De onde eu estava sentada era possível ver as árvores através das cortinas mal fechadas da janela de vidro. Estava bem frio, mas o céu era de um azul intenso sem nuvens, com o sol brilhando em toda sua glória. O silêncio era absoluto, tanto que eu tinha impressão de poder ouvir meu coração batendo.
Dobrei os joelhos para cima do sofá tentando me aquecer um pouco mais, sabendo que seria inútil. Aquela casa era completamente gelada, e eu não tinha um casaco grosso o suficiente para ficar quente.
Eu estava sozinha, completamente sozinha pela primeira vez em muito tempo. Era estranho, mas era um alívio. Já fazia bastante tempo que eu não dizia uma única palavra.
Isso não duraria muito, é claro. Era apenas uma pequena fuga, um pequeno momento de paz antes de ser levada de volta para a realidade. Na verdade, a qualquer momento aquilo acabaria, e era por isso que eu estava estática sentada de frente para a porta.
No silêncio absoluto do lugar seria impossível não ouvir quando ele chegasse, então não me surpreendi com a porta se abrindo. Seus olhos encontraram os meus rapidamente.
- Você deve estar congelando... - se aproximou\, já tirando o casaco.
- Não precisa se preocupar. - falei\, não querendo sentir o seu cheiro.
Mas ele não me deu atenção, apenas jogou o casaco ao meu redor sem muita delicadeza. Envolvida pelo cheiro imediatamente, desisti de recusar.
Diogo ficou parado me olhando por um momento. Seu rosto estava tenso e preocupado, enquanto tentava entender como eu me sentia depois de passar dois dias sozinha.
- Ele sabe que eu estou aqui? - perguntei de uma vez.
- Vim sem dizer nada. - Diogo trocou um peso de uma perna para outra – Se ele sabe\, não compartilhou a informação comigo.
Balancei a cabeça em sinal positivo, só para ter alguma reação.
- Ele vai acabar pensando nesse lugar\, se ainda não pensou. - Diogo prosseguiu – Como é o único lugar que o seu pai te deixou\, não vai ser difícil imaginar.
Me levantei, o que fez com que ficássemos bem perto um do outro. Ele me olhou de cima para baixo, com aqueles olhos intensos, tão azuis quanto o céu que fiquei observando por tanto tempo pela janela. Por mais que o cheiro do casaco estivesse ao meu redor, de alguma forma por estar perto dele ficava ainda mais intenso.
- É melhor você voltar comigo. - sua voz estava um pouco mais rouca que o normal.
Eu já tinha consumido toda a pouca comida que trouxera. Minhas coisas estavam prontas para partir, eu já tinha decidido aceitar quando Diogo aparecesse. Eu sabia que seria ele quem chegaria, e sabia que me faria a oferta. De qualquer forma, eu estava sem estrutura para ficar ali.
- É claro. - concordei.
Nenhum de nós se moveu, continuamos olhando um para o outro de uma forma que não deveríamos olhar. Só que não tinha ninguém ao redor para nos julgar, ninguém de quem precisássemos disfarçar. Diogo ficou dividido sobre o que sentir, dava para ver as emoções passando pelo seu rosto. Eu não tinha forças para mais nada.
- É melhor irmos. - insistiu\, me dando as costas.
Não me ofendi com isso, eu sabia como ele se sentia dividido. Nós dois já tínhamos passado por muitas coisas em todos aqueles anos.
Peguei minhas coisas e nós dois saímos para o ar gelado. Diogo abriu a porta do carro para mim, tendo o cuidado de não me tocar, depois foi se acomodar do lado do motorista. Por um instante, ficou com as mãos no volante e não saiu do lugar.
- Acho que você deveria ouvir o que ele tem a dizer. - falou\, por fim\, sem coragem para me encarar.
Sempre leal, pensei. Mesmo quando a situação era completamente clara.
- Eu acho que ele não precisa explicar mais nada. - minha voz saiu completamente desprovida de vida.
