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Babá do Antagonista

Capítulo 1 – O Despertar

A primeira coisa que Lucca sentiu foi um cheiro de lençóis limpos — algo floral, talvez lavanda — e o desconforto da luz filtrando pela cortina fina. Piscou várias vezes, tentando reconhecer o teto branco e a moldura da janela. Não era o seu quarto.

Uma pontada de pânico atravessou sua mente.

Onde... estou?

Ele se sentou na cama, lentamente, como se qualquer movimento brusco fosse fazer a estranheza ganhar forma. Passou os dedos pelos cabelos bagunçados e, por um instante, achou que estivesse sonhando. Mas a memória voltou como um tapa: a noite anterior. O enterro. O gosto amargo do luto e o álcool queimando a garganta.

Seu pai…

A lembrança fez o peito pesar. Ele se lembrava de ter saído sozinho, depois da cerimônia, e bebido como se pudesse afogar a dor. Caminhou pelas ruas sem rumo. Então… o quê? Foi resgatado por alguém de bom coração? Levado para algum lugar seguro para não desmaiar no meio-fio?

Era a única explicação plausível naquele momento.

Empurrou a coberta para o lado e se levantou. Estava de camisa fina, dois botões abertos, e uma calça leve que não reconhecia. A janela o chamou, e ele a abriu com cuidado. O ar fresco entrou, trazendo sons de uma rua agitada lá embaixo.

Quarto andar, aparentemente.

As pessoas passavam depressa, algumas vestindo roupas estranhas, mas Lucca achou que talvez fosse apenas moda local. Não reconheceu a rua. A princípio, pensou que fosse porque nunca tinha vindo para esse lado da cidade. Não passou pela sua cabeça que estava… muito, muito longe do que conhecia.

Fechou a janela e decidiu procurar o banheiro. Encontrou a porta ao lado de um armário e entrou.

A primeira coisa foi aliviar a bexiga — prioridade número um. Depois, foi até a pia e abriu a torneira para lavar as mãos. Seu olhar, preguiçoso e casual, subiu até o espelho.

E congelou.

O reflexo… não era o seu.

Ou era?

O rosto que o encarava tinha a pele lisa, sem uma única marca de espinha. Os lábios eram cheios, quase chamativos, e a clavícula aparecia delicada pela camisa aberta. O tom de pele era mais claro do que lembrava. E, por algum motivo, os dedos que esfregavam a própria palma eram finos, quase delicados demais para serem dele.

Lucca aproximou o rosto do espelho, inclinou-se para os lados, ergueu e abaixou as sobrancelhas. Até levantou os dois braços ao mesmo tempo, como se estivesse participando de um jogo infantil com… ele mesmo.

O reflexo repetia tudo, perfeitamente sincronizado.

Por alguns segundos, achou aquilo divertido. Sorriu, fez caretas, passou os dedos pelo rosto como se pudesse comprovar que não era uma máscara. Depois, a euforia deu lugar a um incômodo. Não lembrava de ter essa aparência. E… estava mais baixo?

— Não… — ele murmurou, afastando-se para olhar o próprio corpo inteiro. — Eu perdi altura? Uns… cinco centímetros?

Era difícil dizer. Mas a sensação estava lá, junto com um vazio na cabeça que não explicava como, nem por que, estava naquele corpo.

No fim, ficou parado, encostado na pia, sentindo a estranheza aumentar. Não estava apenas num lugar desconhecido. Estava num corpo que parecia o seu… mas não era. E por mais que tentasse encontrar respostas, tudo que tinha eram perguntas.

E uma enorme, crescente curiosidade.

Lucca afastou-se do espelho devagar, como se a qualquer momento aquela imagem pudesse se distorcer e rir dele. Passou a mão pela nuca, tentando puxar de volta qualquer memória que explicasse o que estava acontecendo.

O quarto estava silencioso, o tipo de silêncio que parecia prestes a ser quebrado. Ele voltou para a cama e sentou, observando os detalhes. O lençol era de um tecido macio que não reconhecia, com um padrão floral delicado demais para um quarto masculino comum. As paredes tinham um tom suave de bege, mas sem sinais de uso — como se fossem recém-pintadas.

