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Último Suspiro para o Meu Fim

Cão de caça

...Misaka...

Tudo estava escuro.

Mas não uma escuridão comum — era o tipo de escuridão que respira. Que se encosta na sua pele. Que parece rir, baixinho, enquanto você sangra.

O chão era úmido. Cheiro de ferrugem e madeira podre.

Minhas mãos estavam presas atrás da cadeira. Meus pulsos queimavam, cortados pelas cordas ásperas.

A cadeira era de ferro. Enferrujada. Cruel. E imóvel.

Cada respiração doía. Cada piscada era uma luta.

Mas eu ainda conseguia pensar.

Na parede da frente, uma espiral. Pintada com algo… viscoso. Vermelho escuro. Fresco.

Israel Keyes.

O nome dele estava gravado dentro de mim como se fosse parte do meu DNA.

O homem que matou meus pais. Meu irmão. Que me levou. Que me usou como experimento.

Ele dizia que ia me tornar perfeita. Que meu cérebro era o único que valia o esforço.

E, de certo modo… ele conseguiu.

Mas agora, tudo estava acabando. Ou era o que parecia.

— “AQUI! TEM ALGUÉM VIVA AQUI!” — a voz ecoou com força. Feminina. Autoritária.

Luzes invadiram o lugar. Lanternas. Várias. Passos rápidos.

Pela primeira vez em semanas, ouvi vozes humanas que não vinham de um psicopata.

— “Sou a agente Cruz, FBI!” — a mulher se aproximou, armas abaixadas, olhos alertas. “Temos uma sobrevivente.”

Ela se ajoelhou na minha frente. Tocou meu rosto com cuidado.

— “Misaka Kaname... você está segura agora. Tá me ouvindo? Respira comigo. Vamos tirar você daqui.”

Minha boca tentou sorrir. Meu corpo não deixou.

As mãos de Cruz cortaram as cordas. Meu corpo caiu mole contra ela.

Ela me segurou com firmeza. Forte, mas gentil.

Eu tremia. Mas não de frio.

Do ódio. Da lembrança. Da marca que ele deixou.

Me colocaram numa maca. Cobertores térmicos. Oxigênio.

— “Vamos levá-la pro helicóptero. Está desidratada, ferida, mas consciente… por enquanto.”

Meus olhos ainda estavam abertos.

E no canto da sala, enquanto tudo girava ao meu redor…

Eu vi.

Uma câmera. Ligada. Luz vermelha piscando.

Ele estava assistindo.

Israel não terminou o jogo.

Ele só me deu a primeira jogada.

E mesmo enquanto o mundo escurecia de novo, uma última certeza me acompanhou até o desmaio:

> Eu vou encontrá-lo. Eu vou acabar com ele.

Sons mecânicos. Bipes. Vozes abafadas por paredes e distância.

O mundo voltou como se estivesse passando em câmera lenta.

Meus olhos abriram devagar. Luz branca. Teto estéril. O cheiro de hospital misturado com desinfetante e algo metálico. Meu braço estava preso por um tubo de soro. Meus lábios, rachados. Meu corpo, coberto por arranhões e hematomas.

Mas eu estava viva.

— “Ela tá acordando. Chama a Cruz.” — uma voz sussurrou.

Virei lentamente o rosto. Um enfermeiro. Jovem. Com medo nos olhos.

Instantes depois, ela entrou.

Agente Cruz.

Cabelos escuros amarrados com precisão militar. Rosto firme, mas com um traço de preocupação sincera nos olhos. Usava o blazer do FBI aberto, distintivo visível no peito, e uma prancheta que não tirava da mão.

Ela se aproximou devagar, como se eu fosse um animal ferido.

— “Misaka Kaname.”

— (eu pisquei lentamente em resposta)

— “Sou a agente Cruz. FBI. Você está segura agora. Foi encontrada num galpão abandonado em Ashbury. Sozinha. Acorrentada. Ferida. Mas viva.”

Ela puxou uma cadeira. Sentou ao lado da cama. A voz dela mudou — mais grave, mais pessoal:

— “Queremos saber tudo que puder contar. Sobre ele.”

Demorei para responder. Não porque não sabia.

Mas porque não queria que me tratassem como uma vítima.

Virei o rosto devagar para ela. Um sorriso fraco se formou nos meus lábios rachados.

— “Ele deixou uma câmera ligada.”

