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A Filha do Tenente

Minha história

Lívia Maitê, 18 anos, estudante de Direito. 🎓

Determinação e dúvida andam lado a lado em Lívia. Filha do tenente Ferreira, ela esconde sua origem para não ser julgada e busca uma amizade verdadeira e livre de preconceitos. Debatedora nata, tem um desejo profundo de justiça, mas questiona se o caminho da toga é o seu destino.

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Ricardo Ferreira, 50 anos, tenente-policial. 👮‍♂️

Rígido, autoritário e dedicado à lei, Ricardo vive para o trabalho e para manter a ordem. Espera que a filha siga seus passos, mas desconhece o segredo que ela guarda e o turbilhão que se aproxima.

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Tadeu Costa, 28 anos, chefe do morro. 🔥

Imponente e destemido, Tadeu é a força e o comando do morro. Protetor da irmã e da sua comunidade, esconde um coração que se abre para quem sabe conquistá-lo — mesmo que isso signifique desafiar tudo que construiu.

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Larissa Costa, 26 anos, mestranda. 📖

Irmã de Tadeu e amiga de Lívia, Larissa é o elo entre dois mundos. Desconfiada no início, é leal e pragmática, tentando equilibrar as lealdades enquanto descobre que nada é tão simples quanto parece.

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Agora, é com ela. A história começa assim...

" Lívia narrando "

O jeans era justo na medida certa, sem rasgos, sem extravagância. A blusa branca de tecido leve marcava os ombros e o colo com elegância discreta. Coloquei um brinco pequeno, dourado, só pra não parecer simples demais. O cabelo, escovado até a metade, caía liso nas costas. O perfume? Um floral amadeirado que deixava presença sem gritar. Tudo milimetricamente escolhido.

Não era vaidade.

Era estratégia.

Aprendi na marra que ser filha de um tenente da polícia vem com um carimbo invisível. Na escola, bastava alguém descobrir o sobrenome Ferreira e pronto — virava assunto. Os sorrisos mudavam, as conversas baixavam de tom, e os olhares vinham divididos entre medo, deboche e julgamento. Era sempre o mesmo roteiro: “Não mexe com ela, o pai é polícia”, seguido de risadinhas ou um silêncio desconfortável.

Essa era a minha chance de recomeçar.

Ninguém ali precisava saber quem meu pai era.

Pelo menos, não ainda.

E, sinceramente?

Pela primeira vez, eu queria ser só eu.

Sem o peso do sobrenome, sem o rótulo, sem as comparações com ele.

Só que o problema de fingir que você é livre…

é que, uma hora ou outra, alguém descobre quem te prende.

Hoje era o meu primeiro dia na faculdade de Direito, e sim, eu estava nervosa. Mas não era o tipo de nervoso que faz a gente querer desistir. Era o tipo que te empurra pra frente. Que te faz respirar fundo, erguer o queixo e encarar o mundo.

Peguei minha bolsa — de couro estruturado, nada chamativo e nem bonito, apenas discreto. — e saí do quarto sem fazer barulho. Meu pai ainda dormia no quartinho dos fundos, depois de mais um plantão. E eu…

Eu estava decidida a começar minha história sem depender da dele.

Na porta da faculdade, respirei fundo.

Nada de nome.

Nada de passado.

A fachada da faculdade era uma mistura elegante de concreto e vidro, com janelas amplas que refletiam o céu cinza daquela manhã. No hall de entrada, o piso de mármore branco reluzia sob a luz natural que invadia pelos vitrais coloridos. O aroma sutil de café fresco vinha da cafeteria no canto, onde alguns alunos já discutiam animadamente as últimas aulas.

Os corredores eram largos, com paredes decoradas por murais modernos e painéis digitais anunciando eventos acadêmicos. O som ecoava: passos apressados, risadas nervosas, e o tilintar das chaves nas mochilas. Estudantes de diferentes estilos se misturavam ali — alguns com mochilas surradas, outros com laptops ultrafinos, todos carregando a mesma ansiedade do primeiro dia.

