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A Advogada e o Cowboy

Capítulo 1 – A Ligação

Acordei com o telefone tocando.

Demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo. A cabeça ainda pesava da madrugada anterior, passada revisando uma fusão societária delicada. O céu ainda estava escuro, e só um fiapo tímido de luz atravessava as cortinas do meu apartamento em Manhattan.

Tateei o celular entre os lençóis até encontrá-lo.

— Alô? — murmurei, com a voz rouca.

— Menina Manuela? — reconheci a voz de cara. Suave, familiar, cheia de um carinho que há muito tempo eu não ouvia. — Me perdoa te acordar, minha filha... mas eu precisava te ligar.

Meu coração acelerou. Era dona Célia, cozinheira da fazenda dos meus avós no Texas. Mãe de Alessandro. Quase uma avó pra mim.

— O que aconteceu, Célia?

— São seus avós, menina... os dois. Eles tão ficando cada vez mais fraquinhos, mas não quiseram te preocupar. Faz tempo que o seu avô vem passando mal... e ontem foi mais forte. A fazenda tá precisando de cuidado também. De você.

Fiquei em silêncio. Fechei os olhos por um momento, tentando conter o aperto no peito. Nova York me moldou para a força, para os números, para os argumentos. Mas algumas coisas, como o cheiro da terra molhada ou o som da voz da dona Célia, atravessavam qualquer armadura.

— Eu vou amanhã. Pode avisar que chego cedo.

— Seus avós vão ficar felizes. Tão sempre falando da senhorita.

Desliguei, mas a ligação ecoava dentro de mim.

Fazia mais de dez anos que eu tinha deixado aquela fazenda. Mais de uma década desde que jurei nunca mais pisar naquele chão.

E, de repente, tudo voltou.

Flashback – O que ficou para trás

Quando minha mãe morreu, eu tinha oito anos. Meu pai se afundou no trabalho e, pouco depois, apareceu com uma mulher nova. Uma esposa jovem, bonita, educada... e cruel. Rebeca.

Aos poucos, ela me fez entender que eu era um incômodo. Não precisava dizer com palavras. Bastava o tom de voz, os sorrisos falsos, as comparações constantes.

Meu pai nunca me defendeu.

Até que, aos quinze, ele decidiu que seria melhor me mandar para o interior. “Para a sua educação. Para amadurecer”, ele disse. Mas eu sabia: ele só queria se livrar de mim. Fui parar na Fazenda Monteiro, no coração do Texas, onde meus avós paternos ainda levavam a vida como antigamente — com cavalos, trabalho duro, e café passado na hora.

Foi lá que conheci Alessandro.

Ele era o cowboy da fazenda. Dois anos mais velho, já sabia tudo sobre o campo, os cavalos e o céu. Era sério, quase sempre calado, e com um olhar difícil de ler. Eu, recém-chegada da cidade, com roupas de marca e birras adolescentes, era tudo o que ele desprezava.

No começo, ele implicava comigo. E eu implicava de volta.

Mas com o tempo...

As provocações viraram conversas.

As conversas viraram confidências.

As confidências viraram carinho.

Foi assim que a gente se apaixonou.

Devagar. Como uma folha que cai sem pressa.

Começamos a namorar. Um amor escondido, sincero. Alessandro era doce comigo de um jeito que ninguém nunca foi. E ali, no campo, sob o pôr do sol ou no calor da cozinha de dona Célia, eu me sentia viva. Finalmente.

Tínhamos planos. Falar com meus avós. Esperar eu completar dezoito. Me despedir da cidade para sempre.

Mas, como sempre, o destino tinha outros planos.

Vitória.

O nome era irônico. Uma moça do vilarejo vizinho. Linda, fria, determinada. Sempre de olho em Alessandro. Me odiava. E um dia, ela conseguiu o que queria.

Eu os vi.

No celeiro.

Ele estava com ela.

Ela o beijou. Ele não a afastou.

Foi o suficiente. Não esperei explicações.

Não dei a ele o benefício da dúvida.

Não quis ouvir.

Naquela mesma noite, arrumei minha mala. Liguei para o meu pai. Antecipei minha ida para a universidade. Me despedi dos meus avós com um beijo rápido e fugi como quem foge de um incêndio.

Fugi do lugar onde meu coração tinha sido construído… e destruído.

