Gael Mancini — CEO, pai viúvo e reservado. Controlador e exigente, mas com um lado protetor para os filhos. Tem dificuldades para lidar com emoções, principalmente após a morte da esposa.
Isabela — Babá contratada, jovem, alegre e cheia de energia. Chega para transformar o ambiente rígido da casa com brincadeiras, carinho e atenção às crianças.
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Luna, 13 anos – A mais velha. Inteligente, observadora, meio fechada no início. Carrega mais da dor da perda da mãe.
Lucca, 9 anos – Agitado, questionador, cheio de energia. É o do meio, sente que ninguém presta atenção nele.
Caio, 4 anos – Carinhoso, carente, o mais grudado com Isabela logo de cara.
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Governanta (Valéria) — Responsável pela organização da casa. Tenta seduzir Gael, mas ele não cede. Antes cuidava das crianças, mas não conquistava o coração delas.
Cozinheira (Dona Marlene) — Um amor de pessoa, sempre com uma palavra doce e um prato pronto para confortar.
Faxineira (Dona Neide) — Simpática e amiga de todas as horas, ajuda a manter a casa e a rotina da família.
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A mansão Mancini era silenciosa demais para uma casa com três crianças.
O corredor principal brilhava de tão limpo, o aroma de bolo recém-saído do forno vinha da cozinha, e o relógio da parede marcava exatamente 8h quando Gael Mancini desceu as escadas, de terno impecável e expressão indecifrável.
— O café está pronto, senhor — disse Dona Marlene, a cozinheira, com um sorriso caloroso.
— Obrigado — respondeu ele, sem levantar os olhos do celular.
Sentada à mesa, o pequena Caio, de 4 anos, empurrava o morango do prato. Ao lado, Lucca de 9 anos, desenhava no guardanapo com uma caneta azul. Já Luna, 13, observava tudo em silêncio, como se tentasse adivinhar qual seria o humor do pai naquela manhã.
A harmonia frágil foi quebrada quando Valéria, a governanta, entrou com seu salto alto cortando o silêncio da sala.
— Dormiu bem, Gael? — perguntou ela, ajeitando a blusa justa e o cabelo escovado com um sorriso forçado.
Ele nem ergueu os olhos. — Valéria, preciso que organize os relatórios escolares. Tenho uma reunião às dez.
Ela forçou uma risada suave. — Claro, querido… digo, senhor.
As crianças se entreolharam. Luna soltou um suspiro entediada. Lucca revirou os olhos. Caio simplesmente cruzou os bracinhos e encostou o queixo na mesa.
— Pai... a gente precisa mesmo ficar com a Valéria de novo hoje? — murmurou Luna, sem encarar o pai.
Gael ouviu. E bastou.
Ele se levantou da cadeira, ajeitou o paletó e respondeu seco:
— Já tomei uma decisão. A nova babá será contratada ainda hoje.
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Às 10h, a sala de estar estava organizada para o processo seletivo. Três mulheres sentadas no sofá, currículo em mãos, trocavam olhares tensos. A governanta andava de um lado pro outro, visivelmente contrariada.
A porta se abriu devagar.
E então ela entrou.
Isabela. Blusa clara, jeans simples, cabelo preso de forma despretensiosa. Um sorriso discreto no rosto e um brilho nos olhos que nenhuma das outras candidatas tinha.
Valéria torceu o nariz.
No topo da escada, três rostinhos espiavam por entre os degraus.
Caio arregalou os olhos.
Lucca soltou um “hm…” curioso.
Luna apenas observou, como sempre.
— Quem é ela? — sussurrou Caio, com os olhos vidrados.
— Não sei... mas parece diferente — disse Lucca.
— Vamos ver se ela aguenta a gente — murmurou Luna.
O jardim dos fundos da mansão era enorme, mas raramente usado. Grama aparada, piscina coberta e brinquedos que pareciam mais decoração do que diversão.
Valéria fazia questão de manter tudo limpo… e vazio.
— As crianças não devem correr demais — ela dizia. — Podem suar, se machucar ou, pior, bagunçar a casa.
Mas Isabela, mesmo ainda em fase de entrevista, já olhava tudo aquilo com estranheza.
— E eles não brincam aqui? — perguntou, caminhando com passos leves até o quintal.
Valéria bufou. — Aqui é uma casa de respeito. Não uma creche.
Mas as crianças estavam ouvindo — e Caio, de 4 anos, com os olhinhos brilhando de curiosidade, decidiu testar a candidata.
Sem avisar ninguém, disparou em direção ao balanço.
— Caio! — gritou Luna do topo da escada. — Vai cair!
Tarde demais. Ele tropeçou numa raiz escondida e foi direto ao chão. Um joelho ralado, olhos marejados, e o silêncio que antecede o choro veio como um soco no peito de quem assistia.
Antes que alguém reagisse, Isabela correu até ele. Se ajoelhou, sem pensar duas vezes, e o puxou devagar pra perto de si.
— Ei, ei, tá tudo bem... — disse, com a voz doce e firme. — Foi só um arranhão, campeão. Vamos cuidar disso rapidinho, tá bom?
