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Clichê

Um Lugar Estranho

    Hmmm... Frio...

    Muito frio.

    Onde eu estou?

    Oh, parece que estou amordaçada, também não consigo abrir os olhos e... bom, comprovei que minhas mãos estão atadas e meus pés também. Me sinto tão dolorida que parece que uma manada de elefantes passou por cima de mim.

    -Ela acordou! - alguém falou e eu ouvi um monte de vozes falando coisas confusas.

    -Ela não vai "soltar" de novo, vai? - alguém perguntou.

    -Não acho que vá... - outro respondeu.

    Ai meu Deus, eles estão falando de mim? Se sim, o que isso significa? O que diabos está acontecendo?

    -Mestre! - de repente todas as cinco ou seis pessoas presentes falaram juntas e ficaram em silêncio, agora eu só posso ouvir o som de passos elegantes (não sei explicar mas é isso aí) de sapato contra o chão (sei pela textura em meu rosto) de pedra... tipo aqueles paralelepípedos, talvez.

    -Todos, saiam! - Ai meu Deus, que voz! Me sinto em um mangá shoujo onde um garoto bonito de repente aparece... bom, eu espero que seja bonito, já tô cansada de garotos feios. Se bem que eu não me lembro de nada direito, como eu sei que conheço só garotos feios?

    -Sim, mestre! - ei... o que está acontecendo? Ouvi passos se distanciando, acho que estão indo embora.

    -Li, você fica. - eu senti uma grande vontade de rir, quem diabos se chama de "Li"? Quem leu o que? Desculpa gente, não consegui me conter.

    -Sim, mestre Rui. - alguém respondeu parecendo feliz. Esse tal Rui é importante?

    Olha, eu comecei a me lembrar de algo... acho que eu estava na escola, certo? Isso. Foi meu último dia de aula e o pessoal resolveu planejar viajar, então eu elegantemente recusei e fui para casa, mas no caminho alguém me fez uma proposta suspeita.

    "Você gostaria de viajar? Tipo,conhecer novas pessoas e um novo lugar?" me perguntou um idoso com cara de nóia.

    "Não, não quero esse tipo de aventura." respondi me afastando.

    "Então que tal arranjar um novo amor? Você está em um relacionamento?" perguntou me seguindo.

    "Eu gostaria muito de não ser incomodada." respondi mal humorada.

    "Oh, me conte mais!" ele pediu tendo que correr para acompanhar meus passos... ele tem pernas tão curtas!

    "Bom, agora que eu me formei não quero voltar para casa e ouvir meus tios reclamarem que eu deveria buscar ser alguém na vida... também detesto o fato de que minha prima reclama da minha aparência toda vez que me vê." desabafei, contar problemas a estranhos é um caminho sem volta.

  "Então você gostaria de fugir disso tudo?" perguntou ofegante, em consideração a ele, parei de andar para que pudesse respirar.

  "Talvez, sei lá!"

  "Eu posso te ajudar!" falou com os olhos brilhando e de repente prendeu um bracelete preto estranho no meu braço, parecendo um relógio de LED ele mostra a hora e a data mas está travado em sábado que vem, às 10:00 AM. "Volte aqui no próximo sábado quinze pras dez, tenho algo muito interessante para você, senhorita Luna."

    Como ele sabia meu nome?

     Bom, eu ia perguntar, mas ele já havia sumido e aquele relógio estava preso no meu braço de um jeito que eu não consegui abrir e nem quebrar. O que mais eu podia fazer além de voltar lá? Quando voltei, ele me pediu para ficar calma e, de repente, ele pegou meu braço, ajustou meu relógio e eu acordei aqui.

    -Li, tire a venda e a mordaça... "dela"(?) - o cara pediu.

    Fala sério, ele está em dúvida? Será que ele é idiota para não reconhecer uma garota?

    -Mas... - parece que o outro queria contrariar, porém depois de uma longa pausa senti meu corpo ser levantado igual a um saco de batatas e eu fui colocada sentada.

    Por alguns instantes eu fui cegada pela "luz" do local, mas logo me acostumei e encarei meus sequestradores. Crianças, nunca amordace ninguém, isso é desumano!... uau, é tão bom voltar a produzir saliva sem aquele pano absorvendo ela.

    Okay, eles me trataram super mal. Não tem como eu achar bonito aquele cara alto, moreno de cílios longos, olhos pretos e boca perfeitamente desenhada...

    Foco, Luna!

    -Qualé?! É assim que vocês tratam os outros? Isso é uma violação dos Direitos Humanos! - reclamei, minha voz saiu meio rouca pelo tempo que fiquei sem falar.

    -... "Qualé"? - o homem parecia confuso, agora que eu notei... as roupas deles são bem estranhas, tipo essas dos tempos antigos. Mas olha, ele fica super bem numa calça justa, mesmo que não seja skinny. - Li, o que é "Direitos Humanos"?

    -Não sei, mestre. - a única outra pessoa na sala era um homem mais velho e ele parecia sem graça, seu modo de se vestir é mais modesto... é um servente, eu acho.

    Ah não, Luna, ele chama o outro de "mestre" mas deve ser só costume, imagina que ele é um servente.

    Ah, okay, o que eu fiz para merecer isso? Afinal, o que aquele idoso com papo suspeito fez comigo? É pro Silvio Santos, certo?

