...Marina...
A cidade estava fria.
Mais fria do que eu me lembrava.
Ou talvez fosse eu quem estivesse diferente demais para sentir qualquer calor vindo dela.
A janela do carro estava parcialmente embaçada pela minha respiração. Do lado de fora, tudo parecia ter parado no tempo: as árvores da estrada, o portão enferrujado do antigo colégio e até aquele café no centro, onde eu costumava fingir que estudava. Tudo parecia exatamente como deixei… e, ainda assim, completamente diferente.
Eu não queria estar ali.
Ver meus pais novamente não era algo que me deixava particularmente animada. Mas fiz um acordo, e como sempre, eu cumpro minha parte — mesmo que a parte deles sempre viesse com cláusulas ocultas.
"Se algo der errado, você volta para casa."
E tudo deu errado.
O carro finalmente dobrou pela estrada de pedras que levava à mansão da família Gonçalves. A mesma construção opulenta de sempre: cercada por grades pretas altas, árvores simetricamente podadas e aquela fachada branca que mais parecia zombar da ideia de lar.
Respirei fundo.
O motorista desceu antes que eu dissesse qualquer coisa, abrindo a porta do carro. Ainda me tratavam como uma princesa de porcelana — ou talvez como uma bomba prestes a explodir. Não os culpo por terem medo. Eu também teria, se pudesse sair de mim mesma.
Os portões se abriram. Duas empregadas vieram ao meu encontro, sorrindo com aquela formalidade artificial que parecia colada no rosto delas.
— Senhorita Marina, seja bem-vinda de volta. — disse uma delas, abaixando levemente a cabeça.
"Senhorita."
Tão antiquado. Tão falso. Tão... Gonçalves.
— Obrigada — respondi seca, ajeitando a alça da minha bolsa no ombro e caminhando em direção à entrada.
As portas da mansão se abriram como se o tempo não tivesse passado. Era como entrar num teatro que se recusava a encerrar a peça. O chão de mármore brilhava, o cheiro de flores caras se misturava com algo que eu não sabia se era mofo ou memória.
Meus passos ecoavam pelos corredores.
A cada passo, um arrepio.
A cada canto, um sussurro do que fui obrigada a engolir anos atrás.
E então me dei conta: essa casa nunca me pertenceu.
E pior… eu estava de volta.
O som dos meus passos morreu quando cheguei ao fim do corredor principal. Lá estavam eles: meus pais, sentados lado a lado como uma pintura velha pendurada na parede. Mesma postura rígida, mesmo olhar vazio — só mais enrugados, talvez. O tempo não foi gentil com eles, mas tampouco foi cruel. Eles simplesmente… existiam.
Minha mãe foi a primeira a se levantar.
Seus braços se abriram lentamente, como se estivesse tentando parecer acolhedora, mas o gesto soava ensaiado demais. O vestido longo, bege, sem vida, dizia mais sobre ela do que qualquer palavra poderia. Ela era uma mulher apagada, moldada para obedecer. E obedecia até quando não precisava.
— Filha… — sussurrou. Sua voz era frágil como porcelana prestes a rachar.
Não respondi. Apenas encarei.
Ela hesitou, e então abaixou os braços.
Ótimo. Pelo menos economizamos nas mentiras.
Meu pai, ao contrário, permaneceu sentado. Um copo de uísque na mão, olhar duro, e aquela mesma postura de sempre: dono do mundo e da verdade.
— Chegou atrasada, como de costume. — Sua voz cortou o ambiente como um bisturi. — Imaginei que sua “liberdade” ao menos tivesse te ensinado pontualidade.
Dei um leve sorriso, sem humor.
— E eu imaginei que você já estivesse morto. Mas nem tudo sai como a gente espera, né?
Minha mãe prendeu a respiração. Ele apenas girou o copo com calma e levantou o olhar para mim, como se eu fosse apenas mais um problema antigo que ele estava obrigado a revisitar.
— Não tenho tempo pra joguinhos, Marina. Você está aqui porque quebrou o acordo e agora… — ele suspirou, pausando teatralmente. — …agora vai cumprir sua parte. Sem questionar.
Sentei na poltrona à frente deles, cruzando as pernas. A mansão podia parecer rica, mas aquele teatro era miserável.
