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A Vontade de um Coração Inquebrável

Capítulo 1 – O Início de Um Novo Jogo

A noite estava fria, mas dentro da mansão dos Vasconcellos, o ambiente exalava sofisticação e calor humano. As luzes suaves dos lustres de cristal pendiam dos altos tetos, lançando reflexos dourados sobre os rostos bem arrumados que preenchiam o salão principal. Músicos discretos tocavam uma peça clássica ao fundo, e os garçons transitavam silenciosamente entre os convidados, oferecendo taças de espumante francês.

Isadora cruzou o imenso salão com passos calmos, mas decididos. Seu vestido preto longo abraçava o corpo com elegância, a fenda lateral revelando discretamente uma perna bem torneada a cada movimento. Os cabelos ruivos caiam soltos, como uma chama viva contrastando com sua pele clara e os olhos azuis intensos que observavam tudo ao redor com atenção. Ela sabia que atraía olhares, mas nunca foi o tipo de mulher que precisava de aprovação — sua presença falava por si.

Naquela noite, ela estava ali por um motivo claro: não para socializar ou impressionar, mas para assumir seu lugar em um novo jogo. Após anos longe dos círculos mais fechados da elite, Isadora retornava à sociedade como herdeira e executiva do império deixado por seu pai — um império que muitos pensavam que ela jamais teria coragem de assumir.

— A rainha voltou ao tabuleiro — murmurou um dos convidados a um colega, sem perceber que Isadora os ouvira.

Ela ergueu uma sobrancelha, contendo um sorriso. "Rainha? Talvez. Mas ainda estou posicionando minhas peças."

Entre os rostos conhecidos e desconhecidos, havia um que ela não esperava ver naquela noite — ou talvez esperasse, mas fingia que não. Gael Monteiro. Alto, vestindo um smoking perfeitamente alinhado, barba por fazer e um olhar que parecia atravessar qualquer máscara social. Estava encostado discretamente próximo ao bar, observando as interações como um espectador cético.

Isadora o reconheceu de imediato. O passado entre eles não era trivial. Eram como dois lados de uma moeda: semelhantes na ambição, mas separados por escolhas e circunstâncias. Havia tensão, havia histórias não contadas — e havia uma química que nenhum dos dois soube explicar.

Ela caminhou até ele com a naturalidade de quem sabe que todos os olhos a seguem.

— Não esperava te ver aqui, Gael — disse, com um tom neutro, porém firme.

— E eu achei que você tivesse sumido do mapa de vez, Isadora — ele respondeu, sem sorrir, mas com um brilho nos olhos. — A cidade andava silenciosa demais sem você.

Ela inclinou a cabeça levemente, analisando-o.

— Voltei para fazer barulho, então. E você? Continua nos bastidores ou resolveu se tornar peça ativa?

— Depende do tabuleiro. E da jogadora.

O silêncio entre eles era carregado de tudo o que não haviam dito no passado. Ela sabia que ele era perigoso — não no sentido físico, mas emocional. Gael era intenso, imprevisível, e sempre parecia dois passos à frente de qualquer um. Ainda assim, ali estavam, testando fronteiras que haviam sido traçadas há anos.

— A festa está bonita — ela disse, quebrando o momento. — Mas, sinceramente, não vim para dançar.

— Então por que veio?

— Para lembrar a todos que ainda sei jogar. E que ninguém vai mover minhas peças por mim.

Ele riu baixo, um som rouco e breve.

— Ainda é a mesma, Isadora?

Ela sorriu de lado.

— Ou talvez só estou começando a mostrar quem sempre fui.

O restante da noite passou com lentidão. Ela cumprimentou aliados, observou possíveis inimigos, mediu intenções. Sabia que o poder não estava apenas nos contratos ou nos números, mas nas alianças silenciosas, nos sorrisos falsos, nas promessas não ditas. E ela estava disposta a se misturar a tudo isso para conquistar o que era seu.

Antes de ir embora, cruzou novamente com Gael.

— Vai embora tão cedo? — ele perguntou.

— Apenas cedo o suficiente para deixá-los curiosos.

— E eu?

— Você já me conhece. Curiosidade nunca foi suficiente pra mim.

