Vinte e cinco anos não eram muitos, mas para Davi Lucca Torentto, cada um deles tinha o peso de uma década. Crescer sendo filho do empresário Leandro Torentto — ou, como era conhecido nos becos, Tenebroso — significava viver num campo minado entre duas realidades.
De um lado, terno alinhado, reuniões em inglês, jantares corporativos e executivos que apertavam sua mão com interesse e desconfiança.
Do outro, olhar firme no alto da favela, respeito conquistado com postura, palavra e pulso. O morro conhecia o nome dele antes mesmo de ele saber falar. Sabiam que ele era o filho do chefe. E agora, sabiam que ele seria o próximo.
O nome novo já corria nas bocas dos mais atentos:
Sombrio.
Não por acaso. Era o nome que Leandro escolheu.
— O morro precisa de sombra pra sobreviver ao calor do sistema, filho.
Foi o que ele disse, na última conversa entre pai e filho, numa laje silenciosa da Maré, com a noite engolindo os sons da cidade.
Mas Isabela...
Isabela não entendia nada disso. Não queria entender. Era bonita, inteligente, filha de Beatriz — irmã de Carolina — e de Vitinho, ex-comandante do Alemão. Apesar das raízes, tinha virado as costas pra origem e abraçado de corpo e alma o mundo do asfalto.
Naquela tarde abafada, o céu do Leblon estava limpo, mas o clima no apartamento dela era denso.
Davi estava sentado na beira do sofá, olhando o horizonte pela janela de vidro. Vestia uma camisa de linho bege, calça escura, tênis branco discreto. Mesmo com a roupa casual, exalava presença. Havia algo nos olhos dele que pesava o ambiente. E não era arrogância — era consciência.
Isabela vinha e voltava da cozinha, nervosa, tentando manter o tom de voz baixo.
— Você não vai me convencer, Davi. Nem adianta. — ela disse, virando uma taça de vinho branco. — Cê quer me levar praquele lugar, como se fosse um convite pra um passeio turístico. Mas lá é favela. Não é lugar pra mim.
Ele se virou, calmo.
— Tu fala como se eu tivesse te pedindo pra andar no meio do tiroteio. Eu só quero que tu conheça de verdade onde eu cresci. A casa da minha mãe. Onde eu aprendi a ser quem eu sou.
— Eu conheço sua mãe. Ela é minha tia! Eu adoro a tia Carolina. Mas aquela casa, aquele morro... nunca me chamou atenção. Eu me sinto mal só de pensar em subir lá.
— Nunca te chamou atenção porque tu nunca deu chance. Cê sabe que eu nunca escondi quem eu sou. E agora chegou o momento, Isa. Eu vou assumir o lugar do meu pai. O morro precisa de alguém presente, firme. E eu vou ser esse alguém.
Isabela travou. O copo ficou parado no ar.
— Como assim “assumir o lugar do seu pai”?
— O Comando. A Maré. O sistema. Já tão me chamando de Sombrio. O Tenebroso passou a tocha. Agora é comigo.
— Você tá falando sério? Isso é um apelido? Uma brincadeira?
Davi se levantou. Deu um passo à frente, com o olhar tranquilo, porém decidido.
— Nada do que eu faço é brincadeira, Isabela.
Ela riu nervosa, cruzando os braços.
— Você tem noção do que tá dizendo? Cê estudou fora, tem diploma, pode assumir a Torentto Holdings, abrir empresa, morar comigo no Leblon, ter filhos num colégio internacional... e cê quer largar tudo pra virar um “Sombrio”?
Ele se aproximou ainda mais, ficando a poucos passos dela.
— Não é largar tudo. É honrar tudo. Tu fala como se minha origem fosse sujeira. Mas foi lá que minha mãe construiu a vida dela. Foi lá que minha avó morreu trabalhando. Foi lá que meu pai fez história. Cê pode até se fingir de cega, mas eu não.
Ela rebateu rápido:
— E o que você acha que vai ganhar com isso? Medalha? Respeito? Só vai ganhar tiro. Vai entrar num jogo que acaba com todo mundo. Olha teu pai! Leandro só sobreviveu porque foi mais frio que os outros.
