Poesias Do Jardim
Capítulo 1 – Ferrugem, Pétalas e Arrogância
O sol estava a pegar pesado. Daqueles que colavam a camiseta nas costas e faziam até os passarinhos calarem a boca. Eu estava com as mãos sujas de terra, ajoelhada perto dos hibiscos, e um espinho recém-descoberto no mindinho lembrava-me por que eu devia ter usado as luvas.
Mas nada no mundo me irrita mais do que ouvir o meu pai gritar o meu nome justo quando eu estava ganhando a guerra contra as formigas.
Winston
— Tay! Leva essa caixa pro Josh, ele tá lá nos fundos com o motor!
Taylor
Josh?
Não.
Não mesmo.
Não esse nome.
Eu virei o rosto devagar, já sentindo o sarcasmo subindo como bolhas de sabão prestes a estourar.
Taylor
— Que tal o senhor levar, já que é seu melhor amigo e tudo?
Winston
— E perder a chance de você socializar? Nem morto, minha filha.
Peguei a caixa com um bufar silencioso, deixando que o peso dela afundasse um pouco mais os meus passos na terra seca. Ferramentas, parafusos, o cheiro de graxa — ótimo. Perfeito. Nada mais romântico do que entregar coisas pesadas para um poeta de meia boca com cara de quem sabe demais.
Eu não via Josh Wayne há dois anos. Desde o enterro da esposa dele. Desde aquele dia em que ele tentou fazer piada no meio do velório e eu quase joguei uma flor na cara dele.
Ele sumiu.
E agora, lá estava de novo.
Me aproximei da parte de trás do ferro-velho onde o fusca 59 azul céu esperava por um milagre. E lá estava ele, agachado, camisa aberta até o meio do peito, cigarro no canto da boca e o sorriso maldito no canto dos olhos.
Josh
— Sabia que o céu clareava diferente aqui. Mas acho que era você mesmo chegando.
Taylor
— Aqui. As ferramentas. Tenta não ferrar com o motor como você fez com a sua última máquina de escrever.
Josh
— Você ainda lembra disso? Meu coração. Tô emocionado.
Ele pegou a caixa, mas deixou os dedos tocarem os meus por meio segundo a mais do que precisava. Clichê barato.
Josh
— Achei que você fosse me matar assim que me visse.
Taylor
— Ainda tô decidindo. Não crie esperanças.
Josh
— Você tá bonita, ruiva. Suja, mas bonita.
Taylor
— Você ainda é um incômodo, Josh. Só que agora mais suado e com cara de quem quer drama.
Me virei sem esperar resposta.
Mas ouvi.
A voz dele veio baixa, meio rindo, como uma provocação jogada ao vento:
Josh
— Cuidado com as flores, Tay. Tem algumas que só florescem quando são provocadas.
Capítulo 2 – O Jantar e o Mero Convidado.
Winston pensava que comida resolvia qualquer problema. Gente morrendo de tédio? Frango assado.
Silêncio constrangedor? Purê de batata.
Visita indesejada no jantar?
Claro, legumes com arroz e Josh Wayne na cabeceira.
"Por que ele está aqui mesmo?"
Eu sussurrei, enquanto lavava as mãos e sentia o cheiro do alho invadir a cozinha como um aviso divino.
Winston (gritando da sala): "Porque ele é da família, oras. E família janta junto!"
“Família!”
Que ótimo. Eu devia ter regado as plantas venenosas hoje.
Mesa posta. Toalha xadrez. Rádio baixinho tocando Ella Fitzgerald.
Josh (sentado, sorrindo com o garfo na mão):
Josh
— Parece que alguém aqui sabe cozinhar melhor do que cultiva cactos, hein?
Taylor
— Engraçado. Pensei que você só alimentasse o seu ego.
Josh
(rindo):
— E ele tá bem alimentado, obrigado.
Winston
— Vocês dois são fogo. Só quero terminar o meu jantar em paz, antes que um dos dois joguem purê no outro.
Taylor
— Não seria a primeira vez.
Ele estava confortável demais.
Sentado como se sempre tivesse pertencido ali.
Como se o lugar dele tivesse ficado vago esse tempo todo, esperando ele voltar.
Odiava isso.