Ela congelou por meio segundo.

— “Você viu?”

Assenti.

— “Ele me deixou viva de propósito.”

— “Por quê?”

Minha voz saiu baixa, quase um sussurro:

— “Porque eu sou parte do jogo.”

Ela se inclinou para frente.

— “Misaka... o que ele fez com você nesses dois anos?”

Fechei os olhos por um instante. Senti o gosto de sangue velho ainda na garganta. As palavras vieram automáticas, como se minha mente estivesse narrando para si mesma.

— “Experimentos. Drogas. Privação de sono. Testes. Ele me observava, media reações. Mudava estímulos. Apagava minha memória e reconstruía. Tudo com lógica. Tudo calculado. Ele estava treinando... minha mente.”

Cruz me olhava com algo entre terror e fascínio.

Eu continuei:

— “E agora... ele quer ver o que eu faço com isso.”

Antes que Cruz pudesse dizer algo, um agente bateu na porta.

— “Temos movimentação. Ele fez outra vítima. Ontem à noite. Mesmo símbolo. Mesma assinatura.”

Cruz virou o rosto para mim, como se esperasse alguma reação.

Mas eu apenas sorri. Um sorriso leve. Lúcido.

— “Ele quer que eu vá atrás.”

Ela me olhou com cuidado, como se buscasse alguma instabilidade em mim. Mas não havia.

— “Você tem noção do que está dizendo?”

— “Tenho. Vocês vão seguir rastros. Eu vou seguir o padrão mental.”

— “Você acha que pode caçá-lo?”

— “Não.” — olhei nos olhos dela. — “Eu sei que posso.”

Cruz ficou em silêncio por alguns segundos. Depois se levantou.

— “Vou falar com os superiores. Eles vão querer analisar você antes de qualquer coisa. Mas…”

Ela hesitou. Quase imperceptível. Então concluiu:

— “...acho que Israel Keyes não esperava que você sobrevivesse com mais do que um trauma. Acho que ele cometeu um erro.”

Eu sorri de novo. Mais forte dessa vez.

— “O erro dele foi me deixar acordada.”

O quarto estava silencioso de novo.

Os agentes tinham saído. Cruz foi a última a me encarar antes de fechar a porta com aquele clique abafado, como se quisesse que eu descansasse.

Mas descansar?

Que piada.

Continuei olhando pro teto. A luz branca acima de mim tremeluzia levemente, como se estivesse cansada também. Cada segundo que passava era uma agulha fincada no centro da minha testa.

Minha mente não parava. Nunca parava.

Os fios da máquina ao lado apitavam meu batimento cardíaco, mas o que realmente batia dentro de mim era outra coisa: a raiva. E por baixo dela… uma clareza fria.

Suspirei.

— “Aquele filho da mãe...” — murmurei, ainda encarando o teto — “Fez tudo isso só pra me fazer correr atrás dele.”

Um sorriso torto surgiu nos meus lábios. Um sorriso cínico.

Quase… divertido.

— “Que romântico da parte dele.”

Soltei uma risada baixa, seca.

— “Ele me tortura, mata minha família, me quebra em pedaços... e agora espera que eu vá até ele como um brinquedo curioso que ainda não terminou de explorar.”

Virei lentamente o rosto para o lado. O reflexo no vidro do armário de remédios me mostrou: o olho esquerdo ainda inchado, o lábio partido… mas o mesmo sorriso. O mesmo olhar atento. Vivo.

— “Que patético.”

Fechei os olhos por um segundo.

E então, as palavras dele voltaram. Uma das últimas vezes em que me prendeu naquela cadeira escura, com fios conectados à minha cabeça.

> “Seu cérebro vai se tornar algo que nenhum ser humano teve. Você vai ver o mundo... pelo avesso. Cada emoção, cada mentira, cada falha. Eu só preciso ativar a última parte.”

Ele dizia isso como se estivesse me dando um presente.

E agora...

— “Saber ler pensamento, hein?” — falei sozinha, ironizando. — “Ah, ótimo. Sou uma telepata agora?”

Ri de novo. Mas dessa vez, com mais profundidade. Aquela risada amarga de quem já passou do ponto de volta.

— “Ou talvez só esteja ficando louca.”

— “Ou talvez...” — continuei, sussurrando — “...ele tenha criado exatamente o que queria: uma máquina de caça.”