O celular. Onde estava o celular?

Ele começou a procurar — primeiro sobre a mesa de cabeceira, depois nas gavetas. Nada. Apenas uma espécie de relógio quadrado, estranho, com números que não seguiam o formato habitual: além das horas, mostrava símbolos que ele nunca tinha visto antes, e que certamente não eram letras do alfabeto que conhecia.

Franziu o cenho.

Deve ser algum modelo importado…

Seguiu explorando. Abriu o armário do quarto: roupas que pareciam servir nele, mas todas tinham um corte diferente, mais ajustado ao corpo e com tecidos que não lembrava de ter visto à venda. No fundo, havia um par de sapatos com solado fino e flexível, mas sem cadarço, como se fossem feitos para se moldar ao pé.

Lucca pegou um deles, girou nas mãos e riu sozinho.

— Ok… definitivamente não sou eu que compro isso.

Olhando melhor, notou que a própria calça que vestia não tinha zíper ou botão — era uma peça única, de tecido elástico, como se fosse costurada sob medida para ele.

A estranheza começou a crescer no peito.

Voltou ao banheiro e, por impulso, ligou o chuveiro. A água saiu imediatamente, morna, e havia um cheiro sutil de algo como… madeira doce? Não reconhecia o aroma.

No espelho, aquele rosto bonito e delicado o encarava de novo. Só que agora, sem o choque inicial, ele percebeu algo novo: seus olhos tinham um tom mais vivo, quase brilhante, que não era natural. E havia um ar de… suavidade no corpo inteiro, como se tivesse sido redesenhado para ser mais frágil, ou mais… chamativo.

Ele engoliu seco, apoiando as mãos na pia.

Tudo estava tão limpo, tão perfeito, tão diferente do mundo que conhecia. Mas, de algum jeito, ele ainda acreditava que tinha apenas bebido demais e acordado na casa errada.

Até que ouviu um som.

Um “bip” baixo, vindo do tal relógio quadrado sobre a mesa de cabeceira.

Voltou para o quarto, curioso, e viu que a tela mostrava um conjunto de símbolos diferentes, piscando lentamente, como se fosse uma mensagem. Não entendia nada do que estava escrito, mas uma voz suave, feminina e artificial soou de dentro do aparelho:

— Lucca Andrade, sessão de entrevista agendada para às dez horas.

Ele congelou.

Não lembrava de ter marcado entrevista alguma. E não fazia ideia de quem, naquele lugar, sabia o seu nome.

A voz do aparelho ainda ecoava em sua cabeça — entrevista às dez horas. Ele olhou para a porta, respirou fundo e tentou girar a maçaneta. Nada.

Trancada.

Lucca franziu o cenho, procurando por uma chave. Revirou o criado-mudo, abriu o armário, espiou debaixo da cama. Até mexeu atrás da cortina, sem nenhuma lógica, como se a chave pudesse estar escondida ali.

Nada.

Tentou bater na porta, mas ninguém respondeu.

— Ok… isso tá ficando esquisito — murmurou, esfregando a testa.

Foi então que seus olhos pousaram na televisão na parede. Talvez aquilo lhe desse alguma pista de onde estava. Pegou o controle remoto e o girou nas mãos. Estava coberto de símbolos que não reconhecia — nada de “liga/desliga”, nada de “menu” — apenas marcas estranhas que pareciam um alfabeto alienígena.

Apertou botões aleatórios. Nada.

Apertou todos de uma vez. Nada.

Tentou até bater palmas, como já tinha visto em propagandas de TV inteligente. Silêncio.

— Liga! — falou alto, como quem dá ordem.

E, como se obedecesse, a tela acendeu. Lucca recuou um passo, surpreso.

O canal era um jornal. Um apresentador sério, com terno impecável, olhava diretamente para a câmera. Sua voz era clara e segura:

 “Agora, com a palavra de Sua Majestade, a respeito da crise de diminuição de fêmeas no planeta.”

