A casa estava mergulhada em silêncio naquela noite abafada de verão. Ayra Moore percorria o corredor de madeira antiga, os pés descalços quase não faziam ruído, mas seu coração batia tão alto que parecia denunciar sua presença. O relógio da sala marcava pouco depois da meia-noite, e ainda assim, ela não conseguia dormir.
O motivo? Ele.
Dean estava no andar de baixo, no escritório. Sempre dedicado, sempre meticuloso. O padrasto que deveria ser apenas uma figura distante, uma presença firme ao lado de sua mãe. Mas, para Ayra, ele era muito mais do que isso. Desde que completara dezoito anos, os olhares furtivos, os gestos sutis e a intensidade silenciosa que pairava no ar entre eles haviam se tornado uma tortura diária.
Ela desceu as escadas devagar, sentindo o ar levemente mais fresco que vinha do térreo. A luz do escritório estava acesa, uma faixa dourada escapando pela fresta da porta entreaberta. Por algum motivo que ela mesma não compreendia, seus pés a levaram até lá, mesmo quando sua mente gritava para voltar.
De perto, ouviu o som baixo de uma música clássica tocando ao fundo, junto ao tinir de gelo contra o cristal. Ayra respirou fundo, hesitou por um instante e, finalmente, empurrou a porta.
Dean ergueu os olhos do copo de uísque quando a viu entrar. Estava sentado em sua poltrona de couro, a gravata solta, a camisa branca parcialmente desabotoada, revelando parte do peito. A penumbra realçava seus traços fortes, o olhar profundo e dominador que sempre a deixava sem ar.
— Ayra? — sua voz grave soou baixa, arrastada, como se a saboreasse. — Não deveria estar dormindo?
Ela se encostou na porta, mordendo o lábio inferior. Não sabia ao certo o que responder, não sabia como justificar aquela visita repentina.
— Eu… não consegui dormir. — Seus olhos fugiram dos dele por um instante, mas a intensidade do olhar de Dean a puxava de volta, como se houvesse correntes invisíveis prendendo-os.
Ele apoiou o copo na mesa e se inclinou levemente para a frente. Aquele simples movimento foi o suficiente para que Ayra sentisse o estômago revirar, uma onda de calor subindo por seu corpo.
— Você sabe que sua mãe não gostaria de ver você circulando pela casa a essa hora… — disse ele, mas havia um brilho enigmático em seu olhar. Um aviso, ou talvez uma provocação.
Ayra engoliu em seco. O nome da mãe trouxe uma pontada de culpa, mas, ao mesmo tempo, fez arder ainda mais o desejo que ela tentava sufocar. Aproximou-se devagar, os passos ecoando no assoalho como marteladas em seu peito.
— Só queria um pouco de companhia — confessou, quase num sussurro.
O silêncio que se seguiu foi tão espesso que ela podia senti-lo na pele. Dean a observava de um jeito que a despia, e Ayra sabia. Sabia que, por trás daquela fachada de controle absoluto, havia algo prestes a desmoronar.
— Você não deveria brincar com fogo, Ayra. — Ele apoiou os cotovelos nos joelhos, os olhos fixos nos dela. — Pode acabar se queimando.
Ela estremeceu. A advertência soava verdadeira, mas também tentadora. Como se arder fosse exatamente o que ela mais desejava.
Respirando fundo, deu mais um passo, sentindo o corpo vibrar com a tensão que os envolvia. O perfume dele se misturava ao cheiro amadeirado do uísque e couro, criando um ambiente intoxicante.
— Talvez eu queira descobrir como é… — ousou dizer, sua voz trêmula, mas carregada de intenção.
Dean fechou os olhos por um instante, como se travasse uma batalha interna. Quando os abriu, o calor em seu olhar era impossível de ignorar. Ele se levantou devagar, cada movimento calculado, até ficar diante dela. Alto, imponente, e ainda assim, vulnerável àquela atração.
— Você não sabe o que está dizendo — murmurou, mas sua mão roçou levemente o braço dela, fazendo com que Ayra sentisse um arrepio percorrer sua espinha.
A respiração dela falhou, o coração acelerou. Era proibido. Era errado. Mas, naquele instante, o mundo inteiro poderia desabar e nada mais importaria.
E foi ali, naquela troca de olhares e respirações entrecortadas, que Ayra teve a certeza: os segredos que compartilhariam a partir daquela noite queimariam para sempre dentro deles.
Ayra Moore ( enteada)
Dean Danils ( Padastro )
Na manhã seguinte, Ayra acordou com a sensação de que sua pele ainda ardia. O que acontecera na noite anterior não havia passado de olhares, palavras carregadas de duplo sentido e a presença avassaladora de Dean pairando sobre ela. Ainda assim, aquilo a marcara de uma forma quase dolorosa.
