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Herdeiros da Máfia I - Ricardo

Ricardo Lancellotti

Estacionei meu carro na garagem privativa da empresa da minha família e, assim que desci, um dos meus soldados abriu a porta para mim, enquanto outros dois faziam a segurança do local, observando qualquer movimento suspeito.

Eu detestava ter alguém constantemente pendurado no meu pescoço. Não era necessário tanto cuidado. Eu pensava que sabia me cuidar, porém meu pai não compartilhava dessa opinião. Ele acreditava no treinamento que me proporcionou, porém afirmava que, como seu sucessor, eu estaria sempre enfrentando um risco maior do que qualquer outro integrante da nossa família.

No entanto, eu tinha consciência de que parte dessa preocupação era resultado da pressão que minha mãe exercia sobre ele, exigindo um cuidado maior com a minha segurança. Acho isso um exagero! Ademais, estávamos atravessando um período bastante tenso.

Após a morte do antigo capo da Outfit, a Máfia de Chicago, seu filho mais velho tomou as rédeas dos negócios e começou a complicar um pouco a situação para nós. O sujeito estava colocando em risco a paz entre a Cosa Nostra e a Outfit e provocando uma guerra desnecessária, da qual não fugiríamos, mas que preferiríamos evitar.

Meu pai estava se esforçando ao máximo para não romper a aliança com a Outfit, pois eles eram um aliado crucial em nossa batalha constante contra nossa maior inimiga, a Bratva. Além disso, entrar em guerra com eles não seria vantajoso para os negócios, pois isso chamaria a atenção das autoridades federais sobre nós.

O que o Capo da Outfit estava fazendo não era nada inteligente, pois a Cosa Nostra sobreviveria sem eles. No entanto, sem nós, a Outfit não teria nenhuma possibilidade contra a Bratva. O homem aparentava não se importar e não tornava as coisas mais fáceis, mas meu pai já começava a se irritar. Quando Dom Ítalo Lancellotti finalmente perdesse a paciência, ele entraria com toda a força na guerra.

Com dezenove anos, já estava completamente envolvido na Máfia. Tornei-me um membro essencial e acompanhei meu pai em todas as decisões, especialmente após a saída do meu avô e do tio Alonzo dos assuntos diretos da Cosa Nostra. Por essa razão, eu estava me dirigindo à empresa para uma reunião com Salvatore, o chefe da Outfit.

Dirigi-me imediatamente ao escritório do meu pai, bati à porta e entrei. Com atenção, notei Salvatore sentado à esquerda do meu pai, enquanto dois de seus soldados permaneciam em pé, próximos a ele. Estávamos recebendo convidados pouco confiáveis, então alguns de nossos homens também estavam presentes.

Ao lado do meu pai, havia uma cadeira vazia aguardando por mim, seu sucessor direto. Tio Dante, Giacomo, Tio Matteo, Tiziano, Pietro e Enrico ocupavam as outras cadeiras. Enrico também começava a ser integrado às atividades da Máfia.

Todos, assim como eu, mantinham expressões sérias. Não podíamos relaxar, já que nenhum de nós foi educado ou treinado para ser confiável e gentil fora do lar, especialmente em circunstâncias como aquela.

Na verdade, desde que tomei conhecimento da reunião urgente, meus instintos me alertaram de que algo estava para acontecer. Ainda não tinha conhecimento do propósito daquela reunião, mas tinha plena confiança de que meu pai apenas tomaria decisões benéficas para a organização, por isso estava preparado para aceitar suas escolhas.

Saudando a todos enquanto me dirigia à cadeira:

― Olá. Desculpem a demora, tive um contratempo ― disse, sentando-me ao lado do meu pai, com todos os olhares voltados para mim.

Os homens apenas concordaram com um aceno e permaneceram com a postura tensa. Que esquisito, refleti. Como meu pai e Tio Dante sempre foram meus melhores amigos, eu sabia identificar suas expressões. Eles não estavam contentes com a razão dessa reunião, na verdade, nenhum dos meus estava.

— Podemos começar agora que Ricardo chegou. — Foi o que meu pai disse.

― Gostaria de entender o motivo de estarmos aqui ― perguntei, sério.

— Estamos aqui somente para negócios, meu jovem. Não se preocupe — disse Salvatore.