Winston
(levantando com um suspiro):
— Vou tirar uma soneca no sofá. Se ouvirem um ronco, é só me cobrir com uma toalha.
Rindo sozinho, desaparece na sala.
Taylor
(pegando os pratos):
— Ótimo. Sobrou pra mim.
Josh
(pegando um pano de prato e encostando-se no balcão):
— Eu ajudo.
Taylor
(olhando com desconfiança):
— Sabe o que é um pano de prato, poeta?
Josh
— Claro. É a coisa que você me joga quando quer que eu cale a boca.
Ele estava ali. Perto demais.
Meio encostado, meio invadindo.
E tinha aquela mania horrível de olhar-me como se estivesse a ler um livro que eu ainda não escrevi.
Josh
(baixinho, enquanto seca um prato):
— Eu senti falta disso.
Taylor
(seca):
— De lavar louça?
Josh
— De você.
(Pausa.)
— Dessa sua forma encantadora de esconder carinho atrás de sarcasmo.
Os meus dedos pararam na água quente.
Ele tinha esse poder. De deixar tudo em silêncio, mesmo com o rádio ligado.
Maldito charme empoeirado.
Taylor
(virando-se lentamente):
— Eu não sou a mesma de antes, Josh.
Josh
(com olhar firme):
— Nem eu. Mas talvez o que restou da gente... ainda encaixe.
Josh
(sorrindo):
— Só do seu veneno, ruiva.
E ali, na cozinha da casa do meu pai, com o cheiro de alho no ar e pratos pingando água,
eu soube que a paz estava oficialmente ameaçada.
Capítulo 3 – Um Chá Amargo
O som do motor antigo parando em frente de casa era diferente.
Não era barulho de fusca.
Era... elegante demais.
Cínico demais.
Polido como um sapato brilhando barro.
Espiei pela janela da sala de estar. Um carro preto. Dos grandes. Teto de vinil.
E um homem de terno cinza saindo devagar, como se o mundo tivesse sido feito para ele pisar.
Winston
(gritando da oficina):
— RICK! MEU VELHO!
— Tá inteiro ainda?
Rick Holloway.
Não via esse nome desde o dia em que o meu pai vendeu a máquina de solda por impulso.
Um "bom negócio", ele disse.
Demorou duas semanas para perceber que levara um balde no lugar da máquina.
Rick Holloway
(sorrindo, estendendo a mão com um anel de ouro):
— Winston! Você tá com a mesma cara de quem bebe café gelado e dorme pouco.
E essa moça...
— Seria a pequena Taylor? Virou uma bela mulher.
Taylor
(seca):
— Bela não sustenta motor nenhum, senhor Holloway.
— Em que posso ajudar?
Rick Holloway
(rindo, fingindo modéstia):
— Direta. Como a mãe.
Vim conversar com seu pai sobre uma oportunidade.
Investimento, expansão... quem sabe até aposentadoria adiantada?
(pensando):
A palavra “aposentadoria” nunca soava certa na boca de homens ricos.
Eles diziam como quem oferece um presente.
Mas soava como veneno em papel brilhante.
Winston
(com um brilho no olho que me preocupava):
— Ele diz que tem um terreno numa fazenda perto de Chutneys Hill...
— Quer me colocar como sócio, Tay. Um terreno plano, fácil de vender.
Taylor
— Está a dar terreno agora, Rick?
— Ou vendendo com juros invisíveis?
Rick Holloway
(sorriso congelado):
— A sua filha é afiada, Winston.
Mas eu entendo. O mundo de hoje é feito para quem desconfia de tudo.
Entretanto que, às vezes, a oportunidade bate só uma vez.
Taylor
— E às vezes, a porta está trancada por um bom motivo.
Eu vi o jeito como ele olhou para o terreno ao lado da casa.
Como se calculasse medidas e lucros.
Taylor
— Desculpa, mas agora tenho flores pra regar.
E nenhuma delas floresce sob promessas falsas.
Rick Holloway
Ainda sorrindo):
— É claro.
— Só espero que você não impeça o seu pai de crescer por medo de mudanças.
Taylor
(se virando de costas):
— E eu espero que você saiba que algumas raízes não se arrancam fácil.
Rick entrou como brisa de primavera.
Mas eu senti o frio de inverno no calcanhar dele.
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