    SE ELES ACHAM QUE EU VOU VENDER MINHA IMAGEM, ESTÃO MUITO ENGANADOS!

    Nunca vou permitir que isso saia na TV, principalmente por ainda não saber o que aquelas pessoas queriam dizer com "ela vai 'soltar'" se eu deixo ir ao ar e eles me colocam fazendo algo vergonhoso? Se bem que eu posso conseguir uma boa grana...

    -Ela morreu? - o rapaz de repente estava agachado na minha frente e cutucou minha bochecha com o indicador. - Li, por que ela está vestida assim?

    -Não sei, mestre, sinto muito...- o velho se curvou parecendo realmente incomodado. - O senhor deveria ter cuidado...

    -Só por que ela parece uma selvagem? - ele bateu no peito com uma mão e com a outra cutucou minha bochecha de novo. - Eu sou treinado para lidar com esse tipo de...

    Opa, selvagem?! Vou processar o SBT por danos morais! Mas enquanto isso, vou ensinar uma lição para esse ator mesquinho... eu virei meu rosto e mordi o dedo dele. Mordi bem mordido.

    -Solta! Ai!!! - ele tentou puxar o dedo, mas eu mordi ainda mais forte. - Meu dedo! Meu dedo, Li!!

    Bebê chorão! Soltei o dedo dele justo no momento em que quatro caras parecendo soldados entraram, um deles veio até mim e me imobilizou (mais?), pressionando minha cabeça no chão e segurando meus braços, já atados, atrás das costas, outro apontou uma espada para mim. Olha, quem quer que seja que as fez, fez um ótimo trabalho em deixar as espadas realistas.

    O tal Rui parecia uma criança, mostrando seu dedo vermelho ao velho, que por sua vez disse que ia passar. O que há com essa cena?

    Rui se virou para mim novamente, tomando uma postura séria e elegante de novo, mas escondeu as mãos nas costas... ele está com medo?

    -Como essa garota que apareceu de repente, se atreveu a atacar o mestre?! - um dos quatro guardas (não o que estava me imobilizando nem o que apontava a espada para mim) chutou minhas costelas.

    Doeu, doeu muito! Mas eu não vou chorar. Eu também não vou gritar... sério, mesmo que seja uma pegadinha, eles estão realmente violando meus direitos aqui, certo?

    -Oh, ela vai se fazer de durona?! - ele falou sarcástico e riu cruelmente, o homem deu a volta no soldado que apontava a espada para mim e chegou bem perto do meu rosto. Ele não vai...? - Vamos ver por quanto tempo você aguenta assim.

    -Capitão, eu não acho que... - o outro soldado que estava sobrando tentou o parar, mas foi empurrado para longe.

    -Cale-se! - o homem ergueu o pé.

    Eu fechei forte os olhos, me preparando para a dor, mas ela não vem, ao invés disso ouço o homem que planejava chutar meu rosto gritar. Abri os olhos justo no momento em que um líquido quente voou no meu rosto... esse cheiro é... sangue?

    Arregalei os olhos tentando entender o que estava acontecendo, o homem na minha frente estava com o pé jorrando sangue, uma espada estava pressionada contra o seu pescoço e a que estava apontada para mim não estava mais. Aliás, quem está pressionando a espada no pescoço do cara que planejava me chutar é o tal Rui, o rosto dele está assustadoramente sério.

    -Se atreva a ir mais longe. - Rui desafiou falando perto do ouvido do cara.

    Antes que imaginem outra coisa, ele não havia cortado o pé do outro fora, só feito um corte profundo com a espada. O homem parecia mais assustado que eu, mas não se atreveu a se mexer, aposto que o pé dele dói muito. Bem feito.

    -P-perdão, mestre! - ele gaguejou. - Não pensei que o senhor fosse se importar com uma mera selvagem...

    -Está insinuando que eu não tenho o direito de me importar com ela só porque é selvagem? - ele perguntou parecendo irritado, um fio de sangue desceu pelo pescoço do homem.

    O cara que me "imobilizava" me soltou, apavorado, e me ajudou a sentar de volta.

    -N-não, o mestre tem o direito a qualquer coisa! - ele respondeu ainda mais assustado.

    -Realmente, eu tenho. - puts, o cara é um narcisista. - Mas que fique claro: ela é minha prisioneira e EU decido o que fazer com ela, então não quero ninguém a machucando.

    O homem de repente se mijou. Literalmente. Eu ainda estava apavorada demais (com a mudança repentina do homem bonito) para sentir nojo ou qualquer outra coisa senão medo de ser a próxima vítima da sua ira. Eu mordi um cara que não pensa duas vezes antes de usar uma espada pra machucar alguém!

    -S-sim, mestre! - ele respondeu.

    -Todos, saiam daqui! - ele mandou empurrando o cara mijado para o lado, que cairia se o homem que tinha me imobilizado não o segurasse. Ele devolveu a espada ao dono com uma expressão de nojo, mas antes de todos saírem, o tal Rui apontou para o cara que tentou me ajudar antes. - Você fica.

    Ei, o que diabos está acontecendo?! O velho Li parecia se perguntar a mesma coisa. Assim que os três soldados saíram, Rui suspirou dramaticamente.

    -Eu fiz de novo, Li... - choramingou. - Eu detesto ter que educar esses idiotas, eles não valem o meu esforço.