Não gostei do tom que ele usou e olhei para meu pai, que me encarava em silêncio, pedindo calma. Eu estava ficando cada vez mais tenso e alerta, então deixei meu instinto tomar conta de mim, coloquei a arma no meu coldre e retomei a fala, encarando Salvatore diretamente.

— Então vamos dar início, pois tenho outras questões relevantes a tratar ainda hoje.

Salvatore riu outra vez, olhando para mim. A atitude dele já estava me incomodando, já que dois dos vários traços de personalidade que herdei do meu pai e do meu avô foram a impaciência e a aversão a joguinhos. Desviei meu olhar para o meu pai, que, com um gesto de cabeça, me pediu mais uma vez para manter a calma.

― Não temos interesse em desmantelar a aliança entre a Cosa Nostra e a Outfit, pois ela nos fortalece e sempre nos trouxe bons resultados. Seria lamentável se isso ocorresse. Temos a Bratva como inimigo em comum e precisamos continuar unindo forças.

Nesse instante, o homem dirigiu o olhar ao meu pai, que, por sua vez, me olhou com uma expressão tensa.

— Salvatore deseja você como genro, Ricardo — anunciou meu pai, pondo fim ao suspense.

Fui pego de surpresa por aquela revelação. Estar sempre pronto para qualquer situação era uma característica minha, porém se casar aos dezenove anos nunca fez parte dos meus planos. Além disso, meu pai sempre deixou claro que meu casamento seria algo para um futuro a médio prazo e que eu poderia escolher a mulher com quem quisesse me unir, desde que fosse alguém de dentro da Máfia, é claro.

Nasci no mundo da Máfia e estava destinado a me tornar o próximo Don. Por isso, tinha consciência de que meu casamento seria exigido mais cedo do que o dos meus primos, porém não esperava que fosse tão cedo. Naquela hora, pude entender os olhares curiosos de meu pai e Tio Dante.

Salvatore interrompeu meus pensamentos ao deslizar seu celular em minha direção sobre a mesa.

― Olhe, esta é minha filha. Ela não é bonita? — indagou ele.

Relutantemente, peguei o celular e fiquei chocado ao olhar a foto. A garota deveria ter no máximo uns quatorze anos. Ela é uma criança, caramba! Que porcaria é essa? Eu não conseguia aceitar que meu pai estava apoiando uma coisa daquelas.

Levantei-me, puxando a cadeira de forma brusca e assustando tanto nossos soldados quanto os dele. Eu estava muito irritado.

— Você quer que eu me case com uma criança, caramba? ― disse, espumando de raiva e batendo na mesa.

Isso era algo muito complicado para mim, pois meu avô materno era um bastardo como aquele que eu tinha diante de mim. Ele nunca foi um avô carinhoso para mim e Viviana, mas passei a detestá-lo de fato ao descobrir como ele tratou minha mãe e a negociou com meu avô Inácio, tratando-a como se fosse um objeto.

Homens como o vovô Romeu me repugnavam. Quando tomei conhecimento de toda a história, o máximo que pude fazer por ele foi não matá-lo; no entanto, a partir daquele dia, deixei de considerá-lo meu avô. Inácio Lancellotti foi o único avô a conquistar o meu amor e respeito.

― Ricardo, acomode-se! ― disse meu pai, com sua tranquilidade e autoridade de chefe, e eu não tive escolha a não ser obedecer.

Sentei-me e o encarei com um leve desapontamento. Ninguém ali notaria isso, mas ele com certeza perceberia. Contudo, eu tinha certeza de que ele teria uma justificativa para isso. Eu sempre respeitei e obedeci ao meu pai sem questionar, pois tinha certeza de que ele sempre tomaria as melhores decisões para minha mãe, Viviana e para mim.

Ítalo Lancellotti sempre defendeu e amou nossa família em primeiro lugar. Ele não costumava demonstrar nossa intimidade em público, mas em casa, ele e minha mãe eram um exemplo de casal para mim. Não posso negar que estabeleci padrões elevados em relação ao tipo de casamento que desejava para mim, pois tive o melhor exemplo em casa.

Meu pai sempre foi irrepreensível, mas se ele afirmasse concordar com aquela loucura, provavelmente eu me insurgiria contra ele pela primeira vez. Eu não desejava que as coisas se desenrolassem assim, uma vez que ele era meu pai, uma pessoa que eu amava e respeitava. Ademais, Ítalo Lancellotti era meu Don, e como seu sucessor, eu não deveria desrespeitá-lo dessa forma, especialmente na presença de estranhos.

