─ Minhas família nunca passou por dificuldades, sempre tivemos um vida financeira ótima, isso até minha 6° série, meu pai se tornou uma das 10 famílias mais bem sucedida da cidade, e ficávamos em 8 lugar.
Porém, todo aquele dinheiro e influência só trazia mal para meu pai, ele estava sempre esgotado de tudo, sem paciência e a família sempre dando mais e mais problemas.
Era cansativo... Eu sentia saudades de seus carinhos, sorrisos e abraços, minha mãe também estava distante, estava sempre cuidando da imagem da imprensa.
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Até que o pior aconteceu.
Era o final do ano, e também o dia do meu aniversário — 28 de dezembro. Uma data que sempre foi marcada por comemorações, abraços apertados e sorrisos em família. Mas, naquele ano, tudo mudou.
Meus pais estavam tentando chegar em casa a tempo para comemorar comigo. O fim de ano sempre trazia aquela correria, compromissos acumulados, obrigações sociais, e eles estavam divididos entre o trabalho, eventos e a promessa de estarmos juntos. Havia muita pressão, tanto externa quanto interna — e eles sentiam isso.
O tempo não ajudava. Chovia forte naquele dia, e as pistas estavam perigosamente escorregadias. Mesmo assim, decidiram pegar a estrada, apressados, querendo fazer valer a promessa de estarem comigo no meu dia. Foi aí que o inevitável aconteceu.
O carro perdeu o controle em uma curva e colidiu. Algumas pessoas que passavam pelo local prestaram socorro imediatamente. Ambulâncias chegaram, tentaram de tudo... Mas, cerca de uma hora após o acidente, recebi a notícia que partiu meu mundo ao meio: meus pais não resistiram aos ferimentos.
O tempo parou.
Tudo ficou em silêncio dentro de mim, mesmo com o barulho das sirenes, das ligações, das vozes tentando me consolar. Eu não conseguia entender. Como algo tão bonito quanto o amor de pais por um filho — a pressa em chegar, a vontade de estar junto — poderia terminar de forma tão trágica?
Aquele dia, que sempre foi sinônimo de felicidade para mim, se transformou em uma lembrança marcada pela dor mais profunda que já senti. Desde então, o 28 de dezembro carrega um peso silencioso, uma ausência que nunca será preenchida.
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Aquela noite foi um vazio sem fim. Eu me sentia devastada. Era como se uma parte de mim tivesse ido embora junto com eles — uma parte grande, insubstituível. A casa parecia mais fria, mais silenciosa do que nunca. Nada fazia sentido. Eu só conseguia chorar. Dormir parecia impossível. Comer, irrelevante. Viver, difícil.
Mas, em meio a todo aquele caos emocional, havia uma pequena chama dentro de mim que ainda não tinha se apagado. Um pingo de esperança. Algo que minha mãe sempre falou com brilho nos olhos: ela sonhava em me ver entrando na escola dos sonhos dela — uma instituição renomada, exigente, onde ela acreditava que eu teria um futuro promissor.
Mesmo em meio à dor, essa lembrança foi ficando cada vez mais forte em mim. Era como se aquela escola fosse meu último elo com ela. Talvez, se eu conseguisse entrar, de alguma forma eu ainda poderia sentir sua presença comigo. Talvez fosse uma forma de honrar tudo o que ela acreditava, tudo o que ela sonhava pra mim.
Eu sabia que não seria fácil. A escola exigia muito, e eu estava emocionalmente quebrada. Mas justamente por isso, por não ter mais nada a perder, eu decidi tentar. Me agarrei a esse objetivo com tudo o que me restava. Era a única direção clara em meio ao luto, a única coisa que me dava algum propósito, alguma força para continuar.
Foi o início de uma nova etapa — cheia de desafios, saudade e superações. Mas também foi ali que eu comecei a entender que o amor deles continuava vivo em mim. E que, mesmo sem os abraços, os carinhos e os sorrisos de antes, eu ainda podia levá-los comigo, em cada passo, em cada conquista.
Mesmo em meio a todo o caos, à dor da perda e ao luto que me consumia, a única preocupação dos meus familiares parecia ser: com quem ficaria a minha guarda. Era como se, de repente, eu tivesse deixado de ser uma pessoa em sofrimento para me tornar apenas um objeto de disputa. Ironicamente, a única parte da tragédia que interessava a todos era justamente essa.
Foi então que o testamento veio à tona. E, para a surpresa de muitos, ele deixava claro: ninguém, além de mim, estava diretamente contemplado. Nem mesmo meus avós. Havia apenas uma cláusula: a única pessoa que cuidasse de mim até eu completar 19 anos teria direito a uma pequena parte da herança. Essa era a idade registrada como marco no documento.
