Pov’s Arthur Forbes
Nova York, EUA.
Entro no apartamento de cabeça baixa, carregando comigo a mesma desesperança de sempre.
Logo na entrada, sinto um cheiro fresco, de limpeza — algo totalmente fora do padrão.
Ninguém põe os pés aqui desde que minha velha morreu. Este apartamento virou um refúgio cinzento, esquecido, sem visitas, sem ninguém.
Eu moro só, e faço questão de manter distância de todos. Por isso, paredes e móveis permanecem neutros, apagados, sem cor — porque não gosto que haja cores.
Tiro o paletó, afrouxo a gravata, desabotoo a camisa social.
Largo a pasta e as chaves do carro no sofá, exausto, como se me livrasse de um peso.
Vou até a mesinha ao lado, sirvo um copo generoso de uísque, e deixo que a bebida alivie o aperto no peito.
Por alguns segundos, olho a noite através da janela. Solto um suspiro longo.
De repente, um barulho me tira do transe: passos apressados, depois o estrondo de um abajur quebrando.
Viro-me de imediato, alerta, e vejo uma mulher segurando uma vassoura, usando um avental azul, tentando desesperada limpar os cacos.
— Quem é você? — disparo, franzindo a testa, incrédulo.
A desconhecida abaixa a cabeça, gaguejando desculpas enquanto junta os pedaços no chão, nervosa.
— Vai responder ou não? — insisto, com o meu tom duro.
Me aproximo, impondo minha presença, querendo arrancar a verdade.
— Eu sou a nova empregada, senhor! — sussurra, ainda recolhendo os cacos, como se esperasse ser demitida a qualquer momento.
— Nova empregada? — repito. — Quem te contratou?
— Eu não posso dizer.
— Como assim não pode dizer? — me indigno. — Invade a minha casa, se faz de empregada, e não explica nada?
Ela parece ainda menor, vulnerável, mal sabe sustentar a própria voz. Talvez seja do interior, talvez nem tenha estudo, penso.
Pego o telefone, a ameaçando:
— Se não falar, vou chamar a polícia. Não admito ninguém entrando aqui e dizendo que trabalha pra mim. Você pode ser uma ladra!
Ela nega freneticamente, em pânico.
— Não! Eu juro que não! Foi o senhor Butler quem me mandou, mas ele pediu pra não contar ao senhor.
Fecho a mão em punho. Meu melhor amigo, como sempre se mete onde não deve.
Seguro o braço dela, pronto para expulsá-la de vez.
— Por favor, senhor! Não me mande embora! — implora, desesperada. — Eu preciso muito desse trabalho, não tenho para onde ir.
Inspiro fundo, apertando os olhos.
Odeio ver uma mulher chorando.
— Tudo bem — cedo, num misto de pena. — Você pode ficar. Mas só vai limpar esta sala, entendeu? Não quero que ponha os pés em mais nenhum cômodo.
— Sim, senhor. —balança a cabeça, aliviada.
— Pode se retirar — ordeno, e a mesma assente.
Quando me viro para seguir ao meu quarto, a chamo de novo:
— Espere. Qual é o seu nome?
Ela para, respirando fundo, e me olha tímida.
— Me chamo Laura — diz baixinho, constrangida.
— Prazer, Laura. Sou Arthur — respondo, de modo polido, ainda que distante. — Quantos anos tem?
— 26, senhor Arthur.
Engulo em seco, observando sua postura humilde.
— Eu tenho 70 anos — digo sem rodeios. — Vai mesmo aguentar servir a um velho rabugento como eu?
— Darei conta do trabalho, senhor. Vim do campo, sei lidar com serviço pesado.
— Tem certeza?
— Tenho.
Me sento no sofá.
— Sou viúvo — aviso, seco. — Não há presença feminina aqui, além de você.
A empregada hesita um instante, depois arrisca perguntar:
— O senhor não têm filhos?
— Não tivemos filhos — respondo, incomodado. — Minha esposa era estéril.
— Sinto muito — a escuto lamentar.
— Não sinta — corto, ríspido. — Estou acostumado a sobreviver sozinho. E se quiser mesmo este emprego, vai precisar ser invisível dentro desta casa. Entendido?
