Aqui estão algumas informações que precisa saber antes de começar a história:
• Krophegar’s_ os 4 deuses adorados pelo povo de Tliwni.
• Tliwni_ um país onde o sol nunca se põe
• Lunari_ um povo da noite, onde suas peles são cobertas de constelações quando o ambiente escurece.
• Sartharid_ um povo que vive no subterrâneos, descendentes de Lunari com outras espécies. Suas peles endurecem feito uma capaz de armadura quando ficam expostos ao sol, mas que somem e se revelam manchas feito sinais das constelações.
• Aurora_ o único reino do país Tliwni.
• Dracanthe_ um povo onde sua ancestralidade descendia de dragões enormes e escamosos, capazes de lançar chamar e com asas tão poderosas capazes de causar ventos mortais. Mas que não se transformam mais.
• Elian Noctaris_ protagonismo masculino, descendente do rei de Aurora com a princesa banida de Lunari.
• Caelen D'Varien_ rival de Elian e guerreiro de Aurora, em prol da permanência da coroa pelo bem do povo.
...Mapa do Reino de Tliwni...
— Região Central – Capital do Reino: Aurora
Castelo de Tliwni:
Construído com pedras douradas e brancas, teto pintado com a história do povo. Colunas esculpidas com plantas mágicas raras.
• Praça do Sol Eterno:
Centro das celebrações e onde ocorrem discursos reais.
• Templo dos Krophegar’s:
A caverna-santuário sagrada, com quatro estátuas gigantes. Fica ao norte da capital, em um platô isolado, acessível apenas após rituais de purificação.
• Bairro dos Nobres (Altos Jardins)
Casas esculpidas em pedras coloridas, espelhos solares, jardins secos.
— Regiões Naturais e Sagradas
Oásis:
Ao pé de um vulcão adormecido, onde acredita-se que os deuses nasceram. Território fechado ao povo, com vegetação mágica.
• Montanhas Negrambras
Cadeia de montanhas com os vulcões adormecidos. É onde vivem os Dracanthe, no Pico Ardente de Kal-Darion.
• Dunas de Luar
Área vasta e instável, com ventos mágicos. Muitos animais se escondem sob a areia.
• Cânion dos Ventos Antigos
Região mística que separa Tliwni da entrada para os subterrâneos dos hereges.
— Territórios Subterrâneos – Hereges
As Ruínas:
Entrada camuflada numa fenda no cânion. Sistema subterrâneo de cavernas com construções angulares, protegidas por armaduras minerais naturais.
Nome da espécie: Sartharid
(Derivado de “sarth” \= endurecido e “arid” \= sem água. Soa ancestral e ameaçador para o povo Tliwni.)
— Outros Lugares
• Alese:
Localizada em uma península externa ao deserto, construída no ponto onde a areia encontra o mar salgado. Onde jovens herdeiros do reino Tliwni viajam por um portal único até a verdadeiro local onde se encontra a instituição Alese.
• Torres do Horizonte:
Estrutura de comunicação mágica com espelhos solares. Elian planeja usá-las para melhorar contato com outros reinos.
• Ferrovias Arenais:
Estradas subterrâneas onde correm os transportes de carga velozes movidos a energia solar pura.
Canto inferior do mapa contem um brasão real: o sol dividido em duas metades — uma dourada e outra azul, representando Elian e Caelen, unidos por uma linha quebrada (símbolo do segredo e da separação política).
[N/A: Não precisam decorar, durante os capítulos vou colocar o mapa.]
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Se interessou-se não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs. ദ്ദി◍˃ ᵕ ˂◍)
A luz nunca se apagava em Tliwni.
No céu sem estrelas, um sol imóvel escaldava as dunas douradas e os palácios de arenito. Havia algo de eterno naquela luminosidade estéril – como se o tempo não ousasse avançar sob os olhos abertos dos Deuses de Aurora. Era ali, entre colunas esculpidas com oferendas e tapeçarias tecidas com areia viva, que Elian Noctaris retornava para casa.
Aurora, capital do reino solar Tliwni, se ergueu diante dele como uma miragem sólida. As torres laranjadas e os telhados rubros pareciam flamejar sob o calor imóvel do céu. O cheiro do incenso de resina seca queimava nos templos, e tambores soavam em ritmos circulares, como corações batendo ao avesso.
A procissão de boas-vindas o aguardava no pátio superior do Palácio Solar, onde os nobres e a sacerdotisa, adornada com joias de obsidiana e um véu translúcido, já ocupavam suas posições cerimoniais. Mas não era a pompa nem os tapetes de areia azul que lhe causavam desconforto. Era o povo.
Milhares de olhos o fitavam das arquibancadas de pedra, sob véus ralos ou peles expostas. O povo de Tliwni era como o próprio deserto: resistente, orgulhoso, esculpido pela adversidade e, às vezes, cruel na sua adoração. Olhavam para Elian com uma mistura de reverência, dúvida e desejo.
Ele os conhecia bem demais para se sentir lisonjeado.
Elian desceu da carruagem-dragomel com passos precisos. Seu corpo era esguio como as serpentes solares dos mares de sal, com uma postura naturalmente altiva, mesmo sem o desejar. A pele, de um dourado pálido e rarefeito, refletia a luz como uma pérola ressecada. Seus cabelos eram longos e escuros, quase prateados sob o brilho constante do sol, e caíam sobre os ombros como véus sombrios em contraste com sua túnica auroral de corte imperial.
Mas era em seus olhos que o sangue noturno se revelava: um violeta profundo, quase indecente, herança da linhagem materna – os Lunari Muitos o consideravam uma aberração mística. Outros, um milagre.
— Ele voltou mais belo do que quando partiu — murmurou uma cortesã no fundo da multidão.
