Capítulo 1 — Entre o Silêncio e as Rotinas
O relógio marcava oito horas da manhã quando Clara Mendonça estacionou seu carro preto na garagem da Mendonça Beer Co. Ela nunca gostou do trânsito do Rio de Janeiro, mas havia aprendido a lidar com o caos como quem domina uma arte.
O tique-taque do relógio na sala vazia da empresa era o único som que preenchia aquele espaço antes da chegada dos funcionários. Clara gostava dessa quietude, desse momento em que tudo ainda parecia possível, limpo — antes da pressão do dia começar a apertar.
No escritório espaçoso e moderno, com janelas do chão ao teto que mostravam a cidade acordando lentamente, ela ajeitou os papéis sobre a mesa de vidro, separando compromissos, contratos e e-mails não lidos. O cargo de CEO não era para os fracos, e ela carregava o peso de comandar a maior cervejaria artesanal do Rio como uma armadura invisível.
Mas havia uma outra parte de sua vida que o mundo corporativo não via — a que se revelava quando o salto alto dava lugar ao tênis velho em casa, quando a voz firme virava risada suave, e os olhos se enchiam de ternura pela filha de 14 anos, Merliah.
Merliah era um misto de curiosidade e cautela. Ela sabia que a mãe guardava segredos, como quem esconde um livro antigo embaixo da cama — não porque queria, mas porque tinha medo do que as páginas pudessem revelar.
— Mãe, posso pegar o carro da Stefy hoje? — perguntou a menina com aquele jeito meio desafiador que só os adolescentes dominam.
— Só se ligar para mim toda hora, combinado? — respondeu Clara, sorrindo pela primeira vez naquele dia.
— Combinado.
A ligação com a filha era o que mantinha Clara ancorada no presente. Era para Merliah que ela reservava seu melhor lado, o mais leve. Aquela que ninguém no trabalho conhecia.
Mais tarde, no almoço com a irmã Stefy, Clara encontrava um pouco do que faltava em casa: a cumplicidade de uma amiga verdadeira, a pessoa que sabia tudo e nada dizia.
— Você devia sair mais, Clara. Conhecer alguém de verdade. Não precisa ser da empresa, nem do seu círculo.
— Você sabe que não é tão simples assim, né? — respondeu, mexendo no café, os olhos evitando o rosto franco da irmã.
Stefy deu uma risada baixa, percebendo a barreira invisível que Clara erguia.
— Tudo bem, tá tudo bem. Mas não se esqueça que você merece ser feliz. Por mais que você esconda, a gente sabe que tem espaço aí para algo novo.
Clara sentiu o peso dessas palavras, mais pesadas do que qualquer planilha ou reunião tensa.
Enquanto o dia seguia, ela voltava para seu posto de comando, sua pose inabalável, mas aquela semente que Stefy plantara começava a crescer devagar.
Naquele instante, a chegada da nova secretária ainda era só um rumor entre os corredores. Mas o destino já começava a traçar linhas invisíveis que iriam cruzar suas vidas para sempre.
Na manha seguinte
O despertador tocou cedo naquele domingo e Clara hesitou por alguns segundos antes de desligar. Era seu dia de folga, e ainda assim o peso da responsabilidade parecia prender seus ombros. Os olhares de Merliah e a voz da irmã Stefy ecoavam em sua mente, lembretes silenciosos de que havia mais vida para além dos gráficos e números.
Na cozinha, o aroma do café fresco começava a preencher o apartamento. Merliah, já de pijama, mexia no celular, dividindo seu olhar entre as redes sociais e os planos para a semana na escola. Clara observava em silêncio, o coração apertado por não saber como se abrir com a filha.
— Mãe — chamou Merliah, sem tirar os olhos da tela — você já pensou em sair com alguém? Alguém que não seja do trabalho, claro.
Clara engoliu a resposta antes de soltá-la.
— Não muito — respondeu, fingindo naturalidade.
— Eu só acho que você devia tentar. A tia Stefy não para de falar que você merece alguém que te faça rir de verdade.
Um sorriso involuntário escapou dos lábios de Clara, mas logo ela desviou o olhar.
— Você sabe que não é tão simples assim, Merliah.
— A gente sempre acha que as coisas são difíceis até elas acontecerem — disse a filha, sábia além da idade.
No almoço, Clara se encontrou com Stefy numa pequena padaria próxima ao trabalho. O cheiro de pão fresco e café forte parecia tirar um pouco do peso que carregavam.
