Azrael (forma felina)
Narrado por Azrael (forma felina)
Se alguém me dissesse que um dia eu iria parar em uma mansão de luxo, cheia de guardas armados, eu teria rido. Ou arranhado a cara dele. Mas lá estava eu, enrolado em uma manta macia, sendo carregado por um brutamontes de terno, enquanto a pequena menina de casaco rosa ria e me acariciava como se eu fosse um brinquedo novo.
O carro deslizou até um portão tão alto que poderia esconder um castelo atrás. E escondia.
A mansão Valrose. Um lugar tão silencioso por fora que parecia morto, mas por dentro… eu podia sentir. O cheiro da pólvora, do charuto, e de algo mais — perigo.
Quando atravessamos a porta, ele estava lá.
O próprio Senhor Valrose. Alto, de olhar frio e mandíbula travada, vestindo um terno preto impecável. O tipo de homem que não precisa dizer nada para intimidar todo um salão.
Nossos olhares se cruzaram.
— O que é isso? — perguntou ele, a voz cortando o ar.
— Papai! É o meu gatinho! — respondeu a menina, com aquele sorriso inocente que nem a escuridão do mundo poderia apagar.
Foi ali que entendi. O homem mais temido da cidade… era pai dela.
Ele não gostou de mim. Eu senti no jeito que me olhou. Como se calculasse o peso que seria necessário para me jogar no fundo do rio. Mas ela insistiu, e ele… cedeu. Pelo menos por enquanto.
Não foi só a pequena que ganhou meu afeto naquele dia.
Havia também a irmã dele, uma mulher de sorriso caloroso e mãos suaves. Ela me acariciou atrás das orelhas e, por um segundo, quase esqueci que estava na toca do lobo.
Foi o início de uma estranha rotina: carinho e comida farta da menina e da irmã… e olhares afiados do Senhor Valrose, que, vez ou outra, tentava “acidentalmente” me perder no jardim, me mandar para “um lugar melhor” ou me trancar em algum quarto. Sempre em vão.
Porque, por mais que ele me odiasse, eu não iria a lugar nenhum.
Não enquanto ela — a pequena — me quisesse por perto.
E assim, eu me tornei o gato da família Valrose… ou melhor, o gato que o Senhor Valrose nunca quis ter.
