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O Garoto da Porta ao Lado

Capítulo 1

Jace – 12 anos

Eu estava no meu quarto, com fones de ouvido e o volume no máximo, quando ouvi a voz da minha mãe gritar lá de baixo:

— Jace, desce AGORA! Ela acabou de chegar.

“Ela”, no caso, era a filha do novo marido da minha mãe. A tal da Valentina.

O nome já me irritava. Soava delicado demais pra alguém que, segundo a minha mãe, era “muito fofa, mas cheia de atitude”.

Perfeito. Uma mini mandona de oito anos pra dividir os finais de semana comigo.

Desci devagar, arrastando os pés, só pra mostrar que não estava empolgado.

Foi então que a porta se abriu… e lá estava ela.

Uma menina de trança, mochila rosa nas costas e olhar desconfiado.

Os olhos dela eram enormes. E o jeito que ela olhou pra mim… foi tipo: “eu sei me defender.”

Não sei explicar, mas alguma coisa nela me incomodou na hora.

Talvez o fato de que ela não parecia tímida como eu esperava.

Ou talvez o jeito que ela ergueu uma sobrancelha quando me viu, como se dissesse: “é você o tal Jace?”

— Oi — ela disse, firme. — Eu sou a Valentina. Mas pode me chamar de Val. Ou não.

— Tá. Não chamo então — respondi, seco.

Minha mãe quase teve um treco.

— Jace! Comporte-se! Ela é sua irmã agora.

— Sua enteada — eu corrigi. — Não é minha irmã, nem meio irmã.

Valentina cruzou os braços.

— Se fosse de verdade, eu não ia querer mesmo.

Pisquei. Aquilo foi… ousado.

E ali, no meio da sala luxuosa da nossa casa em Boston, nasceu a guerra.

Valentina versus Jace.

Um campo de batalha em forma de casa de família feliz.

E a pior parte?

Ela tinha estilo.

E atitude.

E… bom, era linda.

Mas isso eu só admiti uns 10 anos depois.

Valentina – 8 anos

Minha mãe dizia que aquele fim de semana seria “especial”.

Nova casa.

Nova família.

Nova fase.

Pra mim, parecia só confusão.

Estávamos no carro há quase duas horas quando finalmente passamos por um portão automático maior do que o prédio onde a gente morava. Eu arregalei os olhos ao ver a casa — quer dizer, mansão — surgir à frente.

Era enorme. Branca, cheia de colunas, janelas gigantes de vidro e uma escada dupla que parecia ter saído de um filme da Disney.

— Não é demais? — minha mãe sorriu, empolgada. — Seu novo quarto fica de frente pra piscina.

Piscina? Escada dupla?

Parecia incrível. Até que eu lembrei da parte chata.

— Ele vai estar lá?

— O Jace? Vai. Mas ele é um doce, filha. Um pouco fechado, mas…

Revirei os olhos.

Nada contra o tal do Jace.

Quer dizer, quase nada.

Minha mãe vivia falando dele como se fosse um príncipe incompreendido.

Mas alguma coisa no tom dela me fazia pensar que ele era mais… tipo, um ogro esnobe de 12 anos.

**

Quando entramos na casa, fui logo engolida por um chão de mármore brilhante, lustres de cristal e o cheiro de ambiente caro.

Mas tudo perdeu o brilho quando eu vi ele descendo a escada com a maior cara de tédio do universo.

Cabelos castanhos bagunçados, blusa preta, olhar preguiçoso e uma postura de quem não fazia a menor questão de agradar.

Ele me olhou de cima a baixo como se eu fosse um móvel novo que ele não pediu.

— Oi — eu disse, firme. — Eu sou a Valentina. Mas pode me chamar de Val. Ou não.

Ele respondeu:

— Tá. Não chamo então.

Sério. Que. Antipático.

A mãe dele se apressou em me dar um abraço, toda calorosa, enquanto o pai — meu pai — ficava tentando disfarçar o climão.

E quando a madrasta disse “Ela é sua irmã agora”, o ogro corrigiu:

— Enteada.

E então eu soltei:

— Se fosse de verdade, eu não ia querer mesmo.

Aí ele piscou. Acho que não esperava que uma menina de oito anos soubesse contra-atacar.

Pois é.

Bem-vindo à realidade, Jace.

A partir daquele dia, comecei a passar os finais de semana ali.

Piscina de luxo, sala de cinema particular, jantares elaborados…

E um Jace insuportável me provocando em cada canto da mansão.

Se a casa parecia de novela…

Nosso relacionamento era tipo sitcom de guerra.

E que Deus nos protegesse das próximas visitas.

Capítulo 2

Jace – 13 anos

Já fazia quase um ano desde que Valentina começou a invadir meus finais de semana.

E quando digo “invadir”, não tô exagerando.

Ela surgia toda sexta à tarde com suas tranças, suas mochilas coloridas e aquele jeito de quem achava que mandava na casa.

E eu fazia questão de lembrar que não mandava.

Mas o problema é que ela era rápida com as respostas.

E linda.

E isso complicava tudo.

**

No primeiro mês, roubei os controles da TV só pra ela não assistir o programa preferido.

Ela colou glitter nas palmilhas dos meus tênis de treino.

No segundo, troquei o açúcar do toddy dela por sal.

Ela colocou pasta de dente na minha escova de cabelo.

(Eu nem sabia que dava pra sentir aquela ardência na cabeça.)

No terceiro mês, ela trancou meu quarto por dentro e se escondeu por três horas com a chave só pra ver o caos.

A garota era um caos com laço no cabelo. Decudidade e sem medo algum, da nossa diferença de idade e altura.

