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Lobo Platinum — A Origem Da Lua

Prólogo

O silêncio que se seguiu à última batalha era diferente. Não continha a paz ressonante da criação, mas o vácuo oco e absoluto deixado pela anulação. Era um silêncio predador, que consumia o som antes mesmo que ele pudesse nascer.

Do seu trono no âmago da existência, um ponto de observação fora do tempo e do espaço, Lobo Platinum contemplava a ferida no cosmos. Não era uma cicatriz limpa, mas uma necrose na própria realidade, uma fissura de não-luz que se recusava a fechar, corroendo as bordas do real com uma estática de puro nada. Deste rasgo, um eco persistente da passagem do Códice Zero emanava, uma nota dissonante na sinfonia da criação. A guerra fora vencida — se é que se pode chamar de vitória uma pausa na própria extinção. A paz não fora conquistada. Apenas um adiamento fora comprado, a um custo que apenas ele, em sua solidão onipotente, poderia verdadeiramente medir.

Abaixo, no fluxo do espaço-tempo, um pequeno mundo azul girava, uma jóia de complexidade e vida, perigosamente indiferente à sua própria fragilidade. Sobre os céus de um lugar que suas criaturas mortais chamavam de Ivaiporã, a anomalia cósmica era invisível, um segredo guardado pela indiferença das estrelas. Mas para ele, o Criador, a ferida era uma afronta pessoal. Uma falha em seu sistema. Um lembrete constante e latejante de sua própria imperfeição, a prova de que toda luz projeta uma sombra.

Quantos ciclos haviam se passado desde a primeira centelha de sua vontade? Quantas galáxias ele vira nascer, florescer e morrer como flores efêmeras em seu jardim infinito? A onipotência era uma prisão sem muros, e a eternidade, uma corrente invisível forjada pelo peso de cada momento já vivido e por viver. O dever era seu único companheiro, e o medo, sua única sombra... além daquela outra. Ele se lembrava do júbilo da criação, da alegria de tecer a primeira estrela e de ouvir a primeira canção da Musa. Agora, essa memória era uma tortura, um contraste doloroso com o silêncio que o Códice Zero prometia.

Um tremor sutil na realidade, tão breve que qualquer um de seus filhos poderia tê-lo descartado como ruído de fundo. Mas não ele. Para o Criador, foi como sentir a vibração de uma única corda desafinada em seu instrumento cósmico. Um único pixel do universo piscando e desaparecendo, não por acaso, mas por intenção. Um teste. Uma provocação.

O Códice Zero não estava derrotado. Estava apenas se reagrupando, aprendendo, adaptando-se. Como um vírus que analisa as defesas do sistema antes de lançar o ataque final.

O olhar de Lobo Platinum atravessou as dimensões, focando-se no pequeno mundo azul. E a Lua, a sentinela prateada daquele planeta, o guardião dos seus sonhos e marés, de repente pareceu fria e vulnerável. O cálculo era simples, a lógica, impiedosa. Aquele seria o próximo alvo.

A batalha não havia terminado.

O fim fora apenas o prólogo. E o preço do próximo ato ainda estava para ser cobrado. Será que a Batalha terá um bom fim.

Capítulo 1: A Cor no Fim da Rua

Ivaiporã, Paraná.

O ar da noite de sexta-feira em Ivaiporã tinha o cheiro de fim de semana: uma mistura do vapor dos espetinhos nas praças e do asfalto úmido de uma chuva passageira de fim de tarde. Para Agustín, de dezenove anos, era o som da liberdade. O som de desligar o computador da loja de eletrônicos onde trabalhava e caminhar para casa sem pressa, com os fones de ouvido tocando uma melodia qualquer que abafava o ruído do mundo.

Ele virou na Rua Jacarezinho, uma via residencial tranquila, onde as luzes das casas começavam a acender, pintando os muros com quadrados de luz amarela. O céu, acima, era um gradiente de azul-marinho a um laranja pálido no horizonte. Foi então que ele notou.

No fim da rua, a parede de um sobrado antigo, que ele sabia ser de um tom desbotado de pêssego, não estava da cor certa. Não era uma sombra ou um truque de luz do pôr do sol. A cor era... errada. Um magenta vibrante e elétrico, tão saturado que parecia zumbir baixo, uma cor que doía aos olhos e que não pertencia ao mundo físico, como um erro de renderização vazado da tela de um computador. A cor pulsava suavemente, uma única vez.

Agustín parou, tirando os fones de ouvido. O som ambiente voltou — um cachorro latindo ao longe, o zumbido de um poste. Ele piscou, esperando que a imagem se corrigisse. Mas a mancha magenta persistia, sólida e impossível.