A batida do meu coração parecia mais forte agora. Os sons ao redor mais nítidos. Eu podia ouvir os policiais falando do lado de fora da porta. Dois homens. Um deles com medo. O outro achando que estou frágil demais pra ser útil.

Idiotas.

Eles não entendem. Israel não deixou pistas. Ele deixou uma isca.

E essa isca sou eu.

Olhei para o soro pendurado.

— “Vamos, FBI... me deem alta logo.” — murmurei. — “Antes que eu me levante e vá sozinha.”

A espiral continuava girando dentro da minha cabeça.

Não era mais só um símbolo.

Era um chamado.

E eu estava pronta pra responder.

O tique-taque da máquina ao lado do meu leito era irritante.

Talvez fosse o batimento cardíaco. Talvez fosse só o tempo me lembrando de que ele estava à frente.

Israel.

Cada parte do meu corpo gritava. Mas a mente… ela estava afiada.

Mais do que nunca.

Eu não tinha pressa pra sair do hospital. Mas também não pretendia esperar por ninguém.

Se o FBI resolvesse me usar como uma ferramenta de investigação, ótimo.

Se resolvessem me afastar e me tratar como vítima… azar o deles.

Israel Keyes está lá fora. Matando.

Rindo.

Me provocando.

Ele não deixou pistas por descuido. Deixou porque quer me ver correndo atrás.

E quer ver quanto tempo levo até pensar como ele.

Idiota.

— “Se ele acha que sou só mais uma peça…” — murmurei, ainda com os olhos no teto — “...ele esqueceu que peças também aprendem a jogar.”

Minha voz era baixa, mas firme.

Não era a voz de alguém quebrada. Era a de alguém… desperta.

A porta do quarto se abriu.

Um agente desconhecido entrou. Jovem. Camisa branca por baixo do blazer azul do FBI. Fone no ouvido. Disfarçava mal a tensão.

— “Misaka. Cruz pediu pra avisar que você terá alta em dois dias. Os médicos ainda querem fazer alguns exames.”

Olhei pra ele. Apenas com um arquejo leve no canto da boca. Um quase-sorriso.

— “Exames.”

— “Sim. Neurológicos. E também psiquiátricos.”

— “Claro. Querem ver se a cobaia sobreviveu intacta.” — minha voz era neutra. Sem raiva. Só verdade.

O agente não respondeu. Apenas assentiu com a cabeça e saiu.

A porta se fechou devagar.

Eu ri. Sozinha. Baixo.

Dois dias.

Israel poderia matar outra pessoa nesse tempo. Ou desaparecer de novo.

Ou deixar mais um enigma com espirais e frases invertidas só pra me manter ocupada.

Mas ele ainda não entendeu.

Eu não sou parte da caçada. Eu sou o cão de caça.

Se o FBI quiser me ajudar, ótimo.

Se tentar me segurar, vou deixá-los para trás.

Porque a verdade é simples:

Eu não durmo desde que acordei naquela sala com sangue nas mãos.

E até encontrar Israel, eu não vou parar.

Nem por ordens. Nem por leis.

Nem por mim.

O jogo entre palavras

...Misaka...

Duas noites. Foi o que me prometeram.

Mas cada segundo ali dentro era um lembrete de que estavam me tratando como um quebra-cabeça instável. Um bicho raro.

Ou pior: uma prova viva.

Os fios estavam colados ao meu corpo. ECG. Oxigênio. Soro.

Como se estivessem me alimentando por pena.

Mas era exatamente o que eu precisava: uma distração.

Durante a madrugada, as luzes do hospital foram reduzidas. O silêncio era pesado, quebrado só pelos monitores e a ronda dos enfermeiros.

Foi ali que comecei.

Primeiro passo: desconectar o soro.

Tirei a agulha com cuidado, pressionando com a gaze.

Nada que doesse mais do que o que já senti. A dor física era um eco distante pra mim agora.

Peguei o tablet do suporte médico ao lado. Um modelo padrão, mas com acesso aos servidores internos do FBI. Eu reconhecia aquele sistema. Eu tinha estudado ele — não pelos livros, mas pelas noites em que Israel testava minha “capacidade de invasão” como um “jogo”.

Idiota.

Me ensinou a abrir portas achando que eu nunca ia usá-las contra ele.

Cinco minutos depois, eu já estava dentro da rede interna.