A própria balança a cabeça, respeitosa, e sai em silêncio.
Fico fitando o copo de uísque na mão, sentindo o peso de uma solidão que nem a bebida consegue calar.
POV’s Laura
Nova York — CITY
Apartamento
Na manhã seguinte — 07:00 AM
Meu patrão é sério, fechado, quase frio. Eu percebi, logo no primeiro olhar, que ele me contratou por pura pena.
Ele me proibiu de entrar nos outros cômodos do apartamento, mas não consigo ficar parada como uma estátua. Preciso me mover, sentir que sirvo para alguma coisa.
Vou até a cozinha, começo a preparar o café e resolvo fazer também a massa do pão, para colocar no forno.
— O que pensa que está fazendo na cozinha?—ouço, de repente, atrás de mim.
Levo um susto tão grande que deixo o prato de vidro escorregar das minhas mãos.
— Oh, meu Deus, perdão! — me agacho rápido para catar os cacos.
Meu patrão faz o mesmo, tentando me ajudar. Estou tão nervosa e atrapalhada — já é o segundo objeto que quebro na casa dele.
Nossos olhos se encontram, e por um instante sinto algo estranho, quase quente, dentro de mim. Nossas mãos se tocam sem querer, mas ele logo afasta, evitando o contato.
Fico ainda mais constrangida e abaixo a cabeça.
— O que faz na cozinha? — ele repete, mais sério.
— Eu estava preparando seu café, senhor.
O senhor Arthur lança um olhar rápido para a massa que deixei na bancada.
— Largue tudo — ordena com a voz grave — Largue, senhorita Laura.
Quando repete, ainda mais duro, pronunciando meu nome, sinto um nó na garganta.
— Não é esse o seu nome?
— É sim. Mas...— engulo em seco. — Onde eu morava...
— Onde você morava, senhorita Laura?— insiste, com o olhar penetrante no qual me paralisa.
— Tem algo que eu preciso contar ao senhor...— o olho com receio. — Eu sou do México, sou mexicana.
— Já havia notado, pelo seu sotaque.
— Mas existe outra coisa...— hesito, e prendo o ar. — Eu entrei nos Estados Unidos ilegalmente, eu vim em busca do sonho americano.
O meu patrão arregala os olhos, surpreso, e dá um passo para trás.
— É uma imigrante ilegal, senhorita Laura?
— Sim.— confirmo, e na hora ele recua alguns passos, indo em direção ao telefone.
— Vou ligar para a deportação. — anuncia.
O acompanho, tentando impedi-lo.
— Por favor, não faça isso! — suplico. — O senhor não sabe o que é passar fome, o que é viver na miséria...
— Eu sei muito bem o que é isso — seus olhos me atingem. — Já passei muita necessidade nessa vida, garota.
— Se sabe, então por que me olha assim? — as lágrimas de medo brotam em meus olhos.
Ele levanta o telefone, pensativo.
— Eu deveria ligar —faz a ameaça. — Seria o certo! Mas não vou destruir o sonho de ninguém, ainda mais de uma mulher.
Eu o encaro, surpresa, sentindo um misto de gratidão e choque.
— Obrigada, ninguém nunca fez isso por mim.
— Enxugue essas lágrimas, girl — pede, calmo, e eu seco o rosto com a ponta dos dedos. — Mas trate de regularizar sua situação, o mais rápido que puder.
— Sim, senhor.
Ele abaixa os olhos para meus sapatos, tão gastos que mal se aguentam.
— Que número você calça?
— Por quê? — franzo a testa, sem entender.
— Responda, senhorita Laura.
— O senhor não deveria me chamar de senhorita Laura, eu sou só uma empregada — falo, com vergonha.
— Não para mim. Eu trato todos de igual para igual e não precisa me chamar de senhor o tempo todo, pode me chamar apenas de Arthur.
— Mas eu não consigo, senhor Arthur. O senhor é meu patrão, eu preciso demonstrar respeito.
— Então, se quer me respeitar, me chame só de Arthur — insiste, com seriedade. — Combinado, senhorita Laura?
— Então não me chame de senhorita Laura — retruco, meio sem jeito.
O escuto rir, suave.