Em situações diferentes e quando estávamos sozinhos, já houve momentos em que não estávamos de acordo em algum aspecto, e sempre trazíamos o assunto à tona, mesmo que na maioria das vezes eu percebesse que ele estava correto. Entretanto, naquela época, não havia argumento que me persuadisse a me casar com uma criança.

Respirei fundo, olhei para meu pai e, de forma tranquila e respeitosa, manifestei meu desagrado.

— O senhor espera que eu me comprometa com uma criança? Os tempos mudaram; ninguém mais casa meninas tão jovens.

― Não é como você imagina, Ricardo. Por enquanto, isso será apenas um acordo entre as famílias, e vocês não terão nenhum contato. Vocês ficarão noivos, mas só poderão se casar quando ela fizer dezoito anos.

Eu ainda considerava tudo aquilo muito absurdo. Eu pretendia me casar com, sei lá, uns trinta anos. Meu pai ainda era jovem e lideraria a Cosa Nostra por bastante tempo, de modo que eu não precisaria assumir a posição tão cedo.

A menina retratada na foto ainda era uma criança e viveria a mesma vida que minha mãe, sendo mantida em cárcere privado até o casamento. Aquilo era uma porcaria.

— Desejo conversar com meu filho sozinho. Retirem-se, por favor ― meu pai disse ao notar minha resistência à conversa. ― Avisarei vocês quando terminar.

Ele esperou até que todos deixassem o escritório para retomar a conversa, porém, antes de se retirar, Salvatore proferiu mais uma dose do seu veneno ao afirmar:

― No passado, os filhos eram mais submissos e não contestavam as ordens dos pais, especialmente quando o pai era o Don.

― Não interfira na minha maneira de comandar, e muito menos na minha relação com o meu filho. Nunca precisei impor minha opinião para que ela fosse totalmente respeitada. Não desejo que meu filho tenha medo; isso eu quero que meus inimigos sintam. Exijo que você respeite minhas decisões, assim como quero respeito de meu filho. Agora, saia daqui ― disse meu pai, com um tom ameaçador.

Salvatore não argumentou e se retirou, mesmo que sua expressão tenha evidenciado que ele não apreciou a reprimenda. Pouco depois, quando estávamos totalmente a sós, meu pai disse, olhando-me fixamente:

— Primeiro de tudo, mantenha suas emoções sob controle quando estiver em público. Quando estivermos a sós, você pode ser completamente sincero comigo; no entanto, quando houver outras pessoas por perto, mantenha tudo para si e não demonstre nada ― meu pai disse tranquilamente, mas com um tom de descontentamento, como costumava fazer quando me advertia.

Ele nunca precisou gritar comigo ou com minha irmã; apenas expressar sua insatisfação já era suficiente para que nos comportássemos adequadamente.

― Perdão, pai. Não tive a intenção de te desrespeitar, nem como pai nem como Don ― falei de forma sincera e notei que ele amenizou um pouco sua expressão.

― Filho, não é tão ruim quanto aparenta ser, pelo menos não para você. Eu vivi uma experiência parecida com a sua mãe, e você sabe o quanto eu sou apaixonado por ela. A melhor coisa que me aconteceu na vida foi a sua mãe. O filho ilegítimo de seu avô também tentou oficializar o casamento quando ela ainda era criança e...

— Ele não é meu avô! ― eu o interrompi e ele me lançou um olhar feio.

Meu pai detestava ser interrompido, porém eu não faria isso a menos que estivéssemos a sós.

— Como eu estava dizendo, Romeo agiu da mesma forma que esse idiota aqui, e, no fim das contas, tudo acabou bem. Meu pai não concordou com o acordo imediatamente, mas eu casei com a mãe dele assim mesmo. Às vezes, é besteira adiar o que é inevitável, a não ser que... ― meu pai fez uma pausa para pensar. — Se você me disser que tem alguém em mente, não aceitaremos esse acordo. Contudo, se não houver ninguém, não vejo razões para recusar.

Refleti sobre aquela observação e, percebendo meu silêncio, meu pai me observou com atenção.

― Tem alguém aí, Ricardo?

Nada foi dito por mim. Minha mente estava confusa, e eu não tinha certeza. Subitamente, recordei-me de uma conversa que tive há quase um ano.