O contraste entre aquele ambiente e o meu mundo de sempre era gritante — o rigor do lar policial contra a liberdade que aquele lugar prometia. Puxei a alça da bolsa com firmeza, determinada a fazer valer a nova identidade que escolhi para mim.

Dessa vez, eu vou fazer isso do meu jeito, com meu nome e a minha história.

Dei o primeiro passo no campus com o coração acelerado.

Eu só não sabia que aquele dia ia mudar tudo.

A Mestranda e a Caloura

O professor falava, e eu tentava acompanhar. Juro que tentava.

Mas era como se as palavras flutuassem no ar e não me encontrassem. Meus olhos percorriam a lousa, a apostila, o caderno... e nada fazia sentido completo. Aquilo não era como os debates da escola. Era técnico, direto, impessoal. E ainda assim, tinha algo naquele mundo jurídico que me puxava.

Na folha da apostila, sublinhei:

"Artigo 5º da Constituição Federal – Todos são iguais perante a lei."

Repeti mentalmente. E de novo. E mais uma vez.

Assim que a aula terminou, em vez de ir embora como a maioria, fui direto pra biblioteca. Precisava entender. Precisava absorver. Tinha que provar, pra mim mesma, que era capaz — sem o sobrenome, sem o pai, sem ninguém me dizendo o que fazer.

A biblioteca era um refúgio silencioso. O som abafado dos passos nos tapetes, o sussurro de páginas virando, o cheiro de papel antigo e ar-condicionado. Me aproximei da seção de Direito e fiquei ali, perdida entre lombadas grossas com nomes que pareciam códigos secretos.

— Artigo 5º… artigo 5º… todos são iguais perante a lei… — murmurava baixinho, os dedos deslizando pelas prateleiras, tentando encontrar o bendito livro que explicasse aquilo de forma clara.

Foi aí que ouvi uma voz firme atrás de mim:

— Você tá recitando a Constituição ou tentando invocar algum espírito jurídico?

Me virei rápido.

Ela tava ali: blusa preta básica, calça jeans escura, mochila jogada no ombro e um olhar tão direto que parecia atravessar a alma. O cabelo escuro preso em um coque bagunçado e os fones pendurados no pescoço diziam "despreocupada", mas a postura... era de quem sabia exatamente onde tava.

— Desculpa, eu… — tentei rir. — Primeira semana. Tô meio perdida.

Ela arqueou uma sobrancelha, mas não zombou.

— Primeira semana todo mundo tá. Mas você parece desesperada. Direito Constitucional?

— Sim. Eu só queria entender melhor esse artigo. O professor citou, mas eu não consegui acompanhar tudo.

Ela estalou a língua, deu dois passos à frente e puxou um livro grosso da estante como se soubesse a localização de cor.

— Aqui. José Afonso da Silva. Vai te dar uma base boa sem te enterrar em juridiquês.

— Obrigada… — sorri, sem saber se era o momento de perguntar o nome.

— Larissa — ela disse antes mesmo de eu perguntar. — Mestranda em Direito Penal. Não mordo, relaxa.

— Lívia. Caloura em tudo.

Ela sorriu de canto, meio surpresa com minha sinceridade.

— Gosto disso. Gente que não tenta fingir que já sabe. Vem, vou te mostrar uma mesa legal pra estudar. Não é perto do ar-condicionado barulhento nem dos que ficam cochichando achando que ninguém ouve.

Enquanto caminhávamos, ela ia apontando seções, citando nomes de autores como quem apresenta o próprio bairro. Larissa tinha algo que me intrigava: era forte sem ser arrogante, gentil sem ser delicada demais. Um equilíbrio raro.

Sentei na cadeira que ela indicou, abri o livro, e antes mesmo de mergulhar na leitura, ouvi a pergunta:

— E aí, caloura... o que te trouxe pra esse caos chamado Direito?