Assim que deixou o salão principal, Isadora respirou fundo. O ar fresco da noite envolveu seus ombros como um manto invisível, trazendo alívio após horas em meio a sorrisos calculados e conversas veladas. Parou no alto da escadaria da mansão, observando os jardins perfeitamente podados e o vai-e-vem dos carros de luxo.

Sua mente ainda repassava cada detalhe do reencontro com Gael. Ele estava exatamente como lembrava — ousado, instigante, com aquele olhar que parecia decifrar segredos. Mas havia algo novo também. Uma sombra por trás do charme. Como se o tempo tivesse deixado marcas profundas nele… assim como havia deixado nela.

Ela apertou a bolsa contra o corpo, buscando dentro dela o celular. Precisava checar os relatórios da empresa — sua volta ao império dos Vasconcellos não se limitava a aparições em festas. Nos bastidores, ela já estava reestruturando contratos, identificando os aliados leais e eliminando os parasitas silenciosos que haviam se aproveitado da ausência dela.

Mas antes que pudesse digitar a senha, ouviu passos às suas costas. Não precisou se virar para saber quem era.

— Vai fugir de novo, Isadora?

A voz de Gael soou baixa, firme, e muito próxima.

Ela guardou o celular e se virou devagar, o encarando de frente.

— Se estivesse fugindo, você não estaria aqui.

Ele deu um passo a mais, agora tão perto que ela podia sentir a presença dele como uma onda quente.

— Achei que você tinha ido embora. Mas ainda está aqui. Por quê?

Ela ergueu o queixo, orgulhosa.

— Porque o jogo só começou. E eu não fujo de nada, Gael. Muito menos de você.

Houve um momento de silêncio, intenso e cortante. Os olhos dele percorreram o rosto dela, como se tentasse ler algo além da superfície.

— Você mudou — ele disse, enfim. — Está mais afiada. Mais segura.

— E você continua perigoso. Mas menos previsível.

Um leve sorriso apareceu nos lábios dele.

— Isso é ruim?

— É o tipo de perigo que atrai… e destrói — respondeu, séria.

Gael inclinou a cabeça, pensativo.

— E você? Vai se deixar destruir?

Isadora deu um passo em direção a ele, diminuindo o espaço entre os dois até que apenas a tensão os separava. Ela podia sentir a respiração dele, o calor, o desejo contido. Mas seus olhos azuis continuavam firmes, desafiadores.

— Ninguém me destrói, Gael. Nem você.

Foi ele quem desviou o olhar primeiro. Passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado por não conseguir quebrar as defesas dela.

— Você sempre soube me deixar sem chão — murmurou.

— E você sempre soube como me tirar do eixo — ela respondeu, com sinceridade. — Mas desta vez, Gael, eu não vim para me perder em ninguém. Nem mesmo em você.

Ele assentiu, como quem compreendia… mas não desistia.

— Então vamos ver até onde você aguenta sem se deixar levar.

Ela não respondeu. Apenas sorriu de canto, virou-se novamente e desceu os degraus com elegância. Ao entrar em seu carro, lançou um último olhar pelo espelho retrovisor.

Gael ainda estava no topo da escadaria, observando-a partir. Com aquele olhar intenso, cheio de perguntas e intenções.

Isadora sabia que o reencontro com ele não havia sido acaso. E que sua presença mexeria com tudo que ela havia planejado. Mas ela não estava mais à mercê das emoções.

Agora, ela era a estrategista. E todo movimento seria calculado.

Capítulo 2 – O Tabuleiro Está Montado

A luz da manhã atravessava as cortinas de linho cru, inundando o quarto de Isadora com tons dourados. Ela já estava desperta há mais de uma hora, sentada à beira da cama, com o robe de seda escorrendo por seus ombros. O silêncio da suíte contrastava com a agitação que fervilhava dentro dela.

Desde que havia voltado para o Brasil, cada dia era como mover uma peça em um tabuleiro de xadrez gigante. Mas agora, depois do reencontro com Gael, a partida ganhava um novo nível de complexidade.