— Fala logo. O que exatamente você quer dessa vez?
Ele se levantou, caminhando lentamente até a janela. Ficou de costas. Sempre assim. Nunca olhava nos olhos quando dizia as coisas que realmente importavam.
— A única filha da família Monteverde ainda viva… é a desgraçada da Gleice.
Ele cuspiu o nome com nojo.
— Seu irmão morreu — ele disse, sem emoção, como quem fala sobre a perda de um funcionário qualquer. — E sinceramente? Nem pareceu te abalar.
— Porque não abalou — respondi, sem piscar. — Ele era um babaca.
Minha mãe fechou os olhos, como se as palavras a agredisse fisicamente. Meu pai, por sua vez, deu uma risadinha seca.
— É por isso que você vai casar com Gleice.
Virou-se para mim, encarando.
Senti meu estômago revirar, mas não deixei transparecer.
— Vocês duas vão unir os nomes das famílias. Monteverde e Gonçalves. A empresa precisa disso. A reputação precisa disso. E sinceramente… você já fez merda demais pra ter direito de dizer não.
Permaneci em silêncio por alguns segundos.
Gleice.
A menina que me olhava com desdém desde que tínhamos idade para falar.
A garota que torcia o nariz cada vez que eu entrava em uma sala.
A mulher que eu odiava com cada parte de mim — e que, ao que tudo indicava, me odiava de volta com o mesmo fervor.
Agora… ela seria minha esposa?
— Isso é patético. — Minha voz saiu mais baixa do que queria. — Vocês realmente acham que duas mulheres se casando por nome vai resolver tudo?
Meu pai deu um sorriso frio.
— Não me importo se vocês vão se matar dentro de casa, desde que usem alianças. A imprensa vai adorar. E os investidores também.
Minha mãe tentou murmurar algo, mas ele levantou a mão. Ela calou. Como sempre.
Levantei devagar, sentindo o peso da mansão se depositar sobre meus ombros.
— E se eu me recusar?
Ele deu de ombros.
— Você já não tem mais nada. Essa é sua única chance de continuar sendo uma Gonçalves. E… — ele se aproximou, com a voz mais baixa. — …é a única forma de manter os olhos longe do que você escondeu todos esses anos.
Congelada.
Fiquei congelada.
Ele sabia.
Ou pelo menos achava que sabia.
— O jantar será servido às oito. — Ele disse, já se afastando. — Seja cordial. Gleice chega amanhã.
Saí da sala sem olhar para trás.
E por um segundo, desejei nunca ter voltado.
...Gleice...
O cheiro ainda estava lá.
Perfume barato, doce demais, sufocante. Grudado nos lençóis e na minha pele, mesmo depois de horas dirigindo.
Fechei a porta do apartamento com força. Joguei a bolsa no chão e chutei um salto que me machucava desde o meio do caminho. O lugar estava um caos — como sempre. E sinceramente? Eu não me importava.
Passei direto pela pilha de papéis em cima da bancada da cozinha, pelos copos usados, pelas roupas jogadas no sofá. O terno ainda estava pendurado na cadeira, como um corpo abandonado. Tudo ali gritava cansaço. Desinteresse. E talvez um pouco de nojo de mim mesma.
Afundei no sofá, esticando as pernas, sentindo o couro frio contra a pele. Levei dois dedos à ponte do nariz e respirei fundo.
O silêncio me abraçou — áspero, desconfortável.
Mas era melhor que ouvir vozes falsas ou promessas não cumpridas. Negócios resolvidos, mais um contrato assinado, mais um rosto esquecido.
A mulher da noite passada...
Nem lembrava o nome.
Nem me importava.
Tudo nela era exagerado. A risada, o jeito de me tocar, o gosto doce da mentira. Ela queria mais do que eu tinha pra oferecer — como todas. Como sempre.
Mas amanhã... amanhã seria pior.
Amanhã eu teria que encarar o que nem o whisky mais forte apaga.
Marina.
Só de pensar, meu maxilar travava.
A Garota mimada, a favorita da família podre, a arrogante que vivia de costas pro mundo — inclusive pra mim. Ela nunca me olhou com nada além de desprezo, e eu... nunca precisei dela pra nada.