Nome do arquivo: KEYES_PATTERN_CASE_109-A

Atualizado pela última vez 3 horas atrás.

Sorriso.

Deslizei os dados com os dedos. O tablet era responsivo. Os mapas estavam marcados com pontos vermelhos. Nomes das vítimas. Datas.

Padrões temporais, padrões geográficos…

Não era o tipo de investigação que um esquadrão padrão faria em três horas.

Mas era o tipo de coisa que eu fazia em três minutos.

Falei em voz baixa, quase como um pensamento jogado no ar:

— “Intervalos de 11 dias, sempre em cidades com saída rápida pra estradas interestaduais… sem câmeras, sem digitais, sem sangue além da vítima. Mas…”

Deslizei o mapa de novo.

Zoom. Um ponto azul.

— “Essa vítima aqui. Mãe solteira. Dois filhos. Mas ela não morava sozinha. Tinha um namorado que sobreviveu. Foi ignorado.”

Toquei na ficha do sobrevivente: Eric Lang, 28 anos, entregador noturno.

Suspeito? Não.

Mas uma peça… que poderia ter visto algo.

Meus dedos pararam.

A mente girava mais rápido que a tela.

— “Israel... você nunca deixa sobreviventes.”

— “Então por que deixou esse cara?”

Fechei o tablet. Respirei fundo.

Eu sabia a resposta.

Porque ele queria que eu visse.

A porta do quarto se abriu. Um enfermeiro entrou, distraído.

Eu devolvi o tablet à posição original e recoloquei a agulha do soro com precisão milimétrica.

Ele nem percebeu.

— “Tudo certo por aqui?” — ele perguntou.

— “Tudo ótimo.” — respondi, sorrindo.

E era verdade.

Porque eu já tinha começado a caçada.

Mesmo presa àquela cama, eu estava mais livre do que qualquer um lá fora.

Com ou sem o FBI… eu vou até o fim.

E Israel?

Vai desejar nunca ter me deixado viva.

Na manhã seguinte, os médicos vieram me examinar.

Disseram que estavam “impressionados” com minha resistência. Que eu deveria ficar sob observação por mais um dia.

Sorria. Concordava. Dizia “obrigada” com educação.

Mas enquanto eles falavam, eu já estava memorizando os turnos de vigilância, a localização dos carros no estacionamento, a distância entre minha janela e o beiral lateral do hospital.

E na hora exata, quando os passos do guarda noturno ecoaram para longe…

Eu saí.

Vesti o jaleco de uma médica que dormia na sala dos fundos. Peguei uma máscara descartável. Abaixei o rosto, mantive o andar firme, sem hesitação.

Ninguém desconfiou.

Em minutos, eu já estava do lado de fora.

Peguei um táxi comum. Sem usar nome real, sem cartão.

Deixei o celular do FBI no quarto. Tinha um chip escondido na costura da minha roupa, o mesmo que Israel usava pra rastrear o padrão neural. Irônico.

Digitei o endereço no navegador:

> Eric Lang. 28 anos. Bairro Willowgate. Zona Leste.

Sobrevivente. Namorada assassinada. Diz que dormia na hora.

Mentira.

Ninguém dorme enquanto Israel mata.

O bairro era simples. Prédios baixos, fachadas desbotadas, fios expostos. O tipo de lugar onde as pessoas sobrevivem por hábito, não por escolha.

Desci do carro e caminhei até o apartamento dele.

Terceiro andar. Cortina rasgada. Caixa de pizza no parapeito.

Toquei a campainha.

Silêncio.

Toquei de novo.

Pisei mais forte. Não por impaciência. Mas pra deixar ele saber que não era a polícia.

A porta abriu parcialmente.

Um rosto surgiu. Olhos fundos. Camiseta suada. Cabelo oleoso.

Eric.

— “Quem é você?” — ele perguntou com voz cansada.

Sorri. Mas não com os lábios. Com os olhos.

— “Alguém que sabe o que você viu.”

Ele hesitou. A porta ainda entreaberta.

Ia negar. Eu sabia. Já estava vendo o pensamento nascer nele antes mesmo de falar.

Mas não me importava.

Porque no instante em que nossos olhos se cruzaram…

eu mergulhei.

Não foi como em filmes. Não era uma invasão visual, com flashes ou vozes altas.

Era sutil. Quase silencioso. Um sussurro atrás da mente dele.

