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O Herdeiro Turco e a Protegida

Isadora Duarte.

Meu nome é Isadora Duarte. Tenho 14 anos.

Vivi minha vida inteira com meus pais e minha irmã, Alana. Ela era minha alegria em carne e osso, a companheira e parceira que alegrava os dias escuros que tínhamos.

Eu passava os dias esperando a hora de voltar da escola, não pelas aulas, mas por ela. Era a primeira a me escutar, de verdade, era ela, Giulia e as empregadas mais velhas, minha mãe até me dava atenção, mas sempre parecia ser com alguma intenção.

— Hoje o professor de matemática quase dormiu em pé — eu dizia, largando a mochila no chão.

— E o Lucas? Ainda te chama de “encanto da 8ª B”? — ela provocava, rindo.

Alana e sua melhor amiga Giulia, riam no quarto enquanto conversávamos, elas diziam sentir falta desta fase, mas sinceramente? Estou louca para que passe.

Ah, vão dizer que uma menina de 14 anos não tem problema, né?

Tem sim. Principalmente quando você nasce num lar onde o amor é uma ilusão bem apresentada.

Meu pai era um empresário de “sucesso”. Pelo menos era o que diziam… até as vozes à mesa mudarem.

— A situação é grave. Vamos falir — ouvi meu pai sussurrar certa noite, achando que eu dormia no sofá.

— E o que propôs aquele homem? — minha mãe respondeu, tensa.

— Entregar Alana. É isso ou perdemos tudo.

“Entregar” minha irmã?

Meu corpo congelou. Eu queria gritar, contar para ela, mas fiquei calada. Covarde. Medo.

Dias depois, tudo desandou.

Começamos a fugir. Esconderijos, malas apressadas, cochichos, eles levaram Alana enquanto ela gritava, nem minha mãe se movimentou para ajudar, só pude abraçar ela e chorar.

Nossos pais pareciam outras pessoas, frios, impacientes, conspirando com meu tio.

— Se algo acontecer conosco, leve a Isadora. Faça ela desaparecer. — ouvi meu pai dizer ao telefone.

Eu estava aterrorizada.

Fui sequestrada. Sofri e quando finalmente Alana me achou, a família começou a achar que éramos espiãs da Rússia. Fugi com ela tentando encontrar uma chance de viver em outro lugar.

Quando a verdade veio à tona, tentaram culpar minha irmã. Como se ela fosse responsável pelos pecados dos nossos pais, fiquei arrasada quando soubemos que ela era russa, e que apesar de sermos criadas juntas ela era adotada, e agora sem meus pais só me restava ela.

Agora, aqui estou, dentro de um carro preto, sendo levada para um hotel. Ao meu lado, uma mulher gentil, olhos atentos, sorriso tenso, e meu tio, com um contrato que como único parente de sangue o dava o direito de me levar.

— Isadora, minha flor, respira… — dizia ela, baixinho. — A família Mansur mandou eu vir com você. Meu nome é Eylul, sou sua amiga, sua companheira e seus olhos.

— E se ele me levar embora? E se eu nunca mais ver minha irmã? Ela jurou que me protegeria — respondi, a voz embargada.

— Os senhores Mansur não deixarão nada acontecer com você. É temporário. Confie.

Mas nada parecia temporário.

Especialmente quando lembrava do meu tio naquele banco da frente. Um homem que sorria demais e me chamava de “mulherzinha crescida” com um tom que gelava meu estômago.

Foi aí que lá no hotel ela ouviu algo que eu não, se aproximou no nosso quarto e disse parecendo nervosa:

— Qualquer coisa estranha, grite. Senhor Noah não tolera esse tipo de coisa. Entendeu, Isadora? Grite.

Naquela noite, não dormi.

No dia seguinte, veio a notícia:

Voltaríamos à mansão da Alana.

A chance de dizer adeus… e talvez, de sobreviver.

Quando cheguei, vi uma família diferente.