A imagem mudou para um homem alto, vestindo um traje luxuoso que lembrava uniformes reais de filmes antigos. Sua voz carregava autoridade, mas também um tom solene:

“É com pesar que reconhecemos o declínio contínuo da população de fêmeas. A proporção desigual ameaça nosso equilíbrio social e futuro como espécie. Diante disso, anuncio o início do projeto ‘Mais Fêmeas’, com a criação de cento e dez novas vidas em proveta, desenvolvidas com material genético complexo, para garantir diversidade e estabilidade em nossa nação. Este é um passo vital para a prosperidade do nosso povo.”

O jornalista voltou ao ar, mantendo a postura profissional:

“Sua Majestade reforça que este avanço científico será supervisionado pelo Conselho Real, com foco em segurança e bem-estar populacional. Especialistas afirmam que esta é a maior iniciativa desde a implementação da produção assistida em larga escala.”

Lucca piscou, confuso. Fêmeas em proveta? Conselho Real? Majestade?

Parecia estar em um país altamente tecnológico… mas ainda sob reinado. E o idioma que não entendia — claro, não era o alfabeto que conhecia. Aquilo já começava a parecer outra realidade, não apenas outro país.

O jornal seguiu:

“Em outras notícias, foi anunciado o noivado do General Magnânimo Harvan com a fêmea da renomada família Cirel, especialista em comunicação internacional.”

A imagem mostrou o tal general — um homem gigantesco, ombros largos, musculatura quase desumana, como um urso em uniforme militar. Depois, a câmera focou na “fêmea” noiva: um jovem de traços delicados, corpo esguio, pele impecável… mas sem seios, sem nada que indicasse ser uma mulher como Lucca conhecia.

Franziu o cenho. Mudou de canal. Outro programa. Outro conjunto de pessoas — todas do mesmo padrão: homens enormes, ou homens menores e delicados que chamavam de fêmeas.

Nenhuma mulher. Nenhum rosto com formato feminino, nenhum corpo com curvas femininas.

A ficha caiu como um soco.

Não… isso é impossível…

Voltando ao canal de jornal, ouviu algo sobre viagens interestelares e colônias em outros planetas. Documentários falavam de “civilizações interespécies” e “novas fronteiras da convivência”.

O coração dele acelerou.

E se… não fosse apenas outro país? E se esse… não fosse nem o mesmo planeta?

As mãos dele tremeram. Sentiu as pernas fraquejarem até que seu corpo cedeu, caindo sentado no chão, paralisado.

A respiração estava curta. O som da TV, distante.

— Onde… no mundo… eu estou? — sussurrou, com a boca seca.

...***...

Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.

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Capítulo 2 – O reencontro e a escolha

O som veio como um estalo seco, rápido, mecânico — metal contra metal, girando por dentro da fechadura.

Lucca ainda estava sentado no chão, os pensamentos embaralhados pela avalanche de revelações que a TV acabara de jogar sobre ele. O coração disparou. Alguém estava abrindo a porta.

Os segundos seguintes pareciam alongados, como se o tempo fosse feito de mel e cada gota escorresse lentamente. A maçaneta desceu.

E, então, a porta se abriu.

Lucca arregalou os olhos.

— Pai? — A palavra saiu como um sopro, meio incredulidade, meio desespero.

Ali, em pé, perfeitamente saudável, sem a sombra de doença que carregou até os últimos dias de vida, estava Mart. Não o Mart curvado pela dor, com a pele pálida e os olhos fundos que Lucca tinha visto no hospital. Mas um Mart ereto, ombros largos, olhar firme, como na juventude.

Lucca sentiu o peito explodir.

Ele se levantou tão rápido que quase tropeçou no próprio pé. E, antes de pensar, correu.

— Pai! — A voz falhou, afogada pelo nó na garganta.

Se atirou nos braços dele, o rosto se enterrando no ombro largo. As lágrimas vieram sem pedir licença, quentes e abundantes, encharcando o tecido da roupa dele. Era o cheiro de sabonete simples, de casa, de algo que o tempo e a morte haviam levado… mas que agora, de algum modo impossível, estava ali de novo.