Vi ele deitado no sofá. A luz apagada. A televisão ligada.

Mas o som que ele ouviu…

Um estalo.

Depois outro.

Ele se levantou. Foi até a cozinha.

E ali, ele viu. Só por um segundo.

Uma sombra. Alta. Máscara preta.

Israel.

A faca atravessando o peito da mulher dele.

Eric congelou. O medo paralisou até a voz. Ele correu para o banheiro e se trancou.

Foi covarde.

Mas Israel deixou ele viver.

De propósito.

Saí da mente dele devagar. Ainda havia suor na testa dele.

Estava pálido.

Ele recuou. Tentou fechar a porta.

Mas eu coloquei o pé.

— “Você viu ele.”

— “Eu… eu não sei…”

— “Você VIU.”

Ele tremeu. Não respondeu.

— “Ele deixou você vivo pra te transformar em testemunha. Mas agora você é uma peça. Ele quer que você diga as palavras certas pra mim. Ou talvez... as erradas.”

Eric engoliu em seco.

— “Ele... ele olhou pra mim. Antes de sair. Ele sabia que eu tava ali. Ele sorriu.”

Pausa.

— “Como se... como se soubesse que alguém viria perguntar depois.”

Fechei os olhos. Respirei fundo.

Israel estava jogando comigo desde o início.

Mas tudo bem.

O jogo dele está prestes a virar.

Me virei, descendo as escadas sem pressa.

Atrás de mim, Eric ainda tremia.

Ele não sabia, mas eu já tinha tudo que precisava.

Uma imagem. Um traço. Um olhar.

Um novo pedaço da espiral.

— “Você viu o rosto dele?”

Minha pergunta foi direta. Sem rodeios.

Eric empalideceu.

— “Não… não exatamente. Eu… só vi uma sombra.”

Mentira.

Não uma mentira completa — uma meia verdade, que é ainda mais útil pra mim.

Continuei olhando fixo nos olhos dele. Pupilas dilatadas. Narinas ligeiramente abertas.

O canto da boca se tensionou.

Ele sabia o que tinha visto.

Só não queria dizer.

— “Mas você SENTIU algo quando olhou pra ele, não foi?” — continuei.

— “Senti medo, claro.”

Outra resposta treinada. Superficial.

Qualquer um cairia.

Mas eu não era qualquer um.

Inclinei a cabeça. Me aproximei. Não agressiva.

Calma.

Precisa.

— “Medo é uma reação natural. Mas você não está reagindo como alguém com medo. Está reagindo como alguém em conflito. O que ele fez com você, Eric?”

— “Nada! Ele só… ele só matou a minha namorada, tá legal? Você acha que isso é pouco?”

Ele se irritou. Ótimo.

Pessoas irritadas mostram mais do que querem.

Observei.

Mãos trêmulas. Mas o olhar desviando para a esquerda. Sempre que eu dizia “rosto”, ele olhava para o mesmo canto da sala.

Análise:

📌 Ponto de fuga inconsciente.

📌 Ligado à memória visual.

📌 Algo que ele viu e quer esquecer, mas que ainda está ali.

— “Você o viu sem máscara, não foi?” — sussurrei.

Silêncio.

Ele não respondeu.

Mas não precisava.

Minhas capacidades de leitura de mente não funcionam como mágica.

São impulsos. Associações. Fragmentos que meu cérebro lê como linguagem.

Mas ser uma mentalista... isso era puro treino.

Treino que Israel, sem querer, aperfeiçoou em mim.

Abaixei o tom de voz. Me aproximei ainda mais, até estar a um passo dele.

— “Você viu algo estranho. Algo que não deveria estar lá.”

O silêncio dele me confirmou.

— “Você reconheceu ele, não foi?” — meus olhos buscaram os dele — “Ou… teve a impressão de que já o viu antes.”

Ele respirou fundo. Uma respiração pesada, engolida.

Acertou em cheio.

— “Você... você acha que ele não é só um assassino.”

Eric recuou. Seu corpo estava dizendo tudo o que sua boca não dizia.

— “Aquele olhar…” — ele sussurrou, sem perceber que falava — “Era como... como se ele já me conhecesse.”

Pausa.

Ali estava a verdade.

Não era só um medo aleatório. Era um medo personalizado.

Israel escolheu Eric. Não foi uma vítima aleatória. Foi uma mensagem.

