Eu sou Melissa Almeida.
Tenho 23 anos, estudo Direito na NYU com bolsa parcial, moro sozinha em um pequeno apartamento no Brooklyn e carrego nos ombros uma vida que sempre pesou mais do que deveria.
Meu pai nos abandonou quando eu ainda era criança.
Minha mãe me criou sozinha, sem ajuda, sem família, sem rede de apoio. Ela foi mãe, pai, conselheira, enfermeira, tudo. Trabalhou como recepcionista em uma clínica por quase vinte anos, até o corpo não aguentar mais.
E mesmo assim, sorria pra mim todos os dias, como se o amor dela fosse suficiente pra preencher todos os buracos que a vida cavou.
Até que ela desmaiou em casa.
O diagnóstico foi cruel: cardiopatia grave, necessidade de cirurgia urgente, e um custo que nem em dez vidas eu poderia pagar.
Desde então, minha rotina virou sobrevivência.
Acordo todos os dias às 5h30.
Tomo banho frio porque o aquecedor quebrou e não tive dinheiro pra consertar. Tomo café solúvel e corro pra faculdade. Na NYU, assisto às aulas tentando manter o foco, mesmo com as contas martelando na cabeça.
À tarde, trabalho como monitora na biblioteca. À noite, passo no hospital, sento ao lado da cama da minha mãe e seguro sua mão enquanto ela finge que ainda acredita que tudo vai ficar bem.
Eu tento fingir também.
Mas na real, tudo o que eu sinto é medo.
Medo de perdê-la. Medo de falhar. Medo de não conseguir ser forte o bastante, quando tudo que me resta é ser exatamente isso.
Naquela quinta-feira, depois do hospital, subi as escadas do meu prédio devagar. Meu corpo cansado, o coração mais ainda.
Sentei no sofá. Tentei estudar. Não consegui.
Foi quando ouvi a notificação no celular.
> 📩 De: Grupo Lancaster
Assunto: Reunião Confidencial
Prezada Melissa,
Após análise do seu perfil acadêmico, gostaríamos de convidá-la para uma reunião particular referente a uma oportunidade confidencial.
Data: Sexta-feira, 10h
Local: Lancaster Tower, Manhattan.
Meu coração quase parou.
Eu nunca me inscrevi em nada relacionado à Lancaster. Nunca mandei currículo.
Mas era real.
Na manhã seguinte, me vesti com a camisa branca que só uso em entrevistas e o único jeans escuro que ainda não estava rasgado.
Meu tênis surrado parecia ainda mais fora de lugar quando entrei no saguão da Lancaster Tower. Pisos de mármore, arranjos de flores brancas, pessoas engravatadas andando como se o mundo girasse para elas.
E eu ali, invisível.
Fui conduzida até o 52º andar, onde uma sala enorme esperava por mim.
Ele estava de costas, olhando Nova York pela parede de vidro.
Quando se virou, eu soube.
Christopher Lancaster. Um dos homens mais ricos, influentes — e intocáveis — do país.
Alto, imponente, frio.
Olhos cinzentos como o céu daquela manhã.
— Senhor Lancaster? — minha voz falhou.
— Vou ser direto. Não gosto de rodeios. Preciso de uma esposa. Por um ano. É um acordo legal. Nada emocional. Nenhuma relação de verdade. Apenas aparência. Em troca, cubro o tratamento da sua mãe, sua faculdade e ainda ofereço um bônus ao final.
A sala girou.
— Como... você sabe da minha mãe?
Ele não respondeu. Apenas me olhou como quem já sabia tudo.
Eu deveria ter me levantado e saído. Mas não consegui.
Porque ele tinha me oferecido aquilo que eu mais queria no mundo: salvar a vida da mulher que me deu tudo.
— Isso é insano. Eu preciso de tempo pra pensar.
Ele não pareceu surpreso. Pegou um cartão de dentro do paletó e colocou sobre a mesa.
— Este é meu número pessoal. Me ligue quando decidir. Mas não demore. Eu não faço ofertas duas vezes.
Peguei o cartão, agradeci e saí.
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Naquela tarde, encontrei Clara, minha melhor amiga, no café de sempre.