— Ou mais perigoso — respondeu um velho general, com amargura na voz.
Elian ergueu os olhos para o topo da escadaria cerimonial. O trono de areia petrificada ainda estava ali. Vazio. Ausente de seu pai, o rei, que havia falecido. Como previsto.
Mas quem estava presente era Caelen D’Varien, o Dracanthe de sangue ancestral, em posição cerimonial à direita do trono. Imóvel como uma estátua viva, Caelen sustentava sua armadura ritual feita de escamas negras e vermelho-telha com uma imponência quase sagrada. A pele alva, fria como calcário, contrastava com os olhos âmbar incandescentes que o fitavam com algo entre julgamento e contenção.
Elian desviou o olhar rapidamente.
“Você não vai me encarar? Com certeza é mais um dos que duvidam de mim?” pensou. “Mesmo de tanto tempo ele ainda me desafia?”
Ao alcançar o centro do pátio, os sinos solares soaram e as vozes se calaram. O povo de Aurora esperava.
Um servo se aproximou, oferecendo a ele um cálice de vidro de névoa com o vinho cerimonial. Elian ergueu-o com solenidade, um sorriso contido nos lábios. Sorveu uma única gota e, com elegância, entregou o cálice ao arauto.
Então, deu um passo à frente e, com a voz firme e melodiosa que aprendera a controlar na instituição de Alese, começou seu discurso:
— Filhos e filhas do deserto que canta, habitantes de Aurora, servidores da luz eterna... Voltei.
Um murmúrio de assombro suave correu entre os presentes, não pelo conteúdo, mas pelo tom.
— Durante anos, estive ausente, estudando sob os preceitos de Alese, muito além dos portais do outro lado das Montanhas Gritantes, entre o sagrado e o proibido. E agora, trago comigo não apenas o conhecimento que me foi concedido, mas perguntas que talvez nunca tenham sido feitas em voz alta neste trono.
Pausou. Observou os rostos: sacerdotisa franzindo o cenho, generais se entreolhando com desconforto.
— Aprendi que a luz pode cegar tanto quanto iluminar. Que fé cega não é obediência, é prisão. E que o sol que nunca se põe também nunca permite o descanso. Pergunto a vocês: quem somos, se não nos permitimos sonhar no escuro?
Alguns engoliram em seco. Outros o admiravam em silêncio.
— Não retorno para destruir tradições, mas para lembrar que elas foram criadas por mãos humanas, não por deuses de pedra. Honremos os Krophegar’s com sabedoria, não com medo. Que sejamos um povo capaz de mudar sem quebrar.
Caelen o observava com o maxilar tenso. Seus punhos estavam cerrados, os olhos âmbar faiscavam com algo que Elian conhecia bem: desconfiança.
— E que a aurora de nossa era... seja uma que brilhe para todos. Não apenas para os poucos que já nasceram sob ela.
Silêncio.
Depois, um aplauso tímido. Em seguida, muitos. E por fim, uma onda de aplausos, forte, tumultuada, acompanhada de gritos de esperança e confusão.
Enquanto o som se misturava à poeira alaranjada do deserto, Elian deu um passo para trás e permitiu-se respirar. Seu coração estava acelerado, não pela exposição, mas pela certeza de que Caelen o ouvira. Ele sempre ouvia.
Seus olhos se cruzaram brevemente.
Flash.
Um fragmento de memória o assaltou: ele e Caelen ainda meninos, correndo entre os pilares de pedra do antigo jardim real, com as roupas manchadas de suco de tamar e areia. Caelen era mais forte, mas Elian era mais rápido.
— Um dia, vou ser rei! — gritou Elian com a arrogância inocente dos sete anos. — E vou mandar você dormir do lado de fora dos portões!
— Mas você ainda vai continuar a ser um chorarão em toda a tempestade de areia — respondeu Caelen, empurrando-o na areia com um riso leve.
— Não! Porque eu serei o rei mais poderoso de todos!
— Você nem sabe escalar uma duna...
Elian, na época, odiava perder. Mas ele se lembrava do rosto de Caelen naquela hora — suado, risonho, os olhos âmbar cheios de vida. Havia algo ali que o fez desejar ser rei, não pelo trono... mas para tê-lo sempre ao seu lado.
Agora, tantos anos depois, aquele mesmo rosto estava ali, mas inexpressivo. Esculpido em gelo.
“Você cresceu tanto quanto eu. Ou se fechou.”
Elian foi escoltado para o interior do palácio, onde os corredores exalavam lavanda seca e ferro quente. As paredes pulsavam com inscrições mágicas que vibravam com sua presença. Sentia-se um estranho em sua própria casa.
Nas grandes tapeçarias que narravam as vitórias de artigos reis, Elian via mais do que feitos: via silêncios. As ausências de sua mãe, as guerras contra os subterrâneos, os massacres apagados da história. Tliwni se achava glorioso... mas havia sangue demais sob suas pedras para se considerar puro.
— Senhor? — um criado murmurou. — Deseja se preparar para o banquete?
Elian assentiu.
— Tragam minhas roupas.
O salão do banquete tinha sido adornado como se fosse receber um deus — ou pior, como se esperassem que ele se tornasse um. As cortinas de linho solar, bordadas com fios de ouro velho, dançavam ao som das brisas que escapavam por janelas arqueadas. O chão era de mármore cor de âmbar, brilhando como se luz líquida tivesse sido derramada sobre ele. Acima, o teto em cúpula exibia afrescos dos quatro deuses Krophegar’s em glória, sempre vigiando.
Elian caminhava lentamente entre as colunas que ladeavam a nave central do salão. Seus olhos não fixavam ninguém em especial, mas todos sentiam que estavam sendo observados. Seus cabelos negros, soltos sobre os ombros, contrastavam com a túnica de rubro profundo. No peito, o broche de Aurora cintilava como se pulsasse.