Sorri.

— “Obrigada, Eric. Era só isso que eu precisava.”

Ele arregalou os olhos.

— “Mas eu não disse nada.”

— “Disse com o corpo inteiro.”

Desci as escadas. Meu coração calmo.

Minha mente, acesa como um campo elétrico.

Israel estava mudando as regras.

Agora ele queria que eu pensasse que já o conhecia também.

Queria que eu desconfiasse de tudo. De todos.

Mas ele se esqueceu de uma coisa.

> Eu fui treinada pra sobreviver num mundo sem lógica.

E agora, vou usar a lógica contra ele.

Ou mesmo usar tudo que eles fez comigo,dor ódio, tortura.Bem até lá vou caçar ele com todo meu ódio.

Sangue que fala

...Misaka...

Voltar foi fácil.

O turno da manhã estava começando. Enfermeiros distraídos, médicos apressados. A porta lateral do hospital ainda estava com a trava quebrada. Caminhei com o mesmo jaleco, mesmo passo confiante, como se tivesse apenas ido dar uma volta no jardim.

O mundo inteiro se move com base em percepção.

Se parecer que pertenço, ninguém vai perguntar se pertenço.

Cheguei ao corredor do meu andar.

Fingi cansaço. Passei pelas câmeras como uma sombra educada.

Empurrei a porta do quarto lentamente.

Estava escuro.

Silencioso.

Fechei a porta atrás de mim.

Suspirei.

— “Você demorou.” — disse uma voz na penumbra.

Meus olhos foram direto para o canto.

A cadeira ao lado da janela. A luz da rua iluminava o rosto dela com um brilho azulado e frio.

Agente Cruz.

Perfeita postura. Casaco nos ombros. Mãos cruzadas.

Ela me observava como se estivesse tentando montar um quebra-cabeça… que já sabe que está incompleto.

— “Estava esperando uma enfermeira, talvez?” — ela provocou.

— “Só saí pra tomar ar.” — respondi, tranquila, enquanto tirava o jaleco e voltava a deitar como se nada tivesse acontecido.

— “E o jaleco roubado foi por estética ou segurança?”

Sorri.

Ela era boa.

— “Você quer me prender, Cruz?”

— “Não.” — ela se levantou — “Se eu quisesse, você já estaria algemada na maca.”

Andou até a cama, parou ao meu lado.

— “Você fugiu. Rastrearam sua atividade digital no servidor médico. Acesso aos arquivos do FBI. Depois alguém com a sua descrição foi vista no bairro Willowgate. Prédio sem câmeras, entrada lateral. O mesmo endereço de Eric Lang, a testemunha do último caso.”

Ela se inclinou levemente.

— “Quer me contar o que você descobriu?”

Eu a encarei com calma.

Meu sorriso ainda no rosto.

— “Você quer mesmo saber? Ou só tá testando até onde eu vou com isso?”

— “Quero saber se posso confiar em você, Misaka.”

Me sentei devagar. O braço ainda preso ao soro. Mas os olhos firmes.

— “Você não pode.”

Silêncio.

— “Eu sou imprevisível. Quebro regras. Minto. Espio arquivos secretos. Leio pensamentos de testemunhas e saio sem deixar rastro.”

Ela cruzou os braços.

— “E mesmo assim, está cooperando?”

Assenti.

— “Porque, diferente de vocês, eu sei o que ele vai fazer a seguir.”

Cruz ficou em silêncio. Mas os olhos dela diziam tudo:

Interesse. Dúvida. Uma pitada de respeito.

— “Você tá brincando com fogo.” — ela disse.

— “Eu sou o fogo.”

Ela respirou fundo. Depois pegou algo do bolso: um crachá.

— “Oficialmente, você não é uma agente. Mas o diretor autorizou sua presença na força-tarefa como ‘consultora especial’. Sob minha supervisão.”

Olhei para o crachá. Peguei. Senti o peso metálico.

— “Isso é confiança?”

— “É necessidade.” — ela respondeu.

Ela virou-se para sair, mas antes de alcançar a porta, parou:

— “Uma última pergunta.”

— “Hm?”

— “Você realmente pode... ler mentes?”

Sorri.

— “Não. Mas as pessoas gritam verdades quando tentam esconder mentiras.”

Ela riu. Pela primeira vez.

E saiu.

Fiquei sozinha no quarto.

O crachá na mão.