**

Nos feriados, quando viajávamos com os nossos pais, as coisas escalavam.

Numa viagem pro Lago Tahoe, ela jogou uma minhoca de mentira dentro do meu prato no café da manhã. Todo mundo riu, até nossos pais.

Menos eu.

Mas me vinguei.

Escondi a boneca preferida dela no porta-malas do carro e fingi por dois dias que a tinha jogado no lago. Nunca vou esquecer o semblante desesperado dela quando falei aquilo.

Ela chorou.

Eu quase me senti mal.

Quase.

No fim, ela me bateu com uma almofada no jantar e todo mundo achou “engraçadinho”. Ela era baixinha e até meio gorducha, tinha uma força grande até demais, para uma menina.

**

Por fora, éramos os enteados-problema.

Por dentro?

Era como se nossas personalidades tentassem se entender na base da guerra.

E por mais que eu fingisse que a odiava…

O jeito como ela franzia a testa quando ficava brava, ou como ela ria das próprias piadas ruins,

ou como me desafiava com o olhar…

Começavam a bagunçar algo em mim.

Mas eu tinha só 13 anos.

E ela, 9.

Então continuei fingindo.

Fingindo que detestava aquela garota que caiu de pára-quedas na minha vida, com o título de meia irmã.

**

— A Val vai passar o Natal com a gente esse ano — ouvi minha mãe dizendo no corredor certa noite.

— Claro, como sempre — respondi, sem emoção.

Ela continuou:

— E no verão do ano que vem, a mãe dela vai levá-la pro Brasil. Parece que vão se mudar de vez. Trabalho novo, mudança grande…

Parei.

Congelado.

Brasil? Valentina indo embora?

Por fora, encolhi os ombros.

— Menos problema pra mim.

Mas por dentro… Por dentro algo estranho se moveu.

E pela primeira vez desde que ela apareceu na minha vida…A casa pareceu grande demais. E silenciosa demais.

Ela estava indo embora, de verdade. Não era para o apartamento onde ela passava a semana com a mãe, era para outro país, seu país de origem, o Brasil.

Capítulo 3

Valentina – 11 anos

O dia em que minha mãe me contou que iríamos nos mudar pro Brasil começou com panquecas.

Ela entrou no meu quarto com um sorriso leve demais pro tamanho da bomba que vinha.

— Temos uma notícia, Val…

— Boa ou ruim? — perguntei direto, ainda deitada.

— Boa — ela respondeu.

(Ela sempre dizia isso quando a notícia era ruim pra mim e boa pros adultos.)

**

A conversa foi longa.

Nova proposta de trabalho.

Oportunidade única.

Mais perto da família dela.

Uma escola incrível me esperando.

Uma nova fase.

Eu ouvi tudo.

Em silêncio.

Mas no fundo… uma parte de mim começou a latejar.

Eu não queria ir.

Claro, amava minha mãe. Claro, o Brasil parecia legal nas histórias dela. Mas ali era o meu mundo.

Meus fins de semana na mansão.

Minha escola.

Meus quartos.

E… ele.

Jace.

O garoto que eu dizia odiar.

Mas que de algum jeito esquisito…

era meu ponto fixo em meio ao caos.

**

Faltava um mês pra mudança e eu ainda não tinha contado nada a ele.

Fugíamos um do outro naquela casa como sempre. Brigas. Provocações.Tensão.

Mas naquele último final de semana juntos, tudo foi diferente.

Ele não implicou. Não escondeu minha escova.

Não trocou meu shampoo por gel.

E eu… Eu não fiz nada com as meias dele.

Nem coloquei corante no leite.

A gente quase se evitou.

**

No domingo à noite, no final do jantar que minha madrasta insistiu em dar para nós na casa onde ela namorava com Jace e meu pai, minha mãe anunciou:

— Valentina está indo morar no Brasil comigo.

— Amanhã cedo — completou meu padrasto

A mesa ficou em silêncio por dois segundos.

Jace mastigava. Não disse nada. Só continuou comendo.

Nem levantou os olhos.

**

Minha mãe e meu padrasto foram para casa , terminar de arrumar as coisas, eu fiquei na mansão, queria aproveitar um pouco mais meu pai e até minha madrasta que eu gostava muito.

Na manhã seguinte, antes de ir, passei em frente ao quarto de Jace. A porta estava entreaberta.

Ele estava no computador, de fone, com cara de quem não se importava com nada.

— Tchau — falei da porta.

Ele nem se virou.

Só ergueu a mão, como quem acena.

E naquele aceno sem emoção, eu entendi:

ele ia fingir até o fim. Ou estava totalmente errada e ele não se importava mesmo. Talvez estivesse feliz com a minha partida, não teria que aturar a irmã postiça nos finais de semana. Eu só viria uma vez no ano, nas férias da escola.

**

Chorei no carro.

Minha mãe achou que era por saudade do lugar.

E eu deixei ela pensar isso. Por que também era, eu sentiria muita falta do nosso apartamento, da escola, dos amigos, da casa do meu pai, deles.

Mas lá dentro…

Tinha outra coisa.

Era o silêncio dele.

Era o fato de que, pela primeira vez, eu queria que ele tivesse ao menos fingido que ia sentir minha falta.

Ou dito alguma coisa.

Qualquer coisa.

Mas Jace…

Jace só me deu um aceno.

E foi assim que eu deixei a mansão.

Com uma mala cheia de roupas.

E um coração triste, porque por mais que nós nos odiássemos e implicássemos um com o outro, nós vivemos três anos como família.

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