⚠️ AVISO DE GATILHOS - (TRIGGER WARNING)
Esta obra contém temas sensíveis e intensos, que podem ser gatilhos emocionais para alguns leitores.
Entre os conteúdos abordados, estão:
• Violência física e psicológica
• Relacionamentos abusivos
• Abuso de poder
• Tortura
• Justiça com as próprias mãos
• Conteúdo sexual explícito
• Traumas emocionais
• Manipulação e vingança
• Tráfico humano e crimes contra crianças (mencionados indiretamente)
A leitura é destinada a maiores de 18 anos e deve ser feita com responsabilidade emocional.
Caso você seja sensível a algum desses temas, considere com cautela a leitura.
Se em qualquer momento da leitura você se sentir desconfortável, ansioso(a) ou emocionalmente abalado(a), pause, respire e, se necessário, procure apoio.
Boa Leitura! 😊
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Capítulo 1
O salão estava repleto de luzes quentes e taças de cristal. As risadas da elite italiana ecoavam entre as paredes de mármore branco enquanto músicos de terno tocavam um suave jazz ao fundo. Lara Scott caminhava com elegância pelos corredores do evento de gala promovido pelos pais Alessandro e Helena Scott, os advogados mais temidos e respeitados da Itália.
Ela, no auge dos seus 24 anos, prestes a se formar em Direito, representava tudo o que uma jovem promissora deveria ser: educada, gentil, inteligente. Mas havia algo em seus olhos um brilho perdido, como se tentasse desesperadamente esconder feridas profundas sob aquele vestido dourado impecável.
Clara e Vanessa, suas “melhores amigas”, circulavam ao redor dela como serpentes perfumadas. Sempre sorrindo, sempre bajulando, mas com olhos que reviravam às escondidas.
— Você viu quem chegou? — sussurrou Vanessa, segurando uma taça de espumante com dedos finos demais para serem confiáveis. — Henry Castelli. Dizem que ele é dono de metade dos vinhedos da Toscana… e da outra metade do submundo.
Lara franziu a testa.
— Castelli? Nunca ouvi falar.
— Claro que não, querida — Clara rebateu, com um sorriso de veneno doce. — Ele não anda no mesmo círculo que... gente certinha.
Lara não respondeu. Havia aprendido que discutir com Clara era como tentar argumentar com uma cobra: ela sempre deixava a marca dos dentes no final.
Mas ao se virar para buscar uma bebida, Lara o viu.
Alto, de terno preto sob medida, barba milimetricamente alinhada e olhos de um cinza tão profundo que pareciam esvaziar tudo ao redor. Henry Castelli.
Ele estava parado, como se o mundo inteiro girasse em câmera lenta à sua volta. E seus olhos frios, atentos pararam nela.
Não foi uma troca de olhares. Foi um impacto. Um disparo sem som.
Henry aproximou-se com passos calculados. Parecia saber exatamente o que fazer, como fazer. E isso, de alguma forma, a fez estremecer.
— Lara Scott — disse ele, sem perguntar. Apenas afirmando. — Finalmente nos conhecemos.
— Desculpe, eu… nos conhecemos?
— Ainda não. Mas eu te observei. E já sabia que uma hora ou outra, a gente se encontraria.
Ela deveria ter recuado. Ela sabia disso. Mas não recuou.
— E por que teria interesse em mim?
O canto da boca dele se curvou em um sorriso imperceptível.
— Porque por trás dessa doçura... eu vejo uma fera adormecida.
Ela engoliu seco. A música parecia ter silenciado. Pela primeira vez, alguém não a via como a garotinha dos Scott. E isso a assombrava... e encantava.
Naquele momento, Lara não sabia que aquele homem era responsável por desaparecimentos, transações milionárias e sentenças de morte executadas em becos escuros.
Mas sabia que, de alguma forma, ele veria todas as partes dela que o mundo ignorava. Até mesmo aquelas que ela mesma negava.
E isso… era perigosamente viciante.
