Tudo começou quando eu tinha apenas 14 anos. Era uma menina normal, como qualquer outra da minha idade, vivendo com minha família.
Meu pai se chama Carlos. Ele sempre foi um homem muito fechado e sério — todos tinham medo dele. Alto, moreno, com um porte atlético, sempre me perguntei com o que ele trabalhava. Nunca descobri. Às vezes ele passava dias fora de casa, e quando voltava, parecia que tinha vindo direto de uma guerra.
Sempre fui uma menina curiosa. Ah, esqueci de me apresentar... Meu nome é Melissa, mas todo mundo me chama de Mel.
Tenho uma irmãzinha chamada Ana, que tem apenas 2 anos. Também tenho um irmão, o Lucas, que tem 17. Ele é muito parecido com o nosso pai — não só fisicamente, mas também no jeito sério e reservado.
Minha mãe, Liz, é linda. Passa a maior parte do tempo cuidando da gente com todo carinho do mundo.
Quando minha mãe tinha um tempinho livre, ela adorava pintar. Era a paixão dela. Especialmente flores... Ela dizia que cada flor carregava um sentimento, uma lembrança.
Eu amava tudo na minha família. Mesmo meu pai sendo um pouco estranho às vezes, eu sabia que ele amava a minha mãe. Era fácil perceber isso nos pequenos gestos.
Eles eram tão lindos juntos. Mesmo sem muitas palavras, havia algo entre eles — um silêncio cheio de amor, como se um entendesse o outro só com o olhar.
Sempre tive uma boa vida. Estudava, morava em uma bela casa, tinha tudo o que uma menina da minha idade poderia desejar. Mas nem tudo era perfeito...
O complicado era a escola. Nunca consegui fazer muitas amizades. As pessoas me achavam superior, talvez pelo jeito que eu falava ou por onde morava.
Mas tinha uma amizade que valia por todas: a Rosa.
Ela era uma menina loirinha, de olhos claros, e a gente estava sempre juntas. Parecia que uma completava a outra. Estudávamos muito, e nossas notas sempre eram boas.
A Rosa se esforçava em dobro, porque era bolsista. Ela dizia que precisava ser a melhor, ou poderia perder a vaga. E eu admirava muito isso nela.
A gente era inseparável. Sentávamos juntas, fazíamos os trabalhos em dupla, almoçávamos no pátio dividindo o mesmo lanche. Eu contava tudo pra Rosa — até coisas que nunca contei pra ninguém. Ela era como uma irmã que a vida me deu fora de casa.
Mas tudo mudou numa tarde comum de quinta-feira.
Tínhamos tirado as melhores notas da turma em uma prova de ciências. A professora elogiou Rosa na frente de todo mundo e comentou que talvez ela pudesse ser indicada para um concurso regional de alunos destaque. Fiquei feliz por ela. Pelo menos no começo.
No recreio, fui chamá-la pra gente comemorar com um sorvete, como sempre fazíamos. Mas ela estava sentada com outras meninas — aquelas que antes nem falavam com a gente.
Quando me aproximei, ela sorriu, mas foi um sorriso diferente. Frio. Quase falso.
— Oi, Mel... depois a gente se fala, tá? — disse, mexendo no cabelo como se nem tivesse percebido minha expressão.
Naquele momento, algo dentro de mim desmoronou. Eu sabia que a Rosa estava mudando. E o pior: ela estava se afastando.
Passei o resto do dia em silêncio, tentando entender. Será que eu fiz algo de errado? Será que, agora que ela estava sendo reconhecida, não precisava mais de mim?
Ao 14 anos, que aprendi como as pessoas mudam — às vezes, sem explicação. E como a solidão pode voltar mesmo quando a gente achava que nunca mais ia se sentir sozinha.
Lidar com o afastamento da Rosa foi uma das coisas mais difíceis que já enfrentei.
Os dias passaram devagar, como se cada um carregasse um peso a mais. Rosa estava cada vez mais distante, cercada de novas "amigas", como se eu nunca tivesse feito parte da vida dela.