Isso fez com que ele olhasse para mim.
- Talvez as coisas não sejam como pareceram.
- Nem você acredita nisso. - retruquei\, buscando seus olhos.
Havia muitas coisas dentro de sua mente, era óbvio. Muitas coisas que Diogo estava sentindo e não queria que eu percebesse.
- Só o deixe falar. - insistiu.
Aquela lealdade talvez fosse pautada em culpa. Eu não estava com vontade de discutir com ele.
- Tudo bem. - cedi\, cansada demais para discutir.
Diogo finalmente começou a dirigir, aliviado.
Não era tão fácil ficar num ambiente fechado com ele, sozinha. E eu sabia que não era diferente para Diogo, já que suas mãos apertavam com força o volante. Mas nenhum de nós disse qualquer coisa durante todo o caminho. Eu queria ter pensado mais no que me esperava em casa, mas só conseguia observá-lo.
Suas mãos, os nós brancos de seus dedos pela força desnecessária apertando o volante, o maxilar tenso, os ombros largos... Eu conhecia todos os detalhes dele há anos, mas não me permitia encarar dessa forma há um bom tempo.
- Você pode parar de fazer isso? - o pedido me pegou de surpresa\, já que seus olhos jamais se desviaram da estrada.
- O quê? - me fiz de desentendida.
- Posso sentir seus olhos em mim. - ele suspirou\, ainda concentrado na estrada.
Não neguei, nem movi meus olhos de seu rosto.
- Lyra... - ele suspirou\, impaciente.
O que eu poderia dizer? Eu queria olhar para ele de verdade. Passara tempo demais fingindo que olhava para ele, sem poder olhar de verdade. Estávamos totalmente a sós, o que não acontecia há muito tempo, então por que não?
Diogo tirou o carro da estrada de repente, me assustando, e o freou bruscamente. Ele girou todo o corpo na minha direção, sem todo aquele controle que era sua marca registrada.
- Não faça isso. - exigiu - Está pedindo demais do meu controle.
- Eu não quero fingir enquanto estamos só nós dois. - respondi\, também girando meu corpo para ficar de frente para ele.
Suas mãos seguraram meu rosto firmemente, mas sem perder a delicadeza. Meu coração disparou, feliz e assustado.
- Lyra\, não faça isso comigo. Não faça isso com a gente.
Não era a primeira vez que ele me tocava, mas era a primeira em um bom tempo. Meus olhos se encheram de lágrimas.
- Não... - Diogo ficou angustiado imediatamente - Não chore\, por favor.
Eu não quis magoar...
Ele fez menção de tirar as mãos, mas as segurei no lugar por reflexo.
- Não magoou. - fechei os olhos por um instante - É que já fazia muito tempo que você não...
Não terminei a frase, apenas abri os olhos. Diogo estava com a cabeça levemente inclinada, os olhos tristes.
- Eu não tenho esse direito há muito tempo.
- Depois de tudo que aconteceu nos últimos tempos\, você acha que eu não mereço isso? - perguntei – Depois de tudo que ele me fez\, não acha que eu tenho o direito de...
- Lyra... - Diogo me repreendeu\, tirando as mãos do meu rosto - Você prometeu que ia deixar que ele falasse com você.
Soltei uma pequena risada.
- Você sabe tão bem quanto eu que ele é culpado do que eu acusei.
Diogo não negou. Estava dividido entre o que era o certo e a lealdade.
Eu me aproximei um pouco mais dele. Não era por uma simples vingança mesquinha, era porque eu realmente sentia falta daquilo. Eu tinha sido leal por bastante tempo, nós dois tínhamos.
- Eu senti sua falta. - sussurrei\, apoiando uma mão no seu joelho.
Ele puxou o ar e soltou de uma vez. Era mais difícil para ele, eu acho. E isso não significa que em algum momento foi fácil para mim.
- Eu nunca fiquei longe por muito tempo. - ele argumentou\, inutilmente.