― Você não pode ter uma namorada.

― Por qual motivo não? ― eu perguntei, encantada ao vê-la tímida.

— Porque você vai se casar comigo!

Se eu fosse avaliar, ambas as opções eram ridículas, mas essa merda não era uma competição de quem chegou primeiro e eu não estava apaixonado por ninguém. Mas por que com Antonella, mesmo sendo nova, não parecia tão errado? Isso poderia ser atribuído ao fato de ela ser familiar da família, mas isso não deveria importar.

― Não, pai, não há ninguém ― respondi de forma mais tranquila, deixando meus pensamentos de lado.

― Então, meu filho, reflita de outra maneira. Uma das razões pelas quais me apaixonei por sua mãe foi a ideia de protegê-la de um pai abusivo. Na Máfia, é isso que mais ocorre: as mulheres já nascem condenadas a serem tratadas como mercadorias e viverem felizes. Nossa família é uma raridade. Ao se casar com essa menina, você estará ajudando-a e, no final das contas, talvez tenha um casamento feliz, como o meu — disse meu pai, desta vez bem mais tranquilo.

Minha mente estava tão confusa que não conseguia formular uma única ideia completa, então optei por permanecer em silêncio.

— Vou te apoiar, qualquer que seja a sua escolha, mas lembre-se de que, uma vez tomada, você deve honrar sua palavra de homem — disse meu pai. — Vou me afastar para que você possa refletir um pouco. Voltarei em alguns minutos, acompanhado dos demais, para ouvir sua decisão.

Meu pai me deixou sozinho com meus pensamentos após me dar um aperto de ombro em sinal de apoio.

Ricardo Lancellotti

Os motivos que meu pai me apresentou eram concretos, pois cresci sendo ensinado a respeitar e proteger as mulheres. Faria qualquer coisa para mantê-las a salvo. Por exemplo, minha mãe e Viviana são tão sensíveis e valiosas que só de imaginar a possibilidade de alguém feri-las, eu ficaria completamente fora de mim.

O que não quero para as mulheres da minha vida, não quero para mais nenhuma.

Meu pai e eu escolheríamos cuidadosamente um noivo para Viviana, e, caso não encontrássemos ninguém adequado, ela nem precisaria se casar. E eu tinha consciência de que meu pai também não estava apressado.

Não éramos bonzinhos eu e os homens da minha família. Carregávamos uma série de crimes e pecados, mas, dentro das leis do nosso mundo, fazíamos o que considerávamos certo, o que incluía cuidar, proteger e respeitar nossas mulheres e todas as outras que pudéssemos.

Apesar de pensar assim, havia algo que me deixava em dúvida sobre qual decisão tomar. Eu tinha consciência de que, a princípio, os casamentos na Máfia eram apenas acordos, porém tudo se tornava mais simples quando a mulher realmente desejava se casar e, ainda por cima, quisesse se casar especificamente com você.

Antonella deixou explícito que queria se casar comigo naquela noite de Natal, há um ano. A princípio, a ideia me pareceu completamente absurda, considerando que ela era praticamente da mesma idade que minha irmã. Contudo, mesmo sendo muito jovem, ela aparentou ser bastante determinada a alcançar o que desejava, e sua audácia me impressionou.

Após aquela noite, ela obteve meu número de celular, possivelmente por meio de uma das minhas primas, e começou a me enviar mensagens com regularidade. Em algumas ocasiões, eu até respondia, mas na maioria das vezes, não.

Ela aparentava ser uma garota madura para a sua idade e era bastante bonita, porém eu não queria criar expectativas falsas. Ademais, não considerava adequado que o próximo Don estivesse enviando mensagens para uma menina menor de idade, que por cima era quase da família.

Com isso em mente, comecei a ignorar suas mensagens, mas elas nunca deixaram de chegar. A menina era de fato teimosa.

Refletindo de forma lógica sobre a situação, casar-me com Antonella não seria uma escolha vantajosa para a organização, pois a Cosa Nostra e Las Vegas estariam constantemente ligadas. Essa aliança já existia antes de eu vir ao mundo. Nossas famílias eram muito próximas e, mesmo sem confiar em ninguém, tínhamos certeza de que podíamos confiar neles.

