Eu não sou a mocinha da sua história. Nunca fui.
Mas aprendi a sorrir como uma. A vestir branco em domingos de sol. A parecer leve quando tudo em mim grita. As pessoas gostam disso, de leveza. Elas se sentem menos ameaçadas por uma mulher que finge serenidade enquanto sangra por dentro.
Hoje, por exemplo, eu acordei cedo. Não porque eu queria, mas porque sonhei com ele de novo. Sonhei que ele me olhava com aquele olhar que ele reservava para quando queria algo. Aquele olhar que dizia "me ame agora" sem abrir a boca. Acordei com a respiração descompassada e o coração feito um tambor no peito. Ele ainda tem isso sobre mim. Mesmo longe. Mesmo depois de tudo.
Fui até a cozinha. Fiz café. Sentei na bancada e fiquei encarando a xícara. Sabe o que é estranho? Eu gosto do gosto amargo do café preto. Me lembra dele. Me lembra da forma como ele não adoçava nada. Nem palavras, nem promessas.
Sebastian. O nome que ainda vive entre os meus dentes.
Não foi fácil amá-lo. Mas foi impossível não amar. Ele era o tipo de homem que entra na sua vida como um furacão e te convence de que você pediu por isso. Me fazia rir e depois me fazia chorar com a mesma facilidade com que acendia um cigarro. Me dizia que me amava enquanto destruíamos um ao outro com as próprias inseguranças.
A primeira vez que ele me disse "eu te amo" foi depois de um silêncio desconfortável. Daqueles em que você já sabe que algo está errado. Eu olhei pra ele e perguntei:
— Você me ama?
Ele riu, balbuciou algo como "você precisa ouvir isso?" e depois me beijou. Mas naquela noite, quando achou que eu dormia, ele disse. Sussurrou bem perto do meu ouvido como se fosse segredo: "eu te amo, porra. E isso me fode todinho."
Foi assim que eu soube. Que ele me amava do jeito dele. Torto, possessivo, destrutivo. Mas amava.
Às vezes, eu me pergunto se ele ainda pensa em mim. Não porque quero saber, mas porque é inevitável. Uma vez, ele me disse que se algum dia a gente se separasse, ele não conseguiria amar outra pessoa. Eu queria acreditar. Parte de mim ainda acredita.
Eu ando colecionando silêncios desde que ele foi embora. Sabe quando o som do próprio pensamento te incomoda? Então. Eu tenho evitado me ouvir. Tenho evitado lembrar do som da voz dele dizendo meu nome com raiva, com tesão, com cansaço. Com amor.
Mas hoje... hoje foi diferente. Eu abri a gaveta onde guardo coisas que fingem não existir. Uma caixa com cartas não enviadas, uma foto nossa sorrindo como se o mundo não estivesse pegando fogo, e o isqueiro dele. Sim, eu fiquei com o isqueiro. Ele me deu num dia qualquer e eu disse que não queria, mas guardei assim mesmo. Era vermelho. Meio gasto. Como ele.
Respirei fundo. Peguei a caneta. Rabisquei no caderno uma frase que veio do nada: "ninguém nos ensinou a amar sem destruir."
Talvez esse seja o nosso maior defeito: a intensidade. Nós não sabemos amar de forma leve. Precisamos do drama, da urgência, da dor. Somos viciados em nos machucar e chamar isso de paixão. Sebastian era assim. E eu também. Eu o segui nesse abismo porque achei que a queda juntos seria menos dolorida. Não foi.
Você quer saber o que restou de tudo isso? Eu. Sentada aqui, escrevendo pra ele sem saber se algum dia ele vai ler. Com as unhas pintadas de vermelho e o coração ainda machucado. Com a mente lotada de memórias que ninguém mais entende. Com um sorriso treinado para esconder o caos.
Eu não quero piedade. Quero vingança emocional. Quero que ele acorde no meio da noite e pense em mim. Quero que veja outras mulheres e se pergunte se elas saberiam segurar as loucuras dele como eu segurava. Quero que ele entenda que amar a mim é carregar um universo de caos e ainda assim sorrir. E se ele não conseguiu, tudo bem. Nem eu consigo, às vezes.