    -De fato, mestre... - Li respondeu.

    -Bom... agora, vamos ver.- ele olhou para o soldado que pediu que ficasse, era um jovem de uns doze anos... tão novo! - Qual o seu nome?

    -Kim, mestre. - ele respondeu se ajoelhando e abaixando a cabeça. Quão importante esse cara é? Aliás, isso já foi longe demais para uma pegadinha!

    -Kim... - ele pronunciou indiferente.- Li, eu vou domesticar ela, então quero que Kim a acompanhe para proteger e dar assistência, você já sabe o que fazer.

    -Mestre, eu não acho que... - Li falou parecendo preocupado, mas foi interrompido.

    -Não se preocupe tanto! - Rui riu despreocupado enquanto dava tapinhas leves nas costas de Li. - Hoje em dia todo mundo tem uma.

    -Mas para os outros elas não são como animais de estimação. - Li falou corando.

    -Não? Então são o que? - perguntou inocentemente, pelo jeito de Li eu já imagino o que seja. Ou talvez eu tenha assistido Akame ga Kill muitas vezes.

    -Elas são... bom, eu vou providenciar tudo. - Li desistiu. Acho que concordo com ele, é melhor não saber para que outras pessoas "domesticam" selvagens.

    Espera! Como assim ele quer me domesticar? Eu não sou um animal!

    Eu pensei em dizer umas poucas e boas para ele, mas o tal Rui já havia deixado o local (aliás, acho que estamos em um tipo de cela meio medieval). Li fez um sinal para Kim me desamarrar, ele não parecia muito feliz com a nova designação, mas não protestou.

    -Eu não quero ser "domesticada"! - corri meio cambaleando até Li, minhas pernas estão dormentes, que perfeito!

    -Sinto muito por isso, também não concordo... mas o mestre tem tudo o que quer, eu não sou ninguém para negar algo. - ele disse abrindo a porta e lançando um olhar de pena para Kim, o garoto abaixou os olhos, parecendo abatido. - Recomendo que você seja boa, o mestre felizmente não é como as pessoas normais, por isso você provavelmente vai ser bem tratada enquanto agir bem.

    -Mas... - eu quero contestar mas é verdade que aquele cara é meio assustador, acho que por enquanto é melhor eu sentar e observar, se algo que eu não gosto for feito, eu luto até a morte (que provavelmente vai ser bem rápida).

Saudades de Casa

    Gente, sério, sabe aquela expressão "da água pro vinho"? Então, foi essa a mudança de paisagem quando eu saí da cela.

    O chão todo de mármore branco tão lindo que dava até dó de pisar, as paredes cheias de quadros de paisagem lindos, alguns eram retratos de pessoas. Às vezes uma ou outra servente passava por nós e saudava Li, enquanto me lançava uns olhares de "que coisa é essa?". Caguei.

    Chegamos em uma sala enorme com sofás lindos vermelhos, um piano em um canto e várias outras coisinhas de casa antiga, tinha uma escada maravilhosa, tipo aquelas de filme onde as princesas aparecem.

    Bom, eu me senti mais "Frozen", porque a escada era feita de um material que lembrava muito o gelo, o que só me faz descartar a ideia de que viajei no tempo. Eu pensei nisso quando parecia ruim demais para ser uma pegadinha, eu já assisti muitos isekais e uma das coisas que me ocorreu foi a viagem no tempo, mas duvido que no passado exista algo como... isso tudo. Eu posso não ser muito informada mas não acredito que a escada seja feita de algum material que possa ser encontrado no nosso mundo.

    De três, uma: Eu viajei para outro mundo, ou eu fui abduzida, ou o velho me deu uma droga muito diferenciada.

    Aposto na última.

    -Qual quarto devemos preparar? - uma servente perguntou quando chegamos ao topo da escada.

    -O quarto Amélia. - Li respondeu, a mulher ficou surpresa mas não disse nada.

    -O que é o quarto Amélia? - perguntei curiosa enquanto via pelo menos uma dúzia de serventes indo para o fim do corredor e sumindo por uma porta.

    -Como devo lhe chamar? - ele me ignorou! Que lástima, será que é agora que devo lutar? Brincadeira, ainda não quero morrer.

    -Meu nome é Luna. - respondi fechando a cara.

 Sem educação, grosso, mesquinho...

    -Srta. Luna, o quarto Amélia é o melhor quarto depois do quarto do mestre. - Ele interrompeu meus xingos mentais com a resposta... bom, retiro o que disse sobre você, Li. - E também é um quarto conjugado com o dele.

    -Oi? - perguntei chocada.

O que esse cara está pensando?

    -Não se preocupe, o mestre não é tão maldoso a ponto de usar isso para invadir seu espaço. - ele falou notando meu transtorno.

    -Ah... okay, eu acho. - respondi enquanto espiava dentro do quarto, Li havia acabado de abrir a porta e todas as serventes saíram antes que entrássemos.

    WOW!

    Que quarto, meu Deus! Alguém me belisca... pera, não precisa não.

    Bom, não vou dar detalhes, só imagina o quarto de filme de princesa mais maravilhoso que você já viu, multiplica por dez e ainda não chega aos pés.

    -Eu não quero ser rude mas a senhorita não deve ter muitas expectativas, talvez logo o mestre canse dessa ideia e te libere pra voltar para sua casa. - Li aconselhou, duas garotinhas aparentando uns quatorze anos apareceram e se curvaram diante de nós.