O peso da caçada começando a se encaixar sobre meus ombros.

Israel me ensinou a sobreviver.

Agora vou ensinar ele a fugir.

Só que dessa vez… não vai funcionar.

Deitada na cama, com o lençol cobrindo até a cintura, fiquei encarando o crachá que brilhava sob a luz artificial do hospital.

Frio. Rígido. Oficial.

“Consultora Especial – FBI”

Quase irônico.

Um dia eu estava acorrentada, sendo torturada por um psicopata.

Agora eu estava contratada pra caçá-lo.

Pensei por longos minutos.

Nas vítimas.

No rosto de Eric Lang.

No que ele não teve coragem de dizer.

A tensão finalmente me puxou para o sono. Um daqueles breves e fundos… onde a mente ainda fica ativa, mesmo dormindo.

Acordei no dia seguinte com o sol forçando sua entrada pela janela.

Me sentei na cama. O corpo ainda doía, mas a mente estava alerta.

Levantei.

Coloquei o crachá no bolso interno do casaco cinza que estava pendurado no cabide. Calcei os tênis.

E saí andando pelos corredores.

Passei por três câmeras.

Em todas, percebi o mesmo movimento:

📹 O eixo da lente girava ligeiramente para cima, depois voltava.

Sempre que eu passava.

Coincidência?

Não quando se repete três vezes.

Andei até o andar da segurança. O hospital usava um sistema central de monitoramento — padrão em instalações com apoio federal.

Esperei o momento certo. A troca de turno. O operador saiu pra tomar café.

Entrei sorrateiramente na sala.

Observei os monitores.

Nada.

Câmeras funcionando normalmente.

Sem sinais de loop.

Sem sobreposição.

Sem falha de gravação.

Mas eu sabia.

Aqueles movimentos não eram técnicos.

Alguém estava olhando direto pra mim.

Ou pior: alguém queria que eu soubesse que estava sendo observada.

Voltei pro quarto com esse pensamento latejando na mente.

Abri a porta com cuidado.

Dentro, estavam quatro pessoas.

Postura de profissionais. Olhares atentos. Uma presença militar leve, mas inegável.

Agente Cruz estava de pé, à frente deles.

Ela olhou pra mim com aquele tom firme que eu já começava a conhecer.

— “Bom dia, dorminhoca. Hora de trabalhar.”

Assenti, me aproximando.

Ela apontou para os três atrás dela.

— “Essa é sua equipe. Ou melhor, a nossa equipe.”

Indicou o primeiro homem, alto, braços cruzados, barba por fazer e olhos de quem já viu muita coisa.

— “Agente Leon Takeda. Especialista em perfil criminal e interrogatórios.”

Ele fez um aceno com a cabeça. Poucas palavras, postura sólida.

Depois, virou para o segundo. Mais jovem, com tablet nas mãos, postura reta, olhos afiados como laser.

— “Agente Theo Vasquez. Análise de dados, rastreios digitais e drones.”

Ele sorriu de leve, educado. Profissional, mas curioso com minha presença.

Por fim, apontou para a mulher.

Cabelos presos, olhos escuros, expressão séria, como se estivesse constantemente avaliando o risco de tudo ao redor.

— “Agente Camila Duarte. Armas, combate e tática de invasão.”

Camila apenas me olhou por um segundo. Depois voltou a observar a porta, os cantos. Ela era o tipo que não deixava brechas — e não confiava em ninguém facilmente.

Cruz concluiu:

— “Eles estão aqui porque confiam em mim. E agora… precisam aprender a confiar em você.”

Silêncio.

Eles me observavam.

Eu os observei também.

Rostos. Posturas. Tensão muscular. Microexpressões.

Ninguém ali estava confortável com a situação.

Perfeito.

Desconforto é o melhor estado pra se pensar.

Sorri de leve.

— “Vamos começar, então?”

A sala tática do FBI no hospital ocupava metade do andar superior, transformada temporariamente em quartel-general. Mesas com telas, quadros de vítimas, mapas com alfinetes vermelhos, uma impressora de alta precisão jogando fotos recentes na bandeja.

Cruz abriu espaço pra mim na frente da lousa.

A equipe se espalhou ao redor, atentos.

Peguei o marcador. Escrevi a data da última vítima:

02/03/2030.

Abaixo dela, adicionei as anteriores. Todas espaçadas por um padrão específico.