Ela se levantou e caminhou até o closet, onde uma seleção impecável de vestidos de alfaiataria e saltos altos aguardava. Escolheu um conjunto preto, sóbrio, com um corte que valorizava sua silhueta e projetava poder. Os cabelos ruivos estavam presos em um coque baixo e elegante. Os olhos azuis delineados com precisão. Quando se olhou no espelho, viu a imagem perfeita de uma mulher inabalável. Mas dentro de si, sentia que uma tempestade se aproximava.

No andar de baixo, sua assistente já a esperava com uma pasta de documentos e uma xícara de café forte.

— Reunião com o Conselho marcada para as 10h — informou Sofia, enquanto caminhavam pelo hall de mármore da mansão. — E, sim... ele estará lá.

—Gael? — perguntou Isadora, sem tirar os olhos do tablet em mãos.

— Sim. Foi convidado para integrar o comitê de estratégias internacionais da Vasconcellos Holdings. Por indicação do seu primo Augusto.

Isadora fechou os olhos por um instante, respirando fundo. Claro. Gael não era apenas o homem que havia quebrado seu coração no passado — agora, ele também era um dos poucos com expertise suficiente para ameaçar seus planos.

— Ótimo — disse por fim, com um meio sorriso. — Isso vai tornar as coisas mais interessantes.

A sala de reuniões do 34º andar era imponente, com janelas de vidro que ofereciam uma vista panorâmica da cidade. Os membros do Conselho já estavam sentados quando Isadora entrou. Seus saltos ecoaram pelo piso de madeira enquanto atravessava a sala com a confiança de quem sabia exatamente onde queria chegar.

E lá estava ele.

Gael Castellani.

Encostado na mesa, com as mangas da camisa social dobradas até os cotovelos e o blazer apoiado na cadeira. Ao vê-la, endireitou a postura, um sorriso discreto no rosto — o tipo de sorriso que provocava sem entregar tudo.

— Bom dia, senhores. — A voz de Isadora cortou o ar. — Vamos começar?

O encontro durou mais de duas horas. Isadora comandava cada ponto com firmeza, desafiando decisões, cortando sugestões medíocres com precisão cirúrgica. Mas a cada intervenção de Gael, havia uma faísca. Ele era sagaz, articulado, e desafiava suas ideias de forma quase intencional, como se o jogo que começara na festa continuasse ali, entre gráficos e estratégias.

— Com todo respeito, Isadora — disse ele, em um determinado momento —, sua proposta de reestruturação internacional é ousada... mas imprudente. Isso pode nos expor demais.

Ela ergueu os olhos, fria.

— Ousadia é o que salvou essa empresa da irrelevância, Gael. Se está buscando segurança, talvez tenha vindo ao lugar errado.

A tensão no ambiente era palpável. E, ainda assim, os olhares trocados entre os dois carregavam uma energia quase elétrica.

Quando a reunião terminou, Isadora caminhou até a janela, observando os prédios ao longe. Ouviu os passos dele se aproximando, mas não se virou.

— Você sempre teve esse brilho nos olhos quando está no controle — ele disse, parando ao lado dela.

— E você sempre gostou de me desafiar — respondeu, sem encará-lo.

— Talvez porque você nunca foi fácil de decifrar. Mesmo agora, depois de todos esses anos... ainda não sei onde termina a sua verdade e começa a sua armadura.

Ela se virou devagar, encarando-o de frente.

— Talvez porque você nunca quis ver quem eu era de verdade. Só o que projetava em mim.

Gael sorriu, mas havia tristeza em seus olhos.

— E você? Vai me dar uma nova chance... ou está aqui apenas para vencer?

— Não estou aqui para vencer você, Gael. Estou aqui para conquistar o que é meu por direito.

Houve um momento de silêncio carregado. Ele se aproximou mais, sua presença intensa. Os olhos fixos nos dela.

— E se o que é seu for também o que eu quero?

Ela não recuou. Ao contrário, ergueu o queixo e manteve-se firme.

— Então teremos um problema. Porque desta vez... eu não cedo.

Por um instante, parecia que ele iria beijá-la. Havia algo no olhar dele — desejo, frustração, admiração. Mas ele recuou, engolindo o impulso.