Mas a verdade é que ainda é ele. Mesmo com todos os danos, ainda é ele. E eu? Ainda sou essa mulher tentando fingir que não sente falta.
E não, eu não sou a mocinha da sua história. Mas não se engane. Até vilãs sabem amar. A diferença é que a gente ama com faca na mão.
Nunca houve uma vez em que eu olhasse para ele e não sentisse aquele peso no peito. Uma mistura de desejo, medo, raiva e alguma forma distorcida de amor que só a gente entende. Amar o Sebastian sempre foi como andar em corda bamba com um fósforo aceso na boca. E eu não sei se sou viciada na vertigem ou se, de alguma forma, eu me tornei a corda, a altura e o fogo.
Ontem ele não dormiu em casa. Disse que precisava de um tempo. Tempo? Ele sempre some quando acha que está me fazendo um favor por continuar aqui. Como se dividir um teto comigo fosse caridade. Como se não fosse ele quem me implorou para ficar quando eu tentei ir embora da primeira vez.
Mas eu sou viciada nele. E ele sabe. O Sebastian nunca disse com todas as letras que me ama. Ele diz com silêncios. Com olhares demorados quando acha que eu não estou prestando atenção. Com um café forte deixado ao lado da cama depois de uma noite em que a gente gritou mais do que dormiu. Ele me ama do jeito dele. Do jeito errado. E eu aceitei isso porque o meu amor por ele também não tem forma correta.
Hoje cedo, eu fui até a sala e o vi ali. Sentado no chão, encostado na parede, como se estivesse tentando grudar em algo para não desabar. Ele me olhou com aquela expressão vazia. Aquela cara que ele faz quando está lutando contra os próprios monstros, mas ainda assim me vê como um deles.
— Você me ama? — perguntei. A voz saiu mais baixa do que eu queria. Como se eu tivesse medo da resposta.
Ele me encarou por longos segundos. Não disse sim. Não disse não. Só disse:
— O amor não salva ninguém, Selena.
E foi o suficiente pra me destruir um pouco mais.
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Passei o resto do dia com essa frase girando na minha cabeça. "O amor não salva ninguém." Talvez ele tenha razão. Talvez o amor, quando é doentio, quando é desequilibrado, quando é fome... talvez ele só arranhe, machuque, corrompa.
Mas por que ele continua aqui, então?
Sebastian tem esse jeito de me ferir com palavras frias e me curar com toques quentes. Ele sabe exatamente o que fazer pra me manter perto. É como se tivesse lido todos os meus medos, todos os meus traumas, e usasse isso como manual para me manipular.
E antes que pareça que eu sou só a vítima: eu também aprendi a manipular. Também aprendi a tocar os botões certos. Quando ele quer sumir, eu viro calmaria. Quando ele quer paz, eu viro caos. A gente se equilibra na dor.
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Eu lembro da primeira vez que a gente se beijou. Foi em uma discussão. A gente gritava um com o outro como dois loucos. Ele dizendo que eu era insuportável, eu dizendo que ele era um covarde. E de repente, ele me empurrou contra a parede e me beijou como se quisesse me matar com a boca.
Foi ali que tudo começou.
Desde então, a gente vive entre tapas e beijos. Metafórica e literalmente. Eu nunca fui o tipo de mulher que se dobra. Mas com ele... com ele eu quebro. Com ele eu me reconstruo. Com ele eu me perco de mim.
Talvez por isso eu continue aqui. Porque o Sebastian me mostra o pior de mim. E de alguma forma, eu me viciei em ver esse lado. O lado que sangra, que arde, que treme. O lado que ninguém mais conhece.
Mas tem dias em que eu me olho no espelho e não sei mais quem eu sou. Me pergunto se esse amor vale a destruição. Me pergunto se ainda há alguma parte minha que ele não tocou. Não feriu. Não moldou.
Talvez eu descubra isso no fim. Se houver fim.
Porque por mais que doa... ainda assim, quando ele entra pela porta, eu sinto meu corpo inteiro respirar alívio.
E isso me assusta mais do que tudo.