Pensei em dizer a verdade. Em contar do meu pai, da farda, da pressão. Mas ainda não era hora.

— Quero entender como o mundo funciona. E como eu posso mexer nele.

Ela me encarou por um instante, depois assentiu lentamente.

— Boa resposta.

Naquele momento, soube que algo tinha começado.

E, mesmo sem saber o quanto isso ia mexer comigo, aceitei.

Morro da Rocinha

— Você sempre vem pra cá depois das aulas? — perguntei, fechando o livro devagar, ainda meio anestesiada pelas mil informações sobre o bendito Direito Constitucional.

Larissa sorriu, mas não com os olhos. O sorriso dela parecia sempre medir o outro.

— Nem sempre. Hoje vim porque senti que alguém ia precisar de uma mão — respondeu, dando de ombros. — E porque não suporto caloura soando artigo como se fosse mantra.

Ri, mais leve. Me ajeitei na cadeira enquanto ela organizava o próprio material. Estava tudo marcado, colorido, anotado. Ela era metódica, do tipo que não se deixa levar por qualquer coisa. Ainda assim, tinha escolhido sentar ao meu lado. E isso dizia muito.

— Você é da cidade mesmo? — perguntei, puxando assunto, tentando entender de onde vinha aquela segurança.

— Sou da Zona Norte. Morro da Rocinha.

Arregalei os olhos, mas me contive. Já ouvira falar daquele lugar. Só que pela boca do meu pai, nos jantares cheios de histórias de operações e traficantes perigosos. Nunca de alguém que falasse dali como se fosse um lar.

— Mas você tá na faculdade... faz mestrado... — soltei, e me arrependi no mesmo segundo.

Larissa não se ofendeu. Só me encarou.

— E daí?

— Nada, desculpa. Só pensei alto. É admirável.

Ela ficou me olhando por mais um segundo, como se decidisse ali se eu merecia a próxima etapa.

— Tá fazendo o quê agora?

— Agora? — olhei o relógio — Acho que vou direto pra casa...

— Não vai mais. Vem comigo. Quero te mostrar um lugar.

— Um lugar?

— É. Não sou de convidar qualquer um. Mas você... tem um olhar curioso. E olha nos olhos quando fala. Gosto disso.

Engoli seco. Não sabia se era convite, teste ou armadilha emocional. Mas alguma coisa em mim queria ir.

— Ok. Vamos.

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A moto de Larissa desceu pelas avenidas e começou a subir o morro como se fosse parte dela. O capacete ainda cheirava a perfume, o mesmo que senti na biblioteca. A cada curva, o cenário mudava: prédios baixos, becos estreitos, roupas penduradas em varais improvisados, crianças correndo descalças com riso alto.

O Morro da Rocinha era vivo. Colorido. Caótico. E estranho de um jeito que não assustava. Me deixava atenta.

Paramos numa rua mais larga, em frente a um pequeno salão de esquina com gente reunida em volta de caixas de som e cheiro de churrasco no ar.

— Esse é o bar do Cezinha. Aqui o pessoal da comunidade relaxa depois do corre. Vem, quero te apresentar minha tia.

Fomos caminhando. As pessoas cumprimentavam Larissa com respeito. Um aceno de cabeça, um sorriso discreto. Ela era conhecida. E eu... claramente não pertencia àquele cenário. Mas ninguém me hostilizou. Só me olhavam com aquela curiosidade silenciosa de quem reconhece algo fora do lugar.

Antes de chegarmos à tal tia, porém, uma presença mudou o ar.

Do outro lado da rua, um homem encostado num carro preto observava tudo em silêncio. Tatuagens no braço, corrente grossa, boné aba curva, olhar cravado em mim.

Larissa percebeu.

— Aquele é meu irmão.

— Ele parece...

— Ele é o que você está pensando.

Fiquei parada por um segundo. O tempo pareceu desacelerar. O olhar dele encontrou o meu, e eu... não desviei.

Foi só um segundo. Mas senti.

Alguma coisa ia mudar.

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