E eu fiquei... sozinha.
Era uma dor silenciosa, daquelas que a gente não sabe explicar, só sente. Eu tinha Rosa como uma irmã, alguém em quem eu confiava de verdade. E, de repente, ela virou apenas mais uma entre as outras — fria, ocupada demais para lembrar de mim.
Foi então que percebi uma coisa amarga: as pessoas podem brincar com os sentimentos dos outros como se não valessem nada.
Naquele dia, jurei a mim mesma que nunca mais deixaria ninguém me enganar. Ninguém ia brincar com meu coração daquele jeito de novo.
No dia seguinte, quando a vi no corredor, agindo como se nada tivesse acontecido, fiz questão de não olhar. Fingi que ela não estava ali. Não era orgulho, era proteção.
Era como se eu estivesse a criar uma armadura invisível, feita de deceções e promessas. E aquela foi só a primeira de muitas cicatrizes que o tempo ainda deixaria.
Com o tempo, comecei a ver as pessoas de forma diferente.
Passei a acreditar que ninguém era realmente confiável, que todo mundo, mais cedo ou mais tarde, iria embora. Mesmo sorrindo, mesmo jurando que ficaria.
Me fechei.
Não queria mais fazer novas amizades, não me envolvia em conversas, evitava contato. Era como se eu tivesse colocado um muro entre mim e o mundo. Só assim me sentia segura.
Minha mãe notava meu silêncio, meus olhos cansados, mas não dizia nada. Talvez pensasse que era só uma fase. Talvez quisesse acreditar nisso.
Foi então que um dia, de repente, tudo mudou.
Minha mãe preparou um jantar lindo. A casa inteira estava arrumada, cheirando a comida boa e flores frescas na mesa.
— Hoje vamos receber algumas pessoas importantes — ela disse, sorrindo. — Quero que estejam bem arrumados, por favor.
Achei estranho. A gente nunca recebia visitas. Meu pai não gostava de movimentação em casa. Ele era discreto, misterioso...
Mesmo assim, não perguntei muito. Apenas subi para o quarto, vesti um vestido simples, ajeitei o cabelo e desci.
No fundo, alguma coisa dentro de mim dizia que aquela noite não seria como as outras. Que algo estava para acontecer. E eu não fazia ideia do que era.
Melissa
As visitas chegaram pontualmente às oito.
Meu coração acelerou sem motivo quando ouvi a campainha tocar. Desci devagar, meio curiosa, meio nervosa.
Meu pai, que raramente demonstrava qualquer emoção, ajeitou a postura e foi até a porta com um certo respeito no olhar.
Quando ele abriu, vi um homem alto, mais velho que ele, mas com uma presença tão forte que parecia dominar o ambiente só com o olhar.
Ele tinha olhos azuis profundos, como se escondessem segredos antigos. O cabelo grisalho combinava perfeitamente com a pele morena, bem cuidada. Mas o que mais me chamou atenção foi a maneira como ele observava tudo ao redor — com atenção, como se enxergasse muito mais do que qualquer um era capaz de ver.
Ao lado dele, uma mulher mais jovem, talvez uns 30 e poucos anos, linda como uma deusa. Ela tinha os olhos cor de mel, cabelos cacheados e longos que caíam como uma cascata até a cintura. Baixinha, com curvas perfeitas e um sorriso leve, mas enigmático.
Assim que me viu, ela virou-se para meu pai com uma expressão curiosa, quase surpresa, e disse com a voz suave, mas firme:
Eles entraram e foram recebidos com elegância. A mulher, que logo descobri se chamar Liza, era esposa do homem de olhos intensos — Dom, foi como minha mãe o chamou, com uma certa reverência.
— Ele é patrão do seu pai — ela me explicou, como se aquilo fosse suficiente para esclarecer tudo. Mas pra mim, não era.
Eu nunca soube com o que meu pai trabalhava, e ouvir aquilo só me fez ter ainda mais perguntas.