🌾🌾🌾🌾🌾🌾

De volta ao presente

Hoje, eu sou outra mulher.

Sou advogada formada, especialista em contratos empresariais. Trabalho no oitavo andar de um dos maiores escritórios da costa leste. Não choro com facilidade. Não vacilo. Não me deixo derrubar.

O campo me ensinou doçura.

A dor me ensinou força.

A menina que acreditava no amor ficou lá atrás.

Agora eu voltava…

Noiva.

Com um anel no dedo e uma certeza: o passado não tinha mais poder sobre mim.

Mas, lá no fundo, algo me dizia que a fazenda ainda tinha segredos para me mostrar.

Capítulo 2 – De Volta ao Início

O céu do Texas parecia ainda maior do que eu lembrava.

Do banco de trás do carro que me levava da cidade até a fazenda, observei o horizonte se estender como uma aquarela viva. Campos verdes, cercas de madeira, cavalos ao longe. A terra vermelha. O cheiro da liberdade e do passado.

Meu peito apertava a cada quilômetro. Era como se meu corpo soubesse que estava voltando para um lugar onde o coração já tinha sangrado.

A Fazenda Monteiro surgiu como um suspiro antigo. O casarão branco, alto, cercado por árvores e uma varanda com as mesmas cadeiras de balanço de antes. A casa parecia resistir ao tempo, mesmo que o tempo tivesse mudado tudo.

O carro parou. Desci devagar, sentindo o chão firme sob meus pés. Por um instante, apenas respirei. Era como se cada partícula de ar carregasse lembranças: os risos no campo, as tardes com Lisa, o calor das mãos de Alessandro nas minhas.

A porta da frente se abriu antes que eu alcançasse os degraus.

— Menina Manuela! — a voz veio firme e doce, cheia de emoção. Era dona Célia, com o avental ainda amarrado e os braços abertos. — Olha só pra você… tão mulher! E tão linda.

Não consegui evitar o sorriso. Nem as lágrimas que surgiram sem aviso.

Corri até ela e a abracei forte. O cheiro de bolo de fubá e carinho caseiro me envolveu como uma onda.

— Você não sabe como é bom te ver. — murmurei, com a voz embargada.

— Seus avós vão ficar tão felizes, minha filha… — ela sussurrou no meu cabelo. — Eles falam de você todos os dias. Não queriam te preocupar, mas eu sabia que você precisava saber. A fazenda… a saúde deles… as coisas tão difíceis.

Assenti, respirando fundo.

— Tô aqui agora. E vou cuidar de tudo.

Subimos juntas para o segundo andar. O corredor era o mesmo: chão de madeira que rangia sob os pés, quadros antigos nas paredes, o aroma leve de lavanda que sempre me acalmava.

Bati na porta do quarto antes de entrar.

Minha avó estava sentada na poltrona, enrolada em uma manta xadrez, os cabelos brancos penteados com esmero, o olhar brilhando quando me viu. Meu avô, deitado na cama, sorriu assim que me enxergou, mas quem falou primeiro foi ela.

— Eu disse que você viria. — disse com firmeza. A voz não era fraca, apenas mais pausada, como se cada palavra carregasse cuidado. — Sabia que meu coração ia chamar você de volta.

Fui até ela e me ajoelhei ao seu lado.

— Como você tá, vó?

— Melhorando. O coração é teimoso, mas ainda funciona. — ela piscou. — E agora que você está aqui, vai bater mais forte. Essa casa precisa de vida. E você sempre trouxe isso pra ela.

Segurei sua mão. Quente, firme. Ainda era ela.

Meu avô se virou na cama, com esforço.

— Filha... você cresceu tanto.

— Sinto muito por ter demorado — minha voz saiu engasgada.

— Você virou uma mulher. Daquelas que dá gosto ver. Sua mãe teria tanto orgulho…

Fechei os olhos. A menção à minha mãe sempre me desarmava.

— Vim pra cuidar de vocês. E da fazenda também, se for preciso.

Minha avó assentiu.

— A fazenda tem estado... cansada. Alessandro faz o que pode, mas é muito peso pra pouca gente. E seu avô não tem mais o mesmo fôlego.

— Eu vou ver o que está acontecendo. Prometo.

Ficamos ali, por longos minutos, em silêncio. Apenas sentindo a presença um do outro. Como se o tempo não tivesse passado.