Caio olhou pra ela com os olhos cheios d’água e um queixo trêmulo. Mas não chorou. Só encostou o rostinho no ombro dela, ficando quietinho, como se já soubesse: ali tinha colo.
Isabela carregou o menino no colo até a cozinha, falando com ele como se fosse um velho amigo. Dona Marlene já vinha com o kit de primeiros socorros.
Enquanto limpava o joelho machucado, Isabela fazia caretas, imitava vozes e até soprou de leve no machucado.
— Vai arder só um pouquinho... Mas depois você vira herói, fechado?
Caio sorriu. Um riso banguela, pequeno… mas sincero.
Do andar de cima, Gael havia parado no meio do corredor. Estava a caminho do escritório para entrevistar as candidatas, mas a cena no quintal prendeu sua atenção.
Viu Caio se machucar. Viu Isabela correr. Viu o filho... aceitar colo.
E então, ele viu algo que não via há muito tempo.
Carência.
Estava nos olhos do filho, na forma como ele se agarrava àquela estranha com confiança imediata. Estava no silêncio de Lucca e Luna, que observavam de longe, sem saber como reagir.
E estava nele também.
Na constatação amarga de que, mesmo cercado de funcionários, faltava o essencial naquela casa: afeto.
— Senhor Gael? — chamou Valéria, se aproximando com um sorriso forçado. — A próxima candidata está esperando.
Ele piscou, saindo do transe. Olhou novamente para o jardim vazio, e foi para o escritório.
Isabela terminou de cuidar do joelho de Caio com o mesmo cuidado de quem costura uma memória. Depois, levantou-se, despenteada, com as mãos sujas de antisséptico, mas com o coração leve.
— Prontinho, mocinho. Agora você é oficialmente mais corajoso que muito adulto por aí.
Caio sorriu com as bochechas vermelhas e ficou ali, sentado no balcão da cozinha, como se não quisesse mais que ela saísse de perto.
Mas o tempo era curto. Ela era só uma candidata. Não podia invadir espaços que não eram seus.
— Obrigada por me deixar ajudar — disse ela, com um aceno discreto, e foi acompanhada até a porta pela cozinheira e a faxineira, que já tinham se encantado.
Do lado de fora, Isabela sentou no degrau da entrada com o currículo dobrado no colo. Não sabia se tinha feito o certo ou se tinha ultrapassado o limite.
Dentro da casa, o processo seletivo continuava. Gael sentou-se no escritório, um a um, entrevistando as outras candidatas. Nenhuma segurava o olhar por mais de dois segundos. Nenhuma sabia o nome das crianças. Nenhuma parecia... viva.
Gael já estava cansado. Quarta entrevista da manhã e nada além de discursos prontos. Regras, horários, "postura profissional". Pareciam estar se candidatando a cuidar de robôs.
Quando Isabela entrou na sala, com a mesma roupa simples de antes e um sorriso leve, ele apenas indicou a cadeira com a mão, sem levantar os olhos dos papéis.
— Seu nome completo?
— Isabela Fernandes Lima.
— Experiência?
— Seis anos com crianças de diferentes idades, senhor. Mas se contar desde quando ajudo minha mãe a cuidar dos sobrinhos, talvez dê uns dez.
Ele levantou os olhos, finalmente encarando a moça. Olhar calmo, seguro, diferente.
— Já trabalhou com crianças... difíceis?
Ela sorriu.
— Não existem crianças difíceis, senhor. Só existem crianças que não foram ouvidas o suficiente.
Gael arqueou uma sobrancelha. Isabela ajeitou-se na cadeira e continuou:
— Luna tem 13 anos. É observadora e sensível. Ela precisa de alguém que a escute sem interromper.
— Lucca tem 9. Cheio de energia e perguntas. Precisa de desafios e espaço pra ser ele mesmo.
— E Caio... tem só 4. Ainda vive no mundo da fantasia. Precisa de afeto, rotina e colo — às vezes, só colo mesmo.
Gael a interrompeu, intrigado:
— Você pesquisou os nomes antes?
— Não. Eu prestei atenção enquanto chegava. Observei eles no jardim. A forma como se movem, como olham... as crianças falam o tempo todo, mesmo sem abrir a boca.
O silêncio dominou a sala por alguns segundos.
— Quais são suas regras?
— Segurança em primeiro lugar. Respeito em segundo. Mas depois disso… criança feliz é criança que se suja, corre, se joga na piscina com roupa, brinca de pega-pega no quintal, faz cabana com lençol, entra de chinelo na terra, brinca de mangueira no verão...
Ela sorriu de novo, com aquele brilho calmo nos olhos:
— Criança precisa de memória boa pra carregar quando crescer. E isso não se constrói só com “sim, senhora” e “não pode isso”. Às vezes, quebrar uma regra vale mais que seguir todas. Desde que ninguém se machuque, claro.
Gael encarou aquela mulher por longos segundos. Era diferente. Ela era… viva. A primeira a falar com paixão. Mas ele manteve o tom frio:
— Obrigado, Isabela. Entraremos em contato.