Lucca apertou mais o abraço, como se quisesse se fundir ao corpo do pai, como se pudesse compensar todo o tempo perdido.

— Eu senti tanto a sua falta… — murmurou, a voz trêmula, quase infantil. — Você não sabe… o quanto… eu queria te ver de novo…

Mas, ao contrário do que esperava, Mart não retribuiu o abraço.

Os braços dele permaneceram imóveis ao lado do corpo, tensos. O rosto, que Lucca não conseguia ver de tão próximo, mantinha uma neutralidade desconcertante.

Por alguns segundos, Mart suportou o contato. Então, de repente, colocou as mãos nos ombros do filho e o empurrou para trás com firmeza, criando distância.

— Chega, Lucca. — A voz não tinha o calor que ele lembrava. Era seca, quase impaciente. — Espero que agora tenha colocado a cabeça no lugar.

Lucca piscou, confuso, limpando as lágrimas rapidamente.

— Cabeça… no lugar? Do que está…

— A entrevista. — Mart interrompeu, como se fosse óbvio. — Eu espero que tenha repensado a minha proposta. Essa é uma oportunidade que vai mudar o nosso futuro.

Lucca sentiu o coração dar um salto confuso.

— Entrevista? Que entrevista?

O cenho de Mart se franziu imediatamente.

— Não começa com isso. Não hoje. — O tom dele ganhou um peso irritado. — Você sabe muito bem do que estou falando.

— Eu… não sei. — Lucca forçou um sorriso nervoso, tentando encontrar o sentido das palavras. — Pai, eu acho que…

— Não me faça perder a paciência. — Mart ergueu a voz um pouco, e aquilo soou como um aviso. — Você já me fez gastar tempo e dinheiro demais para te criar, para agora fingir que não entende.

Aquelas palavras caíram sobre Lucca como uma pedra.

— Pai… o que você quer dizer com…

— Quero dizer que, se você não fizer essa entrevista até o fim do dia, pode esquecer de voltar para casa. — Mart cruzou os braços, a expressão dura. — Eu não vou sustentar alguém que não se esforça. Não vou manter um desperdício.

A última palavra bateu fundo, ferindo. “Desperdício.”

Lucca abriu a boca, mas não encontrou resposta. Não era o Mart que ele conhecia. Não era o homem que passava a mão nos cabelos dele quando estava triste, que dizia “a gente dá um jeito, filho” mesmo quando a vida desmoronava.

Mas… era o rosto dele. A voz dele.

E, de repente, o homem à sua frente suspirou, desviou o olhar para o chão e… começou a chorar.

As lágrimas escorriam silenciosas no início, depois vieram acompanhadas de um soluço breve. Mart levou a mão ao rosto, e a dureza de antes se dissolveu numa máscara de sofrimento.

— Você acha que foi fácil? — a voz dele agora soava ferida, quase trêmula. — Criar você… sozinho… fazer tudo para que tivesse um teto, comida… trabalhar até tarde, me matar de cansaço… E, no fim, ver você desperdiçando sua vida?

Lucca deu um passo à frente, instintivamente.

— Pai…

— Eu… — Mart fez uma pausa para respirar, engolindo seco. — Eu recusei tanta coisa. Tanta oportunidade, por você. E é assim que me paga? Fingindo que não entende o que está em jogo?

A culpa bateu antes mesmo que Lucca pudesse se defender. Era uma reação automática — aquela velha sensação de que, se o pai estava triste, a prioridade dele deveria ser consertar aquilo, não discutir.

Ele balançou a cabeça, aproximando-se mais e segurando o braço de Mart.

— Tá bom… tá bom, pai. Eu vou fazer a entrevista.

Mart o olhou por um instante, avaliando se acreditava nas palavras. As lágrimas, no entanto, continuaram.

Lucca apertou o ombro dele.

— Eu vou dar o meu melhor, prometo. Só… não fica assim, por favor. Eu não suporto te ver chorando.