— Você está se cuidando? — perguntou Stefy, depois de alguns minutos de conversa.
— Tento — respondeu Clara, mexendo na xícara. — Mas às vezes parece que a vida é só isso: trabalho, casa, cuidar dos outros. E eu? Onde eu fico?
Stefy sorriu com ternura.
— Você fica onde sempre esteve: forte, linda, pronta para tudo. Mas não esquece de se permitir viver também.
Clara pensou em suas palavras, sentindo o afeto da irmã como um abraço invisível.
De volta ao escritório, os corredores murmuravam sobre a chegada da nova secretária. Rumores e expectativas começavam a circular, mas Clara ainda se permitia aquela distância, aquele controle.
Ela não sabia que, no próximo capítulo de sua vida, uma jovem chamada Lívia chegaria para mudar tudo.
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Capítulo 2 — A Chegada de Lívia
A manhã começou com um ar diferente na Mendonça Beer Co. Havia uma leve tensão, misturada a expectativas discretas que circulavam pelos corredores. A nova secretária chegaria naquele dia — uma jovem que trazia no nome a promessa de mudanças.
Clara chegou cedo, como sempre, ajeitando a mesa, revisando a agenda do dia, quando ouviu a recepcionista anunciar:
— A senhorita Lívia Rocha chegou, pode entrar.
Clara respirou fundo, sentindo um misto de curiosidade e cautela.
A porta se abriu e Lívia entrou com um sorriso confiante e um olhar que parecia absorver cada detalhe da sala. Vestia uma camisa branca impecável e uma saia preta sóbria, mas a energia que emanava era vibrante e contagiante.
— Senhorita Mendonça, é um prazer conhecê-la. Estou muito animada para começar — disse Lívia, estendendo a mão.
Clara apertou, firme e profissional.
— Bem-vinda, Lívia. Espero que esteja pronta para trabalhar duro.
Lívia assentiu, seus olhos brilhando.
Nos minutos seguintes, Clara passou para ela as primeiras tarefas, apresentou as rotinas da empresa e deixou claro o padrão de excelência que esperava.
Enquanto Lívia anotava tudo com atenção, Clara não podia deixar de notar pequenos detalhes: o jeito como ela sorria sem perder a compostura, a facilidade em se adaptar ao ritmo acelerado, a espontaneidade discreta.
Durante a pausa para o café, Lívia e Clara compartilharam breves conversas, revelando um pouco mais da personalidade de cada uma, embora Clara mantivesse sua reserva habitual.
Mas algo naquele encontro fez com que Clara sentisse um calor diferente, uma inquietação que não sabia nomear.
Na manhã seguinte, o escritório parecia um campo de batalha silencioso. Clara Mendonça, como sempre, vestia sua armadura profissional — uma expressão séria e olhos atentos a cada detalhe. Lívia Rocha, por outro lado, exalava calma e paciência, mesmo quando a rotina acelerada tentava puxá-la para o turbilhão.
— Lívia, revisei o relatório que você preparou, mas faltou incluir os dados do terceiro trimestre. Já pedi para que sejam enviados antes do almoço. — Clara disse, olhando firme para a secretária.
— Já estou em cima disso, Clara. Assim que chegar o arquivo, atualizo imediatamente — respondeu Lívia, com um leve sorriso, sem perder a compostura.
Clara franziu a testa, mas não conseguiu evitar um pequeno sorriso de canto, meio relutante.
— Você sabe que não tolero atrasos — continuou a chefe, mas agora num tom menos duro, quase divertido.
— E eu sei que você não tolera nada que não seja perfeito — respondeu Lívia, com um brilho travesso no olhar.
A tensão entre as duas se dissolveu num riso contido, só perceptível para quem prestasse atenção.
Ao longo do dia, as provocações sutis continuaram.
Quando Clara exigia atenção máxima numa reunião importante, Lívia aparecia com uma xícara de café na hora certa, como se antecipasse cada necessidade da chefe.
E quando Lívia cometia pequenos erros — que não passavam de distrações humanas — Clara, embora severa, mostrava uma tolerância que só quem conhecia bem podia entender.
Era um jogo delicado de poder e afeto, cada uma testando os limites da outra.
No final da tarde, enquanto organizava a agenda para o dia seguinte, Clara olhou para Lívia e disse:
— Você está se saindo melhor do que eu esperava.
Lívia sorriu, dessa vez sem nenhuma máscara.
— Espero não decepcionar.