O jantar estava bonito, cheiroso, aconchegante. Minha mãe parecia feliz em receber visitas. Conversava com Liza como se fossem amigas de longa data, rindo, trocando elogios e histórias.
Meu pai, por outro lado, falava pouco. Estava mais sério do que o normal, e isso dizia muito. Seus olhos pareciam pesar mais do que nunca.
Lucas, meu irmão, ficou calado o tempo todo, observando tudo com atenção, como se tentasse entender algo que ninguém dizia em voz alta. Minha irmãzinha Ana, ainda inocente, comia e brincava como se nada importasse — e talvez, pra ela, ainda não importasse mesmo.
E eu…
Eu não conseguia dizer o que estava sentindo. Não era medo. Não era exatamente incômodo. Mas havia algo ali, suspenso no ar, como um segredo prestes a ser revelado.
Foi quando Dom, com sua voz grave e calma, que parecia cortar o silêncio como faca, se virou para mim:
— Quantos anos você tem, Mel?
Antes que eu pudesse responder, senti os olhos do meu pai sobre mim. Ele ficou rígido, como se tivesse levado um choque.
Olhei para ele, depois para Dom, e respondi devagar, tentando parecer natural:
— Tenho quatorze... vou fazer quinze Faltam quatro dias.
Dom sustentou o olhar sobre mim por um instante. Depois, deu um leve sorriso — pequeno demais para ser afetuoso, mas intenso o suficiente para me fazer arrepiar.
— quinze anos... — ele repetiu, como se esse número tivesse um significado especial que só ele compreendia.
O silêncio voltou à mesa, sutil, mas pesado. E foi ali, naquele instante, que eu percebi:
aquele jantar não era apenas uma visita social.
Era sobre mim.
Mesmo sem entender por quê.
Depois da pergunta de Dom, o jantar pareceu perder o sabor.
Meu pai ficou ainda mais calado, e minha mãe, mesmo sorrindo, percebia algo diferente. Olhava de um lado pro outro tentando entender o que estava acontecendo, sem coragem de perguntar.
Eu, sentada ali, me sentia como se fosse o centro de algo invisível, algo que só os adultos à mesa pareciam conhecer — mas se recusavam a dizer em voz alta.
Então, tentei mudar de assunto.
— Mamãe, o bolo da sobremesa é o de cenoura com calda de chocolate? — perguntei, forçando um sorriso.
Ela sorriu de volta, aliviada com a quebra da tensão.
— É sim, meu amor. Seu preferido, lembra?
— Hummm, que sorte a nossa — disse Liza, tentando entrar no clima. — Cenoura com chocolate... combinação poderosa.
Meu pai apenas respirou fundo, como se quisesse dizer algo, mas se segurou. Dom também não disse mais nada. Apenas me observava com aquele olhar firme e distante.
Melissa (mel)
Minha mãe, coitada, tentava manter a conversa viva, elogiando o vestido de Liza, comentando sobre o tempo, perguntando se queriam mais arroz. Ela claramente não entendia o peso daquele jantar. Mas eu… sentia tudo.
Sentia que Dom e Liza não vieram ali por gentileza. Eles estavam me analisando, como se estivessem confirmando algo. Algo sobre mim.
Quando o jantar finalmente acabou, minha mãe insistiu para que ficassem mais um pouco para o bolo, mas Dom olhou para meu pai e disse com firmeza:
— Está na hora.
Liza apenas assentiu.
Se despediram educadamente. Dom apertou minha mão com suavidade e olhou dentro dos meus olhos uma última vez.
— Até breve, Mel.
Até breve.
Aquelas palavras me arrepiaram inteira.
Depois que saíram, minha mãe olhou para meu pai, confusa.
— Carlos… quem exatamente é esse Dom? Por que essa tensão toda?
Ele apenas respondeu, seco:
— Apenas meu patrão.
— Isso não respondeu nada… — ela murmurou, olhando pra mim como se procurasse alguma pista.
Subi pro meu quarto sem dizer nada. Mas lá dentro, sozinha, algo em mim começou a despertar.
Eu ainda não sabia o quê.