Sabe aquela imagem de comercial de margarina? Sorrisos, olhares sinceros… só que com roupas diferentes. Elegantes. Quase tradicionais.

Pelo sotaque, percebi: Turquia.

Meus pais sempre nos forçaram a aprender idiomas, a estudar como se fôssemos troféus. Nunca imaginei que isso me salvaria.

— Isadora, querida, sou Alice. — uma mulher de olhar calmo me disse, me tocando os ombros com ternura. — Sou mãe do Baran. Esse jovem belíssimo é seu futuro noivo.

Meu coração falhou.

— Essa é minha filha Selin. Esse é Akif, meu esposo. A partir de hoje, somos sua família. Não queremos roubar o lugar de ninguém, mas queremos que saiba: será amada, protegida e respeitada.

Ela sorria. Como se isso fosse o começo de tudo.

— Aproveite sua irmã, partiremos amanhã. Sei que vai morrer de saudade.

Ela tinha razão.

Eu morreria de saudade.

Mais tarde, agarrada no colo da Alana, perguntei:

— Você acha que o Baran vai me esperar mesmo?

Ela me olhou com seriedade.

— Isso é um contrato, Isa. Um acordo. Ele tem 19 anos. Você tem 14. Isso aqui é proteção, não amor. Não alimente esperanças.

Doía, mas era verdade.

Então Selin se aproximou:

— Oi! Eu sou a Selin. Sei que temos diferença de idade, mas quero ser sua amiga. Te mostrar nossos cavalos, as tradições, tudo que torna a Turquia especial.

— Não se preocupe com o Baran. Ele é… perfeito. Vai te honrar, respeitar, proteger.

— Eu já sei que é um contrato falso — respondi, tentando soar firme.

— Mesmo assim — ela sorriu —, às vezes o amor escolhe lugares improváveis para nascer.

Na hora de partir, Giulia chorava. Alana tentava sorrir.

— Minha pequena, escuta, essa família é honrada, vai cuidar de você, mas lembre que estou aqui, eu te amo muito, Giulia também, queria que você ficasse aqui grudadinha, mas sei que não dá, então lembre que mesmo longe, me ligue que busco você, vou fazer de tudo para reverter isso. — Alana falou.

Baran? Nem falou comigo.

Pensei: Ele nunca vai me olhar.

Mas no jato, ele veio.

Se aproximou devagar, voz grave, olhar intenso.

— Isadora… não quero que tenha medo de mim. Quero ser seu amigo, seu protetor.

— Sei do contrato. E sinceramente… me incomoda. Não quero que você se sinta obrigada a nada.

— Temos seis anos. Quero te conhecer. Quero que confie em mim. E se, lá na frente, ainda quiser… então serei, de verdade, seu marido.

Minha resposta foi patética.

— Ah… tá bom.

Ele riu. Tão doce, tão bonito. Voltou ao assento dele.

Eu? Fiquei ali, com o celular nas mãos, olhando para tela apagada…

…pensando se eu teria sorte de um dia ser amada por aquele homem.

Baran Cevrit.

Tinha 19 anos quando ouvi o nome dela pela primeira vez.

Meu nome é Baran Cevrit, filho de Akif e Alice. Turco por sangue, protetor por instinto. Cresci cercado por códigos de honra, armas escondidas em ternos de alfaiataria e sussurros sobre lealdade que podiam valer mais do que a própria vida.

Gosto do silêncio. Gosto de armas limpas. Gosto de vinho tinto no final de um dia em que tudo permaneceu sob meu controle.

E odeio covardes.

Talvez por isso minha obsessão por proteger tenha nascido tão cedo. Mulheres, para mim, são sagradas, minha mãe, minha tia-avó, minhas primas, minhas aliadas. Quem ousa encostar nelas, conhece o inferno que eu carrego no olhar.

Era uma noite quente em Istambul. Eu havia acabado de chegar do porto, onde tínhamos encerrado uma negociação com os aliados. Estava suado, cansado... mas ainda desperto. O telefone da sala tocou com um peso que fez meu pai parar de falar no meio da frase.