— E eu sou também. Frio quando tem que ser. Mas justo. Eu não vou subir no morro pra virar fantoche de soldado, Isa. Eu vou ser voz. Vou ser comando. Vou manter a ordem. E principalmente... vou continuar sendo quem eu sou.
— E se eu te pedir pra não ir? Se eu te pedir pra ficar aqui, comigo, pra ser empresário, pra cuidar do nosso futuro?
Davi suspirou, com pesar.
— Aí tu vai tá me pedindo pra me matar por dentro. Porque o Davi empresário é só um pedaço. O Davi Sombrio é inteiro.
— Então é isso? Tu prefere o morro a mim?
— Eu prefiro viver com verdade a viver sufocado.
Ela não falou mais nada. Virou o rosto e deixou que a lágrima escorresse. Mas nem chorando ela perdeu a arrogância.
Davi foi até a porta, pegou as chaves do carro. Antes de sair, olhou uma última vez pra ela.
— Cê ainda é importante pra mim. Mas se teu amor não cabe nas vielas da Maré, então não tem como caber no meu coração.
E saiu.
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A descida até a garagem foi silenciosa. O vento quente da rua encontrou seu rosto como um sopro de realidade. Ao entrar no carro, ele ligou o motor e seguiu pela orla, com o coração dividido entre o que poderia ser e o que sempre foi.
Quando atravessou a ponte e viu o complexo da Maré se aproximando, sentiu-se leve. Era como voltar ao lar.
Subiu a ladeira devagar. As crianças jogavam bola, as barracas vendiam churrasquinho, as mulheres falavam alto na porta. O som dos carros de som tocando pagode, o cheiro de cebola frita no ar. Aquilo era vida. Era verdade.
Ao chegar na frente da casa da mãe, Carolina, foi recebido com sorriso e abraço apertado. Na cozinha, Maria Luiza cortava goiaba pra fazer doce, e Maria Eduarda, com o celular na mão, observava tudo com o olhar silencioso de quem queria mais do que via.
— Você tá com essa cara por quê? — perguntou Maria Eduarda, jogando a pergunta no ar, com um sorrisinho de canto.
Davi respondeu sem hesitar:
— Tô só lembrando que é aqui que minha alma mora. O resto é disfarce.
E ninguém disse mais nada. Porque todos sabiam o que aquilo queria dizer:
O Sombrio chegou. E o jogo ia começar.
O entardecer chegava silencioso sobre o Complexo da Maré. As vielas, normalmente cheias de vida e vozes, estavam mais calmas naquela hora — talvez respeitando o momento, talvez só esperando o sol se pôr pra retomar o ritmo frenético que só quem vive ali conhece. Mas, dentro da casa da família Torentto, o clima estava mais carregado do que o céu de tempestade.
Davi Lucca, agora conhecido por muitos como Sombrio, andava de um lado para o outro na sala, os pensamentos explodindo dentro da cabeça como granadas. Tinha o maxilar travado, as mãos inquietas, o coração pesado.
Carolina, sentada no sofá com os óculos na ponta do nariz, observava o filho entre uma página e outra de um livro. O silêncio dele falava alto. Era o tipo de silêncio que mãe nenhuma ignora. Ela dobrou a página discretamente, fechou o livro, e tirou os óculos com cuidado.
— Filho... cê tá andando que nem alma penada. Senta aqui e fala com a tua mãe.
Davi parou. Respirou fundo. Sentou-se ao lado dela, os cotovelos nos joelhos, a cabeça entre as mãos.
— Mãe... tô com um nó aqui no peito.
— É a Isabela, né?
Ele assentiu.
— Amo ela desde moleque. Sempre amei. Mas... acho que a gente não tem futuro. Ela não quer me aceitar como eu sou, não quer essa vida, não quer a Maré. Não quer vir aqui, na casa onde eu cresci. Tem nojo do morro, mãe.
Carolina o olhou com serenidade, mesmo com a dor evidente nos olhos.
— Mas ela conhece tua família, meu filho...
— Conhece, sim. A senhora é tia dela. Mas ela nunca pisou aqui. Diz que morro é coisa de bandido, que não vai se misturar com criminoso. Eu tentei de tudo, mãe. Tentei mostrar meu mundo, tentei conciliar. Mas ela quer me mudar. Quer que eu viva só no Leblon, que assuma a empresa e esqueça o resto.