Meu pai deixou claro que a escolha era minha, mas eu sabia que, embora não evitasse uma briga, ele buscava manter a paz. Ele costumava afirmar que um bom líder também deve prevenir guerras e mortes desnecessárias.

Nossos adversários buscavam nos ferir nos pontos mais sensíveis, ou seja, atingindo nossa família; por essa razão, sempre procuramos preservar a paz tanto quanto possível. Após muita reflexão, cheguei à conclusão de que aceitar esse casamento seria a decisão mais sensata.

Após alguns minutos, meu pai e os demais entraram, interrompendo meu momento privado. Todos se acomodaram e me encararam com expectativa.

― Eu vou me casar, mas apenas quando ela completar dezoito anos. Nesse meio tempo, desejo que ela receba um bom tratamento, tenha uma educação de qualidade e possa viver da melhor forma possível. Desde que esteja protegida, ela pode viajar, praticar esportes, fazer cursos ou qualquer outra coisa que desejar.

Meu pai tinha uma expressão séria, mas eu percebia em seu rosto que ele estava orgulhoso da minha escolha.

— Não quero que ela seja privada de nada, pois, após se casar com o futuro Don, não poderá ter uma vida normal e livre — declarei, fixando o olhar em Salvatore, que, de imediato, mostrou-se contente com a minha resposta.

― Aceito as suas condições. Vou oferecer tudo isso à minha filha e, ao completar dezoito anos, ela se tornará sua esposa. Você fez a escolha correta, meu jovem ― disse ele, com um sorriso satisfeito, mas eu não retribuí o sorriso. ― Entendo que vocês não terão contato antes do casamento, mas acredito que seria bom fazermos pelo menos um jantar para selar o compromisso e permitir que se conheçam.

― Não considero necessário. A menina ainda é uma criança, não deveria ter que passar por isso agora ― disse, irritado com a sugestão.

― Isso é o bastante por hoje. Quando ela completar dezoito anos, combinamos um almoço para que eles se apresentem. Deixe a menina viver sua adolescência tranquila, sem nenhuma preocupação com o casamento — meu pai aconselhou com sabedoria, notando que eu já estava prestes a perder a paciência com aquele homem.

― Tudo bem ― Salvatore respondeu, um tanto relutante, e nós finalizamos a reunião.

Ricardo Lancellotti

Uma semana depois...

Estava deitado, prestes a dormir, quando meu celular emitiu um som, indicando que uma mensagem havia chegado. Eu já tinha uma ideia de quem fosse. Durante aquela última semana, Antonella ficou em silêncio e, para ser sincero, até achei seu desaparecimento estranho.

Cheguei a considerar que ela estivesse ciente do meu futuro casamento, mas rapidamente abandonei essa ideia, uma vez que o tema foi tratado em particular e ficou acordado que não seria mencionado, nem mesmo entre a Máfia, até o momento apropriado. Essa era uma escolha significativa, sobretudo para salvaguardar Beatrice, minha futura noiva.

Ao abrir o aplicativo e ler a mensagem, fiquei surpreso comigo mesmo, pois me senti bem ao ler as palavras daquela menina travessa.

Antonella: Boa noite, Ricardo Lancellotti. Aposto que pensou que eu havia te abandonado, não foi? Jamais! Estava viajando com mamãe e papai e, por isso, não pude usar o celular, pois eles ficam implicando. Para evitar a tentação de te mandar mensagens, mantive o celular desligado, pois não quero que saibam sobre nós. Sentiu minha ausência? Eu lamento muito a sua.

Sorri ao concluir a leitura e decidi ser sincero ao responder. A última coisa que eu queria era criar falsas expectativas nela, pois a garota acabaria sofrendo ao descobrir, anos depois, sobre o casamento arranjado que arruinou suas oportunidades comigo.

Eu quase não respondia às mensagens dela para não dar falsas esperanças, mas as notificações continuavam chegando e, quando chegavam, eu gostava de ser. Antonella tinha consciência de que eu via as mensagens e que, caso não quisesse realmente recebê-las, já teria feito o bloqueio. É por isso que ela não parava de mandá-las.

Ao longo do último ano, após o Natal em que ela revelou seu interesse por mim, eram poucos os dias em que eu não recebia mensagens dela. Todas expressavam claramente seu interesse e sua convicção de que um dia nos casaríamos.