O choro do pai pareceu diminuir aos poucos. Mart respirou fundo, endireitou as costas e limpou o rosto com as costas da mão.

— É isso que eu queria ouvir. — O tom voltou a ser mais controlado. — Não quero ver mais preguiça. Hoje pode ser o dia que vai mudar nossas vidas.

Lucca assentiu, ainda que por dentro estivesse um caos absoluto.

Não entendia nada sobre essa tal entrevista. Não sabia por que aquele pai — que era e não era o seu — o tratava assim, com mistura de dureza e chantagem emocional. Mas, se aquilo significava evitar vê-lo chorar, então… faria.

No fundo, ainda era seu pai. Ou pelo menos, carregava o rosto e a presença dele.

E Lucca já havia perdido aquele homem uma vez.

Não estava pronto para perdê-lo de novo.

Ele respirou fundo, tentando engolir a confusão junto com as lágrimas que insistiam em voltar.

— Certo… me diga o que eu preciso fazer.

O canto da boca de Mart se ergueu levemente, como quem acabava de ganhar uma batalha silenciosa.

— Eu sabia que você ia entender. Prepare-se. Em algumas horas, você vai conhecer alguém muito importante.

Lucca tentou sorrir, mas a verdade é que sua mente ainda girava como uma roda desgovernada. O rosto do pai, o corpo diferente que viu no espelho, as notícias da TV, e agora… uma entrevista que parecia ser a linha divisória entre “futuro” e “ruína” aos olhos dele.

A única certeza era a mesma que sempre teve desde criança: faria qualquer coisa para não ver o pai triste.

Mesmo que não tivesse ideia de onde, ou em que mundo, realmente estava.

Lucca tentou acompanhar o pai pelo corredor, mas seus passos vacilavam — não sabia se era pela tontura ainda persistente ou pelo peso de estar ali, numa casa que cheirava a luxo e distância. Mart percebeu o cambaleio, olhou-o de lado e disse com a voz firme, mas não ríspida:

— Vamos almoçar antes de sair. Não quero que nossa família seja mal-interpretada.

A frase parecia simples, mas deixava no ar uma obrigação silenciosa.

Ao chegarem à sala de jantar, a mesa já estava posta com pratos elegantes, talheres brilhando e aromas que despertavam o estômago. Vários pratos dispostos com aparência de terem vindo de um restaurante cinco estrelas, mas apenas um lugar estava servido. Por instinto, Lucca pensou que fosse o seu, mas Mart puxou a cadeira e se sentou. Serviu-se generosamente, ergueu o olhar e disse:

— Procure algo na cozinha e faça para você mesmo.

A surpresa atingiu Lucca primeiro, depois um incômodo amargo, como se uma porta tivesse se fechado no peito. Porém, antes que pudesse se afundar naquele sentimento, o pai completou:

— Quando terminarmos vou acompanhá-lo até o carro.

Essa promessa simples aliviou-o, fazendo-o esquecer da mágoa inicial. Era como se seu humor tivesse sido puxado de um extremo a outro sem que ele notasse.

Ainda bem que sabia cozinhar. Na geladeira, encontrou ingredientes familiares — carne branca, ovos, alguns legumes. Com mãos habilidosas, temperou a carne com especiarias e preparou uma salada cozida com ovos, caprichando como se o prato fosse para alguém importante. Ao levar a refeição para a mesa, sentou-se de frente para Mart.

Apesar de ter uma variedade de pratos à sua frente, Mart provou a salada de Lucca, ergueu uma sobrancelha e pescou mais um pedaço com o garfo.

— Está boa. Um pai merece compartilhar das coisas boas que o filho tem. — E, antes que Lucca respondesse, completou com aquela naturalidade que vinha acompanhada de um peso sutil: — É importante que seja filial, Lucca. Eu já não sou tão jovem, preciso comer mais para ter forças. Você, por outro lado, é jovem e saudável. Comer um pouco menos não lhe fará mal. Pode até melhorar sua aparência.

Lucca não retrucou, apenas baixou o olhar e seguiu comendo em silêncio, aceitando a lógica do pai como quem engole algo difícil de mastigar.