A mesa principal se estendia como um rio diante dele. Os nobres do círculo interno já estavam acomodados — e entre eles, Caelen D’Varien, o rival de juventude, sentado com a compostura que só alguém forjado pela honra e pelo protocolo poderia ostentar. Seus olhos dourado-âmbar estavam voltados para Elian como os de um animal vigilante, não com saudade ou boas-vindas, mas com algo mais frio: avaliação.
Caelen não se levantou. Apenas ofereceu uma leve inclinação de cabeça, formal, cortante. Era o suficiente para quem servia à coroa, não ao príncipe.
— Vejo que mesmo após tantos anos, certas criaturas ainda não piscam — sussurrou Elian, passando por trás de um arranjo de flores murchas demais para o calor do deserto. Seus olhos encontraram os de Caelen por uma fração de segundo, e algo dentro dele se remexeu — orgulho ou desprezo, ele não sabia.
Ao seu lado, uma cadeira foi arrastada com entusiasmo. O primo — o único filho de seu tio Lorde Varkas Noctaris, Thalion — exibia seu eterno sorriso juvenil, grande demais para o rosto estreito. O cabelo alourado, quase branco, reluzia sob as luminárias suspensas. Vestia um traje exagerado, com ombreiras largas e botas que estalavam no piso.
— Elian! — ele sussurrou alto demais. — É verdade que em Alese as camas flutuam com vapor quente? Ouvi dizer que o sabão canta ao ser esfregado!
Elian sorriu de canto. Havia um brilho sincero nos olhos do primo, um fascínio infantil que tornava quase impossível levá-lo a sério. Ele era como uma brisa fresca em meio ao ar seco da corte.
— Não canta. Mas choraminga, se você esfregar com muita força.
O primo gargalhou, empolgado.
— Eu sabia! Isso não está nos códices! Por desuses, você precisa me contar tudo. Todos os detalhes. Até os proibidos.
O banquete havia começado, e as travessas desfilavam por entre os criados como miragens. Frutas esculpidas em formas de feras solares, carnes temperadas com incenso, e taças transbordando um licor que queimava a língua antes de adoçar a garganta. Mas Elian comia pouco. Seu apetite não acompanhava sua curiosidade.
A sacerdotisa ocupava um dos assentos mais próximos ao trono. Seu manto cerimonial, feito de tecidos dourados e brancos, parecia menos uma vestimenta e mais uma armadura de tradições. Seu olhar seguia Elian como uma sombra pregada ao corpo. Ela mantinha os dedos cruzados, como se fosse prender a língua, temendo que qualquer palavra lançada naquele salão pudesse incendiar gerações de dogmas.
— O templo o esperava para orações antes do banquete — ela disse, numa pausa das conversas. Sua voz era calma, mas cortante. — Há deveres que precedem festas.
— O templo me terá amanhã, como prometido — respondeu Elian, erguendo a taça em um gesto polido. — A fé é uma semente que floresce melhor na terra da lucidez. Hoje, ainda estou sob o perfume da areia.
Silêncio. O salão engoliu a fala como se fosse indecorosa.
O tio, sentado ao lado não reagiu. Mas seus olhos, escuros como betume, cravaram-se em Elian com intensidade dissimulada. Seu rosto era uma escultura de nobreza: barba desenhada, queixo rígido, e expressão forjada ao longo dos anos para esconder intenções. Elian sabia que por trás daquele rosto repousava um homem que jamais desistiu do que julgava seu por direito. Ele o tolerava por política. E Elian, a ele, por vigilância.
“Ele esperava que eu não voltasse”, pensou. “Ou que eu voltasse domesticado.”
Uma gargalhada interrompeu os pensamentos. O primo, encharcado de vinho e entusiasmo, contava a um grupo de jovens cortesãos a história do primeiro beijo de Elian — com detalhes que só podiam ter sido inventados.
— Era com uma filha da serva do jardim! Tinha cheiro de hortelã. Não negue, Príncipe. Confessem logo!
Elian lançou uma uva na direção do primo, arrancando risos. Mas dentro dele, o coração era uma ânfora rachada. Os risos da corte eram como sinos de cristal: belos, frágeis, e facilmente despedaçados por qualquer verdade inconveniente.
Seus olhos cruzaram os de Caelen novamente. O outro continuava impassível, mastigando com lentidão, como se deliberasse cada fibra da carne em seu prato. Havia um ar de superioridade na sua postura — não arrogância, mas certeza. Como um soldado que viu a verdade do mundo e escolheu segui-la com disciplina cega?
O clima mudava sutilmente, como o calor que anuncia uma tempestade no deserto. Os criados trocavam olhares, atentos às variações de tom. O vinho já não era apenas uma bebida, mas um lubrificante para palavras veladas.
A sacerdotisa murmurou algo para Caelen, que assentiu. Elian percebeu. Aquela aliança entre os dois era uma muralha antiga, construída para contê-lo. Ambos acreditavam proteger o reino da ruína. Mal sabiam que protegiam apenas os próprios temores.
— Vossa alteza, se me permite — disse Caelen, em voz audível para os mais próximos — gostaria de saber qual será seu primeiro ato como herdeiro retornado. O povo espera algo mais que palavras belas e sorrisos de volta.
A provocação foi suave, mas afiada.
Elian se ergueu com lentidão. Todos se calaram. Os olhos do salão se voltaram para ele como lâminas voltadas para um só pescoço.
— Meu primeiro ato? — ele repetiu. — Será simples. Visitar a *Torre do Horizonte. Quero ver com os meus próprios olhos o que nos mantêm fortes... e o que nos enfraquece.