Lara encostou a cabeça no vidro frio da janela de seu quarto. A noite silenciosa da mansão contrastava com o caos em sua mente. A conversa com Henry Castelli repetia-se como um disco quebrado. O modo como ele sabia seu nome, a firmeza de sua presença, aquele olhar que parecia atravessá-la até o âmago.
Como alguém podia ser tão intimidador… e tão sedutor ao mesmo tempo?
"Por trás dessa doçura... eu vejo uma fera adormecida."
Essas palavras ainda queimavam dentro dela.
Talvez ele só estivesse brincando. Talvez fosse só mais um homem acostumado a manipular. Mas então por que sentia que havia verdade ali? Por que sentia que ele enxergava algo que ninguém via?
Ou pior… algo que ela tentava esconder até de si mesma.
Ela fechou os olhos respirou fundo, precisava esquecer ou tentar.
Na manhã seguinte, Lara se arrumou para a aula na universidade. Calça jeans, blazer bege claro, cabelo solto, sem maquiagem. Simples, como sempre. Ela não precisava se destacar pelo menos era o que repetia a si mesma. Já bastava ser a filha dos Scott. Já bastava carregar um sobrenome que pesava como uma sentença.
Na porta da faculdade, Clara a esperava encostada no carro importado que o pai tinha “presenteado” após uma chantagem emocional qualquer.
— Dormiu com o Henry Castelli ou só se derreteu na frente dele? — disse Clara com aquele sorriso disfarçado de brincadeira.
Lara travou por um segundo.
— Claro que não. Só trocamos poucas palavras.
Vanessa surgiu por trás com o café na mão, como quem já sabia de tudo.
— Poucas palavras? Ele mal tirava os olhos de você. Aposto que está no seu direct agora.
— Eu nem dei meu número.
— Homens como ele não precisam pedir, Lara — disse Clara, com os olhos cravados nela. — Eles tomam.
Aquelas palavras, ainda que ditas em tom de piada, deixaram uma sombra no ar. Era sempre assim. Entre elogios sutis, vinham as pequenas farpas. As comparações. As dúvidas plantadas.
Lara suspirou. Tentava acreditar que as duas eram apenas sinceras demais, “brincalhonas”. Mas com o tempo, as rachaduras começavam a doer.
Horas depois, já na sala de aula, Lara se preparava para entregar seu trabalho final da disciplina de Direito Penal um dossiê complexo sobre a ineficácia da punição aos crimes sexuais na Europa. Tinha trabalhado dias naquele conteúdo.
Mas quando foi entregar o arquivo impresso, notou algo estranho: as páginas estavam misturadas, com parágrafos faltando, argumentos mal formatados… completamente diferente da versão que havia revisado e salvo.
— O que... aconteceu com isso? — murmurou em choque, folheando as folhas.
— Algum problema, Lara? — perguntou o professor, impaciente.
Ela gaguejou. Não tinha como provar ali, mas sabia que algo estava errado. Seu arquivo havia sido sabotado. E não era a primeira vez que isso acontecia.
Ao sair da sala, viu Clara e Vanessa rindo ao fundo do corredor. Vanessa segurava o celular, mostrando algo para Clara e o olhar que ambas lançaram a Lara dizia tudo.
Elas tinham feito aquilo.
E como sempre, sairiam impunes.
— Acho que alguém vai ter que fazer recuperação, né? — disse Clara, passando por ela como se não tivesse acabado de puxar seu tapete.
— Você deve ter salvo errado — completou Vanessa, falsa preocupação na voz. — Acontece com os mais... distraídos.
A raiva subiu, mas Lara engoliu. Engolia há anos. Por medo. Por não querer arrumar briga. Por ter crescido ouvindo que “conflitos só mancham reputações”.
Mas agora, depois do olhar de Henry… algo estava mudando dentro dela.
Pela primeira vez, ela começou a pensar: E se eu parar de engolir? E se, ao invés de calar, eu reagir?
E se... a tal fera acordasse?