    Bom, para onde eu vou voltar? Nem sei como cheguei, pra começo de conversa.

    As garotinhas aparentemente vão ajudar eu a me vestir e coisas do tipo, algo como minhas serventes pessoais? Afinal, porque estou sendo tratada bem? Perguntei isso ao Li e ele só me disse que torce para que eu tenha alguma habilidade.

    Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, as meninas me levaram para o banheiro (evidência número 2 de que eu não viajei no tempo: existem banheiras muito, mas muito modernas... tipo, não vi ninguém subindo com baldes de água e ela estava até quente... Será que eles têm eletricidade aqui?). As garotas não disseram nada enquanto me despiram e me esfregaram sem cerimônias, mesmo quando eu protestei.

    Acho que acabei de perder minha dignidade, desde meus 4 anos ninguém dá banho em mim!

    As garotas me enfiaram em um espartilho ridiculamente apertado e uma calçola... porque essa parte não pode ser diferente da antiguidade normal também?! Elas me puxaram para fora do banheiro e o velho ainda está lá, analisando um vestido simples branco e azul claro.

    Ele se virou para mim e pediu para as meninas me vestirem. Se as pessoas não usassem coisa pior no meu século, eu sentiria vergonha de ser vista só de espartilho e... bem, minha dignidade foi tirada pelas garotas de quatorze anos.

    -Muito bom, agora fiquem aqui com ela até o mestre terminar as audiências, eu vou cuidar do garoto... - ele fez uma cara de espanto ao ver eu vestir meus coturnos. -... o que você está fazendo? Eu ia queimar essas coisas imundas!

    -Vocês podem tirar meus Direitos Humanos, minha dignidade e o que quiserem, menos meus coturnos! - respondi. Meu Deus, como é difícil se curvar quando algo está te esmagando.

    -Eu não tenho tempo para te contrariar. - ele fez um sinal para minhas outras coisas serem levadas e saiu do quarto, eu corri atrás dele.

    -Ei, o que aconteceu com o Kim? - perguntei curiosa, não o via desde que saímos da cela.

    -Logo ele vai estar pronto para ficar ao seu lado, por enquanto se contente com as duas. - ele saiu andando sem me dar uma resposta satisfatória.

    Lembra aqueles xingos? Os recoloco!

    As meninas me olham um pouco curiosas. Será que elas sabem o que está acontecendo? Eu pergunto, não custa nada tentar.

    -Bom... acho que ele vai ser castrado. - uma delas respondeu e a outra lhe deu uma cotovelada. - Ai! Ela quem perguntou!

    O que? Um garoto de doze anos vai ser "castrado" por minha causa? Não é atoa que ele não estava feliz!

    -Onde está aquele babaca?! - perguntei sentindo que a qualquer hora podia virar super sayajin.

    -Quem? - perguntou a garota que me respondeu da primeira vez.

    -O tal do Rui! - elas ficaram pálidas com a minha resposta e a garota que havia repreendido a outra correu até a porta para checar se tinha alguém, ela voltou meio aliviada.

    -A senhorita não deveria chamar o mestre assim! - a primeira falou assustada.- Ninguém sequer se atreve a dizer o nome dele, apenas o Sr. Li.

    -Eu ouvi que uma vez uma mulher da nobreza disse que ele era mesquinho e... - a segunda parecia mais assustada ainda. - Ela nunca mais foi vista!

    -Oh, sério? - perguntei só um pouquinho preocupada.

Eu mordi ele e nada aconteceu, xingar ele não deve ser pior, certo?

    -Respondendo sua pergunta, o mestre está na sala de audiências, ele está fazendo justiça. - a primeira disse corando. - O mestre é tão incrível!

    -Eu quero que vocês me levem até lá. - pedi já saindo do quarto.

    -Ei! Você não pode sair! - a segunda falou (vou chamar elas de número um e número dois).

    -Quem disse? Li disse que eu deveria esperar mas não disse que eu não posso ir até ele. - sorri tentando as convencer. - Juro que se for castigada, digo que obriguei vocês!

...----------------...

    No fim elas concordaram e logo estávamos na porta enorme do lugar onde provavelmente estavam ocorrendo as tais audiências.

    Gente, e se eu o interromper e minha cabeça rolar? Bom, pelo menos Kim vai estar a salvo já que não vou mais precisar que ele me acompanhe.

    Abri as portas e encontrei Rui sentado em algo parecido um trono... para falar a verdade, ele estava largado mesmo, ele tinha apoiado um dos pés no trono e estava com o queixo apoiado na mão enquanto encarava dois homens que brigavam a sua frente.

    Quando me viu, Rui sem querer deixou o queixo escorregar da mão e levantou tentando disfarçar a surpresa. Bom, se você pegar uma mendiga e dar roupas chiques a ela, com certeza vai ser surpreendente.

    -Quem é você?! - ele perguntou incrédulo.

    Era o que eu podia ter dito, mas ao em vez disso eu só sorri olhando para o dedo enfaixado dele, que escondeu as mãos rapidamente.

    -O que você está fazendo aí? - ele perguntou sem parecer bravo. - Feche a porta e venha até aqui.