Durante a refeição, Mart limpou o canto dos lábios com o guardanapo dobrado sobre o colo. Sua voz assumiu um tom quase mecânico ao falar:

— Vou explicar para onde você vai. É uma entrevista. Uma chance de ouro.

Lucca ergueu o olhar, curioso.

— O homem para quem você vai trabalhar é um grande CEO. Prestigiado, cobiçado por muitas fêmeas. Desde que se divorciou, nunca mais teve nada com nenhuma. É um homem de caráter.

Lucca franziu o cenho, sem entender o que a vida amorosa do possível patrão tinha a ver com o assunto.

— Ele é reservado. Às vezes frio e indiferente. Mas… são esses os mais sensíveis. Então, preste atenção aos modos. Chame a atenção dele da forma certa.

Na mente de Lucca, a mensagem parecia clara: puxar o saco do chefe para conseguir o emprego. Não era algo que considerasse muito ético, mas, em caso de desespero, poderia tentar. Afinal, empregos eram disputados em qualquer planeta, não?

Enquanto terminava de comer, pensou consigo mesmo que poderia se adaptar àquele mundo. O pai estava ali, e isso era suficiente para deixá-lo confiante. O que quer que viesse, ele estava pronto para enfrentar.

...***...

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Capítulo 3 – O mundo dos homens-fera

Lucca mal conseguiu respirar direito enquanto caminhava atrás do pai, sentindo o peso daquela casa — e da responsabilidade — em seus ombros. Quando chegaram à porta da frente, Mart pegou o comunicador na parede e apertou alguns botões. Em segundos, o som de um carro parando ecoou na rua.

— O táxi está aqui — anunciou Mart, a voz rígida, sem dar espaço para perguntas ou protestos.

Lucca seguiu o pai até a calçada onde um veículo de aparência elegante e moderna o aguardava. O motorista, um homem de expressão neutra e uniforme impecável, abriu a porta para Lucca. Sem uma palavra, ele entrou no carro.

Mart ficou parado ali, observando cada movimento do filho com um olhar intenso, quase vigilante.

A sensação que Lucca teve era de estar sendo vigiado — como se Mart esperasse que ele desse meia-volta a qualquer momento e fugisse daquele mundo que, para ele, ainda era um enigma.

O motorista fechou a porta e o carro começou a se afastar.

Pelas janelas, a cidade que se desenrolava era tão familiar quanto estranha. Pessoas caminhavam apressadas, todas claramente homens, mas divididos entre dois tipos muito distintos: os altos e musculosos, que caminhavam com uma confiança quase selvagem; e os menores, de corpo delicado e traços suaves, quase femininos — os “fêmeas”, como Lucca começava a entender.

Ele notou também um detalhe curioso e quase encantador: muitos daqueles habitantes passeavam com seus animais de estimação — e não eram cães ou gatos comuns.

Filhotes de grandes felinos, como leopardos e onças, caminhavam calmamente ao lado de seus donos, alguns com coleiras e outros sem.

Havia ainda um pequeno grupo que conduzia filhotes de raposas de pelagem brilhante, seus olhos atentos e corpos ágeis.

Lucca achou aquilo muito, mas muito fofo, mas então pensou numa questão.

"Esses animais podem mesmo ser domesticados?"

Pensou na ciência avançada daquele mundo, capaz de criar bebês em proveta, e concluiu que talvez não fosse tão estranho assim.

O pensamento foi interrompido por uma cena que o fez prender o fôlego.

Um jovem magro, que Lucca logo identificou como uma fêmea pelo corpo esguio e rosto delicado, corria a toda velocidade pela calçada, quase esbarrando nas pessoas que passavam.

Ele vestia um avental branco, como o de um hospital, que flutuava atrás dela enquanto fugia, apressada e ofegante.

Logo atrás, um grupo de animais adultos — grandes e selvagens — passava em disparada, claramente a perseguindo.

Apesar do perigo evidente, os transeuntes apenas observavam a cena por alguns segundos, sem pânico ou pressa, e depois continuaram seus caminhos normalmente.