Na superfície, Lara tinha tudo: uma família de prestígio, uma faculdade de elite, um círculo social influente. Mas por dentro, sentia-se como uma boneca de porcelana presa em uma prateleira alta, bonita, admirada, mas sem liberdade de escolha.
A sabotagem do trabalho ainda latejava como um hematoma em sua autoestima. Ela sabia que não era um erro seu. Sabia que aquelas duas Clara e Vanessa estavam por trás daquilo. Mas mais uma vez, silenciou.
Silenciar era mais fácil. Era o que havia aprendido desde pequena: mantenha a postura, sorria, não exponha fraquezas. Seus pais têm um nome a zelar.
No dia seguinte, Clara foi até sua casa “preocupada”.
— Amiga, eu trouxe chocolate e vinho. Você tava tão estranha ontem… achei que podia animar você.
Lara abriu a porta com expressão cansada. Sabia que havia veneno atrás daquele gesto. Mas... estava exausta demais para enfrentar.
— Entra.
Sentaram-se na varanda da casa. Clara despejou vinho nas taças enquanto sorria, mas os olhos varriam o ambiente como quem vasculhava oportunidades.
— Sabia que o Tomás tá de volta? — soltou ela, casualmente.
O nome bateu como um soco no estômago de Lara.
— Ele voltou? Por quê?
— Parece que conseguiu um estágio em Milão… com apoio do pai. Mas... disse que ainda pensa muito em você.
Lara franziu a testa.
— Você falou com ele?
Clara hesitou, mas deu um sorriso.
— Ele me chamou no Insta. Perguntou se você ainda tava com aquele jeitinho fofo. Eu disse que sim. Que você ainda se magoa fácil.
Lara travou.
Era aquilo. Sempre aquilo. Clara a entregava de bandeja. A pintava como frágil. Como tola.
— Eu não quero contato com ele, Clara. Ele me destruiu por dentro. Me manipulou, me traiu, me humilhou.
— Ai, Lara... você leva tudo tão a sério. Ele errou, claro, mas era tão apaixonado por você.
Vanessa chegou logo depois, sem ser convidada, como sempre.
— Amores! Gente, eu trouxe pizza e fofoca — disse entrando na varanda com o próprio vinho na mão. — Sabem aquela garota que passou na prova de estágio da promotoria? Pegou um professor casado. Todo mundo sabe, mas finge que é mérito.
Lara desviou o olhar.
Aquelas eram as conversas delas. Sempre diminuindo outras mulheres. Sempre usando o veneno como maquiagem.
Durante toda a noite, Clara e Vanessa alternaram fofocas, risadinhas e indiretas. Falaram de Lara como se fossem suas conselheiras, mas enfiaram facas invisíveis em cada frase.
》 “Você é tão boazinha, Lara. Quase uma santa. Só tem que aprender a ser menos... mole.”
》 “Sabe o que falta em você? Maldade. Um pouco só. Pra sobreviver nesse mundo.”
》 “Você nunca vai segurar um homem forte, tipo o Henry, sendo desse jeitinho.”
Era isso. O padrão. Elas a diminuíam sutilmente, dia após dia, para que ela nunca se visse como era: poderosa. Inteligente. Forte. Perigosa.
E pela primeira vez... Lara sentiu nojo.
Não delas. Mas de si mesma, por aceitar aquilo tanto tempo.
Quando as duas foram embora, ela foi direto para o quarto. Trancou a porta. Sentou no chão com os olhos marejados.
Pegou o celular e abriu uma pasta secreta de documentos no Google Drive. Ali estavam todos os prints que havia salvo de conversas abusivas com Tomás, mensagens antigas das manipulações de Clara, prints de comentários maldosos de Vanessa sobre outras colegas.
Ela lia aquilo como se estivesse analisando um caso.
E pela primeira vez, pensou:
"Eu sei como destruir gente como vocês. Só preciso parar de me calar."
Naquela noite, não dormiu. Mas algo dentro dela acordou.
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