Ela me olhou e soube que algo tinha acontecido.
— Ele me ofereceu um casamento. Um contrato. Um ano da minha vida em troca de salvar a vida da minha mãe.
Ela arregalou os olhos.
— Isso é sério?
— É.
— E você vai aceitar?
— Eu não sei. Mas eu sei o que acontece se eu não aceitar.
Ela segurou minha mão.
— Talvez isso não seja o fim. Talvez seja o começo.
Eu sorri, fraco.
E quando cheguei em casa naquela noite, deitei no colchão no chão, com o cartão dele sobre o peito.
O número de um estranho.
Mas talvez... a única saída que eu ainda tinha.
Christopher
Meu nome é Christopher Lancaster. Tenho trinta e dois anos, sou formado em Direito por Harvard e pós-graduado em Administração em Londres. Desde muito jovem, trabalho na Lancaster Group. Meu pai nunca me deu privilégios — acreditava que eu precisava provar meu valor. Então comecei do zero, em cargos básicos, passando por todas as áreas, para mostrar que merecia estar onde estou hoje.
Cresci em uma mansão com mais salas do que abraços.
Richard Lancaster, meu pai, era um homem feito de regras e aço.
Já minha mãe… ela era a única luz naquele lugar — mas era uma luz que vivia apagada. Porque ele não deixava que ela brilhasse.
Lembro como se fosse ontem.
Eu devia ter uns seis anos. Estava chorando porque tinha caído e machucado o joelho. Minha mãe correu até mim no jardim, abaixou-se para me abraçar. Antes que seus braços me alcançassem, a voz do meu pai ecoou pelo corredor da varanda:
— Não o toque. Ele precisa aprender a ser forte. Choramingar é para fracos.
Ela recuou como se tivesse levado um tapa.
E eu, com os olhos molhados e as mãos sangrando, entendi que fraqueza não seria tolerada.
A partir daquele dia, me tornei um bom aluno.
Um filho exemplar.
Um homem calculista.
Mas a verdade é que… mesmo sem poder abraçá-la, eu sempre amei minha mãe.
Ela me olhava com um carinho silencioso, me entregava afeto nos pequenos gestos. Na maneira como dobrava minha gravata na adolescência. Na forma como deixava meu chocolate favorito escondido na gaveta da escrivaninha.
A única forma de amor que ela conseguiu me dar — às escondidas.
E talvez por isso, por nunca ter tido amor suficiente, eu tenha aprendido a não confiar em ninguém.
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Depois da morte do meu pai, todos esperavam que eu assumisse a empresa sem amarras. Mas ele me deixou um último veneno:
"Sem casamento, sem herança completa."
Um jogo imundo.
E do outro lado, Lucas — meu primo serpente — que não mede esforços para me ver tropeçar.
— Precisamos de alguém fora do radar — Matteo sugeriu. — Alguém sem conexão com sua imagem, sem interesse pela sua fortuna. Alguém com uma motivação real.
Ele sempre soube como me falar as verdades.
Confio em Matteo há mais de uma década. Me salvou de escândalos, traições internas, erros de investimento e problemas com a imprensa.
Três dias depois, ele entrou no meu escritório com um olhar sério e um dossiê grosso.
— Achei ela.
Ergui as sobrancelhas.
— Quem?
— Estava no hospital visitando minha avó quando ouvi a conversa dela com o médico. A mãe está em estado grave. Precisa de uma cirurgia cardíaca urgente. A garota não implorava… mas estava se desfazendo por dentro. Mesmo assim, se manteve erguida.
Peguei o dossiê das mãos dele.
— Estudante de Direito na NYU, bolsa parcial, monitora na biblioteca. Mora sozinha num apartamento apertado no Brooklyn. Pai ausente. Nenhuma rede de apoio. Perfil baixo. Digno. Nunca se envolveu com nada escandaloso. Nenhuma tentativa de se promover. Tudo limpo.
Li tudo com cuidado. O silêncio na sala era denso.
Matteo me encarou.
— Se existe alguém com quem isso pode funcionar sem virar um desastre… é ela.
Fechei o dossiê. Olhei para ele.