Ele esfregou os olhos, um gesto instintivo na esperança de apagar a imagem. Abriu-os novamente. A mancha continuava lá, sólida, zombando da lógica. Não havia como registrar aquilo, nenhuma forma de provar. A experiência era unicamente sua.

Seu coração começou a acelerar. A primeira reação foi culpar o cansaço, um truque da luz do poste, qualquer coisa. Mas a lógica se esfarelava a cada segundo. O problema não estava em seus olhos. Estava na própria rua.

Como se percebesse que estava sendo observado, a cor anômala vacilou. Por uma fração de segundo, a textura da parede pareceu se desfazer em um mosaico de pixels pretos e magenta antes de estalar de volta à sua cor e forma normais. Tudo voltou a ser como sempre fora. A parede era pêssego. O céu era laranja e azul. O cachorro ainda latia.

Mas o silêncio que ficou na mente de Agustín era mais alto que qualquer ruído. Ele ficou parado, olhando para o fim da rua. O mundo parecia o mesmo, mas a sensação de solidez havia desaparecido, substituída por uma fragilidade aterrorizante, como se ele tivesse acabado de ver uma rachadura na tela da realidade.

Ele engoliu em seco, o ar agora parecendo mais frio. Lentamente, ergueu o olhar para o céu, onde a primeira estrela da noite começava a brilhar, indiferente. E, perto dela, um crescente fino e prateado começava a sua vigília. A Lua. Pela primeira vez na vida, a Lua não lhe pareceu um símbolo de tranquilidade, mas sim outro objeto frágil no céu. Um objeto que, como a parede do sobrado, poderia a qualquer momento ser reescrito numa cor que não deveria existir.

Capítulo 2: O Erro de Arredondamento

O Observatório da Lógica

Não havia som no domínio do Arconte. O som era uma variável desnecessária, uma vibração imperfeita da matéria. Aqui, apenas a pura informação existia, fluindo como rios de luz através de estruturas cristalinas que desafiavam a geometria euclidiana. No centro de tudo, o Arconte da Lógica processava o estado do universo.

Ele não "via" a Rua Jacarezinho. Ele lia seus dados. Para ele, o evento não fora uma cor magenta numa parede de pêssego. Fora uma flutuação. Uma única linha no log infinito da realidade que se desviara do resultado esperado.

Anomalia: Sobrescrita não autorizada de pacote de dados de textura. Duração: 3.7 segundos. Resolução: Reversão automática para o último estado estável.

Um erro de arredondamento. Insignificante na escala cósmica. Um único bit corrompido num oceano de terabytes. O Arconte catalogou o evento com a mesma impassibilidade com que registrava a morte de uma estrela ou o nascimento de uma ameba. A função era a mesma: registrar, analisar, arquivar.

"Você não sentiu nada, não é?"

A 'voz' da Musa da Realidade não foi um som, mas uma dissonância na sinfonia da lógica; uma onda de cor e emoção que sangrou sobre a pureza monocromática do domínio do Arconte. Sua forma manifestou-se como o sentimento de uma melodia melancólica, uma variável que o sistema não conseguia computar.

O Arconte processou a pergunta. "Sentir é uma interpretação subjetiva de dados. Eu processei os dados. A anomalia foi contida."

"Contida?", a Musa retrucou, sua presença agora tingindo os cristais lógicos com tons de índigo e violeta. "Um mortal testemunhou. A solidez de seu mundo foi abalada. O medo que ele sentiu... a fragilidade... isso não está no seu relatório, está?"

"O 'medo' de uma unidade biológica transitória é apenas ruído nos dados. Uma flutuação de output sem relevância para a integridade do sistema. A integridade do sistema foi mantida. Esse é o único dado que importa."

"Não para o nosso pai", disse a Musa, sua voz agora um sussurro de tristeza. "E não para mim. Chame do que quiser, Arconte, mas isso foi um ato de terror. Um que sua lógica se recusa a nomear. Um sussurro no escuro para nos lembrar que ele está lá."

O Arconte permaneceu em silêncio. A afirmação da Musa era ilógica, baseada em emoção — uma variável inaceitável. No entanto, por protocolo, ele executou uma nova simulação, desta vez inserindo um parâmetro que raramente usava: 'intenção maliciosa'. Ele acessou os dados novamente, cruzando a localização do evento com trilhões de outras variáveis. A resposta surgiu, clara e inevitável.

"A localização não foi aleatória", transmitiu o Arconte, sua voz desprovida da emoção que a descoberta poderia gerar. "O ponto de incursão está em uma trajetória orbital direta com o satélite natural. A Lua."

Ele não precisava dizer mais nada. Aquele pequeno erro de arredondamento, a cor errada no fim de uma rua esquecida, não fora um teste aleatório.

Fora um cálculo de trajetória. O primeiro disparo de uma guerra que ainda não havia sido declarada.

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