Um murmúrio percorreu o salão. A torre é um local selado, um tabu. O lugar onde o povo Lunari desapareceu desde a “batalha sem sangue”. O antigo local onde era aberto o portal para Alese, porém foi selado a muitas eras atrás. O local, após ser abandonado, virou área de muitas feras, é onde a areia queima os pés e a luz não chega com clemência. Era uma escolha simbólica — e perigosa.
Caelen não respondeu. Apenas observou. E naquele olhar, Elian leu um aviso:
“Se for mexer nas fundações, certifique-se de que pode sustentá-las depois.”
O primo, porém, aplaudiu sozinho, batendo palmas com entusiasmo.
— Maravilhoso! Um príncipe entre a brasa! Eu quero ir também! Acho que me serve usar uma roupa de ferreiro com proteção contra o calor de lá... já pensei em algo com mangas largas e cinto de couro, ah.
O salão riu. E por um momento, o peso político se dissolveu no ridículo. Mas não por muito tempo.
Enquanto a música retornava e os criados serviam um último prato de tâmaras glacê, Elian se afastou discretamente da mesa, os olhos fixos em um vitral do lado oposto. A figura da deusa Krophegar o fitava com olhos vazados pela luz do sol eterno.
E foi ali, à sombra daquele vitral, que ele sentiu — não ouviu — um movimento.
O tio estava de pé, fingindo examinar um pergaminho de vinhos com um conselheiro. Mas seus lábios se moviam em sussurros, e seus olhos — por uma fração de segundo — não estavam voltados para Elian, mas para Caelen.
Elian apertou a taça até ouvir o vidro ranger sob seus dedos. Sentiu a areia do destino se movendo, grão por grão, sob seus pés.
E mesmo sem a noite... havia sombras por toda parte.
Dia Seguinte...
O aroma do mel especiado se espalhava pelos corredores e arcadas enquanto as portas do salão se abriam por completo. Os músicos recuaram para o mezanino, onde seus instrumentos reluziam como escamas de serpente sob as lamparinas solares, e os criados surgiam como sombras dançantes com bandejas nas mãos. Elian caminhava entre os convidados com a mesma calma que se atravessa um campo minado. Seu manto escorregava pelas costas, e a coroa lateral, herança do clã materno, brilhava com humildade, como uma heresia sussurrada entre os adornos da corte solar.
A grande mesa circular já estava posta. Pratos de obsidiana forravam as superfícies douradas e entre cada assento havia uma pequena chama azul dançando dentro de um globo de cristal — a tradição dos Krophegar’s para proteger os comensais dos maus presságios da noite, mesmo que esta nunca chegasse.
O tio de Elian, já estava sentado à cabeceira, como era de se esperar. Seu olhar cintilava por trás do vinho solar, e o sorriso afiado cortava mais que qualquer espada dos Dracanthe. Era dele que partiam as ordens enquanto o trono era vago. E, como Elian bem sabia, havia pouco espaço para partilhas no coração de um homem que governava Tliwni como se a luz do sol o obedecesse.
Ao lado dele, seu primo batia os dedos com impaciência, mal contendo a excitação por tantas curiosidade sobre as coisas vividas por Elian longe da dunas de areia familiares.
— Então é verdade? — sussurrou Thalion, inclinando-se com os olhos brilhando mais cheio de curiosidade que ontem — Eles tinham janelas de água em Alese? E livros que se movem? E... e aquelas frutas que brilham no escuro?
Elian sorriu de lado. Era impossível não sentir ternura por Thalion. Havia algo de profundamente doce, quase deslocado, no modo como ele via o mundo — como se ainda acreditasse em milagres ou na presença dos deuses.
— Sim. E havia também neve líquida que esfriava os pés. Eles chamavam de "geada de névoa". É como se o céu chorasse pelo chão.
Thalion soltou um suspiro maravilhado, completamente alheio à tensão ao redor. Mesmo sabendo que o pai o queria longe de Elian, sempre dava um jeito de se aproximar, como se o seu coração seguisse um roteiro distinto, que não sabia obedecer ordens.
— Um dia vou ver isso também. Você me levaria?
Elian quis prometer. Quis tocar-lhe a mão e dizer que sim, que o levaria para além do sol e mostraria cada sombra gentil. Mas seu olhar cruzou, mais uma vez, com o de Caelen, e o momento se quebrou como um espelho rachado.
O comandante do exército real mantinha a sua expressão severa enquanto ouvia a sacerdotisa do templo dos Krophegar’s falar ao seu lado. Caelen mantinha a compostura como se fosse esculpido em pedra vulcânica. Nem mesmo quando o nome de Elian foi citado, ao centro de um brinde conduzido por Varkas, ele desviou os olhos. Apenas ergueu o cálice e tornou a pousá-lo na mesa com precisão militar.
“Essa indiferença é uma armadura”, pensou Elian. “E eu fui a lâmina que ele aprendeu a temer.”
A sacerdotisa, com seus véus de cristal e anéis que pareciam presas de serpente, discursava sobre a importância da tradição. Que a volta de Elian devia ser celebrada com reverência, mas jamais com mudança.
— Os Krophegar’s não nos abandonaram. A luz que nunca se põe é o selo da sua bênção — dizia ela. — O trono não deve dobrar-se às sombras de Aurora.
Elian apertou os dedos sob a mesa. A leve insinuação ao clã da sua mãe sempre surgia com desdém, como se tivesse vergonha estampada nas vogais.
Varkas pigarreou, com um sorriso de quem saboreava cada tensão.
— Minha cara sacerdotisa, creio que o nosso herdeiro voltou com ideias um tanto... novas. E cabe a nós, os anciãos, guiá-lo para que não se perca no luxo das nuvens noturnas.
