas tinha me beijado.

Passei horas deitada na cama, revirando aquele momento na cabeça como quem assiste a mesma cena de um filme várias vezes, tentando descobrir cada detalhe que passou despercebido. O jeito como ele se aproximou devagar. A segurança no olhar. A calma na voz.

Só que, quando liguei o computador e encarei a tela azulada do Orkut, a realidade me golpeou.

Meu coração disparou só de digitar o nome dele na barra de pesquisa. Lucas Augusto.

Em segundos, o perfil apareceu diante de mim: fotos em praias, festas, jogos de futebol. Recados cheios de piadas internas, corações, apelidos carinhosos. Mais de quinhentos amigos.

Lucas parecia viver em um universo paralelo — cheio de brilho, gente descolada, uma vida que não tinha espaço para uma garota como eu.

Apertei os lábios, sentindo o peito se encolher. O Lucas da fogueira parecia íntimo, próximo, quase meu. Mas o Lucas do Orkut… era intocável.

E então, no meio da minha frustração, vi o detalhe que mudaria tudo:

Colégio Sant Claire.

Particular, claro. Uniforme impecável, brasão dourado, turmas pequenas, laboratórios modernos. Um mundo completamente diferente da minha escola, onde até as janelas eram remendadas com fita adesiva.

Fechei a aba com força, tentando afastar o aperto no peito. Mas antes que a tela sumisse, um anúncio piscou diante de mim, como se o próprio destino tivesse decidido brincar comigo:

> “Processo seletivo de bolsas de estudo – Colégio Sant Claire. Inscrições abertas até 15 de janeiro.”

Fiquei imóvel por alguns segundos, encarando aquelas palavras.

Coincidência? Talvez.

Ou talvez fosse mais do que isso. Talvez fosse Maktub.

Respirei fundo.

Cliquei no link.

E decidi tentar.

Na hora do jantar, tentei parecer casual:

“Então… talvez eu vá fazer uma prova de bolsa para um colégio particular.”

Minha mãe parou no meio do movimento de mexer o café. Me encarou como se eu tivesse acabado de anunciar que iria mudar de planeta.

“Colégio particular? Qual?”

“Colégio Sant Claire. Tem processo seletivo. Se eu passar, a bolsa cobre tudo.”

Silêncio.

Ela largou a colher no pires e cruzou os braços. Eu já conhecia aquele gesto: era o prelúdio do sermão.

“Aquele colégio do outro lado da ilha?”

Assenti. O coração disparado. As chances eram mínimas, mas algo dentro de mim dizia que eu precisava tentar.

“Eu quero muito isso…”

Ela me olhou longamente, como se tentasse decidir se eu estava sonhando alto demais. Mas no fim, apenas suspirou.

“Bianca, não vai ser fácil. Vai ser puxado. Você vai ter que estudar muito. E não dá pra desistir no meio.”

“Eu sei. Eu já decidi.”

Houve outra pausa. Depois, o inesperado:

“Então eu vou te ajudar.”

Naquela noite, deitada na minha cama, imaginei a cara que Lucas faria se me visse andando pelos corredores do Sant Claire. Não era mais só um até algum dia. Agora era possível.

E foi assim que começou.

Passei o resto das férias enterrada em apostilas velhas, vídeos de YouTube e fóruns enigmáticos. Minha mãe colou horários de estudo na geladeira. A cada capítulo terminado, aparecia com uma vitamina, um elogio, ou um simples “orgulho de você, sabia?”.

Às vezes, no silêncio da madrugada, eu pensava na fogueira. No beijo. No sorriso de Lucas. Mas agora esses pensamentos não me paralisavam — me empurravam para frente.

18 de janeiro.

A sala estava mais silenciosa que o céu em noite nublada.

Cadeiras enfileiradas, ar-condicionado zumbindo, relógio marcando cada segundo como se zombasse de mim.

Recebi a folha com meu nome. Respirei fundo. Tudo o que estudei, todas as noites mal dormidas… e foi então que percebi.

Meu estojo.

Não estava lá.

Revirei a mochila em desespero. Nada. Nenhuma caneta. Nenhum lápis. Nada.

O calor subiu ao meu rosto. Como alguém esquece o essencial em uma prova decisiva?