— Sabe o que mais me espanta? — disse Carolina, se ajeitando no sofá. — É que a Beatriz, tua tia, nunca foi preconceituosa. Muito menos a tia Letícia. Agora, a Isabela... parece que virou as costas pra tudo. E olha só: o pai dela é o Vitinho. Aquele mesmo que foi sub do Alemão por anos. Ele não esconde isso. Continua indo no morro, conversa com todo mundo, e tá como empresário hoje só pra dar um futuro melhor pra eles. Até o irmão dela, o Gustavo, tá lá com o Fumaça, ajudando no comando. Só ela... que se perdeu no luxo e esqueceu a origem.
Davi balançou a cabeça, frustrado.
— Isso que me machuca. A gente tem história, mas ela tá tentando apagar tudo. Como se ser da favela fosse doença.
Do outro lado da casa, Maria Luiza — a Malu — assobiava uma melodia baixa enquanto cuidava da cozinha. A calda de frutas vermelhas borbulhava, perfumando o ar. Era a doçura encarnada. Tinha herdado da mãe não só a aparência calma, mas também o dom de fazer comidinhas que curavam alma. O cheesecake já ganhava forma na geladeira.
De repente, a porta da frente se abriu, e Leandro Torentto, o Tenebroso, entrou. Mesmo sem farda ou arma, ele preenchia o ambiente com respeito. Era daqueles que impunham presença no silêncio, com o peso da história que carregava.
Parou na entrada da sala, observando os dois por um instante.
— Tava ouvindo lá fora... é sobre a Isabela, né?
Davi se levantou. O pai chegou mais perto. Eles se abraçaram. Forte. Verdadeiro.
— Pai... eu tomei minha decisão. Eu vou assumir. Vou ser o Sombrio. A Maré é minha casa. E se a Isabela não consegue aceitar isso, então a gente não vai continuar. Não tem como.
Leandro assentiu.
— Filho, escuta aqui... Cê não precisa seguir meus passos pra me orgulhar. Se quiser viver no asfalto, se quiser sumir desse mundo e só tocar empresa, tudo certo. Eu vou te apoiar. O que importa pra mim é tua felicidade.
— Mas a minha felicidade tá aqui. No morro. Na minha origem. No povo que confia em mim. Eu sou o Sombrio, pai. De corpo e alma. E se o amor da Isa for de verdade... ela vai seguir comigo. Se não, paciência. O que não dá é pra me perder tentando agradar alguém que não respeita de onde eu vim.
Carolina limpou uma lágrima discreta. Leandro sorriu, orgulhoso.
Nesse instante, uma voz debochada surgiu no corredor.
— Óóó... que lindo. Cena de novela. Todo mundo se abraçando enquanto a Arlequina aqui fica de escanteio.
Maria Eduarda, a outra gêmea, apareceu encostada na parede, de braços cruzados, vestida com um moletom colorido e um brilho nos olhos que misturava ciúmes e fogo.
— Pô, Davi... por que tu não vai viver com a patricinha no Leblon e larga esse bagulho de comando pra mim, hein? Eu sou tua irmã, sangue do Tenebroso também. Cês vivem me deixando de fora.
Davi riu.
— Duda... tu ainda tem muito chão pra andar.
Leandro fez um gesto com a mão, cortando o papo com suavidade.
— Cê pode ser a Arlequina, minha filha. Mas o comando tem peso. Responsabilidade. Estratégia. Tu é impulsiva demais ainda. Mas se quiser ajudar, pode ser sub do teu irmão. Aprende com ele. Caminha junto. E quando tua hora chegar... cê vai saber.
Mas Maria Eduarda não gostou. Cruzou os braços com mais força, o maxilar travado.
— Ah, claro... Davi sempre o favorito, né? Sempre o “herdeiro”. Cês nem enxergam tudo que eu faço!
— Duda... — começou Carolina, tentando acalmar.
— Deixa, mãe! Deixa que um dia eles vão ver. Eu sou mais do que tão deixando eu ser. Mais do que a sombra do meu irmão!