A garota era audaciosa, segura, determinada e parecia pronta para conquistar seu espaço ao meu lado a qualquer preço. Ela era bem-humorada e bastante madura para a sua idade, o que me fez gostar das raras ocasiões em que respondi às suas mensagens e engajamos na conversa. Era agradável dialogar com ela.

Por mais estranho que pareça, eu estava realmente triste por ter que contar a ela sobre meu futuro noivado, pois não queria que ela ficasse triste.

Ricardo: Oi, Antonella. Tudo bem? Espero que tenha aproveitado a boa viagem com seus pais.

Iniciei uma conversa de maneira despretensiosa, e a resposta veio em menos de um minuto.

Antonella: Meu príncipe, você respondeu! Agora me sinto melhor, conversando com você, querido. E para responder à sua pergunta, a viagem foi boa, mas as verdadeiramente maravilhosas serão aquelas que faremos juntos após nos casarmos. A propósito, mudei o cabelo. Veja se você gosta do meu novo estilo.

Ao ler aquilo, ri. Eu apreciava a sua maneira espontânea. Uma foto foi anexada à mensagem. Eu abri e estava maravilhosa. Antonella sempre foi bonita, porém, ao se aproximar dos dezessete anos, começou a apresentar mudanças: deixou de ser uma adolescente e passou a se tornar uma mulher.

Ela possuía olhos e cabelos castanho-escuros, lábios volumosos e era pequena e delicada, assim como todas as mulheres da família. De fato, havia uma semelhança na delicadeza com que minha mãe se comportava. Ela é linda, sem mais nem menos.

Quando o celular emitiu o som de uma nova notificação, fui interrompido do meu estado de admiração pela foto.

Antonella: Não vai dizer nada? Estou aqui cheia de ansiedade.

Ricardo: Antonella, você está muito bonita. Embora não seja da minha alçada, eu aprovo o novo visual.

Antonella: É claro que depende de você. Quero estar sempre bonita para você.

Ricardo: Fico lisonjeado, mas isso não é certo. A propósito, tenho algo para lhe contar, mas é um segredo. Posso depositar confiança em você?

Antonella: É claro que pode, meu príncipe.

Ricardo: Para com isso e não me chama de príncipe. Eu não poderia estar mais distante de ser um. Você sabe que eu não sou uma boa pessoa.

Antonella: Você não é um príncipe encantado, e eu não sou uma princesa que precisa de resgate. E qual é o problema? Eu sei que você não vale nada, afinal, moro com um mafioso, se esqueceu? Tenho plena consciência de quem vocês são. Apesar de não os ter visto em ação, tenho plena consciência do que são capazes. Contudo, também sei o quanto os homens da sua família e da minha tratam bem suas mulheres. Você será um bom marido, tal como meu pai e o seu. Prometo que só te chamarei de príncipe quando estivermos a sós, ninguém jamais saberá.

Ricardo: Não teremos intimidade, Antonella, pois não vamos nos casar.

Optei por ser sincero, pois quanto mais ela se iludia e fazia planos, mais desconfortável eu me sentia. Não costumava me importar muito com as meninas que se deixaram enganar e que já passaram pela minha vida. Elas se enganavam por vontade própria, já que eu nunca alimentei esperanças nelas; porém, com Antonella, a situação era distinta. Eu nutria um afeto por ela.

Antonella: Não adianta fugir, sei que estamos destinados a ficar juntos. Por que há tanta oposição?

Ricardo: Não se trata de resistência. Como o próximo sucessor do Don, não tenho alternativa. Meu pai escolherá alguém em prol da organização, e eu preciso aceitar isso.

Antonella: Você sabe que o Tio Ítalo nunca te obrigará.

Ricardo: Pessoas como eu, apesar de parecerem ter uma escolha, na realidade não têm. Preciso agir de forma racional e sempre em prol do bem-estar da família.

Antonella: Ricardo, você tem algo a me dizer? Desembucha!

Ricardo: Minha esposa já foi escolhida, e não foi você. Daqui a alguns anos, vou me casar; meu pai e eu já prometemos isso.

Escrevi tudo de uma vez e, desta vez, a resposta não foi imediata. Isso me perturbou de maneira estranha, mas deixei-a processar a informação. Ela finalmente respondeu alguns minutos depois.

Antonella: Você não tem o direito! Você me garantiu!

Ricardo: Eu nunca te prometi nada, mas lamento de verdade.