Quando saí do quarto, dona Célia me esperava no corredor, com uma xícara de chá quente nas mãos.

— Vai te fazer bem. — ela disse, me entregando.

— Obrigada, Célia.

— Lisa tá vindo te ver. Tá doida pra te abraçar.

Sorri.

— Eu também tô com saudade dela.

Descemos para a cozinha. A casa ainda tinha aquele som de vento entrando pelas janelas, de madeira viva. O chão sob meus saltos parecia estranho. Nova York era feita de concreto. Aqui, tudo ainda respirava.

— E Alessandro? — perguntei sem encarar dona Célia.

Ela suspirou, puxando uma cadeira para sentar.

— Continua aqui. Trabalhando muito. Assumiu tudo depois que seu avô começou a adoecer. Cuida dos animais, da lavoura, dos peões. Só não cuida de si mesmo.

— Ele está... bem?

— Alessandro carrega coisas no peito que nem eu consigo ver direito. Mas mudou, sim. Ficou mais calado. Mais duro. Você partiu... e ele ficou meio quebrado também.

— Eu vi ele com a Vitória. Com os meus próprios olhos.

— Eu sei o que você viu, minha filha. Só não sei o que ele viu. Nem o que sentia na hora. Só sei que doeu em todo mundo.

Antes que eu pudesse responder, ouvi passos no chão da varanda.

Olhei pela janela. E parei de respirar.

Ele estava ali.

Alessandro.

Sem chapéu. Cabelos bagunçados pelo vento. Camisa azul de algodão, as mangas dobradas nos antebraços fortes. Botas marcadas pela poeira. Aquele mesmo olhar escuro, firme, mas com algo diferente.

Tempo.

Distância.

Silêncio.

Ele cruzou a porta devagar.

Nossos olhos se encontraram.

Por um momento, o mundo ficou mudo.

— Manuela. — ele disse, apenas. Meu nome soando baixo, quase como um segredo.

— Alessandro.

Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.

Ele assentiu com a cabeça, como se estivesse pesando tudo o que não podia dizer.

— Você tá... diferente.

— O tempo muda as pessoas.

— É verdade. — ele desviou o olhar, como se aquela verdade doesse mais do que devia.

Um silêncio se estendeu entre nós. Não havia raiva explícita, mas também não havia paz. Era como se um campo minado separasse nossas palavras.

— Vim pelos meus avós. — falei. — E pela fazenda.

— Eles precisam de você. E a fazenda... também.

— Então é isso.

— É. — ele respondeu, seco. — Bem-vinda de volta.

E saiu.

Deixando atrás de si apenas o som de suas botas no assoalho…

E um coração que, contra todas as promessas, ainda lembrava como doía vê-lo partir.

Capítulo 3 – Verdades Silenciosas

A casa parecia respirar memórias em cada canto.

Depois do reencontro com Alessandro, eu tentei manter a pose. Mas a verdade é que meus passos estavam mais pesados e minha mente não parava de rodar. A maneira como ele me olhou, como falou meu nome... era como se nada tivesse passado. E, ao mesmo tempo, como se tudo tivesse se transformado em algo que não sabíamos como consertar.

Eu estava na varanda da frente quando ouvi uma gargalhada alta e inconfundível ecoando pelo quintal. Levantei os olhos a tempo de ver Lisa correndo em minha direção, descalça, com os cabelos soltos voando ao vento.

— Manuela! — ela gritou, com os braços abertos.

Levantei da cadeira antes mesmo de pensar. Quando percebi, já estávamos nos abraçando com força, como se os anos não tivessem passado, como se ainda fôssemos duas adolescentes inventando apelidos uma pra outra e dividindo sonhos sob a luz da lua.

— Meu Deus do céu, você tá maravilhosa! — Lisa disse, me segurando pelos ombros e me examinando de cima a baixo. — Você virou gente de novela, mulher!

— E você continua igualzinha. — sorri, emocionada. — Linda, escandalosa e com esse coração enorme.

— Eu quase não acreditei quando a mamãe disse que você vinha. Você prometeu voltar. E mesmo depois de tanto tempo, eu acreditei que um dia ia acontecer.

— Eu precisei fugir, Lisa. Você sabe... eu não consegui ficar depois do que aconteceu.

Ela assentiu, e por um momento o clima ficou mais sério.