Elian levantou-se, com a taça ainda em mãos, e os murmúrios cessaram como uma maré puxada para trás.
— Não há perigo algum em conhecer o céu — disse ele, erguendo o cálice. — O perigo está em negá-lo. Quem nunca se afastou do deserto não sabe a extensão do nosso reino.
As palavras provocaram mais do que surpresa. O som abafado de alguém largando os talheres ecoaram pelo salão. Foi Thalion. Ele parecia dividir-se entre orgulho e temor.
Caelen fitou Elian diretamente, pela primeira vez naquela noite. Havia algo nos olhos dele... não era raiva. Era dúvida. Como se estivesse buscando traços de um menino que, anos antes, havia-lhe dito com orgulho:
"Um dia, vou ser rei. E você vai ter que me obedecer."
Tinha sido num dos jardins altos, quando ambos ainda usavam as túnicas infantis. Elian apertou os punhos para parecer mais forte, fingindo que não se importava com o nariz sangrando após uma queda. Caelen, mesmo então, não demonstrava tanta emoção — apenas limpou o sangue do rival e virou as costas com a arrogância silenciosa que carregava até hoje.
Aquele menino... havia desaparecido? Ou ainda espreitava sob a pele?
O banquete continuava, mas Elian não se sentia mais ali. Cada palavra que dizia era calculada, cada movimento, um passo em corda bamba sobre o abismo entre o passado e o presente.
Mais tarde, ao se retirar pelos corredores longos do palácio, ladeado por colunas douradas e sombras lilases, Elian sentiu a pressão de um sussurro não dito. O palácio estava em silêncio, mas o calor dos olhos de Caelen parecia ainda grudado às suas costas.
No fundo, algo lhe dizia que o maior perigo de Tliwni não estava nas terras subterrâneas ou nas lendas sobre os Lunari. Estava ali mesmo, entre os próprios salões da coroa. E que o trono, outrora símbolo de poder, estava se tornando um alvo — para muitos.
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As colunas do Salão de Mármore sustentavam mais do que o teto cintilante: sustentavam séculos de silêncios, pactos não ditos e o peso de um trono que apenas seria dele em seu em seu próximo aniversário, de acordo com termos propostos pelos anciões. Os ecos da noite anterior ainda pareciam reverberar entre os corredores, embora o céu continuasse o mesmo – eternamente dourado, com um sol que nunca se punha.
Elian acordara cedo, ou pelo menos o que se entendia como cedo num mundo sem crepúsculo. Vestia-se lentamente, com dedos pensativos ao tocar o tecido opulento do robe, tecido em fio de areia prateada. O palácio parecia mais barulhento do que lembrava, e não por celebrações — mas pelos sussurros.
— Vossa Alteza — anunciou um guardião, a cabeça levemente curvada. — Um mensageiro veio dos postos de vigília do leste. Pede audiência urgente.
Elian ergueu o olhar do espelho. Havia algo estranho nos olhos do guardião. Não medo, mas receio — como quem sabia o que as palavras trariam.
— Conduza-o à sala do conselho. Avisem também a... — hesitou, como sempre fazia ao pronunciar o nome de seu rival. — ...ao Capitão D’Varien.
Caelen chegou primeiro. Sempre chegava. Seu uniforme impecável, o cabelo preso em tranças firmes no alto da nuca, as insígnias douradas reluzindo no peito como se fossem forjadas pela própria luz de Tliwni. Ele se pôs de pé ao ver Elian, mas não como súdito — e sim como combatente prestes a avaliar a fragilidade de um oponente.
— Vossa Majestade — murmurou, carregando certa ironia em cada sílaba do título.
— Capitão D’Varien — respondeu Elian, afiado, caminhando até o trono menor da sala de reuniões. Não sentou. Queria estar em pé para ouvir.
O mensageiro tremia. Não era comum mensageiros tremerem em Tliwni. O calor que os envolvia — físico e simbólico — costumava tornar os corações inflamados, orgulhosos, ousados. Mas aquele homem parecia saído da sombra.
— Falam de uma criatura… Ou homem… Não sei bem, meu rei — engasgou-se, corrigindo-se — Vossa Alteza. Um que caminha fora da luz. Dizem que a pele brilha de maneira estranha, mas só no escuro. E que carrega nas mãos uma tocha de trevas.
Caelen pigarreou, descrente.
— Superstição — sentenciou. — Os povos do deserto criam mitos para justificar os ventos ruins. Sempre foi assim.
— Mas ele fala, senhor! — exclamou o mensageiro. — E diz que é descendente da noite. Que o sangue dos Lunari ainda corre entre os véus do mundo e que chegou a hora de reclamarem seu espaço.
O silêncio que se seguiu foi espesso.
Elian deixou o olhar escorregar para a lateral da sala, onde tapeçarias antigas retratavam a criação de Tliwni. Os quatro Krophegar’s — os deuses dos quatro ventos — esculpindo o mundo com sopros divinos. O Oeste trazia a razão, o Leste a fé, o Norte a coragem e o Sul a memória. Mas em nenhum lugar havia uma alusão à noite. O mundo fora feito para brilhar, como um dia eterno em celebração.
— Está dispensado, mensageiro. — Elian finalmente falou. — Mas será bem recompensado pela notícia. E sob juramento de silêncio.
O homem assentiu, aliviado, e foi escoltado para fora.
— E então? — Caelen rompeu a pausa, cruzando os braços. — Vai alimentar essa fábula? Vai mandar soldados cavar o chão em busca de fantasmas?
— Eu não sei o que está lá embaixo, Caelen. Mas sei que a ignorância já destruiu muitos reinos. Não cometerei esse erro.
Caelen ergueu uma sobrancelha com desdém.