Ele atendeu.

— Noah?

A voz do Don era firme. Rara, carregada de urgência. E quando ele ligava, era porque algo estava por ruir.

Ouvi tudo, parado na porta, braços cruzados, olhos atentos ao rosto do nosso pai.

— A irmã de Alana... — ele disse baixo, como se experimentasse as palavras. — Ela tem 14. Sim... sim... um contrato de casamento falso é a opção. Para mantê-la longe do tio. Que filho da...

Ele respirou fundo.

Silêncio.

— Mande o nome completo. Eu vou falar com meu filho.

Meu pai desligou. Virou-se para mim.

Seu semblante era de aço, como sempre. Mas algo ali queimava nos olhos, responsabilidade, a mesma sensação de que devíamos fazer de tudo por uma menina em risco, a mesma coisa que ele fez pela minha mãe anos atrás.

— O nome dela é Isadora Duarte.

— Quem é? — perguntei, direto, e porque seu tio é um filho da puta?

— Irmã da Alana. Sobrinha do bastardo que quer a entregar em casamento a qualquer um que lhe dê um tostão. Noah pediu ajuda. Queremos manter a garota segura. E só há um jeito de colocá-la sob proteção sem levantar suspeitas.

Eu já sabia a resposta.

— Casamento — repeti. — se ela tem 14 anos é um contrato.

Meu pai assentiu, lento.

— Ela seria enviada para cá, para ficar com a gente. Mas o contrato precisa ser com alguém da família. Alguém novo, fora dos radares. Alguém que saiba proteger sem deixar rastros.

Minha voz não tremeu:

— Eu aceito.

Ele arqueou a sobrancelha, surpreso.

— Sem pensar? Com quatorze anos ela seria nossa responsabilidade por mais de 4 anos.

— Pai, se essa garota tem sangue inocente, se alguém cogitou encostar um dedo nela... já me basta.

— Você nem a conhece. — ele questionou.

— E isso muda o quê? Lembra de como salvou minha mãe, a idade era um empecilho?

Fui para o quarto, tomei um banho gelado e vesti preto. Sempre preto. Quando me olhei no espelho, enxerguei o que eu era:

Arma. Muralha. Sentença.

Era isso que ela teria ao lado dela. Um homem que não vacila.

E mesmo sem ter visto seu rosto, Isadora Duarte já era minha para proteger.

A mansão na Toscana estava silenciosa.

O tipo de silêncio que só existe quando algo importante está prestes a acontecer, ou quando todos sabem que sangue poderia ser derramado a qualquer momento.

Eu estava de pé ao lado da lareira, observando a porta de entrada, meu pai à frente, como sempre. Minha mãe sentada, inquieta, com as mãos cruzadas no colo. Todos esperavam a chegada do “tio”.

Aquele desgraçado.

Ouvi o motor do carro antes mesmo dele aparecer. Longo, caro, pretensioso. A porta se abriu. Primeiro, o velho. Postura ereta, o ego inflado até os olhos. Ele carregava arrogância como quem carrega um relógio de ouro, visível e ofensiva.

Atrás dele, uma mulher mais velha, a governanta. E então, entre os dois, ela.

Isadora Duarte.

Eu nem sabia o nome ainda, mas meu corpo soube.

Era ela.

A razão do contrato.

A irmã de Alana.

A garota que meu pai me designaria proteger, mas que, antes mesmo de qualquer ordem, já era minha.

Ela parecia frágil. Tinha os ombros tensos, a mochila pendurada no braço e os olhos… os olhos mais confusos e vazios que eu já tinha visto.

Era como ver alguém andando no meio de um incêndio sem perceber que estava queimando.

E aí o velho segurou o braço dela.

Firme. Como se ela fosse um objeto.

Meus punhos se fecharam automaticamente.

Eu senti o ódio subir, ácido, lento, real.