— “Intervalos de 11 dias, sempre.” — comecei.

Theo Vasquez já abriu o tablet, cruzando com os dados.

— “Confirmado. Até agora ninguém tinha notado esse ciclo.”

— “Israel não deixa rastros óbvios. Ele se diverte deixando padrões invisíveis — pra quem não sabe onde procurar.”

Leon Takeda cruzou os braços.

— “Você parece conhecer ele bem.”

— “Ele me fez. Por dentro e por fora.” — minha voz não tremeu. — “Isso aqui…”

Apontei para os mapas.

— “Não são só crimes. São mensagens.”

Camila, impaciente, se aproximou da mesa:

— “Então o que ele quis dizer deixando o sobrevivente vivo?”

Olhei pra ela.

— “Que eu estou atrasada. Que ele já está na próxima jogada.”

Parei. O silêncio caiu sobre a sala.

— “E se meu cálculo estiver certo… o próximo assassinato vai acontecer hoje.”

📟 BEEP BEEP BEEP — O alerta no computador de Theo explodiu no mesmo instante.

— “Temos uma ocorrência!” — ele disse, os olhos arregalados — “Polícia local reporta: mulher encontrada morta em casa, mesmo símbolo da espiral no espelho. Local: distrito de Hamilton.”

Cruz já estava pegando o casaco.

Camila checou a pistola.

Leon abriu o mapa tático.

Theo iniciou a transmissão de dados.

Eu apenas… sorri.

Como se já soubesse.

— “Vamos?” — perguntei.

Cruz me olhou com atenção. Um segundo de hesitação, depois assentiu.

— “Vamos.”

Descemos juntos. Cinco vultos caminhando rápido pelos corredores do hospital. Os enfermeiros desviavam. Os médicos observavam com curiosidade.

Eu estava entre eles. Não como paciente. Mas como peça central.

Na van do FBI, o painel digital atualizava em tempo real.

Theo passou os dados para a tela central.

— “Mulher, 31 anos. Enfermeira. Morava sozinha. Porta da frente trancada por dentro. Nenhuma testemunha. Nenhuma digital.”

— “Mas uma espiral no espelho?” — perguntei.

— “Sim. Com sangue. Da vítima.”

Inclinei a cabeça, absorvendo.

Leon dirigia. Camila monitorava o GPS com mão firme.

Cruz, ao meu lado, virou levemente para mim:

— “Você disse que ele queria te levar até ele. Então por que seguir matando?”

Olhei pra ela.

Firme. Sem piscar.

— “Porque ele não quer que eu chegue fácil. Ele quer que eu mereça chegar.”

E eu vou.

Por cima dos corpos que ele deixar.

Pelas verdades que ele enterrar.

Esse jogo termina comigo.

E eu nunca perco um jogo mental.

A van do FBI parou em frente à casa. Um sobrado simples, cercado por fita amarela da perícia. Vizinhos atrás das janelas. Um ou outro jornalista forçando a aproximação.

Leon e Camila saíram primeiro, indo direto para os policiais locais.

Cruz parou na minha frente antes que eu descesse.

— “Você espera aqui fora.”

Pisquei. Devagar.

— “Desculpa. O quê?”

— “Você ouviu.” — ela disse firme, o blazer balançando com o vento — “Sou responsável por você. Não tem ordem oficial liberando sua entrada ainda.”

— “Sou consultora, não prisioneira.” — minha voz ainda calma.

— “Sou a única coisa entre você e uma cela se fizer algo errado.”

— “E você acha que vai me parar?”

Ela respirou fundo. Olhou bem nos meus olhos.

— “Acho que você é inteligente o bastante pra não me obrigar a tentar.”

Silêncio.

A tensão entre nós era elétrica.

Depois de alguns segundos, virei o rosto, irritada.

— “Certo. Esperando. Como uma boa civil.”

Cruz assentiu e entrou com os outros.

Fiquei parada na calçada. Os olhos no portão. Os braços cruzados. A paciência derretendo como vela.

— “Idiota. Cuidar de mim como se eu fosse um copo de cristal rachado…” — murmurei.

Até que percebi.

📍 Uma silhueta, rápido demais, se afastando por trás da casa vizinha.

Alguém correndo.

Mas não como vizinho curioso.

Corria como quem estava fugindo.

Minha mente disparou antes do corpo.

Me movi.

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