Até agora.
Levantei e fui direto ao quarto. A cama ainda estava bagunçada. Lençol torto, cheiro de outras mulheres. Mas era isso. Era assim que minha vida funcionava. Sem laços. Sem afeto. Só função.
Abri a mala e comecei a jogar as roupas dentro do armário de qualquer jeito. A gaveta das armas fechada. A pasta de contratos trancada. A aliança que meu pai mandou fazer — essa eu ainda não tinha coragem de olhar.
Voltar pra aquela casa seria uma guerra.
E não porque eu odiava a família Gonçalves.
Mas porque estar perto de Marina me lembrava que eu podia sentir.
E eu não queria sentir.
Não por ela.
Estava prestes a acender um cigarro esquecido na gaveta quando o celular vibrou sobre a pia do banheiro.
Número conhecido.
Número irritante.
Atendi sem dizer nada.
Não era o tipo de ligação que merecia “alô”.
— GLEICE! PORRA! Tu vai casar com a gostosa da Marina? — a voz explodiu do outro lado, sem filtro, como sempre.
Fechei os olhos, sentindo uma pontada de dor entre as sobrancelhas.
— Oi pra você também, Caio.
— Tô falando sério, mulher. Que virada, hein? A Gonçalves mimada agora vai usar tua Mulher... olha, se não quiser, eu vou no teu lugar. Aquela bunda merece respeito.
Silêncio.
Um longo e frio silêncio.
Sentei na beira da cama, olhando o chão, o cigarro esquecido na outra mão.
— Você terminou? — minha voz saiu firme, contida, com a raiva fervendo logo abaixo da superfície.
— Ué, só tô dizendo a real! Sempre soube que aquela patricinha escondia fogo, deve tá doida por você...
— Cala a boca, Caio.
Minha mão apertava o celular com força.
Podia sentir os dedos latejar.
— Nossa, tá nervosinha por quê? Tá com medo de se apaixonar? Vai me dizer que nunca pensou...
— Eu disse pra calar a boca.
Silêncio. O tipo de silêncio que nem ele conseguia preencher com idiotices.
Levantei e fui até a janela. A cidade parecia morrer aos poucos sob o céu nublado. Como eu. Como tudo que envolvia essa merda de casamento.
— Marina não é tua piada, Caio. Nem meu prêmio. E se você falar dela de novo desse jeito, eu juro que vou arrancar sua língua com alicate enferrujado. Devagar.
— Tá, tá... caralho. É só uma brincadeira. Você tá tensa. — a voz dele vacilou, mas não me convenceu. Ele nunca soube a hora de parar.
— Marina não é pra você comentar. E nem pra mim...
— minha voz falhou por um segundo. — ...Mas infelizmente vai ser.
Desliguei.
Não esperei resposta.
Joguei o celular no sofá e voltei ao espelho.
A mulher do reflexo estava ali. Cansada. Seca. Armadura por cima de ferida.
As batidas na porta vieram no pior momento.
Eu estava no chão da sala, sentada com um copo de vodca pela metade, encarando o teto como se ele fosse me responder por que merda minha vida tinha virado isso.
Três batidas. Uma pausa.
Ela nunca mudava.
Levantei, larguei o copo no balcão e abri a porta sem dizer nada.
— Boa noite pra você também, Gleice. — disse Beatriz, já entrando com o salto estalando no chão como se fosse dona do apartamento. E de mim.
— Como você soube que eu voltei?
— Não te bloqueei das redes sociais. Diferente de você.
Ela usava um vestido justo demais pra quem só queria “conversar”. O batom vermelho ainda intacto. Cabelo preso com propósito. Um lembrete vivo do caos que ela era.
Um caos que eu já tinha provado — e evitado desde então.
— Só passei pra ver se você ainda existe — disse, andando até o balcão, pegando meu copo sem pedir.
— E?
— Você tá aí. Sozinha. Bebendo. Com cara de quem tá se segurando. — Ela virou o resto da bebida e me encarou. — Não é muito o seu estilo. Ou… talvez seja agora.
Me sentei no braço do sofá, cruzando os braços. Ela se aproximou como uma gata faminta. Um toque no meu joelho, uma mão subindo pela minha coxa.