Minha voz saiu grave, firme:
— Será que essa pessoa existe mesmo, Matteo? Uma mulher sem ganância? Que não esteja fingindo pureza só pra ganhar alguma vantagem? Que ainda saiba o que é dignidade… mesmo quando tudo desmorona?
Fui até a janela. As luzes de Manhattan começavam a piscar na tarde nublada.
— O que eu aprendi é que todo mundo tem um preço. Amor, lealdade, honra… tudo isso é frágil quando o dinheiro entra em cena. Acreditar em alguém só traz decepção. Eu vi isso a vida inteira.
E se minha mãe me ensinou algo, mesmo sem palavras, é que esperança é para os tolos.
Pausa.
— Ainda assim… marque a reunião.
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Ela chegou dois dias depois.
Blusa branca simples, calça jeans gasta, o cabelo preso de forma prática. Havia cansaço em seu rosto — mas nenhum sinal de submissão.
Sentei-me diante dela.
Observando cada reação.
— Vou ser direto. Não gosto de rodeios. Preciso de uma esposa. Por um ano. É um acordo legal. Nada emocional. Nenhuma relação de verdade. Apenas aparência. Em troca, cubro o tratamento da sua mãe, sua faculdade e ofereço um bônus ao final.
Ela escutou. E, para minha surpresa, não disse sim.
Pediu tempo.
Pegou meu cartão e saiu com a cabeça erguida — como se eu tivesse oferecido uma corda e ela ainda estivesse decidindo se valia a pena segurá-la.
Claro que não aceitou. É óbvio.
Provavelmente vai querer mais. Um salário maior. Garantias. Um apartamento.
Talvez esteja só ganhando tempo para formular as exigências.
Todo mundo quer mais.
Até os que fingem que não querem.
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No dia seguinte, meu celular vibrou. Número desconhecido. Atendi.
— Melissa?
— Sim. Estou ligando para dizer que aceito. Mas nas minhas condições. Eu não sou um enfeite, senhor Lancaster. Se quer que isso funcione, vai ter que me respeitar. Eu sou mais do que um papel assinado.
Silêncio.
Depois, respondi com firmeza:
— Christopher. E eu não costumo contratar pessoas sem pulso firme. Considere seu emprego garantido.
— Ótimo. Só mais uma coisa…
— Diga.
— Não se acostume a mandar em mim. Isso aqui é uma troca. Não uma compra.
Ela desligou antes que eu pudesse responder.
Fiquei encarando o celular.
Pela primeira vez em muito tempo…
alguém me intrigava.
E isso era tão perigoso quanto necessário.
Mal terminei de guardar o celular no bolso quando Matteo entrou novamente na sala.
— Só um aviso… — ele disse, hesitando.
— O que foi agora?
— Sarah está ligando. Várias vezes. Deve ter descoberto algo.
Revirei os olhos.
— Ótimo. Era só o que faltava.
Sarah Lemoine. Herdeira da família Lemoine e ex-modelo internacional. Tivemos um breve relacionamento anos atrás. Ela tem um corpo de dar inveja, um jeito de quem sabe o que quer — e odeia perder.
Ela nunca aceitou muito bem o fim.
— Se ela descobrir que você vai se casar, mesmo que por contrato… — Matteo começou.
— …ela vai surtar. E vai atrás disso com unhas e dentes. — completei, seco.
Fui até o bar no canto da sala, servi um gole de uísque.
— Ela não pode descobrir que é um contrato, Matteo. Senão eu perco tudo.
Sarah sempre achou que, um dia, voltaria.
Que era só uma fase.
Que bastava esperar.
Mas agora, Melissa estava prestes a ocupar um lugar que Sarah sempre quis.
E mesmo que fosse uma farsa…
Ela não iria perdoar.
Melissa e Christopher
Melissa
A sala era imponente, fria. Cada centímetro refletia o poder dele — desde o mármore escuro da mesa até o silêncio absoluto entre aquelas paredes envidraçadas. Do lado de fora, Nova York pulsava, viva… Mas ali dentro, tudo era calculado.
E eu estava prestes a assinar o contrato que mudaria completamente o rumo da minha vida.
Christopher me observava com aquela expressão que eu começava a entender: controle. Ele não falava por impulso. Ele pensava antes até para respirar.