- O que sempre foi mais difícil. - eu nunca tinha dito aquilo para ele – Sempre tão perto\, mas totalmente longe do alcance.
O autocontrole de Diogo estava precário. Ele sentia tudo que eu sentia, eu sempre soube disso. E agora, com tudo que tinha acontecido, e nós dois sozinhos em um lugar isolado, era difícil ter forças para resistir. Nós dois tínhamos aguentado impecavelmente por muito tempo.
- Lyra... - ele gemeu dolorosamente e segurou meu rosto de novo.
- Faça... - pedi\, sentindo meu corpo tremer de expectativa e emoção.
Ainda hesitando, ele se aproximou e encostou os lábios nos meus com delicadeza. Eu o envolvi com os braços e puxei para mais perto, sedenta por mais. Era familiar, era um sonho realizado.
- Senti sua falta cada minuto de todo esse tempo... - ele sussurrou.
- Eu também... - respondi\, colando nossos lábios mais uma vez.
Depois que passamos daquele ponto, foi fácil nos deixarmos levar. Ele passou a me beijar sem nenhum tipo de receio, esquecendo tudo que o tinha feito se segurar por todo aquele tempo.
- Lyra\, nós precisamos ir... - seus olhos azuis estavam dilacerados de uma forma que eu não via há muito tempo.
- E se nós fossemos para outro lugar? - sugeri cuidadosamente.
Eu precisava mais de Diogo...
Anos antes...
Minha mãe colocou uma xícara de chá fumegante na minha frente. Fiquei encarando enquanto a fumaça se erguia da xícara, esperando o torpor de sono desaparecer.
Era bem cedo, o sol ainda subia no horizonte, mas a casa estava plenamente acordada. Acho que minha mãe tinha acordado muito antes de me fazer sair das cobertas.
- A antiga dos Dalemon foi vendida. - me disse\, como se fosse algo com o qual me importasse – Parece ser uma família muito rica que comprou.
Não falei nada, apenas peguei a xícara e comecei a bebericar o chá. A mente um pouquinho mais alerta do que há alguns minutos.
- A mudança já começou. - ela continuou\, parecendo estranhamente animada com aquilo - Não seremos a única família por aqui.
Nós morávamos bem isolados, o que não era problema nenhum para mim. Eu havia estudado em casa com um tutor que meu pai trazia da cidade, e me contentava em passar meu tempo estudando, fazendo as leituras extras que ele me passava e cumprindo alguma tarefa doméstica que fosse necessária.
Meu pai passou pela porta, demonstrando um grau de agitação semelhante da minha mãe.
- Eles chegaram. - anunciou\, puxando uma das cadeiras da mesa – Um casal e dois filhos.
Continuei bebericando chá entre um bocejo e outro.
- Garotos\, Fred? - minha mãe se sentou ao lado dele.
- Dois garotos\, Cecilia. - confirmou\, animado.
Nesse ponto eu os deixei falando sozinhos e fui para o meu quarto. Da minha janela conseguia ver a casa morro acima, onde se podia notar pessoas se movimentando de um lado para o outro. Mas não fiquei lá por muito tempo, já que o assunto realmente não me interessava.
Segui meu dia como de costume. Como era domingo meu tutor não viria, mas ainda assim eu tinha algumas leituras para adiantar. Peguei meus livros e saí de casa sem chamar atenção dos meus pais, que continuavam sussurrando na cozinha.
Eu gostava de me sentar entre as árvores para ler perto do rio. Era um local que ninguém nunca ia, então eu não era interrompida.
Só que eu ainda não tinha entendido que agora não era só minha família morando naquela região. Se tivesse, provavelmente não teria ficado surpresa quando escutei passos na grama e me levantei assustada, com o coração batendo forte de medo.
- Oi. - a voz chegou a mim antes que eu encontrasse o dono.
Localizei o garoto não muito distante, me encarando com uma expressão amigável. A primeira coisa que notei foram seus olhos azuis, que eram realmente impressionantes.
- Oi. - respondi\, reticente\, me levantando.