Ela saiu batendo o pé, a porta do quarto fechando com um estalo seco.
Carolina suspirou e olhou pra Leandro.
— Deixa ela. Com o tempo, ela entende. O que essa menina tem de explosiva, tem de coração bom.
Do outro lado da casa, a cozinha foi invadida por um cheiro doce e quente.
— Alguém aí quer cheesecake ou vou ter que comer tudo sozinha? — gritou Malu, rindo.
Carolina levantou com um sorriso.
— Minha menina... tu tá seguindo direitinho os meus passos. Mas do teu jeito. E isso me dá orgulho que não cabe no peito.
Elas se abraçaram. Davi chegou por trás e abraçou as duas também.
Leandro se aproximou e colocou a mão no ombro do filho.
— Cês tão vendo isso aqui? Isso é base. Isso é raiz. Isso é o que nenhum castelo no Leblon compra.
E ali, no meio daquela cozinha simples, entre cheiro de cheesecake, lágrimas mal contidas e promessas de poder, nasceu algo novo.
A era do Sombrio.
E ele não vinha sozinho.
Davi Lucca
Isabela
Maria Eduarda
Maria Luiza
O apartamento no Leblon era puro luxo, mármore claro no piso, varanda ampla com vista pro mar, móveis sob medida, quadros de artista renomado, tudo pensado nos mínimos detalhes, tudo belo e impecável, mas naquela noite o que mais importava era o que não se via, o que pairava no ar como fumaça prestes a sufocar, um clima pesado, um silêncio tenso, a guerra fria prestes a explodir entre os membros daquela família
Isabela andava de um lado pro outro da sala com os saltos ecoando no porcelanato como estalos de um relógio prestes a explodir, o rosto indignado, os olhos brilhando de raiva, a respiração curta e acelerada, carregando dentro de si uma tempestade que já não cabia no peito
Beatriz, a mãe, observava tudo da poltrona, braços cruzados, uma taça de vinho esquecida entre os dedos, a expressão endurecida, a paciência que antes a definia agora era apenas lembrança diante da filha que se tornara arrogante e mimada, esquecida das raízes que a sustentavam
— Não dá, mãe, o Davi não quer mudar, ele quer continuar naquele morro horroroso, cheio de criminalidade, ele quer ser comandante, comandante, você tem noção, que futuro eu vou ter com alguém assim
A bolsa caiu no sofá num gesto de frustração e desespero, mas Beatriz nem se mexeu, respondeu com a calma de quem já viveu mais do que a filha poderia imaginar
— Isabela, tu conhece o Davi Lucca desde criança, sabia de onde ele vinha, quem era o pai dele, conhecia a história, e mesmo assim escolheu ficar com ele
— Mas eu achei que ele fosse mudar, mãe, ele é inteligente, ele é bonito, ele pode ter tudo, pode viver como a gente
— Como a gente
Beatriz se levantou devagar, a voz ainda controlada, mas mais firme, mais grave, carregada de passado e verdade
— Você tá esquecendo de quem você é, garota
Isabela arregalou os olhos, não esperava a firmeza da mãe, nem a forma como suas palavras começavam a ruir dentro de si
— Ué, mãe, eu só tô dizendo que ele pode ter uma vida melhor
— Melhor, então tua casa na infância era o quê, um buraco, eu conheci teu pai no Morro do Alemão, Isa, morei com ele lá por anos, só saí de lá quando teu avô morreu e o Vitinho teve que assumir os negócios da família, se não fosse isso eu tava lá até hoje, e nunca me faltou amor, respeito, ou dignidade por viver numa comunidade
Isabela virou o rosto, tentando conter o constrangimento, odiava quando a mãe falava daquele passado com tanto orgulho, como se o morro fosse algo pra se lembrar com carinho
— Mas agora a gente subiu na vida, mãe, não tem porque voltar pra essa realidade
— Subiu sim, mas caráter não sobe junto com prédio não, e status não define ninguém, muito menos o valor de quem tá do teu lado
O silêncio ficou mais denso, o ar parecia mais grosso, a tensão crescia como nuvem carregada antes da chuva, Isabela sentou-se no braço do sofá, cruzou os braços emburrada