— Então até o próximo movimento.

Isadora ficou diante da janela por mais alguns segundos, tentando recuperar o controle da respiração. Gael sempre soube como abalar suas defesas, mas agora ela não era mais a garota apaixonada que um dia se iludiu com promessas vazias. Era uma mulher de negócios, forjada nas exigências das maiores universidades da Europa e no fogo das traições da própria família.

Seu celular vibrou sobre a mesa de reuniões.

— Augusto quer falar com você — avisou Sofia, entrando discretamente. — Disse que é urgente.

— Coloque na linha.

Ela levou o telefone ao ouvido.

— Diga, Augusto.

— Como foi a reunião? — a voz dele soava casual demais.

— Como esperado. O conselho continua dividido entre bajuladores e covardes. E você fez questão de reforçar o time deles ao trazer o Gael.

Houve um silêncio do outro lado.

— Ele tem valor estratégico, Isadora. Conexões, experiência... e conhece sua forma de pensar melhor do que qualquer um ali dentro.

— Justamente por isso ele é um risco — rebateu. — Mas tudo bem. Não costumo desperdiçar energia com peças previsíveis.

Ela encerrou a chamada sem esperar resposta. Estava farta de meias verdades e de homens tentando manipulá-la sob o pretexto de protegê-la.

Mais tarde, no escritório que havia montado no antigo andar reservado ao seu pai, Isadora se debruçou sobre dossiês e relatórios. Cada movimentação dos diretores, cada voto em decisões anteriores, cada menção em atas esquecidas — ela estudava tudo. Sabia que o verdadeiro poder não se exibia em reuniões, mas era consolidado nos bastidores.

Com uma caneta prateada, ela circulou três nomes em uma folha à parte: Mauro, Edna e Vinícius. Três conselheiros-chave, suscetíveis à influência de Augusto — e agora, provavelmente, de Gael. Precisaria lidar com eles antes que se tornassem obstáculos reais.

— Sofia? — chamou, sem tirar os olhos do papel. — Agende jantares individuais com esses três. Quero conhecê-los... fora do tabuleiro.

— Já imaginava que diria isso — respondeu a assistente com um leve sorriso. — A agenda está pronta.

Isadora sorriu de volta. Inteligência era prever. Poder era agir antes que o inimigo percebesse que está em desvantagem.

Naquela noite, deitada em sua cama ampla, os olhos abertos encarando o teto, ela pensava no jogo que havia recomeçado. A mansão estava silenciosa, mas a mente dela trabalhava sem cessar.

A imagem de Gael surgia com mais frequência do que gostaria. Os olhos intensos. O jeito provocador com que a desafiava. O magnetismo entre os dois que, mesmo adormecido por anos, bastou um olhar para se reacender.

Ela se virou na cama, inquieta.

Gael não era apenas uma ameaça profissional. Era um perigo pessoal. Uma lembrança viva do que foi vulnerável no passado. Mas agora ela era diferente.

— Dessa vez — murmurou para si mesma — você vai sentir o gosto de perder, Gael Castellani.

Capítulo 3 – Entre Taças e Estratégias

O salão do restaurante “Dom Vittorio” era um refúgio de luxo e discrição. Lustres de cristal filtravam uma luz suave sobre mesas elegantemente postas, afastadas umas das outras por painéis de madeira escura. O som dos talheres e o murmúrio discreto das conversas compunham uma sinfonia sutil de poder e influência.

Isadora chegou pontualmente às vinte horas, envolta em um vestido vinho de seda, justo na medida para destacar sua postura firme e elegante. O cabelo ruivo estava preso em um coque sofisticado, deixando livres os brincos finos que reluziam sob a iluminação.

Vinícius já a aguardava, sentado à mesa com uma taça de vinho na mão. Era um homem na casa dos cinquenta, experiente, calculista e há anos fiel a Augusto — pelo menos até onde Isadora sabia.

— Boa noite, doutora Vasconcellos — disse ele ao se levantar, educado, mas com a arrogância típica de quem acreditava saber tudo sobre o jogo.

— Boa noite, Vinícius — respondeu com um leve sorriso. — Agradeço por aceitar meu convite.