Tive vontade de atravessar o saguão e quebrar cada osso daquele homem, mas o olhar do meu pai me conteve.

Ele sabia.

Todos sabiam.

Mas naquele momento, eu decidi.

Não por ordem.

Não por nome.

Por instinto.

Aquela garota nunca mais seria encostada por ninguém.

**

No escritório, as negociações foram rápidas.

Noah e meu pai cuidaram de tudo. O velho só queria se livrar da responsabilidade, nem se preocupava em esconder isso.

Ele assinou os papéis sorrindo.

E eu só não matei ele porque não teria sido limpo o suficiente.

Quando saímos da sala, minha cabeça ainda fervia.

Subi até o quarto, peguei meu celular e procurei o número dela: Anya.

Ela atendeu na terceira chamada.

— Baran... você tá vivo? Sumiu — ela riu.

— Não posso mais te ver.

— O quê? — a voz dela caiu. — Como assim?

— Estou noivo.

— De quem? — ela soou quase ofendida. — Isso é brincadeira?

— Não.

— Baran, você me jurou que não ia se envolver agora.

— Eu não juro nada para ninguém. Isso acabou. É melhor você aceitar.

— Não faz isso comigo. A gente se conhece há anos...

— E não vamos nos ver nunca mais.

E eu desliguei.

Frio. Seco. Sem arrependimentos, agora sem distração, enquanto era sozinho tinha essa liberdade, mas agora acabou..

**

Na manhã seguinte, o jato estava pronto.

Levá-la para a Turquia era mais do que protocolo, era tirá-la do alcance daquele velho.

Durante o voo, ela mal falou.

Ficou o tempo todo olhando pela janela, encolhida no canto, como quem esperava acordar e perceber que tudo era só mais um pesadelo.

A mansão Cevrit em Istambul já estava pronta para recebê-la.

Minha mãe, Yasmin, Eymen, todos envolvidos.

Mas fui eu quem a guiou.

Mostrei os jardins, os corredores de pedra clara, os detalhes arquitetônicos do séc. XIX, os quartos preparados.

Ela andava devagar, silenciosa, observando tudo com receio.

Até que parei diante da porta do quarto dela.

— É seu — falei.

Ela me olhou.

Como se não entendesse.

— Você está segura aqui, Isadora. Isso não é só um contrato. É uma promessa.

Ela não respondeu.

Mas pela primeira vez, respirou fundo.

E naquele suspiro…

Eu soube que a guerra que eu teria que travar por ela — com o mundo e comigo mesmo — apenas começava.

agora uma mulher

Três anos.

Três estações completas de flores turcas desabrochando e secando diante dos meus olhos.

Três anos desde o dia em que desci daquele jato particular como uma menina assustada, órfã e prometida.

Agora, aos 17, eu sabia quem era.

Ou, pelo menos, quem eu queria ser.

Meu corpo já não era o mesmo.

As roupas que antes pendiam soltas agora desenhavam curvas. Meus olhos, antes perdidos, haviam aprendido a observar.

Estudava com afinco. Aprendi turco, português, espanhol e russo, ganhava tudo que os outros ganhavam, viajava com eles, passava natal e aniversários festejando, era perfeito. 

E Baran…

Ele sempre foi meu porto, mesmo quando eu mal sabia onde estava atracando.

Até o meu aniversário de 17 anos, ele me olhou como uma protegida, somente isso, mas esse ano as coisas mudaram, eu sempre o vi como o meu “talvez futuro marido”.

Estava saindo da apresentação de idiomas, ele não entrou, mas sempre estava lá.

Baran usava a camisa preta dobrada até os antebraços, e óculos escuros escondiam aqueles olhos que me desarmavam.

— Foi tudo bem? — ele perguntou, me lançando um olhar rápido antes de arrancar.

— Falei os quatro idiomas. A professora de russo quase chorou.

— Claro. Você nasceu para impressionar.

— Eu nasci para arrasar, Baran.

Ele olhou novamente. Dessa vez, mais demorado.