    -Bom, eu queria conversar com você sobre um assunto, mas creio que está meio ocupado e seria desrespeitoso tratar desse assunto em frente outras pessoas. - falei com o pouco do bom senso que me restava, eu definitivamente não posso morrer ainda. One Piece nem acabou, eu preciso ver o final.

    -Ah... se é assim. - ele fez um sinal para um dos empregados e pediu algo que não pude ouvir, alguns segundos depois algo bem parecido com um trono foi levado e deixado bem ao lado do dele. Ele me olhou impaciente. - O que você está fazendo aí? Vem sentar, assim que acabarmos com isso eu vou te ouvir.

    Eu caminhei decidida até lá e me larguei de um jeito que pudesse respirar mesmo com essa coisa me apertando. Segundo a Número 1, ainda ia demorar um pouco para Kim ser castrado, antes os antecedentes dele iam ser analisados e tals, então eu podia esperar um pouco.

    Os homens explicaram a situação novamente, aparentemente um deles havia roubado a única vaca do outro, mas o acusado diz que aquela vaca sempre foi dele. Parece que ela sequer dá leite, é só uma vaca gorda por quem o dono sente companheirismo, é tipo aquelas pessoas que compram um porco, engordam ele e depois ficam com dó de matar pra comer.

    -O que me diz? Aliás, ainda não sei seu nome. - Rui me olhou, agora ele estava sentado em uma postura bem mais séria.- Você tem um?

    -Tenho, óbvio! - falei com mau humor, qual o problema desse cara? - É Luna.

    -Ah, Lua, que nome bonito. - ele respondeu parecendo alegre. SURDO! Não vou corrigir, me sinto tão cansada, desde que acordei muita coisa aconteceu. - Então, o que você acha desse caso?

    -Acho bem clichê. Tipo Rei Salomão. - respondi dando de ombros.

    -Quem é esse rei? Seu namorado?! - ele me olhou com cara de poucos amigos. Pela milésima vez: qual o problema dele? - Eu não sei quem ele é, mas sei que sou melhor que ele.

    Ai meu Deus, como assim ele não conhece a história de Salomão? É tipo, impossível que isso aconteça.

    Um dos homens mais sábios do mundo e sua solução para as duas mulheres que brigavam por um bebê. As duas tiveram filhos ao mesmo tempo, mas uma delas sem querer acabou matando o próprio filho, assim ela trocou os bebês enquanto a outra dormia. A mãe que teve o bebê trocado sem saber afirmou que o bebê vivo era dela, mas a outra mulher insistiu que não. Para decidir quem era a mãe verdadeira do bebê vivo, ele disse que ia dividir a criança ao meio e dar uma parte a cada uma, nisso uma delas concordou com a decisão enquanto a outra implorou para que ele não fizesse isso e entregasse o bebê a outra, provando que ela o amava e preferia deixar seu filho com outra mulher do que ver ele ser morto e também comprovando que era a verdadeira mãe.

    Eu brevemente contei isso a Rui, não queria ficar enrolando e acabar ficando mais cansada ainda. Ah, eu fiz isso em voz baixa para ninguém além dele ouvir e ele parecia extasiado com a história.

    -Bom, vamos fazer isso! - ele falou olhando para os homens. Ei, há uma grande diferença entre vacas e bebês!

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    Isso foi ridículo, não acredito que funcionou.

    Acho que minha mente vai explodir.

    Enfim, o homem que estava dizendo que a vaca foi roubada é o dono da vaca, o outro foi castigado com 100 golpes por roubo, por mentir para as autoridades e por fazer Rui perder seu precioso tempo com essa audiência.

    Alguém por favor me tira daqui!

    Rui começou a caminhar para fora do salão e me lançou um olhar por cima do ombro, como quem pergunta o porquê não estou o seguindo. Bom, eu preciso mesmo falar com ele, então o segui até o corredor dos quartos novamente. Não tem lugar melhor não?

    Entramos no quarto ao lado do meu e ele é mundos mais maravilhoso. Há quadros em quase todo canto em molduras folheadas a ouro, em um canto havia diversos materiais para pintura e a cama dele poderiam seis pessoas dormirem, de tão enorme. A minha também é grande mas a dele é pelo menos duas vezes maior.

    -O que você quer me dizer? - ele perguntou me fazendo parar de admirar o quarto e olha-lo... ops, opção errada. Ele está tirando a camisa, melhor não olhar muito... foquei minha atenção em um quadro qualquer.

    -Sobre castrar aquele garoto... o Kim, não acho que seja necessário.

    -... - o silêncio dele me deixou curiosa, por isso cautelosamente olhei para ele e o vi me dirigindo um olhar assustadoramente possessivo. Gente, o que está acontecendo? - Por que você diz isso? Está interessada nele?

    Eu recuei alguns passos. Nunca em toda a minha vida eu vi alguém tão sério, mesmo quando ouço falar sobre "sede de sangue" em alguns animes ou filmes, nunca pensei que fosse algo que eu sentiria vindo de alguém.

    Eu tento responder mas minha língua está pesada como chumbo, não consigo nem mesmo respirar direito. Ele parece perceber isso e de repente sua expressão se torna mais suave. Okay, isso foi muito assustador.

    -Por favor, me responda. - ele se aproximou de mim, tão rápido que não consegui fugir, colocou uma mão na minha cintura para impedir que eu me afastasse e com a outra ergueu meu queixo para me obrigar a o encarar. - Se você não disser, posso acabar julgando errado.