Mais uma vez, a resposta demorou a chegar... na verdade, ela nem chegou. Em vez disso, meu telefone tocou. Considerei não atender, mas ao pensar em como ela deveria estar triste, não consegui ignorar.

— Oi, Antonella — disse, mais suave do que o habitual, para minha própria surpresa.

― Ricardo, você não tem permissão para se casar com outra mulher. Eu te amo! Nenhuma outra garota vai te amar dessa maneira. Eu te amei desde o primeiro momento em que te vi e não vou abrir mão de você.

Fiquei mudo e incomodado com aquelas palavras. Preciso admitir que, de maneira inexplicável, tocaram em mim. Fiquei lisonjeado ao ouvir aquilo e percebi, de imediato, que não era meu ego masculino se manifestando.

Não estava apaixonado por Antonella, porém, ouvi-la declarar que me amava me agradou, especialmente considerando o mundo em que vivemos. Seria muito mais simples e gratificante casar-me com uma mulher que me amava do que com uma que provavelmente teria sido condicionada a simular um afeto por mim ou que simplesmente resignava-se ao seu destino.

Antonella era espontânea e divertida, e ao longo daquele ano, demonstrou estar apaixonada por mim, determinada a me conquistar e a se tornar minha esposa um dia. E eu precisava admitir que não me desagradava.

Não tive a oportunidade de discutir essa possibilidade com meu pai, pois considerei que era muito cedo. Ainda teríamos cerca de dois anos até Antonella completar a maioridade e considerarmos a ideia de um casamento. Nos meus planos, isso só ocorreria por volta dos trinta anos.

Eu desejava que minha futura esposa tivesse a oportunidade de estudar, viajar e explorar o mundo fora da Máfia, pois, após o casamento, eu não poderia mais oferecer essa liberdade a ela, uma vez que a esposa de um Don sempre se tornava um alvo para os inimigos.

― Ricardo, você está presente? Diga algo ― Antonella pediu, e, porra, ela estava em lágrimas.

― Não fique triste, menina. Estou certa de que você encontrará alguém que te faça feliz, alguém que te mereça ― disse, engolindo o nó que se formou em minha garganta. No fundo, eu também não gostava da ideia de vê-la com outro homem, mas não tinha o direito de prendê-la a um amor não correspondido.

Ela não me respondeu; simplesmente desligou o telefone.

Porra, eu tinha dezenove anos, e, na minha visão de mundo, um homem da minha idade já tinha uma experiência significativa. Eu já havia matado muitos homens — em alguns, eu havia causado um verdadeiro estrago — e não me arrependia de nada. Então, por que essa situação estava me perturbando tanto?

Antonella era uma garota ingênua e pura. Apesar de ser bastante madura para a sua idade, ela ainda era adolescente e provavelmente esqueceria com facilidade essa ideia de se casar comigo. Não gostava da ideia de não receber mais suas mensagens repletas de segundas intenções e bom humor.

Balancei a cabeça, como se esse movimento pudesse afastar meus pensamentos. Era necessário que eu deixasse de pensar nisso e focasse no que precisava ser feito. Antonella vai superar e eu, com certeza, também vou. Era o que eu previa.

No dia seguinte, despertei um tanto mal-humorado. Quando desci, meus pais e Viviana estavam sentados à mesa, tomando café da manhã. Era sábado e não precisaríamos trabalhar.

― Bom dia, meu querido. Eu gostaria de esperar você para tomar o café da manhã, porém seu pai e sua irmã estavam com fome.

― Está bem, mãe, não se preocupe com isso.

Dirigi-me à minha mãe, beijei sua testa e, em seguida, aproximei-me de Viviana e também a beijei. No entanto, a pirralha limpou o local onde eu a beijei. Sorri, acenei para meu pai e me acomodei à mesa.

― Está tudo certo, Ricardo? - indagou meu pai.

Desde o dia em que oficializou meu noivado, ele começou a agir de forma mais cautelosa comigo. Na verdade, eu pensava que ele ficou preocupado em me forçar, mas não estava. Eu aceitei aquela proposta porque quis e porque era o correto a se fazer. Apesar de a história de Antonella realmente me afetar, eu não me arrependia da escolha que fiz.

― Está tudo bem, pai ― respondi, desviando o olhar.

Eu estava certo de que ele não havia acreditado, mas também não fez mais perguntas, e eu me senti aliviado.

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