Eu já entendi que amor, pra ele, não é sobre flores ou promessas. É sobre presença. Corpo presente. E só. O tipo de toque que não pede licença, mas também não se desculpa depois.
Às vezes, quando ele me olha, parece que está me estudando. Como se eu fosse uma fórmula que ele quase decifrou, mas ainda falta uma variável.
E ainda assim, hoje ele me tocou como quem não quer decifrar nada.
Estávamos em silêncio. O quarto abafado, o lençol bagunçado de uma noite mal dormida. Ele estava de pé, encostado na porta, como se não tivesse certeza se queria entrar ou sair. Eu estava sentada na cama, com o celular desligado nas mãos, como quem espera uma mensagem que sabe que nunca vai chegar.
Quando ele veio até mim, não disse nada. Só puxou minha mão e me fez levantar.
Foi tudo tão automático. Um script repetido, sem improviso.
Ele me virou de costas. Me despiu em silêncio. Cada movimento dele era preciso, exato, como se já soubesse onde tudo estava. E sabia. Ele conhece o caminho do meu corpo como quem conhece o trajeto de casa. Sem emoção. Só hábito.
Eu não disse que queria. Mas também não disse que não. Meu corpo falou por mim — como sempre. É sempre o corpo que aceita antes da cabeça. A cabeça só observa, narra em silêncio, analisa. E julga depois.
As mãos dele eram quentes, mas não acolhedoras. Quando tocaram minha pele, não senti afeto. Senti controle. Uma afirmação muda de que ele podia. De que ele sabia. De que eu era dele — mesmo quando eu não era nem minha.
Me deitou com força, mas sem violência. Há uma diferença tênue entre desejo e domínio. E ele flutua nessa linha como quem se diverte em provocar desequilíbrio.
Os beijos não eram carinhosos. Eram pontuais. Nos lugares certos, com a força exata. Como um teste. Como se dissesse: "Se eu fizer assim, ela reage assim."
E eu reagi. Claro que reagi. Meu corpo é fraco pra ele. Não sei se é por necessidade, ou por carência. Talvez eu só queira ser sentida — mesmo quando sei que ele não sente nada.
Os olhos dele estavam abertos. Os meus também. Nenhum dos dois fechou pra fingir que era amor.
Quando ele me penetrou, foi rápido. Sem aviso. Sem poesia.
A dor veio antes do prazer, como quase tudo entre a gente. Mas eu engoli. Como engulo tudo. Silenciosamente.
O ritmo era constante. Sem pressa, mas também sem paixão. Era sexo, não amor. Era suor, não sentimento.
E, ainda assim, eu me entreguei. Porque ele estava ali. E eu preciso tanto de alguém que esteja ali.
Eu segurei nos ombros dele como se pudesse fixar alguma coisa. Mas ele não era âncora. Ele era tempestade. E no meio daquilo tudo, só me restava boiar.
"Olha pra mim", ele disse, pela primeira vez.
Eu olhei.
"Você ainda me quer?", ele perguntou, sem parar o movimento.
"Eu não sei mais o que eu quero", respondi, sem hesitar.
Ele riu. Mas não foi um riso leve. Foi aquele riso frio, carregado de ironia.
"É sempre assim com você. Quer demais, sente demais. E depois joga tudo no meu colo como se fosse culpa minha."
"Talvez seja", eu sussurrei. Ele não ouviu. Ou fingiu que não.
Quando ele terminou, se afastou como se nada tivesse acontecido. Nenhum beijo depois. Nenhum carinho. Só o silêncio.
Eu fiquei ali, com as pernas entreabertas, o corpo dolorido e a mente em colapso. Tentei juntar o lençol. Não por pudor, mas por vergonha de mim.
Levantei e fui ao banheiro. Me olhei no espelho.
Eu estava bonita. Mesmo assim. Bagunçada, mas bonita. E ainda assim, parecia que faltava algo. Como se a parte mais íntima de mim tivesse sido tocada... sem ser sentida.
Voltei pro quarto. Ele já estava deitado, de costas. Dormindo, talvez.
Eu deitei também. Mas o sono não veio.
Fiquei pensando: é isso que chamam de amor?
Porque se for, acho que estou viciada na dose errada.
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