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Mulheres da Máfia-5 (Francesca)

Naquele dia tudo mudou

Naquele dia, tudo mudou para Francesca.

O teste impiedoso de Dona Lara não foi apenas um desafio — foi um batismo de fogo. Apontar uma arma para a própria sogra, mesmo com as mãos trêmulas, não era só coragem; era um ato de sobrevivência. O peso do metal nas mãos, o olhar frio de Lara e o silêncio sufocante da sala criaram um instante que pareceu durar horas. No fundo, Francesca sabia: se hesitasse, já teria perdido.

O clique seco da trava sendo puxada ecoou mais alto do que qualquer palavra. E, naquele momento, não importava se a arma estava carregada ou não. O que contava era a postura, a coragem de enfrentar o julgamento da matriarca — e, de certa forma, o da família inteira. O gesto marcou o início de sua transformação.

A mulher que chegou tímida, de passos incertos, vestida com cores neutras e sorriso contido, começava a revelar um núcleo duro, uma fibra que nem ela mesma sabia possuir. Ainda tropeçava no medo, na dúvida, no peso das expectativas. Mas havia cruzado uma linha invisível: já não era mais apenas “a noiva de Vitório” — era alguém a ser observado com atenção, para o bem ou para o mal.

Vitório, ao seu lado, era ao mesmo tempo âncora e fogo. Sua mão sobre a dela após o teste não foi só apoio; foi um pacto silencioso. Entre a tensão da família, o olhar avaliador de Lara e a respiração contida dos demais, eles encontraram um momento raro de afeto. O beijo que trocaram depois — rápido, mas carregado de intenção — dizia mais do que palavras poderiam. Aquele toque selava um “estamos juntos” que, para Francesca, significava muito mais do que poderia admitir em voz alta.

Ela ainda tentava manter a fachada de indiferença. Ria quando diziam que estava apaixonada, evitava falar demais sobre Vitório, fingia que nada a abalava. Mas, por dentro, seu coração já não pertencia só a si mesma.

O desafio, no entanto, estava longe de acabar. A mansão era um território de armadilhas, tanto quanto as ruas que a cercavam. Na escola, os olhares avaliadores dos professores e a postura desconfiada dos alunos denunciavam que nem todos aceitavam fácil a presença de uma novata. E, entre eles, havia aqueles que testavam seus limites.

Um professor abusivo tentou derrubá-la com humilhações veladas, perguntas capciosas e comentários que beiravam o insulto. Francesca, que no passado teria abaixado a cabeça e suportado, agora não cedeu. Respondeu à altura, com firmeza, e deixou claro que não estava ali para ser intimidada. Aprendeu rápido que, naquele mundo, força bruta não bastava. Era preciso coragem, inteligência e uma determinação que queimava como fogo — fogo que começava a se espalhar silenciosamente dentro dela.

De longe, Lara observava tudo. Não com ternura, mas com cálculo. Sabia que aquele teste com a arma era apenas o começo. Se Francesca queria sobreviver — e, quem sabe um dia, substituir a própria matriarca — teria que aprender a andar sobre a linha tênue entre obediência e ousadia. A mansão não perdoava erros, e Lara sabia que qualquer fraqueza seria usada contra a garota.

O tempo passou rápido até o batizado de Giordano. A família se reuniu em peso, como nos raros momentos em que a trégua era possível. O perfume das flores misturava-se ao cheiro dos pratos fartos, e as conversas cruzavam o salão como tiros invisíveis. Ali, entre brindes e sorrisos calculados, Vitório e Francesca anunciaram o noivado.

O anúncio caiu como um copo de cristal ao chão: bonito, esperado por alguns… mas perigoso. Houve aplausos, abraços, e até algumas felicitações sinceras. Mas, nos cantos mais escuros da sala, olhares se encontraram e sussurraram silenciosas previsões de conflito.

Francesca sentia o peso de cada par de olhos sobre si. Sorriu, mas seu corpo inteiro estava em alerta. Quando alguém perguntou se estava feliz, ela respondeu com uma risada nervosa e uma provocação:

— “E quem disse que quero me casar com você?”

A frase arrancou risos, mas, para ela, foi um recado. Aquele capítulo ainda estava por ser escrito. O anel em seu dedo era tanto promessa quanto algema. E ela sabia que, a partir dali, qualquer passo em falso não afetaria apenas a si mesma — afetaria Vitório, e por consequência, mexeria com o equilíbrio frágil de toda a família.