— Não. — murmurei.
— Gleice… por favor. Uma rapidinha, só pra tirar o atraso. Você tá tensa, eu tô com fogo. Você me deve uma.
— Eu não te devo nada.
Ela riu, baixa. A mão continuou subindo.
— Você nunca soube dizer “não” direito.
Beatriz mordeu o lábio e se abaixou entre minhas pernas, abrindo lentamente minha postura com os joelhos. Eu não impedi.
— Lembra como eu te fazia esquecer tudo?
Minha respiração começou a pesar. Eu odiava isso.
Ela sabia.
Sabia exatamente onde tocar, como provocar, e quando parar de falar.
— Só hoje. Amanhã você pode voltar a odiar o mundo. — sussurrou contra minha pele.
Me deixei levar.
Por raiva. Por fome. Por qualquer coisa que me fizesse parar de pensar em Marina.
Não houve amor, nem carinho.
Apenas a pressa de corpos conhecidos, a dor do prazer mal canalizado, e o gosto de culpa misturado ao perfume exagerado que me sufocava desde o início.
Quando terminou, Beatriz se jogou ao meu lado no sofá, satisfeita demais.
— Ainda sou melhor que qualquer Gonçalves, né? — provocou, rindo.
Me levantei sem responder.
Peguei meu cigarro. Acendi. Fumei em silêncio.
— Veste a roupa e some daqui, Beatriz.
Ela não respondeu de imediato. Só depois de alguns segundos, levantou e foi se arrumar. E antes de sair, ainda lançou.
— Você vai me procurar de novo. Quando ela te quebrar. Como sempre.
Fechei a porta. Tranquei.
Encostei a testa na madeira e fechei os olhos.
O gosto dela ainda estava em mim.
Mas era Marina que estava na minha cabeça.
Acordei com a luz invadindo o quarto.
O mesmo quarto. O mesmo abajur florido, os mesmos móveis claros, a mesma colcha que minha mãe fazia questão de manter intocada.
Nada havia mudado.
Exceto eu.
Talvez fosse isso que tornava tudo mais estranho.
Levantei devagar, com os pés descalços tocando o piso frio de mármore, cada passo ecoando na memória como um chamado antigo.
Troquei de roupa sem pensar muito, vesti uma camisa larga, amarrei o cabelo de qualquer jeito.
Eu só queria café.
Mas, claro...
Eu deveria saber que nesta casa, nem o café vinha sem complicações.
Ao me aproximar da cozinha, ouvi o som das xícaras e talheres. O cheiro de pão recém-saído do forno preenchia o ar, junto com algo mais doce... familiar. Um perfume caro, seco, com fundo de especiarias.
Quando entrei, ela estava de costas, encostada na bancada, lendo papéis com uma xícara na mão.
Jennifer.
Vestida num conjunto sóbrio, cabelo preso num coque elegante, óculos pendendo no nariz — como sempre, parecendo saída de um editorial de poder e tentação.
— Uau. Então é verdade. A filha pródiga voltou. — ela disse, sem nem olhar pra mim, folheando os papéis.
— E você ainda se mete onde não é chamada — rebati, com a voz ainda rouca de sono.
Ela se virou com um meio sorriso, olhos brilhando com aquele deboche que me fazia odiar... e desejar.
— Você sabe que seu pai nunca toma decisões sem mim. E que sua mãe só respira quando ele permite. Então, tecnicamente... eu fui chamada, sim.
— Que conveniente.
Fui até a cafeteira e servi uma xícara. Sabia que ela estava me olhando. Jennifer nunca perdia uma oportunidade de dissecar alguém com o olhar — ainda mais quando esse alguém era eu.
— Ainda dorme com roupa de hospital? — ela provocou, olhando minha camisa larga. — Nostalgia ou saudade de mim?
Levei o café à boca antes de responder. Um gole. Dois. Depois, olhei nos olhos dela.
— Nem tudo que deixei no hospital valia a pena sentir falta.
— Ai. Isso doeu. — Ela sorriu, se aproximando, parando perto demais. — Mas tudo bem. Sei que mente quando está acordando. E quando está gozando também.
Arqueei a sobrancelha, mas não recuei.