Ela se levantou, sorriu com educação e saiu. Do lado de fora, sentou-se no banco da entrada da mansão, esperando, mesmo sem saber se teria resposta.
Horas depois, já sem candidatas, Gael estava sozinho em seu escritório. Observava os currículos na mesa sem interesse, até escutar passos correndo pelo corredor.
A porta se abriu com força.
— Pai — disse Luna, ofegante. — A gente pode falar com você?
Lucca e Caio vinham logo atrás, todos sérios demais pro horário.
Gael pousou a caneta. — O que foi?
— A moça — disse Lucca. — A Isabela. A que cuidou do Caio. A gente gostou dela.
Caio assentiu com tanta convicção que parecia adulto. Luna foi além:
— Ela é diferente. E você viu. A gente ficou bem com ela. Por favor, pai... não deixa ela ir embora.
Gael encarou os filhos por um instante, como se tentasse decifrar o que aquilo significava pra ele também. Mas apenas respondeu:
— Vou pensar.
Ele olhou para os filhos. Depois para a porta, onde Isabela havia saído.
E pensou, em silêncio, como há muito tempo não via aqueles sorrisos em sua casa.
Na mansão Mancini, o jantar geralmente era silencioso, reservado. Mas naquela noite, algo estava diferente.
Ao redor da mesa, as vozes das crianças preenchiam o ar, animadas e cheias de emoção.
— Pai, você viu como a Isabela cuidou do meu joelho? — perguntou Caio, segurando o braço do pai com firmeza. — Ela fez tudo com tanta calma, parece que queria que eu não sentisse dor.
Lucca concordou, sorrindo:
— Ela não foi só uma babá comum. Ela conversou com a gente, explicou as coisas, e até fez umas caretas pra me fazer rir quando eu tava preocupado.
Luna, mais contida, mas com os olhos brilhando, completou:
— Ela teve paciência pra ouvir a gente, sabe? E não mandou a gente ficar quietos só porque sim.
Na cozinha, Dona Marlene ouvia a conversa com um sorriso suave.
— É verdade, senhor Gael — disse ela, aproximando-se. — Isabela tem um jeito de cuidar que vai além do trabalho. Tem amor, paciência. As crianças sentiram isso.
Do outro lado, Valéria permanecia na sombra do corredor, o rosto carregado de descontentamento.
— Crianças sempre se encantam com qualquer novidade — resmungou baixinho, cruzando os braços. — Mas isso não significa nada.
Gael permaneceu calado, absorvendo cada palavra. Olhou para os filhos, que finalmente pareciam tranquilos, e sentiu um misto de esperança e apreensão.
A mansão estava mudando.
E ele sabia que não podia mais ignorar isso.
as crianças já cercavam o pai, seus olhos brilhando de expectativa.
— Pai, você vai chamar a Isabela? — perguntou Caio, pulando quase no colo dele.
— Vai mesmo, né? — insistiu Lucca, fazendo cara de quem não aceita um não.
— A gente quer que ela fique — completou Luna, com um sorriso doce, segurando a mão do pai.
Gael os observava, o rosto firme, mas com um sorriso que ninguém via há tempos surgindo de leve.
— É claro que sim — disse ele, a voz firme, mas calorosa. — Amanhã cedo, Valéria vai avisar a Isabela para vir trabalhar aqui.
As crianças explodiram em sorrisos e pequenos pulos de alegria, enchendo a cozinha com uma felicidade que parecia nova para todos.
Valéria, que entrava na cozinha naquele momento, congelou ao ouvir a decisão.
Gael notou o olhar dela, mas não disse nada.
Era o início de uma nova era naquela casa.
Valéria atravessava o corredor com passos firmes, mas o maxilar travado denunciava a tensão. Carregava nas mãos uma bandeja com frutas que nem deveria mais servir — um gesto mecânico só pra manter o controle que, no fundo, sabia estar perdendo.
Dona Marlene, da cozinha, cruzou os braços e lançou um olhar afiado.
— Aquela cara da Valéria não engana ninguém — disse em voz baixa, virando-se discretamente para Leide, que secava os talheres ao lado da pia.
— A cara de quem tá vendo o império desmoronar, né? — retrucou Leide com um meio sorriso. — Mandava e desmandava nas crianças. Agora foi só a moça chegar que eles colaram nela como se fosse mel.
Dona Marlene soltou um risinho contido, sem maldade.
— Mas também... Isabela tem mão de anjo. O pequeno Caio se machucou e ela cuidou como mãe. Isso nenhum diploma ensina.
Leide assentiu, pensativa.
— E o patrão? Só observando. Nem piscava. Vai vendo... A tempestade tá chegando pra Valéria, só que dessa vez é de mansinho. Vem de vestido florido e sorriso calmo.
— Hum... e quem subestima sorriso calmo, costuma perder feio — completou Marlene, voltando pro fogão.
No corredor, Valéria parou por um segundo, como se tivesse ouvido. Respirou fundo e seguiu em frente, o passo agora mais duro. Sabia que, naquela casa, algo estava mudando. E ela não era mais parte essencial disso.
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