Enquanto os convidados se espalhavam, Lara se aproximou dela, silenciosa como sempre. Não disse parabéns, não elogiou o vestido nem fez perguntas sobre o casamento. Apenas olhou nos olhos de Francesca e disse:

— “Você passou no primeiro teste. Mas a guerra está só começando.”

Francesca sustentou o olhar. Quis responder algo afiado, mas conteve-se. Sabia que, com Lara, cada palavra era uma aposta — e ela ainda não tinha fichas suficientes para arriscar.

No canto da sala, Leonardo observava tudo. Não participava das conversas, não erguia a taça para brindar. Apenas via, registrando mentalmente cada gesto, cada expressão. Para ele, aquilo não era apenas uma festa — era um tabuleiro. E, naquele momento, Francesca acabara de se tornar uma peça relevante.

Quando a noite caiu e a música começou a diminuir, Francesca saiu para a varanda. Precisava de ar. Vitório a seguiu, e eles ficaram lado a lado, olhando para o jardim. Ele pegou sua mão e a apertou levemente.

— “Você foi incrível hoje.”

— “Eu só sobrevivi.” — ela respondeu, com um meio sorriso.

— “Às vezes, sobreviver é tudo que importa.”

E, pela primeira vez desde que entrou naquela casa, Francesca acreditou que poderia não apenas sobreviver… mas vencer.

O futuro à frente era incerto, cheio de batalhas e paixões. Mas, naquele instante, com o vento frio tocando seu rosto e o calor da mão de Vitório na sua, ela sentiu que, apesar de tudo, já não estava sozinha.

E no silêncio que se seguiu, algo se desenhou no ar: um destino entrelaçado no sangue, no poder e no amor — pronto para ser escrito, uma página de cada vez.

Sob olhos atentos

A manhã seguinte amanheceu pesada na mansão Maori, como se até as paredes sentissem o peso do que havia acontecido na noite anterior.

Do lado de fora, o jardim era um contraste quase cruel: o orvalho brilhava nas folhas, os pássaros cantavam, e a brisa leve carregava o perfume das magnólias.

Por dentro, porém, o ar estava denso, abafado, cheio de palavras não ditas.

Francesca desceu as escadas devagar, cada degrau parecendo mais alto que o anterior.

O peso do teste da sogra ainda latejava em seu braço, mas o que realmente incomodava era a lembrança do olhar de Dona Lara — frio, calculista, como se medisse até onde a nora aguentaria antes de quebrar.

Aquilo não tinha sido apenas um teste… tinha sido um recado.

Na sala de estar, Vitório já a esperava. Estava sentado no sofá, mas o corpo tenso denunciava que não conseguia relaxar.

Quando a viu, levantou-se de imediato, cruzando a sala em poucos passos.

— Dormiu bem? — perguntou, mesmo sabendo a resposta.

— Como se alguém pudesse dormir depois de ontem — ela respondeu, sem esconder o cansaço.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Eu sei… mas você foi bem. Muito bem.

Francesca forçou um sorriso. — Se isso foi “bem”, não quero saber o que é “mal”.

Os dois se sentaram lado a lado. Vitório segurou a mão dela, apertando levemente, como se tentasse transferir força.

— Você acha que ela me odeia? — Francesca perguntou, com a voz mais baixa.

— Não. — Ele hesitou. — Acho que ela está testando. É assim com todos… mas com você, vai ser pior.

— Por quê?

Vitório desviou o olhar, evitando responder. Francesca percebeu, mas não insistiu. No fundo, já sabia: não era apenas uma questão de aceitação, era sobre poder.

Lá fora, no corredor, passos lentos ecoaram. Lúcio Lucchesi, o secretário, passou diante da porta aberta.

Olhou discretamente para o casal, sem diminuir o passo, mas guardando cada detalhe na memória.

Nada escapava a ele — o leve tremor nas mãos de Francesca, a tensão no maxilar de Vitório, o silêncio desconfortável que se estendia entre as palavras.

E por trás daquele olhar aparentemente cortês, havia cálculos. Muitos cálculos.

Lúcio tinha um talento especial para permanecer invisível, para se infiltrar em conversas e momentos sem que percebessem.

Não havia pressa em seus movimentos, mas cada ação era parte de um tabuleiro maior.

Ele sabia que o verdadeiro jogo na mansão não era jogado à mesa do jantar, mas nos intervalos, nos olhares, nos silêncios carregados.

No refeitório, Dona Lara tomava o café da manhã sozinha.

A xícara de porcelana estava intacta sobre o pires, mas o café esfriava enquanto ela revisava uma pilha de documentos.