A partir daí, o que já era desconfortável se tornou vergonhoso. Uma verdadeira disputa começou dentro da família. Parentes que antes mal se falavam agora brigavam entre si, movidos não por amor ou preocupação comigo, mas por puro interesse. Era como se, de uma hora pra outra, eu tivesse virado uma moeda de troca, uma oportunidade financeira.
No momento em que eu mais precisava de acolhimento, proteção e empatia, encontrei apenas ambição e egoísmo. A dor da perda foi se somando à sensação de abandono — não porque eu estivesse sozinha, mas porque me sentia invisível no meio de tudo isso.
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Agora me vejo sentada ao redor de todos da família. Não sei dizer ao certo quantos estavam ali — talvez vinte, talvez mais. Espalhados pelo enorme sofá da sala, ocupando cada cadeira possível, alguns em pé, outros encostados nas paredes como se esperassem algo cair do teto. A casa parecia menor, abafada, como se o ar estivesse pesado demais para circular.
O testamento já havia sido lido.
Eu era a única herdeira. O silêncio depois da leitura foi grosso como poeira. Não havia nenhuma instrução sobre minha guarda. Nenhuma palavra sobre com quem eu deveria ficar. Apenas o peso da decisão, pendurado no ar como um lustre prestes a despencar.
Agora, eles cochichavam. Murmuravam meu nome como se fosse uma questão a ser resolvida. Como se eu fosse um problema, ou pior — uma solução para os problemas deles.
Então ela se levantou. Minha avó. O som da cadeira de madeira arrastando no chão fez os corpos se virarem. E antes que qualquer outra voz ocupasse o espaço, ela falou.
— Eu sou avó dela. Ela deve ficar comigo.
Foi direto. Sem floreio, sem enfeite. Uma afirmação que cortou a sala como faca afiada.
Houve um instante de silêncio. Daqueles que não são pacíficos — são carregados, tensos, como uma pausa entre trovões. E então, alguém se remexeu na cadeira.
— Isso não está no testamento — disse uma voz masculina, com um leve tom de indignação.
— Não há decisão legal. Nenhuma indicação — reforçou outra, mais fria.
E ali começou o desfile de argumentos.
— Ela precisa de um lar estável.
— Tem que continuar os estudos.
— Precisa de alguém mais jovem.
— Um casal, de preferência.
— Gente com estrutura. Com condições.
Cada frase vinha embalada em verniz de cuidado, mas havia um interesse não dito em cada uma delas. A herança estava no ar, invisível, mas presente como cheiro de flor estragando no vaso.
— Não é sobre quem a quer — disse uma mulher, sentada perto da porta. — É sobre o que é melhor pra ela.
Melhor. Todos falavam em “melhor”. Mas ninguém me olhava nos olhos.
Minha avó permaneceu de pé. Imóvel. Os dedos entrelaçados. A postura ereta. A roupa simples, mas limpa. Ela encarava os outros sem desviar o olhar.
— Eu não sou perfeita. Mas eu a conheço. Eu estive lá. Sempre estive.
As vozes começaram a se sobrepor. Nomes de advogados foram ditos. Termos como “guarda provisória”, “reavaliação judicial”, “sugestão do conselho tutelar”. Parecia que, em segundos, eu tinha virado um caso.
Mas eu continuei sentada. Quietamente. Como se não fosse minha vida em debate.
Então ela se virou para mim. Minha avó.
Pela primeira vez desde que falou, ela me olhou. Seus olhos não pediam. Não exigiam. Apenas mostravam tudo o que ela carregava: saudade, medo, amor, cansaço. Um mundo inteiro atrás daquele olhar firme.
— Eu estou aqui. Se você quiser.
A frase caiu no silêncio como uma semente.
Todos olharam para mim. Pela primeira vez naquela noite, realmente me olharam.
Mas eu não disse nada.
Fiquei ali, entre todas aquelas vozes, todos aqueles planos feitos para mim. No centro de uma disputa silenciosa. E sem emitir uma palavra, sem mover um músculo, tornei-me a decisão que ninguém sabia como resolver.
O tempo pareceu se esticar.
A respiração coletiva foi contida.
As perguntas ainda não tinham resposta.
E foi assim que a noite ficou: suspensa.
Como se o tempo tivesse parado num fio tênue entre o que já foi dito e o que ainda viria.
Me vi em todo aquele caos.
As vozes ao redor, que no início soavam como ruídos abafados, começaram a adquirir nitidez. Cortantes, afiadas, diretas como facas sem cabo, invadindo minha mente com estocadas certeiras. Frases ditas com um verniz de preocupação, mas que carregavam julgamento, medo, ambição.
— Ela precisa de alguém estável…
— Alguém com juízo.
— Um ambiente adequado.