— Seu pai jamais permitiria esse tipo de fraqueza. Ele acreditava na luz. Não em relíquias soterradas.
— Meu pai acreditava na ordem — rebateu Elian. — Mas também acreditava em mim. A diferença é que você prefere servir a estrutura da coroa, enquanto eu prefiro honrar o que ela deveria significar.
O clima se tornou denso. Não havia guardas presentes, nem testemunhas. Apenas os dois — dois lados opostos de uma mesma infância, agora em trajes de poder.
— Ainda acredita que é especial só por ser mestiço lunar? — cuspiu Caelen. — Ou acha que a herança dos Lunari te dá direito a inventar um novo mundo?
Caelen revelou, em alto e bom som, o que apenas os mais próximos sabem, sobre a condição especial de Elian. Como apesar de ser Aurora, ainda lhe corre nas veias sangue dos Lunari. Não era tão evidente quando morava em Aurora, mas ao sair para ir a Instituição Alese onde há dias e noites e banhado pela luz noturna foi quando descobriu a influência em sua pele, marcas de estrelas, o outro lado de sua linhagem.
— Eu nunca pedi essa herança. — O tom de Elian abaixou, mas cortava como lâmina. — E você nunca entendeu que não se trata de direito, mas de necessidade. Algo está mudando. Se há mesmo um povo no subterrâneo, ele tem razões. E se quer me criticar, ao menos escute meus ideais primeiro.
Caelen ficou mudo por um instante. Pela primeira vez, seu olhar vacilou. Era visível que não esperava tal firmeza.
Mas o momento foi rompido pela entrada repentina do primo de Elian — o jovem e entusiasmado Thalion, como uma tempestade de risos e perguntas.
— Você viu mesmo um Lunari? Com pele que brilha? E eles comem o quê? E falam nossa língua? — disse sem fôlego. — E o que você vai fazer, Elian? Você vai negociar com eles? Ou vai…
— Príncipe Thalion — interrompeu Caelen, irritado. — Este é um conselho privado.
— Não fale assim com ele — advertiu Elian, com ternura ao olhar o primo. — Thalion é da família.
— Da linhagem, talvez. Mas ainda um garoto.
— Um garoto que escuta melhor do que muitos soldados coroados — respondeu Elian, sorrindo brevemente.
Thalion inflou o peito, orgulhoso, mas o sorriso murchou ao se lembrar das palavras murmuradas pelos corredores.
— Ouvi meu pai conversando com a sacerdotisa ontem — disse baixo. — Disseram que talvez você esteja sendo… corrompido pelas ideias noturnas.
Elian se enrijeceu. A palavra “corrompido” sempre fora usada para descrever aquilo que a sociedade solar não compreendia. A diferença. A dúvida. O medo.
— Não estou corrompido. Estou curioso. E um rei que não questiona… é apenas um fantoche com uma coroa de ouro e cérebro de vidro.
Caelen virou o rosto, visivelmente descontente com a direção das coisas. E Elian sentiu o embate se formar, como um trovão que se aproxima devagar.
Mais tarde, sozinho em seus aposentos, Elian deslizou os dedos sobre um antigo mapa desenhado pelas mãos de sua falecida mãe. Havia rachaduras no pergaminho, e mais ainda naquilo que representava.
A lenda dos Lunari fora contada de muitas formas: como seres de trevas, como traidores, como adoradores de um tempo que deveria permanecer enterrado. Mas Elian não podia ignorar o que sentia.
Sentia como se parte de si também estivesse enterrada. Seria como virar as costas para sua própria mãe, linhagem real Lunari.
Olhou pela janela, para o céu que jamais escurecia.
E se houvesse, mesmo, alguém nas sombras?
E se o equilíbrio não fosse luz total — mas um eclipse que ambos os lados temessem?
Se fosse verdade… Ele teria que escolher.
Ou talvez, pela primeira vez, criar um caminho que não estivesse previsto nem pelas profecias, nem pelas tradições.
O trono, afinal, era seu.
Ou pelo menos… por enquanto.
A luz da aurora ainda não se dispersara por completo quando o conselho real foi convocado para uma reunião de urgência. Os corredores do palácio de Tliwni se encheram de murmúrios tensos — não pelos rumores em si, mas pela velocidade com que se espalhavam. Algo começava a se mover nas profundezas, e as fundações da corte estavam inquietas.
O salão de conselho, ao contrário dos espaços suntuosos do palácio, era quase austero. As paredes de pedra polida refletiam o calor do dia anterior e, no centro, uma mesa circular esculpida em vidro-vulcânico reluzia com tons âmbar. O tio de Elian, Lorde Varkas Noctaris, já estava ali quando Elian chegou, ladeado pela sacerdotisa de mantos cor de areia e Caelen, imóvel à sua direita.
Elian, vestido com túnica de corte largo, em tom violeta profundo — cor que os Lunari costumavam associar à sabedoria —, manteve a postura ereta, mas os olhos atentos. Ainda ressoavam dentro dele as palavras do primo mais cedo naquela manhã:
“Você acha que a história que te contaram é toda a história? Seja lá o que isso for... não estão mais querendo ficar em silêncio, Elian.”
O boato partira dos mensageiros que abasteciam os postos de comércio ao sul, nas bordas das crateras sagradas. Falavam de cantos noturnos vindos do fundo da terra — ecos em uma língua ancestral, carregados de uma fé extinta. Isso, para a maioria dos solarianos, era superstição. Para a sacerdotisa, porém, era provocação.
— Esses rumores são blasfêmia — a voz da mulher, baixa e precisa, cortava como lâmina de obsidiana. — Os Krophegar’s selaram todos os portais que levam aos caminhos da noite eterna há muitas décadas. Nenhuma canção subterrânea pode ser ouvida a menos que um herege tenha cavado para escutá-las.