— O Davi podia estar com tudo, mãe, podia ser empresário, viajar, andar com gente do nosso meio, ele é inteligente, mas ele quer se enfiar naquele lugar, quer ser chefe de morro, isso é um retrocesso
Beatriz se aproximou, cada passo como uma batida de tambor, ficando frente a frente com a filha
— Retrocesso é viver numa bolha e achar que ela é o mundo, ele sabe quem é, Isa, não tá brincando de ser chefe, ele nasceu pra isso, e você sabia desde sempre, desde que vocês brincavam na casa da Carolina, você sabia quem ele era, ele só cresceu, agora chegou a hora de assumir o que sempre foi
Antes que Isabela tivesse tempo de responder a porta se abriu com força, um estrondo que cortou o ar como raio em céu limpo, Vitinho entrou com o rosto fechado, tenso, ouvira a discussão no corredor e não conseguia mais se calar
— Isso é sério mesmo, Isabela, cê tá reclamando do Davi porque ele quer ficar no morro, cê tá achando que ele é menos por isso
Ela tentou falar mas a voz do pai era um trovão, firme e bruta
— Tu esqueceu de onde tu saiu, esqueceu quem sou eu, que me criei no meio da quebrada, que você cresceu jogando bola no beco com os moleque do Alemão, agora vem com esse papinho de burguesa metida
— Pai, eu não sou mais criança, eu tenho direito de querer um futuro melhor
— E quem disse que morro não tem futuro, eu vim do nada e dei tudo que você tem, mas se continuar com essa mania de grandeza eu juro por Deus que vendo esse apartamento, largo essa vida de empresário e volto pro Alemão, viro comandante de novo, e levo você junto, e você vai aprender na marra a dar valor pra origem
— VOCÊ NÃO PODE ME OBRIGAR A ISSO EU JÁ TENHO MAIS DE 21 ANOS
Vitinho a encarou com os olhos duros como pedra
— Tem idade, mas não tem cabeça
Beatriz cruzou os braços com força e deixou escapar o que até então guardava
— E outra coisa, essa herança, esse luxo que você tanto ama, não é teu, foi deixado pra mim, você só vai ter direito a isso quando eu morrer, e se continuar arrogante, ingrata, sem respeito pelas tuas raízes, eu te deserdarei sem piscar, passo tudo pro Gustavo ou faço doação em vida, tanto faz, mas você vai aprender, nem que seja pela dor
Isabela empalideceu, a voz sumida entre as paredes
— Vocês não tão falando sério
— Ah, mas eu tô muito séria
Beatriz respondeu sem desviar o olhar
— Ou você muda, ou vai começar tua vida do zero, sem carro, sem cartão, sem Leblon, a vida ensina de um jeito ou de outro, tá em você escolher como quer aprender
A jovem virou de costas com os olhos cheios d’água, o rosto ardendo de vergonha e raiva, subiu as escadas apressada, bateu a porta com força, caiu no chão encostada na cama, os joelhos dobrados, o rosto entre as mãos, as lágrimas quentes caindo como chuva grossa de verão
O orgulho doía mais do que qualquer palavra
Ela pegou o celular ainda tremendo, ligou com os dedos trêmulos
— Alô, Camila
A voz sonolenta da amiga respondeu do outro lado
— Oi, Isa, que foi, garota, cê tá chorando por quê
— Porque eu tô perdendo o Davi, e ninguém me entende, eu só queria uma vida boa, sabe, queria ele comigo no Leblon, mas ele quer aquele morro, aquele lugar cheio de gente diferente, e agora minha mãe e meu pai tão me ameaçando de me deixar sem nada
Camila suspirou do outro lado
— Isa, tu não tá percebendo, tá todo mundo do teu lado, só que tu quer que o mundo gire só em torno de você, tu ama o Davi ou ama a ideia do Davi empresário
Isabela chorava mais ainda, as lágrimas se confundindo com as palavras
— Eu não sei, acho que amo os dois, mas eu não quero perder ele, preciso dar um jeito, preciso convencer ele a vir pro meu mundo
Desligou sem esperar a resposta, jogou o celular na cama, encarou o teto com os olhos molhados, as lágrimas escorrendo sem controle
Ela sabia
O tempo estava correndo
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