Ela se levantou devagar, tentando ignorar a culpa que a corroía. A lembrança da mão dele roçando em seu braço, o tom grave da voz avisando que ela estava brincando com fogo… tudo parecia ecoar em sua mente como uma música proibida.
No andar de baixo, a casa estava em movimento. Sua mãe, Clara, já saíra para o trabalho, como fazia quase todos os dias. Ayra desceu as escadas, apenas para dar de cara com Dean na cozinha. Ele usava calça social e uma camisa branca ainda sem gravata, as mangas dobradas até os cotovelos. Preparava café como se fosse a coisa mais normal do mundo, mas nada nele parecia comum para Ayra.
— Dormiu bem? — perguntou ele, sem olhar para ela, mexendo a colher dentro da xícara.
O coração dela falhou por um segundo. Fingir naturalidade parecia impossível.
— Mais ou menos… — respondeu, prendendo uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Você ficou até tarde no escritório.
Dean ergueu os olhos, e o olhar atravessou-a como uma lâmina quente.
— E você ficou até tarde na porta do meu escritório — retrucou com calma, mas havia um tom acusatório misturado à provocação.
Ayra corou de imediato. Estava prestes a se defender quando ele deu um leve sorriso de canto, aquele que parecia desmontar todas as suas forças.
— Cuidado, Ayra. Sua curiosidade pode te levar a lugares dos quais não conseguirá voltar.
Ela respirou fundo, sentindo o estômago se revirar. A cada palavra dele, a cada gesto, era como se ele a testasse, a provocasse, e ao mesmo tempo tentasse manter distância. Mas a distância já não existia.
Ela pegou um copo d’água apenas para disfarçar o tremor das mãos.
— Talvez eu não queira voltar — murmurou, quase inaudível.
Dean franziu o cenho, aproximando-se devagar. O cheiro de sua colônia, misturado ao café recém-passado, deixou o ar ainda mais intoxicante. Ele se inclinou ligeiramente, apoiando uma das mãos no balcão, tão perto dela que Ayra sentiu a respiração quente contra sua pele.
— Você não sabe do que está falando — disse ele, num sussurro rouco. — Uma vez que atravessar essa linha, não haverá retorno. Nem para você… nem para mim.
A intensidade das palavras o traía. Ele lutava contra algo dentro de si, mas o desejo queimava em seus olhos, visível, incontrolável. Ayra se perdeu naquele olhar por um instante, sentindo os joelhos quase cederem.
Ela baixou os olhos, mas não recuou. Pelo contrário, a proximidade parecia um convite silencioso, um abismo do qual ela queria saltar.
— Talvez seja isso que eu quero… — ousou responder.
O silêncio que se seguiu foi esmagador. Dean a observava como se tentasse decifrá-la, como se buscasse qualquer traço de dúvida que o fizesse afastar-se. Mas não havia. Ayra estava entregue, mesmo sem nunca ter provado nada além de olhares e palavras.
De repente, ele se afastou, como se tivesse recuperado o controle por um fio. Virou-se, pegou a xícara de café e tomou um gole lento.
— Vá se arrumar, Ayra. — Sua voz voltou a ser firme, quase fria. — Vou te levar até a faculdade hoje.
Ela assentiu em silêncio, mas o corpo inteiro tremia. Aquilo era um jogo, ela já percebia. Um jogo de provocações, aproximações e recuos. Mas até quando eles resistiriam?
Mais tarde, no carro, o silêncio entre eles era sufocante. Ayra olhava pela janela, tentando ignorar o fato de que cada vez que ele mudava de marcha, os músculos do braço se contraíam debaixo da manga dobrada da camisa. Dean parecia concentrado na estrada, mas seu maxilar travado entregava a tensão.
Quando o carro parou em frente à faculdade, Ayra se inclinou para soltar o cinto. Nesse instante, os olhos dos dois se encontraram. Houve um lapso de tempo que pareceu eterno — um instante em que nenhum dos dois respirou.
Dean ergueu a mão como se fosse afastar uma mecha de cabelo dela, mas parou no meio do caminho. Recuou, fechando o punho, e sua voz saiu baixa, carregada de algo que Ayra não soube definir:
— Entre nós, nada disso deveria existir.
Ela abriu a porta do carro, mas antes de sair, inclinou-se levemente e sussurrou:
— Então por que existe?
Saiu sem esperar resposta, deixando-o sozinho com o peso da pergunta.
Dean fechou os olhos, encostando a cabeça no banco. Por mais que tentasse, não conseguia apagar a imagem da enteada, com os lábios entreabertos e o olhar cheio de desafio. Aquela proximidade perigosa o estava destruindo.