— Pois pronto, dona Laura.
Eu praticamente corro até a porta, tentando mantê-la aberta para ele passar.
— Não precisa me chamar de dona Laura — gaguejo.
Ele volta a olhar para meus sapatos.
— Você ainda não falou o número.
— 35, mas não precisa se incomodar.
— Não vou descontar do seu salário — garante.
Nossos olhares se prendem, tão próximos que sinto a respiração dele misturada à minha. Há algo naquele homem que me intriga, um mistério profundo nos olhos azuis.
De repente, somos interrompidos. Me afasto, desorientada.
— Quem é essa, tio?
A mulher loira, alta, de salto, me olha de cima a baixo, cheia de desprezo.
— Essa é Laura, Scarllet.
— Eu não lembro do senhor ter tido uma filha com a titia. De onde surgiu essa criatura?— aponta para mim, me deixando ainda menor do que já sou.
— Essa criatura...— me surpreendo quando ele segura em minha mão e o toque das nossas mãos coladas, me faz sentir um frio na barriga.— Será a minha esposa.
— O quê?— a mulher arregala os olhos. — Está caducando, tio? Vai se casar com uma mulher que poderia ser a sua filha?
Pov's Laura.
Escuto eles discutirem na sala, mesmo do quartinho dos fundos, as vozes que ecoam do cômodo são tão alteradas.
— Aquela mulher tem idade para ser a sua filha, tio!— aos gritos, a sobrinha do meu patrão fala.— Por acaso, enlouqueceu do juízo? Tá na cara que ela é uma golpista, que só quer casar contigo por conta do dinheiro.
Tampo os meus ouvidos, sendo tomada por um sentimento horrível. É muito difícil, ser acusada por uma coisa eu não sou.
— Não te dou o direito, para falar assim de alguém que você não conhece!— o tom duro do mais velho a repreende.— Respeite as pessoas, Scarllet.
— A titia sentiria vergonha, tio — a voz feminina despeja aquilo.— Está se comportando de uma maneira tão absurda.... Eu não estou te reconhecendo.
— Você não precisa compreender, apenas aceitar a minha decisão. Fui claro?— sinto um frio na espinha. — Irei me casar com Laura, e ponto final.
– E sua herança, vai entregar de bandeja nas mãos de uma desconhecida?— a mulher rebate indignada.
— E o que importa a minha herança? Faço o que quiser com o meu patrimônio, isso não cabe ninguém intervir.
— O senhor realmente está mudado, tio. Até ontem não aceitava visitas na sua casa, e hoje já colocou outra lugar para substituir a titia.
— Ninguém nunca vai substituir Candice.— grita bem alto.
– Nao é o que parece, essa interesseira mudou a sua cabeça.— me acusa e fecho os olhos. — Ela vai arrancar tudo de você, cada centavo e lhe deixar sem nada!
Desencosto da porta e a tranco, indo até o armário. Começo a pegar as minhas roupas e colocar dentro da mochila, não posso permanecer neste lugar.
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Depois de alguns minutos, a discussão deles acaba e escuto algumas batidas na porta do quartinho.
— Dona Laura, abra essa porta!— sinto um frio na barriga, quando meu patrão pede.— Abra!
Pego a minha mochila, decidida a ir embora. Destravo, puxando a maçaneta.
Nos olhamos e seu olhar percorre para minha aparência. Estou cabisbaixa, e bastante triste por todos os julgamentos que foram levantados sobre o meu caráter.
— Pra onde pensa que vai?
— Embora.— respondo, com o nó na garganta.— Não posso ficar aqui, senhor Arthur. Não quero lhe causar problemas. Gracias por ter me recebido, mas devo ir.
— Largue essas coisas.— toma das minhas mãos.— Você não vai a lugar nenhum. — sua afirmação, me faz encará-lo fundo.
— Não posso ficar.— balanço a cabeça.
— Você pode, e vai.— diz, impedindo-me. Sua mão toque em meu pulso, segurando— Troque de roupa, iremos ao Cartório.
— Cartório?— sôo confusa.— O que faremos lá?— pergunto, e a resposta faz meu coração se acelerar;
— Nos casaremos.