    -E-eu... só não quero que ele sofra por minha causa. Não tem lógica fazer algo assim com ele só para que possa me seguir. - me obriguei a responder.

Minha voz saiu baixa e tremendo... mas fala sério, lembra o pé do cara lá? Não quero ser a próxima.

    -Se não castramos eles, há um risco de que façam algo errado para as damas que servem. - ele apertou um pouco a mão na minha cintura, talvez para poder controlar a raiva. - Você quer correr o risco por ele? Ou vai me dizer que planeja...

    -De onde eu venho, é crime uma pessoa da minha idade se envolver com uma criança. Podemos não estar lá mas meus valores não mudam. - eu tentei me afastar e ele não me impediu, por isso fui até a porta conjugada. - E não acho que aquele garoto seja maldoso o bastante para tentar algo.

    Minha mão tremia quando a levei até a maçaneta, a girei e passei pela porta rapidamente.

    -Com licença. - pedi fechando a porta, me encostei nela e deixei meu corpo escorregar até estar sentada no chão, abraçando minhas pernas... como dói fazer isso estando com espartilho.

    Quando foi que aceitei isso de esse quarto ser meu? O que é que eu estou fazendo? Só porque isso parece um Isekai não significa que eu tenha que ser idiota e aceitar tudo, certo? Talvez eu devesse simplesmente fugir... mas pra onde?

    Senti as lágrimas molharem minhas bochechas. Pela primeira vez eu estou de verdade vendo isso como real e não uma alucinação causada pelas drogas do idoso suspeito.

    Eu nunca pensei que fosse dizer isso mas... estou com saudades de casa.

Conversa Na Calada da Noite

-Olha, lá vem a baranga! - eu ouço alguém dizer, de alguma forma sei que estão falando de mim.

-O que é uma baranga? - eu pergunto ao meu irmão mais velho... uau, foi ontem a última vez que eu o vi mas parecem décadas! Eu tento estender a mão para tocar seu rosto, mas não tenho controle sobre o meu corpo.

-Nada, Lu. - ele passa um braço em volta dos meus ombros e me dá um beijo no rosto. - Não dê ouvidos ao que essas garotas dizem.

-Tá bom! - falo enquanto andamos juntos, algumas garotas o olham admirando sua beleza mas ele as ignora.

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    Eu vi sangue... ele está escorrendo do nariz de um garoto mais novo, quem fez isso? Edu me olha com um sorriso e diz que não preciso mais me preocupar.

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    A minha tia me dá um tapa e depois também acerta Edu, dizendo que desde que eu cheguei o desempenho dele piorou na escola e agora ele se metia em brigas também.

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    ... Edu está me ignorando por quase um mês. O que eu fiz? Ele ficou bravo de ter apanhado por minha culpa? Não sei... por que ninguém mais pega no meu pé? Por que meu irmão me odeia? Me sinto vazia.

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    Levanto assustada e sinto o suor escorrer pelo meu rosto, minhas lágrimas também ameaçam cair... onde eu estou?

Essas roupas antiquadas, esse dossel... não sei o que é pior, ter um sonho com o que aconteceu no passado ou acordar e descobrir que eu realmente estou mais longe de casa do que nunca.

    Eu odeio quando sonho com tudo aquilo. Meu irmão sempre foi meu herói e quando ele passou a me ignorar eu fiquei totalmente sem chão. Apesar de eu entender que ele fez isso para me proteger das garotas, que apenas pegavam no meu pé por ter atenção dele, e também da minha tia que sempre achava um motivo para me criticar pela nossa amizade. Mesmo assim, se me perguntassem hoje sobre aquilo, eu diria que preferia ter continuado a sofrer bullying se isso me permitisse ficar ao lado dele.

    Não entendam errado, é só que a lembrança mais antiga que eu tenho é a dele, por isso quando estou com ele consigo fingir que sou normal e que não sou alguém que sequer se lembra da família verdadeira, ele é o único que eu consigo tratar como se fosse um irmão, talvez porque é o único que me olhe de verdade.

    Deixo meu corpo cair novamente em meio ao colchão e os travesseiros macios, gostaria de entender o que aconteceu mas só consigo lembrar daquele idoso suspeito e o bracelete que, aliás, não está mais no meu braço.

    Ouço a porta conjugada abrir e meu coração acelera apavorado. Rui se provou ser um campo minado, qualquer coisa pode fazê-lo ficar assustador. Sequer me mexo quando ele aparece no meu campo de visão, não vou fingir dormir porque sinto que ele me descobriria fácil. Ele para ao lado da minha cama e nos encaramos, olho no olho.

    Rui estendeu a mão e tocou minha bochecha, não o impeço, nem mesmo pisco. Não diria que fui corajosa e bati de frente, apenas fiquei chocada demais para reagir. Ele apertou os lábios, formando uma linha fina e limpou minhas lágrimas.

    -Você está assim por causa de mais cedo... por minha causa? - ele perguntou tentando parecer calmo, mas vi algo parecido com preocupação em seus olhos.

Sério? Não, impossível ele estar preocupado, com certeza foi impressão, está escuro demais. Neguei com a cabeça em resposta.

- Então o que aconteceu?