Quando Francesca entrou, sentiu o peso daquele olhar outra vez.

— Sente-se — ordenou Lara, sem levantar a voz, mas com firmeza suficiente para cortar o ar.

Francesca obedeceu.

Por alguns segundos, o único som foi o tic-tac do relógio na parede.

Finalmente, Lara falou:

— Na minha casa, força não é opcional. E coragem… menos ainda.

Francesca manteve os olhos fixos na xícara.

— Entendido, senhora.

— Não me chame de senhora. Ainda não.

Vitório entrou logo depois, quebrando o clima.

— Bom dia, mãe.

Lara apenas inclinou a cabeça, sem um sorriso.

Vitório serviu café para si e para Francesca, como se fosse um gesto trivial — mas para ela, parecia um escudo silencioso contra a hostilidade que sentia.

Do outro lado da casa, Lúcio observava tudo de um ponto estratégico no corredor.

Não havia pressa em agir. Ainda não.

O importante era reconhecer as rachaduras antes que os outros as percebessem.

E ele já via algumas: Francesca ainda não tinha um lugar seguro ali; Vitório oscilava entre a lealdade à mãe e à noiva; e Lara… Lara parecia testar todos ao mesmo tempo, como se já esperasse uma traição iminente.

Depois do café, Francesca decidiu dar uma volta pelo jardim para respirar.

O sol começava a ganhar força, aquecendo o ar frio da manhã.

Ela fechou os olhos por um instante, tentando afastar o peso que carregava desde o teste.

Mas a paz durou pouco. Sentiu alguém se aproximar.

— Primeiros dias nunca são fáceis. — A voz veio baixa, quase amistosa.

Ela abriu os olhos e viu Lúcio, com aquele sorriso que parecia cortês demais para ser sincero.

— Imagino que a senhora Lara tenha suas… maneiras — ele continuou.

— E você sabe bem quais são, não é? — Francesca retrucou, não querendo dar margem.

O sorriso de Lúcio se alargou.

— Eu observo. É o meu trabalho. Observar… e proteger.

Ela não respondeu. Virou-se e seguiu pelo caminho de pedras, mas sentiu os olhos dele em suas costas até dobrar a esquina.

De volta à sala, Vitório aguardava, com uma expressão que misturava preocupação e determinação.

— Não deixe ninguém te intimidar, Francesca. Ninguém.

Ela assentiu, mas por dentro sabia que era mais fácil falar do que fazer.

A mansão era um labirinto de alianças, segredos e testes silenciosos. Um passo errado e ela poderia se perder para sempre.

No andar de cima, Lara fechava a pasta de documentos.

A mente dela estava tão ocupada quanto a de Lúcio, mas em outra direção.

Ela sabia que a chegada de Francesca poderia ser uma fraqueza… ou uma força.

O tempo diria.

Naquela manhã, cada um tinha sua própria batalha:

Francesca, para provar que merecia estar ali.

Vitório, para equilibrar o amor e a lealdade.

Lúcio, para ajustar as peças do seu jogo invisível.

E Lara, para decidir quem seria aliado e quem seria descartável.

O sol subia no céu, iluminando a fachada da mansão Maori, mas por dentro as sombras se moviam, silenciosas.

Francesca ainda não sabia, mas o verdadeiro jogo de poder só começava quando se aceitava o risco de perder tudo.

E ela… não estava

O jogo começa

O sol ainda mal despontava no horizonte quando Francesca abriu os olhos. A claridade filtrada pelas cortinas da suíte não conseguia dissipar a sombra que se formara em sua mente desde o dia anterior. O teste brutal de Dona Lara ainda ecoava dentro dela — o frio metal da arma, o olhar cortante da sogra, o silêncio pesado depois do disparo. Era impossível esquecer.

Virou-se na cama e encontrou o travesseiro frio. Vitório já havia se levantado. O som de passos firmes no corredor anunciou sua chegada antes mesmo que ele surgisse à porta. Trazia um sorriso leve, quase provocador, como quem tenta dissipar nuvens de tempestade.

— Pronta para mais um dia de “diversão”? — perguntou, com uma ironia suave, envolvendo-a com o braço.

Ela tentou corresponder com um sorriso, mas sua expressão denunciava o peso que carregava.

— Diversão é a última coisa que espero… mas vou encarar.

Desceram juntos, cruzando o longo corredor decorado com quadros de antepassados Maori e lustres pesados que refletiam o dourado da manhã. Cada degrau da escada parecia ecoar mais alto do que o normal, como se a casa toda estivesse escutando.