Engoli em seco, tentando disfarçar o pânico. Olhei ao redor. Foi quando a garota ao meu lado virou-se calmamente.

Cabelos longos, presos de qualquer jeito com um lápis velho. Olhar calmo, curioso.

Sem dizer nada, abriu o estojo e retirou uma caneta, um lápis e uma borracha. Estendeu para mim com um sorriso de canto.

“Você parece precisar mais do que eu hoje.”

Aceitei como quem recebe uma dádiva.

“Obrigada… de verdade.”

Ela apenas assentiu. Mas naquele instante, senti algo estranho. Um fio invisível. Familiar.

A mesma sensação que tive quando conheci Lucas.

Como se o universo me avisasse:

Preste atenção. Ela vai ser importante.

E, pela primeira vez, percebi que talvez o destino não fosse feito apenas de uma pessoa.

O PRIMEIRO LAÇO

Sol de fevereiro parecia querer me derreter viva.

Minhas costas grudavam na camiseta e o suor escorria pela nuca, mesmo que eu tentasse me abrigar sob a sombra rala que a parede da escola oferecia. Eu sabia que o papel com os nomes seria colado no mural a qualquer instante, e ainda assim, parecia que o tempo estava de brincadeira comigo, se arrastando só pra me torturar.

E se meu nome não estiver ali? E se todo esse esforço só me deixar mais longe do que perto?

Os meus dedos tamborilavam no corrimão de metal.

Ao meu lado, a garota que tinha me emprestado na hora da prova — salvadora, na verdade — parecia bem mais tranquila do que eu. Tinha uma garrafinha de água quase vazia na mão e os olhos fixos em nada, como se tudo aquilo não fosse grande coisa.

Ela era bem diferente de mim.

 Branca pálida, com sardas discretas e um rosto tão delicado que parecia ter saído de uma ilustração antiga. O cabelo castanho, longo e liso, caía como seda sobre os ombros. Usava um vestido com estampa floral e um laço de tecido prendendo parte do cabelo, como se tivesse sido moldada para caber perfeitamente naquele cenário de escola particular.

Eu, por outro lado, estava com uma camiseta larga do acampamento de dois anos atrás e uma calça de moletom folgada que escondia minhas curvas — curvas que nunca soube como lidar. Meus grandes cachos estavam presos num coque desajeitado, e os óculos insistiam em escorregar no nariz. Eu parecia estar tentando desaparecer, enquanto ela parecia feita para brilhar.

"Você tá nervosa?" — ela perguntou, sem me encarar de verdade, mas com um leve sorriso nos lábios.

"Um pouco…" — confessei: "E você?"

"Mais ou menos. Minha mãe quer isso mais do que eu."

Olhei pra ela com mais atenção. Era bonita de um jeito calmo, como se tivesse sido criada para agradar. Mas havia algo nos olhos dela que não combinava com essa perfeição toda — uma inquietação escondida atrás do tom suave.

"Sou Rosana." — disse ela, estendendo a mão com naturalidade.

"Bianca." — respondi, apertando sua mão. Foi um aperto firme, mas caloroso, daqueles que fazem a gente sentir que conhece a pessoa há mais tempo do que realmente conhece.

"Minha mãe quer que eu entre aqui pra ser líder de torcida. Disse que pode me dar uma chance de conseguir uma bolsa esportiva depois. Eu nem sei se gosto tanto assim, mas… né?" — Ela riu, meio sem graça: "Quem manda é ela."

Fiquei um segundo em silêncio. Por um momento, quase falei de Lucas. De como ele estudava ali agora, de como eu queria estar mais perto dele, mesmo sem saber direito como seria isso. Mas era pessoal demais pra compartilhar com alguém que conheci tão de repente. Então, fiz o que me pareceu mais seguro.

"Eu… vim porque o ensino médio aqui é melhor. Dizem que aumenta as chances de entrar numa boa faculdade."

Rosana assentiu, sem parecer surpresa ou desconfiada. Foi gentil. Não insistiu. E eu agradeci mentalmente por isso.

O burburinho lá na frente aumentou. Um funcionário apareceu com uma folha dobrada e um rolo de fita adesiva. Senti meu estômago dar um salto e minhas pernas ficarem um pouco bambas.