Mas sentia… que minha vida nunca mais seria a mesma.
A vida voltou ao normal nos dias seguintes ao jantar.
A escola, a rotina, os silêncios do meu pai, a alegria contida da minha mãe.
Mas eu não conseguia esquecer os olhos de Dom, o jeito como ele disse “até breve”.
Quatro dias se passaram, e então… chegou o meu aniversário.
Era um domingo ensolarado. Como sempre, minha mãe fez tudo com carinho. Arrumou o quintal com balões simples, encomendou um bolo de cenoura com cobertura de chocolate — o meu preferido — e preparou uma mesa pequena, mas cheia de doces que a gente só comia em ocasiões especiais.
Minha irmãzinha corria de um lado para o outro com um chapéu de festa torto na cabeça. Lucas, como sempre, ficava mais na dele, quieto, mas presente.
Rosa foi a única amiga que veio. Como sempre. Meu pai não gostava da presença dela, e eu nunca entendi por quê. Mas naquele ano, minha mãe conseguiu convencer “a fera”, como ela dizia, com aquele jeitinho doce que só ela tinha.
E então… ela me deu o vestido.
Era diferente de tudo que eu costumava usar.
Não era rodado, nem colorido, nem cheio de babados como os outros. Era mais liso, de alcinhas finas, com um caimento que desenhava meu corpo. Senti que ele me deixava diferente… crescida. Mulher.
— Mãe… por que esse vestido é assim? — perguntei, meio tímida.
Ela me olhou com ternura, segurou minha mão e sorriu.
— Filha… hoje você faz 15 anos. Você já não é mais uma garotinha.
Fez uma pausa, depois tocou meu cabelo com carinho.
— Você reparou como seu corpo está mudando? Como você anda se sentindo diferente? — a voz dela era doce, mas firme.
Fiquei vermelha na hora, abaixei os olhos e assenti, envergonhada. Minha cabeça parecia flutuar.
Ela riu e me puxou para um abraço apertado.
— É normal, meu amor. Logo, logo, o mundo vai te ver como eu vejo: uma jovem linda, forte… e pronta para viver grandes coisas.
Minha mãe sempre foi aberta comigo, sempre me preparou para as fases da vida. Mas mesmo com todas as explicações, com toda a calma e amor que ela me passava... eu sentia...
Aquilo era mais do que só completar 15 anos.
Naquele dia, algo dentro de mim estava diferente. Não era só meu corpo. Era como se o mundo ao meu redor tivesse ficado mais atento. Mais silencioso.
E, no fundo, bem, no fundo, uma parte de mim, sabia: fazer 15 anos não era apenas um aniversário. Era o início de algo muito maior. E eu estava bem no meio dele.
O dia passou rápido demais.
As horas escorriam como água entre os dedos.
Rosa foi ao meu aniversário, mas era como se não estivesse ali de verdade. Sentou perto, comeu um pedaço de bolo, mas mal olhou nos meus olhos. Conversou pouco. O brilho dela parecia ter apagado, e por mais que eu tentasse me distrair, aquilo me machucava.
Minha mãe percebeu. Ela sempre percebia. Mas, como fazia quando algo doía mais do que podíamos falar, apenas apertou minha mão de leve, sem dizer nada. Era o jeito dela de dizer: “Eu tô aqui.”
Quando a festa acabou, ajudei a recolher alguns copos plásticos no quintal, depois subi pro meu quarto. Vesti meu pijama e deitei, cansada… mas com a mente acesa.
E foi aí que senti.
Primeiro uma pontada estranha na cabeça, depois uma dor leve — mas firme — na barriga. Me encolhi, respirei fundo, tentei ignorar, mas o desconforto crescia. Meu corpo parecia não se encaixar mais em si mesmo. Estava quente. Diferente.
Levantei e fui até o banheiro. Quando abaixei a calça do pijama, vi o sangue.
Fiquei parada por alguns segundos, olhando para aquilo como se não fosse meu. Mesmo com tudo que minha mãe já havia me explicado, minha cabeça entrou em branco.
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