Ao se aproximarem do salão principal, Francesca percebeu os olhares. Alguns disfarçados, outros abertamente avaliadores. Havia murmúrios de canto, pequenas provocações que pareciam inocentes para um desavisado, mas carregavam veneno para quem conhecia o jogo.

No escritório, Lúcio Lucchesi ajeitava papéis sobre a mesa. Estava impecável como sempre — terno alinhado, gravata perfeitamente ajustada — mas era o brilho calculista nos olhos que chamava atenção. Observava cada movimento de Francesca e Vitório com um interesse quase clínico.

Por trás do semblante de funcionário leal, Lúcio alimentava seu próprio projeto: minar o poder das mulheres da família. Elas eram, para ele, um obstáculo disfarçado de ornamento. E obstáculos existiam para serem removidos.

Francesca passou pelo salão onde Lara conversava com as filhas. A matriarca, sentada em sua poltrona favorita, emanava autoridade como um perfume. Não havia no seu olhar qualquer traço de doçura; apenas avaliação constante. Lara lançou-lhe um olhar demorado, que misturava desafio e análise, como quem pesa uma peça de xadrez antes de movê-la.

— Bom dia, Francesca. — O tom era neutro, mas carregava mais teste do que saudação.

— Bom dia, Dona Lara. — respondeu, sem baixar os olhos.

No almoço, a tensão era palpável. A mesa farta não escondia o silêncio entrecortado por pequenas alfinetadas. Vitório, sentado ao lado da noiva, tentava quebrar o clima com comentários triviais, mas cada tentativa caía no vazio.

Leonardo estava lá, discreto, em pé num canto. Não participava ativamente da conversa, mas nada escapava ao seu olhar. Ele observava como um enxadrista que mapeia o tabuleiro, medindo forças, testando limites.

Ao final da refeição, Francesca se levantou para levar seu prato à cozinha. Foi quando a encontrou: Melinda, a empregada que transitava entre os cômodos com uma liberdade desconfortável. Estava cortando frutas, o ritmo da faca no corte mais lembrava um tambor de guerra.

— Estão te menosprezando, não é? — disse, sem levantar o olhar. — Você é forte, deveria mostrar sua força.

Francesca reconheceu a armadilha nas palavras. Decidiu entrar no jogo, mas no seu próprio ritmo.

— Eu sei que você tem razão, Melinda… dona Lara não merece a família que tem.

Os olhos da empregada brilharam, como se tivesse encontrado uma aliada.

— Verdade. Ela é fraca. Don Antônio precisa de uma mulher forte, você não concorda?

— Claro que sim. — respondeu, mantendo o tom calmo.

Melinda se inclinou, abaixando a voz como quem divide um segredo proibido.

— Você sabe que eu quase fui a namorada dele? D. Carlota já tinha me prometido. Aí ele foi para o Brasil e voltou com essa criança… mas eu vou pegar meu lugar de volta. Depois, você se casa com Vitório e nós duas vamos comandar essas casas.

Francesca sustentou o sorriso, mas por dentro sentia um nó apertar o estômago. Melinda não estava apenas desequilibrada — era perigosa. E pior: tinha certeza de que era predestinada a algo que ninguém mais via, como ninguém percebeu?

Quando Melinda se afastou, Leonardo surgiu na porta da cozinha, silencioso. Encostou-se no batente, cruzou os braços e fitou Francesca por alguns segundos. O sorriso que esboçou não era de gentileza, mas de quem viu uma jogada se concretizar. Sem dizer nada, voltou para o corredor.

Francesca sabia que, naquela casa, cada palavra poderia ser usada contra ela. E que, no jogo que começava, ninguém mostrava todas as cartas logo de início. E seu pai só com um olhar já lhe disse tome cuidado.

Quando a noite caiu, as luzes da mansão acenderam-se, lançando sombras longas nos corredores. Do lado de fora, o vento trazia o cheiro do mar e o murmúrio distante da cidade. Dentro, a sensação era de que cada passo era observado — e, de fato, era.

Lúcio, de sua posição habitual, analisava o comportamento de todos. Seu olhar se deteve em Francesca e Vitório, depois em Lara e Don Antônio, por fim em Leonardo o guarda puxa saco, que parecia não se incomodar em ser notado.

Francesca subiu para o quarto sentindo que o dia havia sido mais longo do que qualquer outro. Ao fechar a porta, encostou-se nela e respirou fundo. Ainda não sabia qual seria sua primeira jogada, mas uma coisa estava clara: o jogo havia começado, e ela não pretendia ser apenas uma peça.

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