— E se não forem só canções? — indagou Elian, com frieza calculada. — E se forem chamados de guerra? Ou... preces que os próprios deuses recusaram?
Caelen se mexeu pela primeira vez.
— Duvide da intenção dos Lunari, se quiser, mas não envolva os deuses em desconfiança. Isso, príncipe, é o primeiro passo para o erro.
Elian o olhou de lado, contendo um sorriso amargo.
— Temo que você me entenda tão mal quanto deseja, Caelen. Meu temor não é o povo oculto... É o que os homens aqui farão quando ouvirem seus ecos.
O tio permaneceu em silêncio até então, os dedos tamborilando o vidro-vulcânico com leveza ritual. Varkas Noctaris tinha olhos do mesmo tom do antigo rei, e sua presença era sempre envolta em uma cortina de falsa cortesia. Ele não era apenas o irmão do rei falecido — era também o principal incentivador da ideia de que Elian deveria dividir o poder até aprender a “comandar com maturidade”.
— Sobrinho, está claro que você quer trazer luz a um mundo que preferia dormir nas sombras. Mas veja, o povo se pergunta se não seria melhor esperar. Investigar. — Ele cruzou os dedos com um sorriso brando. — E se for apenas histeria causada pelo calor? As minas têm produzido gases, e os homens veem coisas nas miragens da areia.
— E se não for? — retrucou Elian.
Um silêncio se alongou. A sacerdotisa desviou o olhar para as colunas que sustentavam o teto. Caelen cruzou os braços. E Thalion, o sempre entusiasmado pigarreou, com um sorriso nervoso.
— Pelo menos é mais divertido que as aulas de genealogia. Eu quase morri de tédio ontem. Ah, mas os Lunari cantam? Eles cantam mesmo? Alguém ouviu? Porque seria tão incrível...!
O olhar de Varkas o cortou como punhal.
— Thalion.
O rapaz encolheu os ombros, mas murmurou com doçura:
— É só... curioso, pai. Eles são parte da história também, não são? Mesmo se morassem embaixo da areia, ainda seriam parte.
Elian olhou para o primo com atenção. Por trás da comicidade habitual, havia algo mais: uma inocência que o palácio não conseguira matar. Thalion, com seus olhos arregalados e perguntas impróprias, parecia ainda acreditar que todo mundo podia ser ouvido.
Após o conselho, Elian caminhou sozinho pelos jardins suspensos. As palmeiras finas balançavam levemente, seus troncos dourados se curvando em reverência às brisas quentes. As flores do cacto-do-sol exalavam um cheiro ácido e doce, como tudo em Tliwni — belo e cruel.
Caelen o alcançou com passos firmes.
— Está distraído.
Elian não respondeu de imediato. Limitou-se a encarar as faixas de sombra projetadas pelas treliças douradas. Quando falou, sua voz foi baixa.
— O que você faria se soubesse que há alguém que acredita mais nos deuses do que a sacerdotisa? Alguém que vive abaixo, e reza... mesmo sem resposta?
— Reza por quê? Por vingança?
— Por justiça.
Caelen fez uma pausa.
— Justiça, para um Lunari, é outra palavra para retribuição. Eles não pedem, Elian. Eles exigem.
— Talvez porque nós nunca ouvimos quando eles pediram.
A tensão entre os dois era sempre um jogo silencioso, afiado por anos de disputas no templo, nas academias, nas batalhas simbólicas da corte. Caelen era um devoto — não dos deuses, mas da ideia de ordem. Já Elian era um herege no disfarce de príncipe, alguém que colocava perguntas onde deveria haver mandamentos.
— Você não está pronto. — Caelen disse por fim. — O trono requer estabilidade, e você busca abalar o que sustenta o reino.
— Talvez porque o que sustenta o reino esteja podre por dentro.
A resposta não agradou. Caelen o deixou sozinho.
Naquela noite, Elian revisitou alguns escritos antigos em sua câmara — os manuscritos de sua mãe, as cartas que ela jamais teve permissão de publicar. A princesa de sangue noturno havia previsto esse momento? Ele não sabia. Mas suas palavras deixavam claro: a história contada em Tliwni era apenas uma entre muitas.
Ao reler um trecho sobre o fechamento do “Portal da Noite”, um detalhe o intrigou:
“...selado não para nos proteger deles, mas para que jamais descobríssemos o que nos une.”
“Nos une?” repetiu em pensamento.
Essa dúvida sussurrada crescia, e com ela, a presença velada nas sombras: o Lunari de linhagem pura, aquele que agora conduzia os subterrâneos com uma fé que queimava na escuridão. Ele não havia esquecido. Ele não havia perdoado.
E agora, ele começava a subir.
No alto da torre solar, longe de todos, Thalion Noctaris espiava a movimentação com um pergaminho nas mãos. Ele colecionava histórias, e aquele momento parecia o início da mais importante de todas. Ele não sabia que seu pai tramava derrubar o primo, mas sentia o peso das palavras não ditas. E seu coração, ingênuo e verdadeiro, tremia por Elian.
“Se meu pai fizer algo... Eu conto. Eu aviso. Mesmo que ele me odeie.”
O palácio estava cheio de alianças que sangravam lentamente. E a noite... mesmo ausente, parecia cada vez mais próxima.
...***...
O som agudo de metais em atrito ecoava pelos corredores de mármore do palácio. Um novo treino havia começado nos pátios superiores, e Elian observava de longe, da sacada do salão oeste, os soldados mais jovens ensaiarem com suas lanças sob o sol escaldante. O calor escorria pelos degraus e fazia vibrar o ar, distorcendo o horizonte como se fosse miragem.