Para eles, aquilo parecia uma ocorrência rotineira, um pedaço comum do dia a dia.

Lucca sentiu um calafrio.

Se aquele mundo era assim, estranho e duro, então a entrevista que o aguardava não poderia ser mais aterrorizante.

Ele apertou o cinto de segurança, olhando para a estrada que se abria à frente, tentando juntar forças para o que viria.

Enquanto o táxi seguia seu caminho, Lucca achava que já tinha visto tudo que esse mundo estranho poderia oferecer. Mas, de repente, algo surgiu diante de seus olhos que o fez congelar.

Um grupo de cinco ou seis homens altos caminhava pela calçada ao lado do carro. Entre eles, uma figura destacava-se: um homem fêmea de traços delicados e porte elegante.

De repente, um dos homens musculosos do grupo se curvou levemente diante do fêmea — e, num movimento surpreendente, sua forma mudou.

Ele se transformou em um enorme leão de juba laranja, tão alto quanto os outros homens do grupo. O leão abaixou a cabeça quase como se prestasse respeito ao fêmea, até sua barriga chegasse ao chão. Sem cerimônia, o fêmea, com a ajuda dos outros subiu nas costas do leão, e todoa continuaram andando juntos.

Ninguém mais parecia achar aquilo estranho — exceto Lucca.

O choque o paralisou. Havia homens que podiam se transformar em feras? Ou todos podiam?

De repente, como uma lâmpada que se acende em sua mente, Lucca se lembrou.

No seu mundo real, pouco antes de chegar ali, ele tinha lido um romance chamado “Homens-Fera”, onde homens tinham a capacidade de se transformar em animais carnívoros de grande porte — três vezes maiores que os animais da Terra.

Ele pensou que aquilo era apenas uma história divertida, um romance selvagem para passar o tempo.

E agora estava vivendo nesse mesmo mundo.

Mas seria a mesma história?

Ele se perguntou se aquele mundo era o mesmo do livro, e, caso fosse, qual papel ele teria ali?

Lucca não se recordava de nenhum personagem chamado “Lucca” naquela história. Talvez não fosse a mesma narrativa, apenas o mesmo universo.

Isso lhe trouxe um alívio. Ele não queria se envolver na história do protagonista daquele livro, apesar de ter gostado da leitura cheia de drama e confusão — sabia que aquilo refletido na vida real seria muito mais caótica do que ele poderia suportar.

Mas a pergunta que não queria calar era: se ele não era personagem daquela história, quem era ele neste mundo?

Observando seu corpo no reflexo da janela do carro, magro e de baixa estatura, a única conclusão possível era que ele era um homem fêmea.

Ele não se preocupou com isso. Independente de que ele fosse homem fera ou fêmea, pelo menos aquele não era um mundo onde homens engravidavam — um pensamento que lhe trouxe certo alívio.

Ele gostava de homens, mas não acreditava que teria a força psicológica para dar à luz.

Lucca se sentiu sortudo por ter lido aquele livro, justamente aquele último que folheou. Imagine se fosse um dark romance ou terror? Teria pulado desse carro em movimento no momento em que descobrisse a realidade.

Agora, com aquele universo na palma da mão, havia muito que poderia usar a seu favor.

Ele lembrava que, naquele mundo, fêmeas tinham maior destaque em seus trabalhos — os homens fera as tratavam como sua maior preciosidade, apoiando e incentivando o que eles decidissem fazer.

Quanto àquela entrevista, ele se sentiu confiante que conseguiria, sendo um fêmea.

Mas sua confiança, construída com esforço, foi rapidamente abalada quando o carro entrou numa rua fechada por um grande número de fêmeas.

Todas pareciam estar ali para a mesma entrevista.

A movimentação era intensa, a ansiedade no ar.

Como um balão que solta ar Lucca murchou no mesmo intante, pois, de repente, percebeu que aquela jornada seria mais difícil do que imaginava.

E assim, o táxi parou, o motor desligou, e ele soube que seu destino final finalmente chegara.

...***...

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