Clara Moore
Os dias seguintes foram um verdadeiro campo de batalha invisível. Ayra percebia cada detalhe, cada mudança sutil na maneira como Dean a olhava, mesmo quando ele tentava esconder. E, no fundo, ela sabia que o mesmo acontecia com ela. O silêncio entre eles se transformara em um jogo perigoso — um jogo em que cada gesto era uma provocação velada.
Naquela noite, a casa estava novamente em calma. Clara, como de costume, havia saído para um jantar de negócios, deixando-os sozinhos. Ayra caminhava pela sala, inquieta, sentindo a tensão crescer. Estava ciente de que Dean estava no andar de cima, no quarto que compartilhava com sua mãe, e a simples ideia era suficiente para despertar nela uma mistura insuportável de ciúme e desejo.
Decidiu se distrair. Colocou um filme qualquer na televisão, deitou-se no sofá com uma manta leve sobre as pernas, mas a mente estava distante. Cada cena passava sem que ela prestasse atenção. Tudo o que conseguia pensar era na última vez que estiveram tão perto, no toque quase imperceptível, nas palavras que ardiam mais do que qualquer chama.
O som de passos firmes descendo a escada fez seu coração disparar. Dean surgiu na sala, vestindo apenas calça de moletom escura e uma camiseta preta. Simples, mas nele, tudo parecia carregado de presença.
— Sozinha? — perguntou, lançando-lhe um olhar que fez a respiração dela falhar.
— Minha mãe não volta cedo hoje — respondeu Ayra, tentando soar indiferente, mas sua voz saiu baixa demais, quase frágil.
Dean caminhou até a cozinha, pegou uma garrafa de água na geladeira e voltou, parando atrás do sofá. A proximidade era sufocante. Ayra podia sentir sua presença mesmo sem virar o rosto.
— Você gosta de provocar, não é? — murmurou ele, a voz baixa, carregada de uma acusação sutil.
Ayra mordeu o lábio, erguendo o olhar para ele. — E você gosta de fingir que não percebe.
Um silêncio denso caiu sobre eles. Dean apoiou uma das mãos no encosto do sofá, inclinando-se levemente para frente. O olhar dele a prendeu no lugar, e Ayra teve a sensação de que não conseguia respirar.
— Você não faz ideia de onde está se metendo, Ayra. — O tom era firme, mas os olhos ardiam em contradição.
Ela sorriu de leve, com um ar desafiador. — Então me mostre.
As palavras pairaram no ar como uma faísca prestes a incendiar tudo. Por um instante, Dean pareceu à beira de perder o controle. Sua respiração se alterou, os dedos se fecharam em punho contra o sofá. Ayra sabia que ele lutava contra si mesmo, contra tudo o que era certo — e isso a excitava ainda mais.
Ele se afastou de repente, como se precisasse recuperar o fôlego. Foi até a estante, fingiu procurar algum objeto, mas Ayra percebia cada movimento contido, cada músculo tenso.
O jogo do silêncio continuava. E ela não estava disposta a desistir.
Levantou-se do sofá lentamente, caminhando até ficar perto dele. Parou a poucos passos, tão próxima que podia sentir o calor de seu corpo.
— Você sempre fala de limites… — disse em tom baixo. — Mas até agora, só vejo você tentando não atravessá-los.
Dean virou-se bruscamente, e o olhar que lançou a ela foi devastador. Havia raiva, desejo, culpa e algo mais profundo, algo que Ayra ainda não conseguia nomear.
— Você não entende… — murmurou, mas a voz falhou.
Ela ergueu a mão e, ousada, passou a ponta dos dedos de leve pelo braço dele, subindo até a dobra da manga da camiseta. O arrepio que percorreu o corpo de Dean foi visível.
— Então me faça entender — sussurrou.
O tempo pareceu parar. Ele a encarava como se estivesse diante da própria ruína, mas ao mesmo tempo incapaz de recuar. O silêncio era ensurdecedor, e cada segundo apenas alimentava o fogo entre eles.
Dean fechou os olhos por um instante, respirou fundo e se afastou de novo, quase num gesto desesperado.
— Chega por hoje, Ayra. — A voz estava grave, rouca, carregada de esforço. — Vá dormir.
Ela o observou por alguns segundos, o peito subindo e descendo rapidamente, como se tivesse corrido uma maratona. Por fim, sem dizer nada, virou-se e subiu as escadas. Mas antes de desaparecer no corredor, lançou-lhe um último olhar por cima do ombro.
E foi nesse olhar que ela deixou claro: o jogo apenas começara.
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