Mas não era a miragem que lhe causava inquietação. Era o silêncio das paredes, das criadas, dos conselheiros — e até do seu primo falastrão. Havia cessado a leveza nos últimos dois dias, substituída por cochichos e olhares desviados. Algo rastejava por Tliwni. E Elian sentia em seus ossos.
Ele virou-se quando Thalion surgiu com um pratinho de figos cobertos por açúcar dourado.
— Quer provar, primo? — ofereceu o garoto com um sorriso mais contido do que o usual. — Eles dizem que esses vêm do Oásis Oeste... o gosto é quase indecente.
— Desde quando você fica comedido, Thalion?
— Desde que as cozinheiras começaram a chorar na despensa, e ninguém diz por quê.
Elian pegou um figo e o levou à boca, pensativo. O doce explodiu na língua, mas sua atenção estava longe.
— Você ouviu algo? — perguntou com voz baixa.
— Não de forma direta. Só que algo foi encontrado perto da Torre do Leste. Um... símbolo antigo, disseram. E um deles, os do subterrâneo, foi visto saindo da areia como se o próprio deserto estivesse parindo fantasmas.
Elian paralisou.
A cada dia, os ecos do subsolo pareciam ganhar forma mais nítida. Ele havia sentido isso quando sua pele formigou ao tocar na tapeçaria ancestral, no salão sagrado. Quando seus olhos cruzaram os de Caelen durante a reunião. Quando o vento, seco como sempre, trouxe um cheiro estranho, algo como carvão molhado.
— Meu pai teria investigado ele mesmo — disse Elian. — Ou talvez enviado um grupo de sacerdotes para verificar a presença de fé antiga. Mas agora… tudo que se move no escuro parece apenas superstição.
— Nem tudo — comentou Thalion, baixando o tom. — O pai disse ontem ao sacerdote da muralha que o palácio deve agir antes que os “respingos da noite” subam à superfície como doença.
Elian cerrou o maxilar. “Respingos da noite”? Aquela linguagem era velha, impregnada de desprezo.
— Seu pai não acredita que eles existam, não é?
— Meu pai acredita no que o assusta, Elian. E isso muda de acordo com a ameaça ao trono.
O príncipe encarou o primo com surpresa. O olhar de Thalion desviou e pousou sobre o horizonte.
— Ele fala como se os subterrâneos fossem apenas lendas. Mas... eu acho que você sabe melhor. A tapeçaria. Os livros escondidos. A cor que você nega nos seus olhos quando está em público. — O primo tocou o ombro de Elian suavemente. — Eu não sou cego.
Mais tarde, no jardim interno de pedras vermelhas, Caelen surgiu com a postura afiada como sempre, a armadura leve refletindo a luz do sol eterno.
— Príncipe — disse ele com uma leve inclinação de cabeça. — Ou devo chamá-lo de arauto da fantasia agora?
Elian soltou um suspiro entediado.
— Se tem algo a dizer, diga sem metáforas, Caelen. Já bastam as lendas tentando me encontrar à noite.
Caelen se aproximou até que apenas um fôlego os separava. Havia algo ameaçador em sua tranquilidade, como o som de um tambor distante antes da guerra.
— Você tem espalhado ideias. Sobre equilíbrio. Sobre rever doutrinas. Isso não é apenas tolice, é perigoso.
— Você está dizendo que meu povo não merece o direito de existir fora das sombras?
— Estou dizendo que não se pode brincar com o que não se entende. — Caelen virou o rosto por um instante. — E você, Elian, não entende o que invoca. Os Krophegar’s não respondem há gerações por um motivo. Talvez porque já disseram tudo.
— Ou talvez… — disse Elian, firme, — porque ninguém ousou perguntar diferente.
Houve silêncio entre eles, e então Caelen recuou um passo.
— Sua coragem é infantil. Seu coração é... impuro. Você não quer justiça, quer glória.
— E você quer o quê, Caelen? — rebateu Elian. — Obediência cega até que o mundo imploda sobre os pés da tradição?
Caelen franziu o cenho, mas não respondeu. Em vez disso, olhou para o céu ininterrupto.
— Há rumores... de marcas encontradas sob a muralha do sul. Símbolos lunares. Suas digitais?
Elian permaneceu em silêncio.
— Um de nós dois cairá, Elian. E não será pela espada. Será por fé.
...***...
Na ala subterrânea do templo, a sacerdotisa dos Quatro Caminhos derramava óleo sobre as velas de sal negro. Sua expressão era fechada, o olhar rígido enquanto entoava uma prece ao Krophegar do Norte, o protetor do silêncio e da permanência.
— Eles ousam tocar em terras seladas — murmurou. — Usar palavras de eras esquecidas. O deserto gritará de volta.
Ao seu lado, uma escriba anotava em rolos de pele fina. O nome de Elian aparecia mais vezes do que deveria.
— Ele precisa ser corrigido — sussurrou a sacerdotisa.
Na câmara mais profunda, entre os pilares, um leve tremor passou sob o chão. Como se algo — ou alguém — respirasse no subsolo.
...***...
Nessa mesma noite, Thalion corria pelo corredor com uma tocha na mão e os olhos arregalados.
— Elian! — arfou ao encontrar o primo nos aposentos. — Eles... eles capturaram um homem. Um homem com olhos pretos como o vazio. Um dos que emergiram da terra. Ele está amarrado na torre.
Elian gelou. “Eles” — quem? Os soldados? Seu tio?
Thalion continuou:
— Ele disse seu nome, Elian. Disse que você é a chave. E que as estrelas já se moveram.
O príncipe levantou-se, a respiração presa. No fundo, ele sempre soube: os sussurros não eram meras coincidências.
O subterrâneo havia despertado.
E o sangue Lunari correndo em suas veias... responderia.
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