— Alguém com estrutura emocional…
Falavam sobre mim como se eu fosse uma decisão pendente, uma planta que precisava ser replantada com urgência antes de secar. Como se meu corpo fosse território em disputa. Como se minha vontade… fosse um detalhe insignificante.
Mesmo com os olhos suplicantes dela — aquele olhar que tentava evocar carinho, fragilidade, proximidade — eu não senti nada. Nenhuma ternura. Nenhum impulso de ceder. Nenhuma dúvida.
Minha avó, aquela mulher que muitos ali reverenciavam como símbolo de tradição, de postura, de elegância. Uma senhora de gestos lentos, de voz calculadamente suave. Mas eu a conhecia. Conhecia o que havia sob as camadas de perfume caro e as palavras escolhidas a dedo.
Ela era uma especialista em crises — em causá-las, em alimentá-las, em viver delas. Quantas vezes eu a vi ligar aos gritos, chorando no telefone, pressionando meus pais com suas queixas, suas mágoas antigas, suas exigências cobertas por chantagem emocional? Quantas vezes ouvi meu pai largar o jantar para atender um chamado urgente dela, que no fim não passava de mais uma encenação?
E quando não chorava, pedia. Dinheiro, favores, atenção. Tudo isso enquanto mantinha o sorriso discreto de quem finge não querer nada.
Mas todos sabiam. Sabiam dos vícios. Da bebida escondida entre os livros da estante. Do frasco de comprimidos “para dormir” que se multiplicavam sem receita. Da maneira como ela tropeçava nas palavras certas quando passava do limite — e de como todos fingiam que era só cansaço.
Agora, com a morte deles, é claro que tudo aquilo que ela recebia — a ajuda, os agrados, os luxos disfarçados de cuidados — iria acabar. Ela sabia. E cada um ali também sabia. A diferença é que ninguém tinha coragem de dizer.
Mas eu tinha. Eu saberia o que fazer. Porque comigo seria diferente.
Porque eu não vou permitir tal absurdo.
É meu. Tudo isso.
Cada móvel, cada folha daquele testamento. Cada centavo acumulado ao longo dos anos. O esforço silencioso dos meus pais, suas madrugadas em claro, seus planos riscados e reescritos mil vezes. A vida deles foi dedicada à construção de algo sólido, não para servir de pensão eterna a quem os manipulava.
Eu vi. Eu estava lá.
E agora eu estou aqui.
E não vou deixar que ninguém — absolutamente ninguém desta família — toque no que não lhe foi dado.
Nenhum centavo. Nenhuma desculpa disfarçada de afeto. Nenhuma mão estendida com falsidade.
Nenhum “é só por um tempo”.
Nada.
Senti meu corpo se enrijecer.
As mãos, antes pousadas de forma dócil sobre meu colo, agora estavam cerradas, discretamente, mas firmes. Como quem se segura para não reagir. Ou para não gritar.
Minha expressão escureceu.
O olhar que antes era vago, perdido no vazio como o de alguém que ainda está digerindo a dor, tornou-se duro. Gélido. Um vidro que ninguém mais atravessaria.
Levantei o queixo devagar, como quem escolhe o momento exato de assumir o próprio peso. Olhei em volta. Um por um. Cada rosto esperando uma palavra minha. Alguns esperando submissão. Outros esperando confusão. Todos erraram.
Por fim, encarei ela. A senhora que ainda tentava, com seus olhos trêmulos, me capturar em culpa.
E disse, com a voz baixa, serena, mas cortante como gelo:
— Desculpe… mas não posso tomar essa decisão agora.
Um silêncio tomou a sala. Diferente dos anteriores. Não era silêncio de luto. Era um vácuo. Uma ausência de controle. Um vazio onde ninguém sabia mais o que dizer.
A tensão foi quebrada apenas pela minha própria respiração.
— Meu tutor legal… aquele que quero como meu tutor… não está presente.
Houve um barulho — um leve deslocar de cadeiras, um murmúrio abafado, um suspiro nervoso. Alguém riu de nervoso, como se eu estivesse brincando. Mas eu não brinco.
Pausa. Olhei para eles como se estivesse dizendo *vocês ouviram direito*.
— Devemos adiar.
Foi isso. Nada mais.
Não ofereci justificativas. Não pedi permissão. Não implorei por compreensão. Apenas me levantei. O gesto foi firme, sem estardalhaço, sem pressa. Era necessário marcar aquele instante. Eles precisavam entender — não só ouvir — que algo havia mudado.
Que eu havia mudado.
Eu não era mais a órfã silenciosa, a filha vazia de uma tragédia. Não era a neta que os outros poderiam moldar à sua conveniência. A herdeira envergonhada.
Agora, era eu quem decidia o próximo passo.
E fosse quem fosse contra, que encontrasse forças para me impedir.
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