Clara então fechou a pasta, levantou-se e caminhou até a janela, olhando a cidade se despir do sol.
— Às vezes, eu me pergunto se você é paciente demais ou simplesmente conhece bem as fraquezas das pessoas.
Lívia se aproximou, seus olhos encontrando os de Clara.
— Talvez um pouco dos dois.
Por um instante, o escritório se encheu de um silêncio diferente — aquele silêncio carregado de possibilidades.
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Capítulo 3 — No Ritmo da Rotina
Depois daquele breve momento na sala, Lívia voltou à sua mesa, enquanto Clara retomava o foco nos relatórios. Mas algo havia mudado — um leve calor que não fazia parte do cotidiano rígido da CEO.
Durante a tarde, as cobranças continuaram intensas, mas Lívia conseguia manter a calma, sabendo que paciência era sua maior arma contra a severidade da chefe.
Num dado momento, Clara precisou de uma informação urgente e chamou Lívia.
— Quero os números da última campanha até as cinco. Sem desculpas, Lívia.
— Será entregue, chefe. No prazo e com qualidade.
Clara observou-a por um instante, quase como se testasse sua determinação.
— Gosto dessa sua postura. Continue assim.
Lívia fez uma leve reverência, que Clara respondeu com um olhar quase imperceptivelmente mais suave.
O relógio corria, o dia findava, e a dupla permanecia em sua batalha silenciosa de cobranças e respostas precisas.
Enquanto recolhia os papéis para sair, Lívia ouviu a voz firme da chefe.
— Amanhã, venha preparada para a reunião com os investidores. Quero que esteja pronta para qualquer pergunta.
— Pode deixar, Clara.
Naquele instante, os olhares se cruzaram e, apesar de nenhum deles falar, havia a certeza de que a relação, mesmo com todos os conflitos e desafios, caminhava para algo novo — uma parceria construída no respeito, na paciência e naquela dureza que só quem sabe liderar entende.
O cheiro de massa assada preenchia o apartamento dos Mendonça. Era noite de jantar em família, tradição improvisada entre risadas e garfadas. Clara estava mais relaxada do que de costume, os saltos trocados por chinelos e o blazer por uma camiseta velha do Rock in Rio.
Stefy mexia no molho com uma colher de pau, enquanto Merliah preparava a mesa, espiando o celular entre uma dobrada de guardanapo e outra.
— Então — disse Stefy, colocando a travessa sobre a mesa — como está indo com a nova secretária?
Clara, que bebia um gole de vinho, deu um leve suspiro antes de responder.
— Ela é… competente. Muito paciente. E incrivelmente organizada. Sabe lidar com pressão melhor que a maioria ali dentro.
Stefy arqueou uma sobrancelha com um sorriso discreto.
— Uau. Isso foi quase um elogio vindo de você.
Clara deu de ombros, tentando parecer indiferente.
— É só a verdade. Ela não se desestabiliza, mesmo quando eu pego pesado.
Merliah riu, se sentando ao lado da mãe.
— Vai acabar virando sua amiga, mãe. Vocês vão tomar café juntas no intervalo e fofocar sobre os outros setores.
Clara bufou.
— Eu não sou de “tomar café com amigas” no trabalho, Merliah.
Mas Stefy apenas observava, sem dizer nada de imediato. Por dentro, seu pensamento era claro e sarcástico:
“Amiga, sei… Isso aí tem tudo pra virar um romance reprimido e cheio de tensão. Clara só não sabe ainda.”
Merliah, doce e atenta, mastigava distraída.
— E ela é legal? Tipo, simpática?
— Demais — disse Clara, antes de perceber o quão rápida havia sido sua resposta. — Quer dizer… ela sabe se portar, tem energia, mas é profissional.
Stefy bebeu seu vinho lentamente, escondendo o sorriso malicioso por trás da taça.
Clara tentava não mostrar, mas estava falando mais do que o normal. Cada detalhe sobre a secretária saía sem que ela se desse conta: “Ela faz um ótimo café”, “Tem uma caligrafia impecável”, “Sabe o nome de todos os funcionários do RH já na primeira semana”.
Merliah apenas balançava a cabeça, animada com a ideia de ver a mãe se aproximando de alguém.
Stefy, no entanto, já visualizava a cena completa. Chefe mandona, secretária paciente, e uma faísca ali no meio disfarçada de relatório impresso.
Ela não diria nada. Não ainda.
Mas só pelo jeito que Clara falava de Lívia... era questão de tempo.
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