— Vem, vamos andar um pouco. — ela disse, puxando minha mão. — Preciso te contar tanta coisa…

Caminhamos pela lateral da casa, em direção ao antigo pomar. O cheiro de laranja e terra misturado com o vento da tarde era exatamente como eu lembrava. Meus saltos afundavam na grama, mas eu nem ligava.

Nos sentamos sob o carvalho velho, o mesmo que tantas vezes foi nosso esconderijo.

— Você e Alessandro... — ela começou. — Foi tudo muito intenso, né?

Assenti, olhando para as folhas que dançavam com a brisa.

— Ele foi tudo pra mim naquela época. Meu primeiro amor. Minha primeira dor também.

Lisa mordeu o lábio, pensativa.

— Eu nunca entendi aquilo direito. Aquela noite no celeiro… tudo foi tão estranho. A Vitória sempre foi... manipuladora. Desde pequena.

Olhei pra ela, surpresa.

— Você acha que aquilo foi armado?

— Eu não acho. — ela disse com firmeza. — Eu tenho certeza. E já faz tempo que eu queria te contar.

Meu coração acelerou.

— Por quê você nunca disse nada?

— Porque você sumiu. Foi embora de um dia pro outro. E Alessandro... ele entrou numa concha. Ficou fechado, diferente. Meu irmão nunca foi de se explicar muito, você sabe disso. E eu... eu era só a irmã caçula. Ninguém me ouvia.

— Mas o que você sabe, Lisa?

Ela respirou fundo.

— Eu lembro que, naquela semana, a Vitória vinha falando pra todo mundo que ia "acabar com esse teatrinho de faz de conta" entre vocês dois. Disse que o Alessandro nunca ia se casar com você, que ele pertencia àquele lugar, e que você não. Eu achei que era só inveja… até que, um dia, ouvi ela conversando com uma amiga.

— O que ela disse?

— Que ia esperar o Alessandro estar sozinho no celeiro. Que ia provocá-lo. Que sabia como beijá-lo na hora certa... quando você estivesse perto.

Eu fiquei em silêncio. A cena ainda estava gravada na minha memória com tinta vermelha: os dois próximos, os olhos dele desviando dos meus, a mão dela tocando o rosto dele, o beijo. E a dor. A mágoa. A certeza de que eu não era o suficiente.

— Mas ele não se afastou, Lisa. Ele não reagiu.

— Você viu um segundo. Um momento. — ela disse suavemente. — Mas não viu o depois. Não viu o escândalo que ele fez com ela, nem como ele ficou. Eu lembro de ter escutado ele discutindo com mamãe. Ele dizia que tinha sido pego de surpresa, que não sabia o que fazer quando te viu ali. Que não acreditava que você tinha ido embora sem dar a ele uma chance de se explicar.

Fechei os olhos. A raiva que eu sentia era antiga, mas ainda viva. Só que, pela primeira vez, ela começava a rachar por dentro.

— Ele nunca tentou me procurar. — murmurei.

— Você mudou de telefone, de endereço, foi embora do país por um tempo. Como ele ia te encontrar?

Eu engoli em seco. Aquilo doía porque, no fundo, parte de mim ainda queria acreditar que ele teria me seguido. Que teria feito qualquer coisa. Mas a verdade é que talvez eu também tenha feito de tudo para não ser encontrada.

— Você... ainda ama ele? — Lisa perguntou, com delicadeza.

— Eu tô noiva, Lisa.

—Isso não responde minha pergunta.

Suspirei.

— Não sei o que eu sinto. Só sei que estar aqui mexe com tudo. Inclusive comigo mesma.

Ela encostou a cabeça no meu ombro, como fazia quando éramos mais novas.

— Talvez seja hora de descobrir o que ficou enterrado, Manuela. Nem tudo é como a gente lembra. Às vezes, a dor faz a gente inventar verdades pra se proteger.

Ficamos ali em silêncio por um tempo. O sol começava a cair, pintando o céu com tons de rosa e laranja. E o campo, com todo seu silêncio, parecia guardar mais histórias do que eu estava pronta para ouvir.

Quando voltamos para a casa, Alessandro não estava por perto. E isso me tranquilizou, por ora.

Mas lá no fundo, eu sabia: aquele reencontro não seria o último.

E a verdade... essa ainda estava cavando seu caminho até mim.

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