O olho surpresa e ao mesmo tempo sem reação. Entreabro os lábios, prestes a dizer:
— Mas eu não quero me casar.— recuso.— O senhor não pode fazer esse sacrifício por mim. O que as pessoas iam achar?
— Não me importo com a opinião das pessoas, dona Laura.– abaixa a cabeça, bem respeitoso.— Esse casamento vai durar até sua situação nos EUA, estiver regularizado.
—Está se casando comigo, pra eu conseguir viver legalmente nos Estados Unidos?
– Não é esse o seu sonho?— o miro com gratidão, me emocionando.
— É sim.— confesso, num sussurro tímido.
— Então troque de roupa, estarei te esperando na sala.
Ele se vira, e quando estar ao ponto de seguir o correto, acabo pronunciando:
— Gracias, senhor Arthur.
Seus olhos se cruzam os meus. E sinto uma coisa tão diferente dentro mim, principalmente quando nos olhamos.
— Não demore, dona Laura.— soa, num tom tão educado.
Fecho a porta e paro por um instante, me olhando de frente ao espelho. Faço uma trança em meu cabelo e coloco um vestido florido em meu corpo.
Calço os meus únicos tênis.
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Quando apareço na sala, meu patrão está interdido no sofá, cabisbaixo, lendo um livro.
Daí ergue a cabeça e quando me vê, desvio o nosso contato visual timidamente. Pela impressão que repassa, noto ele me admirar através dos olhos, como se reparasse no meu rosto.
— Está pronta?— assinto, sem conseguir falar.— Vamos.— se levanta do sofá.
E quando saíamos do prédio, seu carro está estacionado no estacionamento, e ele abre a porta passageiro para eu sentar.
Me sinto tão minúscula, nunca andei num carro tão luxuoso. É a primeira vez, e nem me sinto confortável.
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Cartório.
Estamos aguardando sermos chamados. Estamos sentados lado a lado, é tão constrangedor, que mal o olho direito.
— Se o senhor quiser desistir...
— Já pedi para não me chamar de senhor, dona Laura.
Abro um sorriso pela primeira vez, ao seu lado. É um sorriso tão espontâneo, quando escuto.
— Da mesma forma que eu não gosto de ser chamada de dona Laura.— alego, escutando sua risada.
— Toda vez que te chamo de dona Laura, é porque você me chama de senhor primeiro.
— É difícil não chamá-lo de senhor.
— Por que eu sou velho?
Nos encaramos e ficamos fitando os olhos um do outro. Até que o tabelião nos chama e me afasto, envergonhada.
Quando aparecemos juntos na frente da pessoa que vai realizar o matrimônio, escutamos;
— Só posso realizar o casamento, com a presença do noivo.
Entreolho para Arthur, sem graça, vendo o quanto aquele comentário o atinge.
— Eu sou o noivo.— diz.
— Ah sim, desculpe!— o homem que trabalha no cartório, conserta.
— As partes concordam com o casamento?
— Sim.
– A noiva precisa responder também.— o tabelião olha para mim.— É de acordo?
Miro pro mais velho, dividida.
— Sou sim! Eu quero me casar com ele.— declaro, e tomo atitude de segurar na mão do meu patrão, para eliminar qualquer suspeita.
O homem do cartório parece tão desconfiado, principalmente por conta da diferença de idade. Sempre as pessoas vão ter esse olhar de julgamento.
— Sendo assim, assinem os papéis.— estende.
Arthur assina primeiro e depois entrega para mim. Coloco meu nome e sobrenome no local.
— O noivo pode beijar a noiva.— por fim, ouvimos.
Ficamos de frente ao um outro.
O mais velho se inclina, dando um beijo no meu rosto. Um simples beijo na bochecha, faz as minhas pernas ficarem bambas.
Nos afastamos um do outro e lentamente nossos olhos se destacam na intensidade do momento. Não há um anel em meu dedo, e muito menos uma aliança no dedo dele.
Mas estamos casados.
Há uma insegurança dentro de mim, porque querendo ou não, Arthur agora é meu marido e será vai querer consumir o casamento ou apenas se casou comigo por pena?
Preciso conta-ló o quanto antes que ainda sou virgem.
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