Ele sorriu amigavelmente e se aproximou um pouco mais.
- Você deve morar naquela casa. - apontou com a mão na direção da minha casa – Seu pai apareceu lá em casa para se apresentar\, já que agora seremos vizinhos. E aparente\, os únicos morando por aqui.
Continuei calada, apenas olhando para ele. Eu era acostumada com amigos dos meus pais que as vezes apareciam, colegas de trabalho, mas não costumava ver pessoas da minha idade.
- Você fala? - ele sorriu\, brincalhão\, e ficou bem de frente para mim – Ah\, é. Você disse oi umas duas horas atrás.
Ele estava brincando comigo?
- Meu nome é Diogo. - ele estendeu a mão na minha direção.
- Lyra... - sussurrei\, aceitando seu cumprimento.
A mão dele era quente e grande perto da minha. Senti um arrepio percorrer meu corpo.
- Você está assustando nossa vizinha. - uma outra voz masculina vinda das árvores chegou até nós.
O outro garoto era parecido com o primeiro, mas não muito, apenas o suficiente para deixar claro que eram irmãos. E ele não tinha olhos azuis, mas sim castanhos bem escuros.
- Eu sou Dante. - me disse\, estendendo a mão na minha direção como o irmão.
- Lyra. - as mãos dele estavam quase tão frias quanto as minhas.
- Meu irmãozinho está te assustando? - me perguntou\, lançando um olhar zombeteiro na direção de Diogo.
- Não\, claro que não. - respondi rapidamente\, tomada por um impulso de defender aquele garoto que eu nem conhecia.
Diogo apenas revirou os olhos.
- Meu irmão mais velho está só implicando.
- Nosso pai está procurando por você. - Dante disse\, dessa vez de modo sério - Muitas coisas para organizar em casa. Precisamos voltar.
- Tudo bem. - Diogo concordou.
Dante acenou com a cabeça para mim antes de sumir de novo, sem esperar pelo irmão.
- Quantos anos você tem? - Diogo me perguntou\, sem pressa nenhuma de seguir o irmão.
- Quatorze. - respondi – Quase quinze. - me apressei em acrescentar. Não sei por que\, mas parecia fazer bastante diferença.
- Tenho quinze também. - ele sorriu – O Dante tem dezessete.
Sorri para ele pela primeira vez, me sentindo a vontade em sua presença.
- Eu preciso ir. - disse\, por fim.
Nos despedimos com um aceno de cabeça, parecido com o que Dante tinha feito, e depois ele sumiu por entre as árvores. Eu tentei voltar ao que estava fazendo, mas de alguma forma, meus pensamentos sempre voltavam para Diogo e seus olhos azuis.
As coisas em casa pareciam normais, mas meus pais ficavam cochichando e olhando pelas janelas em direção à casa de Diogo e Dante o tempo todo. Eu devia ter percebido que estavam planejando coisas, mas não estava prestando atenção no que os adultos faziam. Era uma época em que eu ficava totalmente concentrada em meu pequeno mundo.
As coisas não mudaram de imediato. Eu continuei com a minha rotina, com a diferença de que de vez em quando eu olhava pela janela do meu quarto em direção à casa no alto do morro e pensava em Diogo.
Quando ia ler do lado de fora, esperava que ele aparecesse – o que não aconteceu por muito tempo. Eu não entendia que o que sentia nesses momentos era ansiedade. Queria vê-lo de novo, conversar com ele por mais tempo, mas não entendi por que sentia esses impulsos diferentes.
Uma vez, andei até mais perto da casa e espiei para ver se via alguma coisa. Tudo que consegui observar foram os empregados em suas tarefas. A casa era enorme, de dois andares, com milhares de janelas e portas e uma varanda ao redor no andar superior. Eu nunca tinha parado para pensar em como o lugar era imponente.
- Nós vamos fazer uma grande festa de aniversário para você. - Fred anunciou no café da manhã\, quase um mês depois da minha conversa com Diogo.