— Você já faz isso, Isadora…

— Como assim?

Ele estacionou alguns metros antes da escola, onde quase ninguém passava. Olhou direto para mim.

— Eu sinto algo por você. Algo... que cresce cada dia, antes era como uma protegida, nunca uma obrigação, mas agora, — passou a mão pela minha bochecha.

— Achei que fosse só... carinho. Por causa do tempo aqui.

Ele tirou os óculos.

E quando vi seus olhos — sérios, ardentes — eu soube.

— Não. Não é sobre o tempo. É sobre você. Sempre foi você, antes não podia te dizer, sua idade era minha prioridade, não sou um abusador, mas você é mais que importante para mim.

Tive medo. Do que significava.

Do quanto eu queria aquilo.

Me aproximei.

Toquei o rosto dele, sentindo a barba por fazer sob meus dedos.

— Eu te amo, Baran… mas achei que você quisesse alguém mais... à sua altura.

Ele inclinou o rosto, até nossos narizes quase se tocarem.

— Você é a minha medida exata, Isadora. Minha altura. Meu caos. Minha paz.

E então ele me beijou.

Dessa vez, com intenção. Com força e ternura.

Meu coração explodiu dentro do peito.

Ele encostou a testa na minha.

— Aos dezoito, você escolhe. Mas já sabe minha resposta.

**

Seguimos até a escola. Meus lábios ainda queimavam. Entrei em silêncio, tentando me concentrar no mundo, mas tudo girava em torno daquele momento.

Mas foi aí que o mundo real me alcançou.

No estacionamento interno, próximo à entrada lateral, alguém me chamou.

Kadir Demir.

Suspirei, irritada.

— O que você quer?

Ele se aproximou rápido e, antes que eu percebesse, me empurrou com força para uma sala de manutenção.

Trancou a porta por dentro.

— Que loucura é essa? — tentei sair.

— Você se acha demais, não é? A protegida dos Cevrit. — Ele se aproximou. — Mas eu sei que você não é ninguém. Acha mesmo que o Baran vai ficar com você? Já viu as mulheres que ele anda?

— Me deixa sair.

— Eu sou irmão do diretor. Você não tem ninguém aqui. E eles conhecem minha família há anos… você não vale nada, Isadora.

— Baran nunca confiaria em você, ele me conhece, e sempre me protegeu.

— Baran vai acreditar no que eu quiser. E quando isso que vocês tem acabar… você não vai ter ninguém para te proteger.

— Sai de perto de mim. Agora.

Ele se aproximou mais uma vez, mas parou quando ouviu passos se aproximando do corredor.

Riu, destrancou a porta e saiu sem olhar para trás. Como se nada tivesse acontecido.

**

Fiquei ali.

Sozinha. Tremendo. Com nojo. Com raiva. Com medo.

Peguei o celular e mandei uma mensagem para Elif, minha amiga desde o primeiro ano ali. Turca, corajosa, daquelas que sorriem com os olhos.

Isadora: Elif, você pode vir aqui? Me tranquei na sala do fundo do bloco B.

Minutos depois, a porta se abriu devagar.

Elif me encontrou sentada no chão, abraçando os joelhos.

— O que houve? — ela se abaixou, minha amiga era preocupada, gentil e órfã assim como eu, era uma das únicas pessoas que de fato sentiam a minha real dor.

— Nada… — menti, tentando controlar a voz. — Só… ataque de pânico. Acho.

Ela me olhou com cuidado.

Sabia que eu estava mentindo. Mas não me pressionou.

— Vem. Vou te levar até o refeitório. E depois, a gente respira. Juntas.

Assenti.

Levantei devagar, e deixei que ela segurasse minha mão.

Por fora, eu voltei a caminhar.

Mas por dentro… algo em mim estava quebrado.

E eu sabia.

Baran não poderia acabar envergonhado por mim.

Quando ele veio me buscar parecia tenso, falava ao telefone, até palavrões que nunca usava na minha frente, sentei no banco do passageiro com os ombros tensos e o coração apertado.