    Mesmo que eu fale, esse troglodita provavelmente só vai surtar de novo. Vou ignorar. Eu cobri a cabeça com o edredom sem responder.

-Você está me ignorando? Me ignorando? - ele perguntou dramaticamente, de repente senti um vento gelado nas pernas e quando notei ele havia arrancado o edredom e estava em cima de mim.

    Sabe aqueles mangás shoujos onde a garota cai e o garoto fica por cima, num tipo de kabedon? É algo assim, com a diferença de que normalmente isso acontece entre pessoas que se gostam e a protagonista não sente raiva ou medo dele. No meu caso, eu sinto tanto medo quanto raiva.

    -Me diz o que está acontecendo ou eu vou te castigar. - ele ameaçou, mas não senti toda a pressão de antes, era mais como uma ameaça que ele não tinha intenção de cumprir.

    O ignorei, virando meu rosto pro lado para não o encarar.

    Eu me arrependo profundamente disso, pois alguns segundos depois, eu me senti totalmente fraca e não pude o afastar nem que tentasse. Me debati mesmo sabendo ser inútil, já que ele é mundos mais forte que eu.

    -Não! Por favor, não faça isso! - implorei sentindo as lágrimas escaparem, eu definitivamente sou fraca para cócegas.

    -Será que você merece clemência? - perguntou parando repentinamente, aposto que meu rosto está vermelho como um pimentão e devo estar toda descabelada. - Nah, você foi insolente demais!

    Ele voltou a fazer cócegas em mim e eu gargalhei enquanto implorava para ele parar, juro que se isso continuar eu vou acabar mijando nas calças. Não que eu esteja de calças, estou de camisola mas... vocês entenderam.

    -Por favor, Rui! - pedi sem pensar, surpreendentemente funcionou, ele me olhou de um modo estranho e... é impressão minha ou ele está vermelho? Não, impossível.

    Está escuro, a única luz é a da lua que entra pela porta da varanda que está aberta, mesmo que ele ficasse vermelho eu não conseguiria notar. Ele jogou o corpo para o lado, saindo de cima de mim e deitando no espaço livre ao meu lado esquerdo, a cama é tão enorme que tem, tipo, muuuuuito espaço.

    -Vai me falar agora? - perguntou me fazendo virar pro lado para poder o encarar... que sono.

    -Eu só estou com saudades da minha família. - respondi. Ele levantou uma sobrancelha, duvidando. - Mais especificamente do meu irmão mais velho.

    -Então você tem família. - ele comentou mais para si mesmo do que qualquer outra coisa, senti sua mão se enlaçar na minha mas estranhamente não quis que ele deixasse de tocar minha mão. - Como é o seu irmão?

    -Bom, ele é bem incrível. Ele é inteligente e bonito, mas nunca me menosprezou, ele sempre me defendeu da tia e das meninas... apesar de não termos laços de sangue, ele é muito importante pra mim. - respondi com sinceridade. Até alguns segundos atrás eu não estava irritada? Então porque estou falando tão abertamente?

   -E você gosta dele? - me perguntou parecendo realmente curioso.

    -Não do jeito que essa sua mente excêntrica pensa, ele é só como um irmão para mim. - respondi bocejando.

    Ele concordou e ficou me encarando. Sinto meus olhos tão pesados... ouvi ele dizer "durma bem" e acho que senti um beijo na testa, mas não estou consciente o bastante para dizer com certeza.

...----------------...

    Acordei com o grito de surpresa da Número 1... tão claro! Volto a fechar os olhos, meio cega. O que é esse peso na minha barriga?

    -Desculpa, eu já vou indo... - a Número 1 falou de uma maneira meio envergonhada.

    -Volta aqui e fecha a cortina, por favor.- pedi.

    Hm... é um braço... um braço muito bem definido aliás. Espera, um braço?

    Olho rapidamente para o lado. Lá está Rui, que dormiu ao meu lado essa noite e está com um dos braços na minha barriga.

    Ele fica tão bonitinho dormindo que dá até dó de o acordar. Ei, espera! Ele é o cara que diz que vai me "domesticar", não caia nesse genjutsu, Luna.

    -Ei, acorda! - chamei cutucando sua bochecha, ele abriu os olhos lentamente parecendo alheio a toda nossa situação atual. - Bom, acho que não é muito adequado que você fique assim na frente das outras pessoas.

    Eu me sentei jogando o braço dele para o lado, mas ele me abraçou pela cintura e apoiou a testa na minha coxa.

    -Ei, o que você está fazendo? Não ouviu o que eu disse? Não é legal que você faça essas coisas na frente dos outros. - repreendi tentando sair da cama, mas foi em vão.

    -Não tem problema se for quando não tiver ninguém? - ele perguntou lançando um olhar para Número 1 que a fez sair imediatamente do quarto.

     -Eu te conheci ontem, você está achando que é quem? - perguntei. Óbvio que eu sei que ele acha que é algo como meu dono, mas neste momento parece mais uma criança mimada. - Me solta!

    -Não! - ele respondeu apenas.

    -Por quê? - coloquei a mão no cabelo dele, pensando que talvez se eu puxar ele solte. Mas isso pode fazer ele surtar e... hm, que macio.

    -Ei, o-o que você está fazendo? - ele me soltou, se afastou com os olhos bem abertos e o rosto começando a ficar vermelho.