Ergui os olhos, surpresa. Meu aniversário sempre era comemorado com um bolo entre nós três.
- Uma festa?
- Quinze anos é um número importante.
Convites foram enviados para parentes distantes, mas o que me deixou realmente alarmada, foi o convite para nossos vizinhos. Diogo iria até nossa casa em poucos dias, eu iria conversar com ele de novo.
Minha mãe arrumou até uma costureira para fazer um vestido para a festa, um vestido que não tinha nada de parecido com as roupas que eu costumava usar. Um vestido adulto, chamativo, que me fazia sentir uma mulher e não uma garota.
O que aquilo significava?
No dia da festa, eu estava tão nervosa que saí escondida apenas para me sentar um pouco perto do rio e respirar fora da confusão. Só não esperava que, justamente naquele dia, encontraria um garoto nadando dentro do rio. Não dava para saber de qual dos dois era o corpo deslizando sob a água, mas eu desejava que fosse de Diogo.
Meu desejo não demorou muito para realizar, quando atingiu a margem ele tirou a cabeça para fora da água e olhou na minha direção. Mesmo com a expressão surpresa, Diogo sorriu ao me ver.
- Oi\, aniversariante.
- Oi. - eu sorri\, com o coração acelerado.
Diogo começou a sair da água e só então notei que ele estava sem camisa. Era a primeira vez que eu via um corpo masculino daquela forma. Meus olhos acompanharam as gotas de água escorrendo pelo seu peito com um calor desconhecido.
- Estou ansioso pela festa dessa noite. - ele se aproximou de mim.
Fiquei parada, encarando seu rosto molhado.
- Você está bem? - ele tocou meu braço com a mão molhada.
Um arrepio, que não tinha nenhuma relação com frio, percorreu todo meu corpo.
- Claro. - respondi com a voz vacilante – Também estou ansiosa para ver você. - respondi feito uma idiota\, o que o fez sorrir – Quero dizer\, na festa... - tentei arrumar.
Diogo continuou sorrindo, mas não parecia ter me achado a completa idiota que eu era. Ele genuinamente parecia feliz por me encontrar, o que me dava frio na barriga.
- Eu também queria ver você. - me falou\, baixo\, mesmo que estivéssemos sozinhos.
Não pude deixar de sorrir, imaginando se ele estava se sentindo como eu.
E então, surpreendentemente, ele segurou as minhas mãos com as dele. Era estranho de um jeito bom, pareciam se encaixar perfeitamente. E meu coração estava saltitante, feliz, e ao mesmo tempo me deixando um pouco nervosa com a novidade de toda aquela situação.
Diogo se aproximou mais, deixando algumas gotas de água caírem no meu rosto. Eu estava tremendo um pouco, o que era constrangedor porque ele podia sentir isso. De qualquer forma, ele não parecia se importar por eu parecer tão insegura naquela posição.
Os olhos dele eram ainda mais bonitos assim de perto. Era como um lago tranquilo e convidativo. E eu queria me perder em suas águas, eu queria me afogar nele. Então, quando Diogo se inclinou na minha direção, eu apenas fechei meus olhos e aguardei. Seus lábios cobriram os meus com delicadeza
- Eu acho que não devia ter feito isso. - ele se afastou mais rápido do que eu queria.
Mas eu tinha uma ideia melhor, e passei a mão em seu pescoço para trazê-lo para perto de novo. E, agora sim, aquele era nosso primeiro beijo. Nossas bocas se encaixaram perfeitamente, um pouco inexperientes, mas ainda sim muito animadas com o que estavam fazendo juntas.
Diogo foi o primeiro a se afastar, usando as mãos para me manter longe. Sua respiração estava irregular, tanto quanto a minha, mas os olhos não me encaravam mais – apenas o chão. Ele parecia tomado por emoções que eu não entendia. Havia culpa? Mas não era possível! Não havia nada mais certo do que aquilo que estávamos fazendo...