O silêncio no carro era preenchido pela respiração pesada de Baran, e pelo som da ligação que ele ainda fazia.

— …se ele tocar mais uma vez, eu mesmo vou até aí. Entendido? — ele rosnava em turco, firme. — Fica de olho. Ele não vai se aproximar da Yará de novo.

Yará é filha da empregada de Yasmin, convive ali conosco, era como sua prima mais nova. Ele estava bravo por alguém ter ameaçado ela… e eu…

Eu sabia exatamente como ele se sentia com isso, eu não podia trazer mais problemas.

Mas... como dizer isso? Como contar sobre Kadir depois de uma conversa como essa?

Não queria ser um motivo para uma briga entre duas famílias influentes.

Baran já carregava tanto, a família, os negócios, o nome.

Eu era só… a protegida.

Ele desligou o telefone e jogou o celular no console com um suspiro.

— Desculpa, Dory. — sua voz suavizou. — Falei demais. Não gosto de falar assim perto de você.

Balancei a cabeça, apertando os dedos no colo.

— Tudo bem. — murmurei. Ele parecia calmo agora. — Yará está bem?

Ele se virou um pouco, dirigindo mais devagar.

— Sim, está segura, você queria falar comigo? — ele questionou.

— Sim, mas não era nada de tão urgente, está em um dia ruim, não vou te aborrecer. — falei.

— Você não me aborrece, você me acalma, quer falar sobre o quê? — ele insistiu.

Engoli em seco. O nome de Kadir queimava na minha garganta. Mas ele tinha razão… Baran confiava na família dele. E se ele… e se ele achasse que eu estava exagerando?

— Era só… sobre o contrato. — menti. Ou quase. — Você ainda quer…?

Ele soltou uma risada baixa, meio surpresa.

— Isadora, eu nunca tive dúvidas.

— Nunca? E as mulheres que andou, lindas, influentes, estudadas — olhei para ele.

— Nunca. Daqui a cinco meses, você faz dezoito. E se você disser que quer… nós casamos. De verdade, não tem ninguém na minha vida, nada do passado importa, e desde o dia que te conheci mantive isso, mesmo sem saber se ia dar certo, ou não.

Virei o rosto para janela, tentando processar o peso daquela promessa.

Casamento. Vida. Ele.

Era tudo o que eu queria. Mas também…

— Dory? — a voz dele quebrou o silêncio de novo.

Ele encostou o carro no acostamento, desligando o motor.

O calor do dia entrava leve pela janela entreaberta.

— O que você quer? — ele me olhava com aqueles olhos escuros e certos. — Se não quiser o casamento… eu entendo. Não quero que se sinta presa a mim.

Virei para ele, surpresa.

— Não é isso. Eu quero. Quero, sim…

Ele franziu levemente a testa.

— Então?

Suspirei.

— Só estou nervosa, Baran. É o fim do contrato. A única coisa que me manteve aqui por três anos. Quando acabar… se você mudasse de ideia, ou se algo acontecesse… eu ficaria sozinha, minha irmã está bem, Giulia também, não quero ser um peso para ninguém.

Ele soltou o cinto, se inclinando até segurar meu queixo com os dedos fortes e quentes.

— Isadora. Você nunca mais vai estar sozinha. Nem se quiser.

— Mas e se…

— Mesmo que o mundo desabe, você tem meu nome, minha casa, meu amor e minha proteção.

— Eu só queria ter certeza…

— Então ouve isso agora, Dory… — sua voz era grave, quase uma promessa feita em mármore — você é minha. E vai continuar sendo. O contrato foi só a desculpa. O motivo, sempre foi você.

Meus olhos marejaram.

Mas eu só assenti.

E por alguns minutos, Baran apenas ficou ali, me olhando, enquanto minha mente implorava para contar sobre Kadir.

Mas eu ainda não conseguia.

O medo… ainda gritava mais alto que a coragem.

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