"Acho que chegou a hora." — Rosana disse, ajeitando o vestido.

Assenti em silêncio e segui com ela. O pessoal já se amontoava, tentando espiar os nomes antes mesmo que o papel ficasse reto no mural. Me estiquei toda, tentando ler entre os ombros e cabeças, sentindo o coração bater tão forte que doía.

"Ai…" — ouvi Rosana murmurar, murchando ao meu lado: "Não passei. Fiquei a dois pontos da nota de corte."

Virei na direção dela, surpresa e um pouco sem saber o que dizer. Mas antes que eu conseguisse abrir a boca, seus olhos brilharam, mesmo com o ar frustrado.

"Tudo bem… quem sabe no ano que vem. Mas você passou, né?"

Voltei os olhos para o mural, e ali estava meu nome: Bianca Rocha, lá no final da segunda coluna.

"Sim…" — falei baixinho. "Eu passei."

Rosana sorriu pra mim, e foi um sorriso sincero, mesmo não sendo o dia dela.

"Podemos continuar amigas mesmo assim, né?" — ela perguntou. "A gente pode se falar por mensagem. Me passa seu número?"

Fiquei parada por um segundo. A vontade de dizer “sim” veio rápido, mas também veio o medo. Desde que meu pai saiu da minha vida para viver com sua outra  nova família, nunca mais tentei manter conexões.

Era mais fácil assim… não se apegar, não correr o risco de perder de novo.

Mas eu me apaixonei pela primeira vez na vida. E isso, de algum jeito, me fazia acreditar que algumas pessoas valiam o risco.

Peguei meu celular velho da mochila e troquei número com ela.

"Quero muito que a gente se veja mais vezes." — Rosana disse. "Talvez eu venha pra cá no próximo ano. Quem sabe?"

Sorri.

"Eu também quero."

E, por um instante, parecia que tudo estava se encaixando. Como se o universo estivesse, enfim, me dizendo que era seguro recomeçar.

ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ

Quando cheguei em casa, ainda segurando o papel com o meu nome entre os aprovados, meu coração parecia bater com mais força que o normal — como se ainda não acreditasse que era real.

Minha mãe estava na cozinha, terminando de guardar as compras, o rádio tocando alguma música antiga que ela adorava cantar pela metade. Entrei com o papel na mão e fiquei parada por um momento, só observando. A luz da janela deixava o rosto dela ainda mais bonito, mesmo com as olheiras de quem trabalhava demais e dormia de menos.

"Mãe…" — chamei, tentando conter o sorriso que ameaçava escapar.

Ela se virou e, assim que viu meu rosto, deixou tudo de lado.

"Passou?" — perguntou, com os olhos arregalados.

Eu apenas assenti, mordendo o lábio.

No segundo seguinte, ela me envolveu num abraço apertado, daqueles que pareciam querer proteger o mundo inteiro só com o calor dos braços. Fiquei ali, com o rosto escondido no pescoço dela, deixando escapar uma risada abafada.

"Ai, minha menina… eu sabia! Eu sabia que você ia conseguir!"

"É longe, mãe." — falei, num sussurro. "Fica do outro lado da ilha. E a passagem não é barata..."

Ela se afastou só o suficiente para me olhar nos olhos. Seu sorriso não vacilou nem por um segundo.

"A gente dá um jeito. Se for preciso, a gente se muda. O importante é o seu futuro, Bianca. Essa é a sua chance. Um colégio particular pode te abrir muitas portas. E quem sabe, uma bolsa numa boa faculdade..."

Meu peito se encheu de um calor diferente — uma mistura de gratidão, alívio e medo. Minha mãe sempre dava um jeito. Sempre sacrificava tudo por mim. E ali estava ela, mais uma vez, decidida a mover o mundo se fosse necessário.

Eu só conseguia balançar a cabeça, tentando engolir as lágrimas antes que caíssem.

Naquela noite, pensei em vários cenários do meu reencontro com Lucas.

Agora… agora a gente vai estudar no mesmo colégio.

Mesmo prédio. Mesmo intervalo. Mesmo corredor.

Talvez até na mesma sala.

E eu mal podia esperar pra ver o que o destino tinha guardado pra nós dois.

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