O documento estava na minha frente, com a caneta posicionada como se dissesse: "Assine logo."
Mas eu ainda não tinha dito tudo.
— Antes de assinar, tenho condições — comecei.
Ele se recostou na cadeira, curioso.
— Claro que tem. Diga.
— Eu não vou aceitar ser taxada como corna na mídia. Você pode ter os seus casos, desde que sejam discretos, nada que venha a público. Se isso acontecer, saiba que vou pagar com a mesma moeda.
Christopher me olhou com um leve sorriso, como quem aprecia a coragem.
— Gosto dessa sua determinação. E saiba que isso também vale para você.
— E quero garantir o tratamento da minha mãe, concluir minha faculdade… e um cargo oficial na empresa. Não serei uma esposa troféu.
Ele pegou a caneta, fez anotações no contrato e devolveu para mim.
— Acrescentado.
Assinei. Sem tremer.
Sem olhar para trás.
---
Christopher
Melissa não hesitou. E isso, de certo modo… me desarmou.
Ela era muito mais do que aparentava. Não estava ali para se aproveitar de mim. Estava ali porque precisava — e ainda assim, impôs seus limites com firmeza.
Agora era minha vez.
— Minhas cláusulas — comecei, direto. — Dormiremos no mesmo quarto. Nada de quartos separados. Somos um casal aos olhos do mundo.
Ela me encarou.
— Vai querer dormir de conchinha também?
— Só mantenha a aparência. Isso já me basta.
Continuei:
— Ninguém pode saber que se trata de um contrato. Nenhum funcionário, amigo ou familiar. Isso inclui sua melhor amiga.
— Clara não fala…
— Nem ela. Se essa informação vazar, eu perco tudo. Lucas vai usar contra mim. E Sarah…
Ela arqueou a sobrancelha.
— Vi alguns rumores sobre você e uma mulher chamada Sarah. A mídia parece adorar associar vocês dois.
Suspirei.
— Tivemos um envolvimento antigo. Ela não aceitou o fim. Se souber que esse casamento é de fachada, fará questão de destruir minha reputação.
— Então ela ainda te quer?
— Ela quer o que vem com meu nome. Não a mim.
Melissa cruzou os braços.
— E que tipo de mulher vou ter que lidar durante esse contrato?
Me recostei e sorri com sarcasmo.
— Está com ciúmes, Melissa? Mal começamos.
— Só quero saber com quem estou lidando.
— Sarah foi conveniente. Só isso. Mas ela é perigosa. Por isso tudo deve parecer real.
Assinamos.
Matteo recolheu os documentos e saiu da sala.
---
Melissa
O silêncio depois da assinatura era quase sufocante. A tensão entre nós ainda era palpável, apesar do contrato assinado.
Christopher se virou para a janela.
— A imprensa será informada amanhã.
— Informada de quê, exatamente?
— De que estamos noivos. E que mantivemos um relacionamento confidencial por meses, para proteger minha imagem pública.
Soltei um riso irônico.
— Então agora sou parte de um romance secreto?
— É mais seguro assim.
— E quando é o casamento?
Ele me olhou nos olhos.
— Duas semanas.
— Está brincando.
— Estou sendo prático. Lucas e Sarah já estão rondando. Quanto antes, melhor.
— E onde eu entro nesse teatrinho?
— A partir de hoje, você vai se mudar para minha casa.
Meu corpo ficou rígido.
— Hoje?
— Em breve. O quanto antes. Aparências, lembra?
— Eu preciso ver minha mãe, organizar minhas coisas…
— Faça isso. Mas quanto antes estiver sob o mesmo teto, mais segura estará a história.
Suspirei, pegando minha bolsa.
— Você comprou um contrato, Christopher. Mas não comprou a mim.
— E você vai descobrir que nem todo contrato é fácil de controlar.
Me virei, mas antes de sair, ele falou novamente:
— Melissa… isso é um jogo. Mas eu nunca entro para perder.
— E eu nunca aceito ser usada.
Saí da sala com a cabeça erguida, mas com o coração acelerado.
Duas semanas.
Um casamento.
Uma farsa perfeita.
Mas até onde conseguiríamos manter o controle?
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