— E você ainda fala demais. Aposto que ainda não aprendeu a ficar calada com a boca cheia.
Jennifer riu, mordendo levemente o lábio inferior. O olhar percorreu meu corpo de cima a baixo com aquela mistura de curiosidade e fome que ela nunca escondeu.
— A mansão ficou mais interessante agora que você voltou. — ela murmurou. — Vai ser divertido… observar o caos.
— Você não vai observar nada. Vai ficar fora disso.
Cruzei os braços.
— Gleice já é problema suficiente.
— Ah, a futura esposa. — Jennifer deu um passo para o lado, girando levemente a colher dentro da xícara. — A mulher que você odiava com a intensidade de quem já amou, ou deseja amar.
— Cala a boca, Jennifer.
— Nem morta.
Ela sorriu, pegou a pasta de documentos e passou por mim, roçando o ombro no meu de propósito.
Parou na porta.
— Se quiser voltar a discutir “ética médica” no meu apartamento... sabe onde me encontrar.
E saiu.
Fiquei ali, sozinha com a xícara e a raiva.
O dia mal tinha começado...
...e eu já queria que ele acabasse.
O relógio da parede marcava onze e quarenta quando ouvi os portões se abrirem.
Eu estava sentada no jardim dos fundos, tentando me convencer de que o sol era suficiente pra me distrair. Mas era como sentar no palco esperando o espetáculo começar — e o papel principal era dela.
Gleice Monteverde.
A mulher que eu odiava desde que tinha idade pra entender o que era raiva.
Ou... talvez fosse outra coisa. Mas eu nunca me dei o trabalho de decifrar.
Levantei quando ouvi os passos ecoarem pelo mármore do corredor interno. Vozes abafadas. Um som seco de salto. Depois, silêncio.
A porta de vidro se abriu.
E ela entrou.
Como se estivesse chegando no próprio funeral — ou no meu.
O mesmo andar felino, o mesmo olhar afiado. Usava calça preta, camisa de botão dobrada até os cotovelos, e um sorriso nos lábios que nunca significava nada bom.
— Uau. Quem diria... a princesa voltou mesmo. E viva. — ela disse, me olhando de cima a baixo.
— Achei que você não fosse aparecer antes do jantar.
— E perder a chance de ver sua cara sem maquiagem nem filtro? Jamais.
Cruzei os braços, mantendo a expressão neutra. Ou tentando.
— Já chegou distribuindo veneno. Vai ser assim até a cerimônia ou pretende guardar um pouco pro casamento?
Ela deu um risinho de lado e se aproximou, pegando uma maçã da fruteira na mesa como se estivesse em casa — como se tudo ali pertencesse a ela agora.
— Só tô me aquecendo. Afinal, você me odiava com tanta paixão… que eu comecei a achar que era amor mal resolvido.
— Você sempre achou muita coisa, Gleice.
— E acerto mais do que erro, infelizmente. — mordeu a maçã, olhando direto nos meus olhos. — Então me conta, como foi voltar pra essa casa de bonecas tristes? Relembrou os traumas, os castigos, ou só ficou ocupada demais nos braços da Jennifer?
Pisquei uma vez.
Ela sabia. Claro que sabia.
— Jennifer é assunto antigo.
— Ah, que pena. Ela ainda fala de você como se fosse uma deusa caída. — Ela inclinou a cabeça. — Aposto que foi um espetáculo... a queda.
— Você devia se preocupar menos com meu passado e mais com o fato de que vamos nos casar por obrigação, e não por escolha.
Gleice se aproximou um pouco mais. O sorriso desapareceu — mas o sarcasmo ficou, preso nos olhos.
— Querida… você acha mesmo que eu escolheria você?
Ela disse isso devagar, quase como um sussurro venenoso.
Fiquei imóvel.
Por dentro, cada músculo tenso. Por fora, fria como gelo.
Ela mordeu a maçã mais uma vez e começou a se afastar.
— Nos vemos no jantar, princesa. Tente parecer menos entediada... os fotógrafos vão adorar.
E saiu.
E eu fiquei ali, tentando lembrar por que aceitei esse acordo.
Ou melhor... tentando lembrar por que parte de mim ainda reagia quando ela entrava na sala.
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