Ele esperou que ela se sentasse e serviu vinho para ambos.

— Fiquei curioso. Jantares com conselheiros não são muito o estilo da nova geração.

— Talvez a nova geração esteja apenas aperfeiçoando o estilo antigo — rebateu com um leve arquejo de sobrancelha. — Prefiro entender com quem estou lidando... olho no olho.

O jantar avançou entre entradas refinadas e diálogos cuidadosos. Vinícius, inicialmente desconfiado, logo se viu enredado pela segurança de Isadora, pela forma como ela articulava cada argumento sem jamais parecer agressiva. Era sedutora, mas não no sentido óbvio — seduzia com inteligência, com a promessa de que, ao lado dela, ele teria mais poder do que jamais teve sob o comando de Augusto.

— A empresa precisa mudar, Vinícius. Precisa de renovação. Você é um nome forte no conselho. Mas ficar do lado errado da história pode te custar essa força.

Ele apertou os olhos, avaliando.

— E qual seria exatamente... o lado certo da história?

Ela ergueu a taça, os olhos fixos nos dele.

— O que eu estou escrevendo.

Na mesma noite, a poucos quilômetros dali, Gael se reunia com Sofia em um bar discreto. A assistente, visivelmente desconfortável, olhava ao redor antes de falar.

— Você me chamou aqui pra quê, Gael?

— Quero entender por que ela voltou — disse direto, com o copo de uísque na mão. — E não venha me dizer que é só pelos negócios. Isadora voltou com sede de algo maior... e não é lucro.

Sofia hesitou.

— Você quer que eu a traia?

— Não. Só quero compreender o que está por trás de tanto sangue frio. Ela está jogando um jogo perigoso. E se você estiver no meio, Sofia, vai acabar sendo usada.

— E você acha que não está sendo usado também? — rebateu, afiada. — Isadora é mais inteligente do que todos vocês juntos. Inclusive você.

Gael sorriu de lado, como se gostasse da provocação.

— É isso que me fascina... E o que me irrita.

Horas depois, Isadora voltou para casa sozinha. O jantar havia sido produtivo. Vinícius saíra confuso, mas balançado. Era o primeiro passo.

Ela subiu as escadas em silêncio e, ao entrar em seu quarto, se permitiu tirar os saltos, soltar os cabelos e, por um instante, respirar.

Mas antes que pudesse relaxar, a campainha soou.

Ela franziu o cenho. Já passava da meia-noite.

Descendo até o hall de entrada, encontrou Gael parado à porta, com as mãos nos bolsos e o olhar indecifrável.

— O que está fazendo aqui? — perguntou, mantendo a porta entreaberta.

— Você está se movendo rápido demais, Isa. E quando alguém se move rápido, é porque está tentando fugir de alguma coisa.

Ela cruzou os braços, impassível.

— Talvez eu esteja correndo na direção certa. Você deveria tentar.

Gael deu um passo à frente. A tensão entre eles era quase palpável, como eletricidade no ar antes de uma tempestade.

— Ou talvez esteja fugindo de mim. Porque no fundo, sabe que ainda existe algo aqui.

Isadora o encarou em silêncio. Uma batida passou, depois outra. Ela poderia ter fechado a porta. Poderia ter dito algo cortante. Mas em vez disso, apenas o olhou — com raiva, com dúvida, com uma pontinha de algo mais... perigoso.

— Boa noite, Gael.

E fechou a porta devagar, sem pressa, deixando no ar a mensagem clara: ele não estava no controle.

O som abafado da porta se fechando ecoou no hall silencioso da mansão. Do lado de fora, Gael permaneceu parado por alguns segundos, encarando a madeira como se pudesse atravessá-la com o olhar. Ele não bateu de novo. Não insistiu. Apenas se virou devagar e caminhou até o carro, com os pensamentos fervilhando.

Dentro da casa, Isadora encostou-se à porta, os olhos fechados, tentando controlar a inquietação que a presença de Gael sempre despertava. Era como se cada palavra dita por ele tivesse um duplo significado, como se cada silêncio carregasse algo que ela não queria — ou não podia — decifrar.