    -Eu só estava mexendo no seu cabelo, ele é incrivelmente bom. - falei me levantando e indo em direção ao banheiro para ele não se recuperar do choque e me abraçar de novo. - Aliás, o que você é?

    A visão de seus olhos (ou a que eu acredito ter visto) ontem à noite tiraram qualquer medo que eu tivesse antes, mas espero que esse tipo de pergunta não o faça mudar de repente. Ele sentou na cama em "perna de índio" e colocou a mão no queixo, como se estivesse pensando na resposta.

    -Eu sou algo tipo o homem mais importante desse país, entende? - ele sorriu convencido, modo narcisista ligado. - Eu quem cuido para que as coisas fiquem bem e se eu mandar algo, todos precisam fazer o impossível para cumprir.

    -Então você é rei? - perguntei sem acreditar muito. Sério, um cara assim ser rei.

    -Ahn? "Rei" não é como falam em Maram? - ele perguntou confuso.

    -Maram...? bom, eu vou me trocar porque sinto que é muito vergonhoso usar... "isso"... na sua frente. - Cruzei os braços em frente ao peito, antes eu não tinha me importado porque estava escuro mas a camisola que me obrigaram a vestir é muito transparente. - Depois eu te explico.

    -Hm... okay, vou mandar preparar nosso café. - ele se levantou parecendo ter entendido minha preocupação e foi até a porta.

    -Ei, se você vai sair faça isso pelo seu quarto, não quero que fiquem espalhando coisas sobre mim. - o adverti. Ele respirou fundo e abriu a porta assim mesmo.

    -Se alguém falar algo que não seja verdade, eu corto a língua dele. - falou em tom de brincadeira mas tenho certeza que ele realmente planeja fazer isso.

    Mostrei a língua para ele enquanto o via pedir para Número 1 voltar para dentro, ela riu baixinho mas logo tomou uma postura séria ao notar que deu a entender que estava caçoando dele. Depois de se desculpar, ela me seguiu até o banheiro e me pediu para sentar em um banco enquanto desembaraça os meus cabelos.

    Graças ao poder da química, meu cabelo é liso, a única coisa natural nele é a cor castanho escura. Eu o deixei crescer até a altura da minha cintura mais ou menos e desde meus 15 anos venho mantendo ele assim, o difícil é cuidar de tanto cabelo, fico feliz que alguém o penteie para mim.

    -Cadê sua amiga? - perguntei encarando o reflexo da Número 1 pelo espelho, ela estava amarrando meu cabelo em um coque para eu poder entrar na banheira.

    -A Ana está em um encontro. - respondeu com um sorriso sonhador. - O mestre Carlos a pediu para ir encontrá-lo no jardim, então ela fingiu estar doente para ir... mas por favor, não conte ao mestre Rui!

    -Relaxa, eu não sou X9. - Ela ficou confusa mas concordou. - Quem é esse Carlos?

    -Oh, é um dos dois melhores amigos do mestre Rui. - ela comentou me ajudando a tirar a roupa, minha dignidade já foi pro ralo mesmo. - Ele é um viajante de outro mundo.

    -Outro mundo?

    -Sinto muito, mas não sei muito sobre o assunto, só sei que lá as pessoas são selvagens. - ela falou enquanto eu entrava na banheira e relaxava. - Estranho que você pergunte, ouvi dizer que você era uma selvagem antes de ser capturada.

    Resolvi não entrar mais no assunto, qualquer coisa eu pergunto pra aquele cara.

    Depois de ter uma briga severa com Número 1 ela cedeu e deixou que eu não usasse o espartilho, depois me enfiou em um vestido branco bem mais simples do que o de ontem.

Fui para a sala de jantar tomar café mais plena que nunca.

    -E quando você vai ir embora? - ouvi Rui perguntar, mas não era comigo que ele estava falando, era com um cara MUITO familiar sentado à mesa, junto com ele.

    Número 1 me indicou o lugar ao lado de Rui, mas eu ainda estava chocada demais para me mexer.

    -Eduardo? - perguntei batendo as mãos na mesa e o encarando, Rui estava na cabeceira e o rapaz na lateral oposta a qual Número 1 me disse para ocupar. - O que você está fazendo aqui?!

    Ele olhou rapidamente para Rui, sem reação e depois me olhou de novo, como se eu fosse louca.

    -Eu não te conheço.

    Ele não disse isso. Definitivamente não.

    Depois que terminou a escola, Eduardo continuou meio frio comigo, mas pelo menos conversávamos. Se bem que na maior parte do tempo eu estava brigando com ele.

    -Depois de tudo o que você me fez? - perguntei propositalmente sem ser clara.- Eu não acredito!

    -O que você fez?! - O copo estourou na mão de Rui, ele estava com aquela mesma sede de sangue de ontem, mas não era direcionada a mim.

    -Não é o que você está pensando! - ele se levantou dando desculpas, mas Rui já não estava mais ouvindo, em dois segundos uns guardas chegaram e o levaram embora arrastado.

    Rui fez um sinal para eu me sentar, alguma criada já havia limpado toda a bagunça por causa do copo que ele estourou. Eu me sentei e comecei a comer em silêncio.

    Eduardo vai ficar bem? Bom, bem feito! Quem manda me ignorar?

    Se bem que é estranho. Como ele veio parar aqui e porque parece já conhecer Rui à muito tempo?

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