- Preciso ir. - disse\, deixando de me tocar. Imediatamente senti falta do seu toque. - Vejo você mais tarde.
As horas levaram uma eternidade para passar. Enquanto minha mãe me produzia, minha mente estava muito longe: pensando no beijo e por qual razão poderia deixar Diogo se sentindo culpado.
Quando me olhei no espelho, mal me sentia eu mesma. Era estranho me ver tão produzida, com um peteado elegante e maquiagem. Eu não me sentia criança, é claro, mas também não me sentia exatamente uma mulher. E toda aquela produção parecia me empurrar para frente com mais velocidade do que eu estava pronta.
Os convidados começaram a chegar e falar comigo. A maioria conhecidos dos meus pais e alguns parentes distantes. Eu não conhecia ninguém a fundo, mas nunca tinha me importado com isso.
Até que finalmente Diogo chegou com a família. Eles eram de longe os mais bem arrumados da festa. Notei que Dante parecia bem sorridente, bem colocado ao lado do pai – de quem ele havia puxado todos os traços. Diogo era uma mistura dos pais, de alguma forma pegando todos os melhores traços. Ele me olhava intensamente, um passo atrás do irmão.
Após os cumprimentos cordiais com meus pais, levei horas até conseguir escapar um pouco para o lado de fora – esperando que Diogo tivesse entendido todos os pequenos sinais que enviara todo aquele tempo.
- Lyra... - escutei sua voz sussurrando no escuro com alívio.
- Aqui. - respondi\, escondida sob uma árvore.
Ele andou rapidamente na minha direção. Não podíamos nos ver com clareza, o que parecia dar mais coragem.
- O que está fazendo aqui? - suas mãos enlaçaram a minha cintura sem hesitação.
- Eu queria ver você. - respondi\, muito consciente de suas mãos sobre meu vestido.
- Você está linda. - elogiou\, meio atropelando as palavras – Embora você seja naturalmente. - Diogo suspirou\, não me dando tempo - Não devíamos estar aqui.
Um pouco chateada pela frase, eu o puxei para perto e o beijei. Daquela vez foi mais intenso, ele parecia um pouco desesperado como se o tempo fosse curto. Eu não entendia, sentia que as coisas estavam só começando, mas não reclamei. Deixei que o corpo de Diogo me apertasse contra o tronco da árvore.
- Nós precisamos... - ele se afastou bruscamente minutos tempos\, cedo demais – Precisamos voltar lá para dentro.
Dessa vez, Diogo quase correu para longe. Fiquei lá, no escuro silencioso, esperando minha respiração se regularizar. Depois, fui obrigada a voltar para aquela festa idiota e sem sentido.
- Ah\, bem a tempo! - meu pai ergueu a taça assim que me viu – Tenho um anúncio!
Todas as pessoas pararam para olhá-lo, curiosas. Eu só procurava por Diogo, mas não conseguia vê-lo em lugar nenhum.
- Meu amigo Antônio Dalemon... - ele gesticulou para que o pai de Diogo se aproximasse – Trouxe seu primogênito para conversar comigo há alguns dias. - foi a vez de Dante ser chamado pelo meu pai\, o que ele fez com um sorriso enorme – Esse belo jovem queria pedir a mão de minha única e adorável filha.
O mundo pareceu congelar. Fiquei parada, encarando os três homens e tendo certeza de que eu estava entendendo errado.
- Claro que Lyra é muito jovem para se casar agora\, mas estamos publicamente firmando o compromisso entre esses dois jovens. - Fred prosseguiu\, me deixando completamente chocada e assustada.
Dante enfiou a mão em seu bolso e retirou uma pequena joia. Não entendi o que era até ele se aproximar e pegar uma das minhas mãos para deslizar o anel pelo dedo anelar. Compromisso.
Pensei que eu fosse desmaiar diante do seu sorriso triunfante.
Então vi Diogo, bem ao fundo, distante de todas as pessoas. Seu rosto era uma confusão de tristeza e culpa. E agora eu entendia.
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