Ela subiu novamente até seu quarto, abriu uma pasta sobre a escrivaninha e puxou o dossiê de Vinícius. O jantar havia sido apenas o primeiro de muitos passos que ela teria que dar cuidadosamente. Cada movimento precisava ser calculado com perfeição cirúrgica. Ainda assim… o imprevisto de Gael era uma variável que continuava escapando ao seu controle.

"Ele ainda sente algo por mim", pensou. "E isso pode ser a minha ruína... ou minha vantagem."

No dia seguinte, Isadora foi à empresa mais cedo. O sol mal havia nascido quando ela entrou no edifício envidraçado, acompanhada apenas do som dos próprios passos ecoando no piso de mármore. O escritório da presidência ainda era de Augusto, mas ela já planejava reformas — não só estéticas, mas estruturais. O legado dele precisava ruir aos poucos, como um castelo sendo demolido por dentro.

Ela abriu seu notebook e digitou uma sequência de comandos. Tinha acesso a quase tudo agora. Mas uma pasta, em especial, permanecia bloqueada: "Códigos Rubros".

Era ali que Augusto escondia seus segredos mais obscuros. E ela estava determinada a descobrir o que havia ali antes que alguém mais chegasse perto.

— Tentando invadir os fantasmas do seu pai? — a voz de Gael soou atrás dela, baixa, firme.

Ela se virou devagar. Ele estava na porta, de braços cruzados, apoiado no batente com aquele maldito olhar cínico de quem sabia exatamente como irritá-la.

— Você deveria aprender a bater antes de entrar — disse, fechando o notebook com calma.

— E você deveria aprender que tem coisas que não precisam ser abertas — rebateu ele, entrando. — A "Códigos Rubros" é protegida por uma camada de segurança que nem o próprio Augusto confiava aos advogados.

Ela sorriu, mas seus olhos estavam gélidos.

— Isso só aumenta minha curiosidade. Se Augusto escondeu tanto, é porque tinha medo. E eu gosto de saber o que homens como ele temem.

Gael se aproximou, parando em frente à mesa. Seus olhos azuis se fixaram nos dela.

— Você está brincando com cobras, Isadora.

— E você ainda não percebeu que eu sou o tipo de mulher que sabe como arrancar o veneno delas.

Eles se encararam por longos segundos, em silêncio. Havia tensão. Não só a tensão de dois líderes disputando espaço, mas algo mais profundo, quase físico, que os puxava para perto mesmo quando tudo dizia que deveriam manter distância.

— Vinícius já começou a balançar, não é? — ele perguntou, mudando de assunto.

— Está mais perto de mim do que jamais esteve de Augusto — respondeu sem pestanejar.

— E você acha que isso é poder?

— Isso é só o começo — disse com um sorriso frio. — O poder mesmo, Gael, é saber usar as peças certas antes que o tabuleiro desmorone.

Ele a observou por um momento, depois se inclinou sobre a mesa, bem perto dela.

— Só não esqueça, Isa… às vezes, quando a gente começa a derrubar castelos, acaba soterrado junto com eles.

Ela sustentou o olhar dele, firme.

— Eu não fui feita para ruir. Fui feita para resistir.

Gael sorriu. Um sorriso lento, quase orgulhoso… mas também perigoso.

— Então vamos ver até onde você consegue ir.

Horas depois, Isadora voltou para casa com a mente cheia de planos e dúvidas. O nome "Códigos Rubros" ecoava como uma ameaça silenciosa. Aquilo era mais do que arquivos… era uma bomba esperando para explodir.

Ela tirou os sapatos, caminhou até a varanda do quarto e olhou para o horizonte. A noite começava a cair, tingindo o céu de tons alaranjados.

Seu celular vibrou.

Uma mensagem.

Número desconhecido:

“Nem tudo o que Augusto construiu morreu com ele. E você está se aproximando de algo que deveria deixar enterrado.”

Isadora leu a mensagem duas vezes. Seu coração acelerou — não por medo, mas por pura adrenalina.

Ela sorriu de leve, como se recebesse um convite para dançar em um campo minado.

E respondeu:

“O problema é que eu sempre gostei de desenterrar verdades.”

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